segunda-feira, 19 de abril de 2010

Negocio cancelado

- Olá! Tudo bem?
- Tudo e vc. Já resolveu aquele assunto?
- Mais ou menos, tem-se de ter cautelas, mas amanhã é um bom dia para resolver pendências.
-Amanhã? É muito em cima, apesar da urgência da coisa, além de tudo vai haver sessão
-Sessão!Amanhã? O que houve? Mudaram a pauta?
- Extraordinária. Assuntos sigilosos precisam ser tratados, por isso a convocação extraordinária e sigilosa!
-Vai dar merda isto em! Este negócio de sigiloso compromete desde o momento em que se declara tal sigilo.
- Sim, mas o assunto nosso é outro, embora com mais sigilo ainda e  precisa ser resolvido, não se pode dar asa ao tempo, demora muito e as partes interessadas terminam desistindo.
- Duvido, isto envolve muita coisa para uma desistência assim.
- Está bem, e como ficamos? Não podemos tratar este negócio pelo telefone. O assunto exige presença física, olho no olho, riscos menores.
- Quinta feita, depois da sessão normal.
- A que horas?
- Não sei, você bem sabe que temos hora para começar, nunca para acabar.
- Parece que temos dificuldades não é? Como posso acertar a sua pauta com a minha? Esta indefinição é ruim. Lembre-se que tem outros envolvidos, tudo tem que estar nos conformes atendendo a conveniência de todos.
- Não se preocupe, assim que as primeiras indicações de término da sessão se fizerem presentes, dou um toque.
-Ok. Vou esperar.
- Não falamos em local. Onde?
- Temos que ser discretos, bem sei!
-Sim, mas onde?
- Um amigo me cedeu um local.
-Você confia na pessoa? Olhe que é melhor ninguém saber de nada. Nestas horas os amigos são os primeiros a tirar o corpo fora e entregar o jogo.
- Não este tem esquema, portanto, tem de ficar caladinho, não vai acontecer nada.
-É preciso levar alguma coisa?
-Claro que não, lá a gente resolve tudo, os contatos serão feitos na hora certa e, com certeza, tudo estará pronto no momento certo, não se preocupe.
-Este local do seu amigo é mesmo discreto?
- É sim, já disse: Nao se preocupe, tudo vai dar certo, mas tenho de desligar agora, pessoas estão querendo falar comigo aqui no gabinete, tenho de atender, não tenho saída.
Até quinta.
Sexta feira, dia posterior ao encontro programado, que não aconteceu por impossibilidade total dos interessados, cada um com problemas mais de que pessoais, ela recebe uma convocação do Presidente do Tribunal, ele também. Chegam ambos na ante-sala da presidência no mesmo horário, olham-se e estranham estarem os dois ali. Coincidência? Obra do destino?. Discretos, nem se olham direito, cumprimentam-se, apenas, como dois colegas de profissão que se encontram. Ela percebe que os funcionários os olham de uma maneira estranha, como se quisessem perceber o que não podia ser percebido, talvez pela própria culpa achava que eles já sabiam de tudo.
São chamados os dois, maior surpresa ainda, para entrarem no mesmo momento na sala. Lá dentro estão o Presidente, o Corregedor, uma pessoa estranha aos quadros, ou ao menos, não conhecido dos dois, convidados a sentar, o  fazem ambos com uma tremenda interrogação na face.
O presidente começa uma lengalenga e de repente diz que todos estão ali porque já sabem de nossos planos, que há muito que vêm gravando os nossos contatos telefônicos e que agora precisam de maiores esclarecimentos, caso contrário, vão entregar tudo a Policia Federal para as devidas investigações.
Os dois entreolham-se atônitos. O que se passa? De que estão falando?O que dizer? Ambos sabiam que tinham um pacto de silêncio e que este teria de ser mantido a qualquer custo, muitos seriam prejudicados, melhor dizendo, magoados, se dissessem qualquer coisa.
O Presidente insiste. O homem desconhecido começou a falar. Disse ele que estavam vigiando-lhes há mais de três meses e que já tinham feito levantamento de toda a vida deles nestes últimos meses e chegaram a conclusão de que estavam mantendo um dialogo com um dos mais perigosos traficantes do Estado. Em uníssono os dois: “o que?” Que história é esta? De onde tiraram esta conclusão? Pior ainda, além dos contatos, ele já sabia que ele, o homem já havia, por diversas vezes ido à casa do fulano, um sitio que ficava na periferia da cidade, local onde o traficante escondia a droga.
Ela não estava bem situada na história, olhava para todos com a cara de incrédula. Para ele com a de acusadora. Por que isto?
O homem continuava falando. Ele começava a ficar vermelho e nem sequer levantava os olhos para olhar para ela. O homem prosseguia: O senhor, doutor, tem frequentado este sitio todas as semanas, chega, discretamente com o seu carro, coloca-o na garagem. Chega sempre acompanhado de “senhoras”, cada semana uma diferente, às vezes vai até mais de uma vez na semana, ontem, por exemplo, esteve lá com uma moça jovem, loura, que, por ser funcionária, também estava sob investigação, só não fora convidada para a reunião exatamente porque se queria preservar, ao menos, a tal liturgia do cargo. Continua ele: o senhor passa ali muitas horas, sai do Tribunal com o seu motorista, que também será investigado, ele o deixa numa locadora de veículos, onde o Sr.,  a cada dia que por ali passa, pega um carro diferente, dali segue para pegar a senhora que o vai acompanhar. Chega ao sitio onde passa muitas horas. Ás vezes, o dono do sitio está na casa e os senhores saem dela juntos, ele normalmente se despede de si com um afetuoso abraço e o senhor sai de lá com um pacote na mão. As moças com quem o senhor esteve no local, todas elas, já foram contatadas, todas dizem que nada sabem e que só iam ali fazer sexo cosigo e, para tanto, eram muito bem pagas, não por si, mas pelo traficante.
Ela, cada vez mais surpresa, balançava a cabeça de um lado para outro. Estava sem fala, não acreditava no que estava a ouvir. Ela, uma senhora casada, com filhos, que estava se propondo a uma aventura extra conjugal com um colega, que, até então, achava discreto, honesto, e o que é pior de tudo, gostoso, não podia dizer isto a ninguém e não podia, por isso mesmo, explicar a conversa com o indivíduo pelo telefone. O senhor questionava a que negócio, pendência eles se referiam na conversa telefônica.O que eles iriam tratar na quinta feira?
Já não estava ali, ficava pensando no que poderia acontecer quando saísse daquela sala sem que as coisas ficassem esclarecidas. Com certeza, perderia o marido, o cargo não, ela não tinha envolvimento algum com aquela história de tráfico. Poderia muito bem explicar tudo, os seus bens, a sua vida, etc,, só não poderia explicar mesmo era a tentativa da traição, o crime não consumado pelas vias de fato, porque pelas vias espirituais já havia sido cometido. Pior ainda, orgulho ferido, por saber que ela era, apenas mais uma, que o gostosão, para satisfação exclusivamente sexual, queria “comer”. O “inter criminis” fora interrompido.
A conversa prolongava-se, realmente ela já não ouvia mais nada, tudo muito distante, as vozes já se confundiam, não saberia distinguir se era a dela, a do “filho da puta”, a do senhor que não conhecia, a do presidente, tudo muito confuso. De repente, alguém lhe toca no braço e ela dá um salto, era o seu marido, que, vendo a sua aflição no sono, lhe acordara com um toque delicado no braço. Acordou de salto, ali, ao seu lado, talvez não tão inocente assim, estava seu marido. Estava ela em casa, na sua cama, nos seus lençóis. Agradeceu a Deus por isso, fora um pesadelo e nada mais.
Dia seguinte, uma ligação: Desta feita, bem rápida.
- Alô. Negócios cancelados para sempre. Preliminares não aprovadas.
Janeiro de 2010

2 comentários:

  1. Uma das melhores crônicas que já tive o prazer de ler!!
    Beijos!

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  2. Uma das melhores crônicas que já tive o prazer de ler!
    Beijos!

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