Hoje, meu pai – AURENTINO MARTINEZ GARCIA, se vivo estivesse, faria 93
anos. Não sei se queria isto, até porque
ele, como hoje minha mãe, teria uma vida inútil, sofrida, dolorida. Ele morreu
de câncer na laringe há 30 anos atrás,
quando tinha 63 anos. Minha mãe, oito anos mais nova que ele, ficou viúva aos
54 anos e, pasmem! Nunca mais se interessou por alguém, pelo menos que nós, os
seus filhos, tivessemos tido notícia.
Contar estórias e histórias; ficção e realidade se misturando para fazer rir, chorar, viver.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Hoje sou
Sou uma
escritora que escreve para não leitores. Engraçado não é? Como ser escritora sem
ter leitores. Uma escritora sem leitores não é uma escritora, é um zero esquerda,
mas eu continuo escrevendo, inúmeros textos, dissertações, teses, livros sérios
e científicos, romances eróticos, contos vários, artigos científicos, enfim,
sou efetivamente uma escritora.
Mas para que
escrever? Pergunto-me sempre, entretanto a tela branca do computador no "Word"
é convidativa, a solidão também, junto os dois e escrevo. Escrevo sobre tudo,
tudo o que você puder imaginar pode virar um texto, Ah sim, ainda tenho mania
de corrigir textos dos outros, imagine só, eu corrigindo texto do alheio, o
interessante é que quem pede a correção confia, literalmente, no meu taco.
Taco, a palavra me veio e eu já desvirtuo todo o meu pensamento, e fico a me
perguntar o que me sugere “taco”? Pensamentos vários; um instrumento qualquer de um jogo que também não
sei o nome; um pedaço de alguma coisa; um pedaço de madeira; um cacete. Ah! Eu
sabia que ia parar aí, sim porque há muito que não vejo um taco, para este fim
mesmo que todos estão pensando, aliás, não tenho taco de nada, nem de carinho,
nem de amor, nem de atenção, e nem do que bem gosto, aliás, do que todos que
são saudáveis gostam: de sexo, não tenho nem um taco e nem um “taco” de sexo,
os tacos parecem que estão com medo, ou talvez, uma aversão imensa a mim; como
o mundo está passando por uma revolução sexual, talvez eu esteja sendo mais
apreciada por aquelas que não têm taco, mas tem a aparência real de tê-los.
Prefiro os que têm taco e não disfarçam, aliás, acho que se hoje vir um taco
tenho uma sincope, talvez seja por isso que eles não aparecem, pois o dono do
taco não vai estar disposto a levar uma sexagenária para o hospital apenas e
tão somente porque foi apresentada ao seu taco. Efetivamente tenho de concordar
que estou num beco sem saída: ver ou não ver um taco, pegar ou não pegar em um,
saber ou não como usar adequadamente o taco? Questões que me deixam boquiaberta
exatamente por saber que estou mesmo com estas questões na minha cabeça. Eu que
escrevo sobre tantas coisas, boas ou más, mas escrevo, agora fico com esta ideia
fixa de “tacos” na cabeça. Será que não tenho uma coisa melhor para pensar?
Claro que não, a resposta é automática, não tem coisa melhor que um bom taco
para se dar algumas tacadas. O pensamento começa a me excitar um pouco e fico pensando
qual taco seria adequado para esta manhã solitária de segunda feira, em que já
vi duas receitas na televisão, imaginem só: alguém que necessita de um taco vendo
pela televisão receitas: uma de pão e outra de maionese, quanto pior, ambas “light”!
quando o que quero mesmo é saber de coisas “heavy”, pelo menos no aspecto da
alimentação, em todos os sentidos. Quero comer coisas solidas que preencham os
espaços, que sejam sentidas. Quero, na
verdade, em determinado aspecto, me sentir entupida, esta á a palavra, entupida
no exato sentido de toda preenchida, sem espaços sobrando. Tudo completamente
acoplado. Há como queria isto! Entretanto, estou é vendo maionese de linhaça,
vejam só a que ponto cheguei. Disfarço,
e para desviar o pensamento do foco “taco”, mudo de canal outra vez, agora é
uma moça bem bonita que fala de história do Brasil, fala de pintura e escultura
no período colonial, ela está no museu da Inconfidência numa daquelas cidades
históricas de Minas Gerais, Ouro Preto, patrimônio histórico cultural da
humanidade. Quero prestar atenção, mas
não consigo porque quero acabar este texto, embora não saiba qual será o seu final,
porque se não houve um motivo sequer para um começo, como saber um final. Lembro-me:
o começo existe, estou questionando a minha condição de escritora sem leitores.
Bom se sou uma escritora sem leitores, e se ninguém vai ler esta zorra”, porque tenho de me
preocupar com um fim? Aliás, não tenho que me preocupar com nada: nem
principio, nem meio, nem fim, portanto
vou continuar a escrever até achar que devo parar. Mudei de canal outra vez, aliás este comando é outro aliado
dos solitários, como funciona meu Deus, você fica trocando de canal como se ali
fosse aparecer uma cura para a sua solidão, para o seu desespero, para sua
excitação. Paro num telejornal, há uma greve no Galeão, os funcionários que são
responsáveis pelo Raio X das bagagem estão parados. Acho a noticia interessante
e fico imaginando se fosse possível se fazer um Raio X dos pensamentos. Sorrio,
e penso: “quantos problemas iam acontecer”. Já pensou você ser flagrado
com os seus pensamentos mas mesquinhos sem poder fazer nada para escondê-los? E
os pensamentos eróticos, aqueles que
você tem quando vê uma pessoa que lhe chama atenção, que desperta a sua libido,
puta merda! Ia ser um verdadeiro caos: muito pior do que o que está acontecendo agora no aeroporto, que só envolve bagagens, coisas materiais: imagino mulher batendo em homem, mulher batendo em mulher, homem batendo em homem,
homem batendo em mulher, um Deus nos acuda, gente morrendo, enfim, ia mesmo ser
muito engraçado. Mudo outra vez o canal, agora
vejo um cara careca falando de
esporte, e ele diz que hoje é aniversário, ou sei lá o que, de uma madre
paulina, que dizia, bom como ele coloca o verbo no passado, é possível que seja
aniversário de morte: “a luta é o
caminho para a vitória”, concordo com a madre,
mesmo não sabendo quem ela é ou foi, mesmo achando estranho que ela tenha sido
lembrada em um jornal que fala de esporte, vá ver que é porque a frase tem duas
palavras que são bem utilizadas no esporte: “vitória e luta”, mas, alienada disto, aproveito a deixa e vou lutando, ou seja,
escrevendo, baboseiras ou não, vou escrevendo, esta é a minha forma de lutar
para conseguir a vitória, que é ser lida por você leitor, a quem agradeço se
estiver, neste momento, lendo este texto de uma escritora, que, agora, com a
sua leitura deixa de ser uma anônima para,
vitoriosamente, se saber uma UMA VERDADEIRA ESCRITORA.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Perambulando por Veneza
Quase três meses se foram e ela
parece ainda passear pelos Becos de
Veneza, se perdendo entre eles a todas as vezes que sai do hotel para ir
para qualquer lugar. Era até engraçado: a noite no quarto do Hotel Bela Veneza, onde ficou hospedada,
ficava fazendo, mentalmente, o caminho faria
dia seguinte: sairia do hotel viraria à esquerda, novamente à esquerda e
pegaria o caminho para a Praça São Marcos, simples assim. Qual o que!
No outro
dia, simplesmente, se
perdia, mas não se importava, não tinha compromissos
maiores e queria andar mesmo por Veneza, queria, entretanto, afastar-se do
borburinho dos turistas. Ponte dos
Suspiros, Praça São Marcos, Gôndolas, A Ponte Rialto, etc., não ela não queria
bem isto. Para chegar ao hotel, caso tomasse um dos vaporetos de qualquer
lugar, teria de passar por quase todos estes lugares, portanto, não queria isto, mas era inevitável, se se perdesse nos becos de Veneza, ia dar no grande canal, na
Praça São Marcos, enfim.
Um dia saiu andando margeando,
onde podia, o grande canal, e depois,
não sabe mesmo onde, entrou à esquerda,
deu numa rua imensa, larga, diferente das demais por onde tinha andando até
agora, quase todas becos que só comportavam, em alguns locais, uma pessoa indo
outra vindo. Nessa rua larga havia diversas casas lindas e muitos restaurantes,
diferentes dos restaurantes que margeiam o grande canal, parecia que aquele
espaço era frequentado, efetivamente,
pelos venezianos. Pequenos mercados, padarias, frutas vendidas nas calçadas.
Parou, comprou uvas e ameixas, continuava andando e chupando, ou melhor,
comendo as uvas, que eram verdes, doces e enormes.
Andou muito e viu um jardim à
direita, entrou nele e, atravessando-o
todo, foi, novamente, parar no grande canal, mas em uma parte em que a
laguna se abre completamente e você visualiza, de uma outra maneira, o centro de Veneza, que está
longe, ela vê e a silhueta da Igreja, do Campanário, algumas torres que
não identifica, nota que andou muito, eu
esta bem distante mesmo do centro, não sabe onde está, mas sabe que voltando pela
margem do canal, ou atravessando
novamente o jardim, vai chegar, outra vez, no centro. Não tem qualquer medo,
parece saber perfeitamente tudo.
Fica ali admirando tudo, anda
mais para frente, chega até um lugar que não pode mais andar para lugar nenhum, porque é só agua. Dá
na marina, há uma igreja do outro lado
e ela atravessa a ponte e chega na
Igreja, está praticamente sozinha, não vê qualquer pessoa por perto. Chega á Igreja e entra, como sempre,
reza e faz um pedido: ainda acredita no que sempre lhe disseram: “quando
se vai pela primeira vez em uma igreja se faz um pedido”. Ela sempre o faz, mas
como pede uma coisa diferente em cada uma que vai, e depois não se lembra a
quem e o que foi pedido, nunca soube se eles foram atendidos pelo santo certo.
Independentemente disto, de ver realizados os seus pedidos, continua pedindo.
A Igreja parece dourada, os raios
do sol fazem com que tudo por perto pareça dourado, até ela mesma, que tirando
uma foto parece estar muito bronzeada,
dourada mesmo, as árvores ajudam,
pois as folhas estão castanhas, quase
douradas também. Vai até a
ponta da marina, olha tudo, e tem de
voltar, porque por ali não há mais caminho de terra a percorrer. Atravessa uma
ponte e passa por um conjunto de casas, como se fosse um conjunto
habitacional. Prédios baixo, portas e janelas hermeticamente fechadas, pensa
para si “Nem com tamanho sol eles abrem
as janelas”, sempre observava isto em
Portugal, parece que a Europa toda é assim mesmo. Uma porta se abre, sai uma senhora pequenina, com vestes
escuras, uma andar cansado. Uma outra porta abre-se, agora é um casal de idosos
que sae dali e segue, de braços dados,
para a caminhada de final da tarde.
Há folhas no chão. No jardim há
flores e estátuas, ela segue sem muitas
preocupações, segue a trilha do caminho,
que não sabe onde vai dar, mas tem a
intuição de que sairá bem próximo ao
jardim em eu tinha entrado antes, e depois de uns quinze minutos, efetivamente, chega ao
tal jardim, de um outro lado, mas é o mesmo jardim.
Agora há muitas pessoas, crianças
brincam, velhos passeiam. Cachorros em
guias passeiam com os seus donos, alguns fazem cooper. Ela continua a sua caminhada olhando tudo,
observando, apenas isto. Não conversa com ninguém, pois, como sempre está só. Ela já não se incomoda tanto
de estar só, aliás, para fazer aquele caminho, daquela maneira, precisava estar só, pois com certeza
ninguém lhe acompanharia naquela caminhada sem destino.
Mas o dia vai se escondendo, o
sol reflete nas águas do canal, que
ganham vários tons, desde prata até o
amarelo, confundindo-se com o próprio raio de sol. Ela tira várias fotos, que
ficam lindas mesmo. É a Veneza encantada que vê, sente, aprecia.
Anda vagarosamente, vê casais
sentados nas muretas, sente inveja dos beijos ardentes, dos amassos, dos
agrados, dos olhares. Chora, queria estar ali de uma forma diferente, talvez
dando esses mesmos abraços, trocando as mesmas carícias, enfim, mas não é
possível, então continua sua caminhada
de volta ao hotel, por caminhos outros,
pensando tão somente em uma coisa: está a realizar um sonho de muito tempo, que é de conhecer Veneza, e,
de uma maneira ou de outra, amanhã vai ter a companhia de alguém ,com quem idealizou
fazer esta viagem enquanto no auge do
romance de ambos.
Continua caminhando, há muita
gente na rua e ela percebe que
está se aproximando do centro nevrálgico de
Veneza, ou seja, está perto, pertíssimo, do hotel, mas antes de chegar nele, uma
parada, para tomar um bom vinho, sozinha, em uma mesa qualquer de uma terraza
qualquer em Veneza. É o que faz.quinta-feira, 28 de novembro de 2013
um dia de novembro
De repente, os seus encontram
olhos diferentes dos que já havia visto
naquelas paragens. Sim, era um novo olhar, penetrante, ousado, sensual. Ela não
conseguiu desviar os seus olhos, ficou ali meio paralisada olhando fixamente
para aqueles olhos que nem piscavam, mas ela conseguiu sair dali, deu as costas e voltou para o salão de
danças onde estava, entretanto, sabia
que aquele olhar ia segui-la,
então resolveu que o melhor seria ir embora. Dirigiu-se para o maleteiro, mas, ai já era
tarde, o olhar estava de frente para si,
e a atração dele era tão forte que ela não conseguiu desviar
nem mesmo o seu corpo do do dono daquele olhar, que, num gesto a chamou para dançar. Ela, a principio, disse
que não, mas a sua mão já estava sendo guiada para a pista de dança. Não se lembra da música, mas era uma música
lenta e, ao que parecia, o dono do olhar não tinha o mesmo domínio do olhar
nos pés, lhe deu algumas pisadas nos apenas três minutos que dançaram, todavia, nos poucos três minutos, ela pode sentir que a
mão era forte, o corpo musculoso, e que o cidadão estava visivelmente nervoso.
Ele mesmo, que tinha feito o
convite para uma dança, agora desistia dela tremendo, e lhe disse: “Eu não sei
dançar, só lhe chamei porque percebi que ias embora e eu não poderia deixar que isto acontecesse.”
Ela sorriu e saiu da pista em direção ao
maleteiro.
“Posso lhe pagar uma bebida?”
“Não, já estou indo embora”,
respondeu sem sequer levantar os olhos, pois sabia que, se o fizesse, iria ficar
ali, tomar a bebida, conversar, rodopiar pelo salão mesmo com os pés pisados; pressentia
que aquela companhia lhe faria bem.
“Vá lá, é só uma bebida!”
Lá se foram os dois para o balcão do
improvisado bar que era armado nos dias de bailes.
“O que bebes?”
“O que você estava bebendo”?
“Uma imperial, mas notei que bebes whisky “
“É verdade, prefiro beber whisky”
Whisky servido e ele a convida
para sentar em uma das mesas do hall. Ela o segue sem falar nada.
Sentam-se e ela pergunta: “É a
primeira vez que você em aqui não é?”
“Sim, sim, é a primeira vez: vim
a Lisboa para encontrar uns amigos para a nossa comemoração anual natalina, e
como vai ser mais tarde, resolvi dar uma
andada para ver Lisboa e, de repente, passando
aqui pelo Cais Sodré, ouvi o som
da música e seguindo-o vim parar aqui.”
“É, notei que você nunca tinha vindo aqui antes, aqui as pessoas são quase
sempre as mesmas, e quando aparece uma cara diferente a gente nota.”
Um silêncio, e ele comenta: “Vi a si logo que entrei, estavas a dançar com uma menina, fiquei parado olhando por
algum tempo a sincronização dos passos e
gestos das duas.”
“Foi mesmo? Não notei.
Danço com ela sempre que venho aqui, ela gosta de dançar, dança bem, mas
parece que tem algum problema mental e
fica dançando sozinha; quando estou por perto ela sempre vem dançar
comigo e eu dou algumas rodadas com ela,
mas tenho de sair logo porque, caso contrário, ela se gruda em mim e eu tenho
de ficar todo o tempo ali, bem perto do palco e dos pais dela dançando”.
“Ah, ela não é sua filha? Achei
que era, embora sem entender como uma pessoa tão bonita podia ser mãe de uma menina tão diferente de si, e casada com um pessoa
tão estranha como o homem que estava por perto”
‘Kkkkkkkkkkkkk”! Ela não conteve
o riso, realmente, só um estranho
poderia ter uma ideia desta, não que não pudesse ter uma filha, mas ser
casada com o pai daquela menina era demais para ela, o homem pequeno, feio, mal
vestido, com cara de cigano, enfim, nunca
passaria pela sua cabeça tamanha temeridade.
Ele sorria, enquanto ela
gargalhava sem conseguir controlar-se. O
copo dele estava vazio e ele perguntou-lhe se queria beber mais, ela disse que
não, que iria embora, mas ele a convidou para tomar um copo em outro lugar. Ela
foi pegar as suas coisas e ambos saíram da Ribeira como se já se conhecessem há
anos, sorrindo, conversando, alegres.
Era um sábado pela tarde, Lisboa,
taciturna no seu inverno, estava toda
nublada, as pessoas agasalhadas passavam
por eles que caminhavam pelas ruas sem qualquer destino, apenas andavam. De repente ambos pararam, ali
na Praça do Paço Municipal, e sem nada dizerem um ao
outro estavam se olhando fixamente e o inevitável aconteceu; os dois estavam em plena praça beijando-se loucamente.
Aquilo era meio inusitado para
ela, mas ela não conseguia afastar-se dele, que mostrava toda a sua voracidade nos lábios úmidos que se
agigantaram quando encontraram os seus. Sim aquele homem sabia beijar, e estava
despertando nela reações há muito adormecidas.
Rua das Portas de Santo Antão-Lisboa |
Tomaram uma garrafa de vinho, e
foi assim que conheceu o "Cartuxa", vinho que recomenda a todos, até ao mais exigente enólogo.
A demora fez com que eles
desistissem do jantar e pagaram o vinho
e saíram dali, para se abancarem em outro restaurante, um mais moderno, logo depois do Valentino ali nos Restauradores. Beberam mais duas
garrafas de vinho e já estavam bem altos quando dali saíram e ela, visivelmente embriagada, lhe disse que iria
embora, que pegaria um táxi para ir para
casa, Ele, talvez achando que ia ser
convidado para acompanha-la, ficou
olhando-a, e ela concluiu: e você
vai encontrar seus amigos para a
comemoração.
Despediram-se, mas ela tinha certeza que aquilo não acabaria ali, como não acabou. Passaram-se muitos anos, desencontros, encontros, reencontros, para tudo terminar em uma tarde de domingo, há milhares de distância de Lisboa, em uma fria estação de trem em Hamburgo na Alemanha, quando ele virou-se de costa para si e entrou no trem enxugando uma lagrima que tentou esconder..
Agora restam as lembranças e a música de Calcanhoto: " Você entrou no trem, e eu na estação, vendo o ceu fugir, também não dava mais para ...."
Felicidade, é o que ela deseja-lhe, que tudo que ele conseguiu lhe proporcionar lhe seja dado em dobro, e que, com quem estiver e onde estiver, receba muito amor.
Agora restam as lembranças e a música de Calcanhoto: " Você entrou no trem, e eu na estação, vendo o ceu fugir, também não dava mais para ...."
Felicidade, é o que ela deseja-lhe, que tudo que ele conseguiu lhe proporcionar lhe seja dado em dobro, e que, com quem estiver e onde estiver, receba muito amor.
terça-feira, 26 de novembro de 2013
Desalento
Os dias passaram a ser muito
previsíveis e normais, e ela não gostava nada disto. Gostava do movimento, da
vida, das mudanças. Não queria mudanças radicais, aliás, nunca gostou delas,
mas gostava das mudanças que iam acontecendo no dia a dia, no passar do tempo,
no decorrer da vida. As mudanças realmente precisam existir, mas nada de
radicalismos, de inversão do curso, de retomadas. Todavia, ela que gostava
tanto de esperar o dia seguinte com novas
coisas, com mínimas mudanças, mas
que significavam tanto, agora estava tão somente esperando: esperando talvez o
que não viesse.
Deixou de se cuidar, pelos menos
na sua aparência externa, já não pintava os cabelos que demonstravam todo o seu
passar de anos, agora sem grandes esperanças de um novo momento, um novo
acontecimento, uma nova vida. Os
dias eram divididos entre as leituras,
que já não a satisfaziam mais, a televisão, as suas plantas, que, também em solidariedade a si, já não se mostravam
tão viçosas, como eram há algum tempo atrás.
Fora obrigada a cortar a
goiabeira, podar as palhas do coqueiro, os galhos da pitangueira. O coqueiro, o
mais solidário de todos, resolveu não mais produzir, os seus rebentos caem
antes mesmo de se tornarem coquinhos. A pitangueira pegou uma doença, as folhas
começaram a ficar pretas e os frutos secam antes mesmo de alcançar um tamanho
ideal, não amadurecem, secam apenas, numa demonstração que a planta esta
ressentida.
O jasmim, que fora plantado com
tanta esperança de, não só perfumar o ambiente,
como, também, de resguardar a privacidade do chuveirão, onde ela toma o seu delicioso
banho sem ser alcançada pelos olhos
curiosos dos vizinhos, agora resolveu
secar, no emaranhado dos
seus finos caules está se perdendo e
perdendo a sua função.
O que mais fazer? Parece que tudo
está acabado. Até o colchão da cama onde
algum hóspede
dorme está contra sí, imagine que o derradeiro se queixou de
dores na coluna causada por aquele inimigo, que sabia perfeitamente que se
desse uma bela noite ao hóspede ele seria capaz de voltar.
Fica associando essas coisas e vê
quão a sua vida tornou-se inútil. Não tem
expectativas, acabaram-se os sonhos, não consegue mesmo nem sonhar, uma coisa que adorava fazer,
porque uma grande parte dos seus sonhos de olhos abertos, aqueles que eram possíveis, foram realizados. Chora muito; tenta, com as lágrimas,
afastar o que são pesadelos agora, os sonhos que sabe, não
realizará mais, acabaram-se as ilusões, sua alma está em completa amorfia. A vida nova de alguns, que vieram sem
ser chamados, quer se meter na sua
violentamente, e ela está vendo
tudo acontecer sem reação, a não ser a
pior delas, a que se reflete no seu
próprio eu, que mais desgastado fá-la
mais dura, mais arredia, mais triste, mais solitária, mais descrente.
Muitas traições, muitas
decepções, muitas separações, muitas distâncias e ela, que gostava tanto de sorrir, de fazer alguém
feliz, de ser feliz por isso mesmo, por poder fazer o outro feliz, está ali, sozinha diante dos seus livros com
pó, de vidros embaçados, de um
ventilador que não ventila, de uma vida que se está indo embora com a sua dor,
que ela não quer dividir com ninguém, pois se não pode dividir felicidade, também
não vai incomodar ninguém com a sua desesperança, a sua infelicidade, o seu não viver.
É! Pensava que já tinha passado
tudo na vida, de bom e de ruim, mas depois dos últimos acontecimentos, aos
quais não deu causa, só sofre as consequências, nota que apesar da monotonia de seus dias, do pouco movimento que faz para mudar as suas coisas, outrem o
faz por ela, da pior maneira possível, mas o faz, deixando, cada dia mais,
marcas indeléveis, que nenhum bálsamo
pode curar, apenas a deixarão dependente dele, que pode não estar disponível quando ela, efetivamente, precisar.
Duas amigas - Reflorescimento |
Ela é, apesar de tudo, grande e sabe perdoar, e o faz agora, em relação àqueles que tanto a tem magoado, com ações, omissões, desrespeito, descaso. Sabe que um dia perceberão o erro que estão cometendo, talvez tarde para eles, que já não terão mais tempo de, nem mesmo, aceitarem este perdão.
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Um pé cá, outro lá
Caminhando, como sempre, sozinha,
pelas ruas de Istambul extasiava-se com cada detalhe, com cada descoberta, com
a história vista, em alguns momentos, apenas nos livros. Uma mulher de burca,
daquelas que de tão radicais tinha tela na parte dos olhos, passa por si.
Outras deixavam aparecer, exclusivamente, os olhos. Uma delas, particularmente,
lhe chamou atenção: é que essa usava óculos, cujas hastes desapareciam por
dentro do pano que emoldurava um rosto sem expressão, porque escondido atrás
daquele pano preto.
Pensava como isto ainda podia ser
possível, mulheres cobertas de pé a cabeça, todas de preto, num escaldante sol
de agosto. Concomitantemente ao questionamento, ela lembrava que aquela era a
demonstração mais pura da cultura de um povo, e que ela não tinha que questionar
nada disto. Eles viviam assim, aceitavam-se assim, acreditavam naquilo; não só
acreditavam, mas respeitavam. Para eles ali estava a sua crença, a sua fé, a
sua política inclusive, tudo na normalidade. Os ocidentais, como ela, é que
procuravam, com mil e uma justificativas injustificáveis, questionar os
costumes, desrespeitar tradições, interferir na vida e na religião de povos
que, à sua maneira, eram e são felizes.
Uma burca alta vem em sua
direção. O pano preto tem um balanço diferente. Ela que pensava que todas as
burcas eram iguais, notava agora que não era bem assim. E, mais e mais, o pano
preto vinha em sua direção. A altura de
quem o transportava chamava atenção e, talvez por isso mesmo, ela tenha notado
os detalhes: O pano da burca parecia de seda, lógico que outra seda diferente
da que estava habituada a ver. Nas
laterais do pano notou uma fina linha que lhe pareceu ser, em princípio,
dourada, mas não era, era uma tira de um pano preto mais brilhante, que fazia a
divisão entre a frente e a parte detrás da burca. Acompanhava atentamente o
movimento do pano, para tentar descobrir, ali, algum traço de feminilidade,
algum detalhe que pudesse dar uma noção do que estava ali por baixo daquele
pano preto. Não conseguiu, mas, como efetivamente procurava detalhes deu de
cara com um que lhe chamou mesmo a atenção: os pés! Os pés da jovem que estava por baixo daquele
pano estavam pintados. Todo ele, desde o
calcanhar à ponta dos dedos. Aqueles pés
pintados lhe fizeram lembrar que, em alguma novela, que tratava da cultura indiana,havia uma coisa assim, uma noiva com os pés pintados de hena, a mulher devia ser recém-casada, porque para os orientais a pintura dos pés da
noiva era forte traço cultural. Não só os pés estavam pintados, também as mãos
mostravam os desenhos feitos com hena, trabalhos minuciosos de quem sabe o que
e para quem estava fazendo, tudo parecia, na verdade, uma luva com bordados cuidadosos.
Descobriu quão era ignorante em
relação à cultura dos turcos, a não ser aquilo que era passado na televisão,
nos noticiários que sempre associavam a religião islâmica ao terror, à
destruição, à fome, à morte. Entretanto,
ela sabia que não era assim, e que não tinha ido à Istambul apenas porque,
depois da novela das oito, a cidade virou febre para brasileiros. Não, para ela não era isto, para ela Istambul
era a própria história: Constantinopla, Império Otomano, Mesquitas, o
Patriarcado de Constantinopla, Anatólia, Ásia Menor. Não, efetivamente não era
assim. O Mar Negro, o Estreito de Bósforo, a ligação entre dois continentes, O
mar de Mármara dividindo as duas partes de Istambul – a europeia da asiática.
Istambul era mesmo muito mais que apenas uma novela da rede Globo.
Sim, aqueles pés pintados de hena
lhe trouxeram a Istambul dos grandes momentos históricos, da importância do
Império Otomano, do grande eixo civilizador que ali se estabeleceu e que, ainda
hoje, como o será sempre, fará ligação de culturas. A cidade é completamente
cosmopolita, se encontra de tudo e todos em Istambul. Russos, Ucranianos,
Croatas, árabes de todas as partes: europeus, asiático, africanos.
Navios, montes deles, parados no
Mar de Mármara: um cemitério de navios.Numa reportagem televisiva soube que os armadores abandonam ali os
navios que já não mais navegam, seja pela velhice, seja pelas dívidas, enfim:
motivos diversos geram o abandono. É uma pena, porque aqueles pontos negros,
maioria deles, na água maculam a beleza do Mar de Mármara, do Bósforo, do
intenso azul das águas.
Constantinopla: fica remoendo a
história, procurando lembrar-se do que esta cidade representou no passado, lembra-se
das aulas de história e da professora a falar da importância da Anatólia. Em
sua cabeça vem Bizâncio, como já foi chamada, a hoje, Istambul. Toma um susto ao
recordar que ali foi sede do Império Romano do Oriente, portanto, um berço da
cristandade, hoje um mundo muçulmano, que se mostra em qualquer direção que
tome, mas ainda há o cristianismo, apesar dos ritos diversos, vez que a Igreja
é ortodoxa, o rito é bizantino. A Basílica de Santa Sofia (Aya Sofyia) foi
construída por Justiniano entre os anos 527 e 565 e permanece lá ate hoje, para
quem quiser ver, como aconteceu consigo, que, após enfrentar quilômetros de
fila quase intermináveis ela se deu conta da grandeza que foi e que é, ainda
hoje, tudo aquilo. Hoje a Igreja é uma mesquita, continua, pois, um local
religioso, mas a diferença do credo que ali se processa é que, efetivamente,
marca esta grande e imensa diversidade. O nome Alexandre lhe vem, e ela, ainda
que faça esforço, não lembra o motivo, de repente recorda: foi Alexandre – O
Grande que tomou a região da Anatólia do domínio dos persas.
As Mesquitas de sucedem, cada um
queria mostrar mais poder que outro, elas demonstram o poder, a pujança a
riqueza da época. Os grandes tapetes que cobrem todo o chão, onde as pessoas
andam descalças, exalam um cheiro forte, acre, que invade as suas narinas. É o
chulé coletivo, pois todos pisam naquele tapete que já vive, naturalmente, úmido
e conserva a sua umidade com o suor dos pés de tantos que pisam ali, resultado,
demonstra, com um pouco de crueldade até, o seu agradecimento, evaporando os
odores dos que lhe pisam.
Entretanto, o que mais lhe
impressiona mesmo são as águas do Bósforo
e a travessia nos barcos que fazem a
ligação entre os diversos bairros e, mais ainda, com o outro continente. Em questão de dez minutos ou menos, se sai da Europa e se entra na Ásia. Aquele
que souber, exatamente, onde o Bósforo divide os dois continentes, pode colocar
um pé de um lado, e o outro do outro, e pode se dar ao luxo de dizer que pisou,
ao mesmo tempo, em dois continentes. Isto lhe dá uma sensação de poder, de
grandeza, imenso.
A região de Sultanahamet,
corruptela de “sultão Ahmed”, que conquistou Constantinopla para os turcos, é
onde ela ficou hospedada, ali estão grandes monumentos, grandes belezas
arquitetônicas, enfim está um pouco do coração de Istambul.
A Mesquita Azul ( Sultanahamet Camil) está bem
ali, logo em frente a “Aya Sofya"; do
outro lado da praça, está a Grande Cisterna, descendo mais um pouco se
alcança o Grande Bazar. Se dobrar a esquina da Aya Sofia
alcança o palácio Topkapi, enfim, o bairro transpira cultura, saber, conhecimento, história.
Todavia existe muito e muito mais
para se vir, apreciar, comer, viver Istambul, e tudo vai ser dividido em partes,
paulatinamente contado, comentado, a fim de que ninguém se canse, e todos
curtam, um pouco, desta maravilha da natureza, da história, da vida, que é
Istambul, o Bósforo, o Mar de Mármara.
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Currais aeroportuários
Alfama - Lisboa |
Mesquita em Istambul |
Essa minha última viagem
realmente conseguiu me tirar do sério nos aeroportos. Em Istambul, depois de
passar umas duas horas na fila, feito vaca de presépio seguindo os demais
passageiros, que como eu, tinham de submeter àquele martírio, ao chegar ao
guiché, sou informada que tenho de ter um visto e que ele é pago. Sabe o que
aconteceu? Tive de voltar tudo, entrar na fila para pagar o tal do visto, que
me custou 15 euros e, depois, entrar na fila outra vez seguindo aquela multidão
de pessoas diferentes, que apenas queriam conhecer Istambul. Confesso que,
mesmo com todo o desejo de conhecer Bizâncio, tive vontade de voltar. Não sei
se o problema não seria maior, porque, pelo visto, teria de comprar uma nova
passagem, porque fazer uma troca naquelas circunstâncias seria quase
impossível.
Bom o fato é que em todas as
filas eu só me lembrava dos judeus sendo encaminhados para as câmaras de gás. O
pior de tudo é que, como sempre, os próprios funcionários, sejam da companhia
área, sejam do governo, agem como se fossem as maiores autoridades do mundo,
tratam mal as pessoas, são ignorantes, parecem estar a fazer um grande favor
àquela multidão que, indignada, embora sem muita coisa a fazer, se submete.
Na TAP o problema ainda fica pior
com os brasileiros, vi algumas coisas que me deixaram boquiaberta. Bem que havia patrícios deles revoltados, que
grosseiros como os demais, disseram muitas liberdades aos funcionários da
empresa, o que de nada adiantou, as explicações eram ridículas. Ao menos, neste
particular, vi tratamento igual, embora para eles a revolta tenha sido bem
maior: então ser iguais aos subdesenvolvidos? Que coisa mais absurda!!!
Cheguei ao aeroporto antes das 07h30min,
e olhe que o meu voo era às 10h50min, acho eu, se não 10h50min era 10h40min,
por ai. Entrei na fila e só sai dela às 09h00min.
Depois tive que enfrentar outra fila, a daquela maldita fiscalização de bagagem
de mão. É incrível como os terceirizados das empresas de segurança assimilam a
falta de educação. Se bem que isto não é privilégio, apenas dos funcionários
dos aeroportos portugueses, quando digo portugueses, é porque também na Madeira
vi algumas cenas para lá de desagradáveis.
Funchal- Ilha da Madeira |
A gente tem de tirar cinto,
sapato de salto, botas, agora invocaram com o relógio. Quando fui para a
Madeira, mandaram tirar o relógio, eu não consigo tirar o meu com a pressa que
eles querem e digo que não vou tirar. Alguém me diz que vai apitar quando
passar pelo detector de metais, por incrível que pareça, não apita. Volto para
trás e dou risada. Antes disto tomei uma
bronca de uma “filha da puta”, porque trazia os meus “gosméticos” em um saco que
está fechado com um zíper. Não entendi o
que a mulher fez, pois grosseiramente e falando uma porção de coisas em tom
muito grosseiro, tirou todos de dentro deste saco, que já acompanha a mala, e
colocou em um saco plástico que é vedado com um fecho muito mais fácil de
abrir. Fico puta dentro das calças a olhar para aquela imbecil. Somos tratados,
todos, não só eu, como marginais, aquilo não pode ser considerado de outra
maneira, parecem nos dizer “Vocês são marginais, somente depois de passarem por
aqui é que, talvez, passem a cidadãos, antes, são todos suspeitos.” Realmente
não gosto do tratamento. A palavra, por favor, não existe no vocabulário das “grandes
autoridades aeroportuárias”, é isto que eles pensam que são, autoridades.
Garanto que não sabem nem mesmo escrever o nome direito. Tudo fica pior quando as
pessoas não sabem falar a língua deles, aí é que a coisa pega mesmo. Em alguns lugares faço tudo como um autômato,
pois não entendo porra nenhuma que eles falam, a exemplo da Turquia, em que
você para entrar no aeroporto, ou melhor, para adentrar ao local onde ficam os
guichês e os portões de embarque, já passa a bagagem de porão por uma esteira,
resultado: filas intermináveis. Agora entendo a razão do funcionário do hotel
dizer-me que teria de sair do hotel umas quatro horas antes do voo. Além da
fila da bagagem ainda tive de enfrentar a fila do “check in” e a da emigração,
quando tudo isto acabou era mesmo a hora de embarcar, sem direito a mais nada.
Corfu - Grécia |
Voltando á “bicha de Lisboa” é
assim que eles chamam fila por lá: um senhor alto, muito alto, se
desequilibrou, foi se apoiar naquela fita verde, ou preta, sei lá, e cai, cai
para trás com todo o seu peso e bate cabeça no chão, fico aflita, quero ajudar,
felizmente outros mais fortes de que conseguem levantá-lo. Ele diz que está
tudo ok. Não acredito que quem toma
aquela porrada na cabeça, fique bem, mas ele tá dizendo. À minha frente, um
casalzinho vai para Maputo, olho os sacos que estão no carrinho, cheio de
sucos, água, comida. Dou risada, marinheiros de primeira viagem que são,
certamente, não sabem que lhes vão tomar tudo quando passarem pelos
fiscalizadores da bagagem alheia.
Um outro casal com quatro filhos
vão para Luanda. Os meninos estão
impecáveis, arrumados, mas a senhora é mesmo uma Angolana, as vestes
demonstram, tudo muito colorido e espalhafatoso, e ele gosta de falar alto,
fala ao “celular” (telemóvel para eles) contando a miséria que está a “bicha”. Todos olham para ela,
porque todos participam da sua conversa com alguém que não se sabe quem é. Tive
vontade, em algum momento, de responder às suas perguntas.
Igreja em Melides - Alentejo - Pt |
A voz de um funcionário me afasta
destes pensamentos. Há uma ultima chamada para um voo, penso que para Amsterdão.
(é assim que eles falam). As chamadas se repetem, vejo um grupo de velhos, mais
de 50 pessoas, passarem à minha frente na “bicha”. Fico puta dentro das calças,
mas o que vou fazer. A culpa é da TAP, não deles. A fila diminui um pouco, mas
anda muito devagar. Finalmente chego ao “check in”, Vou colocar a mala na
esteira e a funcionária diz: não coloque
agora. Não percebo, mas não coloco a
mala, sou obediente, aliás, tenho de ser. Com isto entendo perfeitamente a
demora: demoram de tirar as malas das saídas que ficam nos diversos guichê,
resultado: só se pode colocar a mala do passageiro seguinte quando a do
anterior desaparecer na janelinha. Acreditem, é verdade: o processo durou quase
10 minutos, e eu ali com cara de tacho, botava a mala e a funcionária pedia
para tirar, tirava, colocava de novo; a esteira, entretanto, não corria, para
que as malas do passageiro anterior
saíssem pela janelinha. Tenho que dizer que uma das minhas malas tinha
30kg e a outra 27Kg e eu ali tirando e botando as miseráveis na esteira.
Entregue a bagagem, suada,
furiosa, pois queria entrar cedo na área de embarque, vez que ia procurar o perfume
que meu filho encomendou, vou para a “bicha” do exame das bagagens: coloquei a bolsa, a mala de mão, já tinha,
previamente, tirado o relógio, o casaco, o computador de dentro da mala. Passo
sem maiores problemas e aí é que fico sacaneada, porque o saquinho em que trago
os “gosméticos” é o mesmo usado que usei na viagem para a Madeira.
Passo ali; visto o casaco, coloco
o computador outra vez na bolsa, nem coloco mais o relógio, o deixo no mesmo
lugar. Só penso em colocá-lo quando chegar ao Brasil. O meu portão de embarque
é o 42-B, mas antes de chegar nele, mas uma bicha: agora é a do controle de
passaporte, que foi até rápida, não porque estivesse pequena, é que passei na
de “cidadão europeu”, porque as destinadas a todas as outras nacionalidades
estavam enormes.
Veneza |
Depois de andar muito, chego ao
portão de embarque. Sento-me afastada para aguardar a chamada e,
infelizmente, lembro-me do que me aconteceu em Veneza, pois não é que, na hora
do embarque, alguém me diz que a minha
viagem estava marcada para um mês depois, que a TAP errou ao marcar a volta e
que eu, idiotamente, não percebi tal erro.
Resultado: uma bicha pequena, mas demorada, para comprar outro bilhete e
embarcar para Lisboa. A demora na fila resultou
de problemas com o embarque de um cão. Acreditem se quiserem, um cão atrasou
alguns passageiros e a sua dona estava indócil.
Ufa, digo eu, parece que agora o
martírio acabou. Vejo a chamada na tabuleta e escuto a voz da funcionaria
chamando para o embarque, mais uma bicha e eu tô livre, penso eu: Ledo engano.
Acredite em Deus, tivemos de pegar o avião no pátio, e aí a merda: mais uma
bicha para entrar no ônibus que nos levaria até a aeronave. Fui a última do
primeiro ônibus. Fiquei bem à porta. Na minha frente, sentado, um homem bonito,
olhos claros, cabelos brancos, um terno preto impecável, mas com um aviso discreto:
sou padre, foi o que deduzi ao ver o crucifixo na lapela do paletó. Desligo-me do padre, mas, quando o ônibus
arranca quase caio e o padre ri e diz para me segurar. Olho para ele e penso: “sacana,
então eu vou caindo e este puto da risada!” Bom, esqueço o assunto e dou a
volta olímpica para chegar até a aeronave. Quando penso que tudo vai acabar,
fico esperando, dentro do ônibus fechado, com todas aquelas pessoas respirando
o mesmo ar, que liberem o avião. O padre
já se levantou e está junto de mim: pela ordem natural seria eu, ao menos
naquela porta, a sair por primeiro, no que eu já tava muito feliz, porque a
minha poltrona era a última, acredite se quiser, a última mesmo, 42G. Se eu
saísse depois de todos, imagine só o tempo que levaria até chegar ao lugar
certo, mas o padre estava agoniado, e penso que ele queria mesmo sair primeiro.
Ele falou muito mal da TAP, concordei com
as suas argumentações. Os passageiros estavam indignados ali dentro,
encolhidos, roubando o ar uns dos outros.
O padre cada vez mais falava e mostrava-se aborrecido, tanto que eu, muito cinicamente, lhe disse: “Padre, isto é para que nós cultivemos, ainda mais, a
virtude da paciência”. Ele sorriu, todavia, quando a porta se abriu,
efetivamente, ele foi o primeiro a sair. Graças a Deus a porta do meio foi
aberta e por ali embarquei e, felizmente, além de passar sozinha pelo corredor,
ainda tive o prazer de ser cumprimentada por um “hospedeiro” bonito, com um
belho olhar, que me acompanhou até o meu lugar, mas este é outro assunto, que
fica para uma próxima oportunidade. Quem vai viajar nos próximos dias, prepare-se com uma boa dose de paciência. Vai precisar mesmo.
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
TUIM TUIM
Tuim
tuim foi criado no bolso de minha mãe, escapara do ovocídio que cometíamos em
nome da fome.
A
ovorteira mor, que era minha mãe, e os seus ajudantes, eu e o meu irmão,
catávamos os ovos das nossas poucas galinhas, que não tinham como exercer o
ofício de chocar e criar os seus pintinhos. Deixávamos, quando muito, uns seis
ovos serem chocados, que era a garantia de uma ninhada de ao menos, umas três
galinhas novas que substituiriam as velhas, que certamente acabariam no nosso
prato.
Tuim
Tuim escapara, não porque fora escolhido entre os ovos que ficariam para a
garantia da nossa sobrevivência, mas sim porque a sua genitora, sabiamente,
escondera o ovo e os ovorteiros não conseguiram encontrá-lo. Resultado, um dia
a galinha, que já estava mesmo com os dias contados, apareceu com o seu belo e
dourado pintinho no nosso quintal.
Como
os dias da mãe estavam contados e minha mãe, com algum espírito maternal que
ainda nela existia, começou a gostar do bichinho, e para aliviar a dor da perda
da mãe, que seria breve, andava com ele no bolso do velho robe que usava em casa.
Tuim
Tuim foi crescendo e, enquanto pinto, dava certinho naquele esconderijo que lhe
fora dado, de vez em quando botava a cabeça para fora do bolso e nós ríamos
muito. Ele era alimentado pelos nossos restos de pão, isto é: quando deixávamos
cair alguma coisa. Milho coitado, nunca, aliás, a nossa galinhada lá de casa
sobrevivia por milagre, porque a falta de milho era constante, tenho a
impressão que minha mãe fazia alguma domesticação das aves, para que elas só
sentissem fome duas vezes por semana.
O
certo é que Tuim Tuim foi crescendo; frango, já mostrava que seria poderoso,
que daria um belo macho, tinha uma crista muito vermelhinha, que sempre
aparecia fora do bolso de minha mãe, que já não comportava o tamanho do
frangote.
Quando
saiu do bolso, Tuim Tuim andava no meio da casa, no meio de nós, parecia mais
um cachorro de que um frango, pois nos seguia para todos os cantos. Se alguém
que não conhecia aproximava-se de algum da casa ele se arrepiava todo e parecia
que ia voar na pessoa. O bicho ia crescendo e a sua mania de proteção
aumentando.
Tuim
Tuim virou o belo galo com uma crista vermelha enorme, que balançava de um lado
para outro no topo da sua cabeça de galo valente. A tonalidade das suas penas
era linda, de um marron escuro acabava alourada nas pontas com mechas de preto,
vermelho, misturando tudo, num arco-íris de cores fortes e viris, como ele era.
Ativo, tomava conta de nós e das poucas galinhas que sobraram e que a gente via
sumindo dia a dia.
Amávamos
aquele galo, que dormia dentro de casa para não ser roubado, tínhamos medo que
alguém apreciasse tanto a sua beleza e não resistisse.
Um
dia, entretanto, acordamos e não achamos Tuim Tuim em lugar nenhum. Todos nós,
meus irmãos e eu rodamos todo o nosso quintal, todos os cantos da casa, as
casas dos vizinhos próximos, enfim, tudo o que estava ao nosso alcance. Minha
mãe, calada, olhava o nosso desespero sem nada dizer, parecia que era
indiferente á nossa angústia, mas se a olhássemos bem, poderíamos notar os seus
olhos brilhando de uma maneira diferente, parecia que tinha água dentro deles, água que borbulhava e que não conseguia sair da panela formada pelo globo
ocular.
Meio-dia
desistimos de procurar Tuim Tuim e minha mãe nos chamou para almoçar. Nesta
época éramos 4 (quatro irmãos em casa), a minha irmã mais velha já estava
interna em Salvador e a minha irmã caçula estava prestes a nascer.
O
PF, sim porque lá em casa o prato já vinha feito para cada um, minha mãe tinha
de regrar a comida para que todos nos comêssemos igualitariamente e mais vezes;
e aí a surpresa, quase esperada, misturada com a dor que se apossou de nós
todos: nos nosso pratos as belas coxas de Tuim Tuim divididas em quatro pedaços
ornamentavam o arroz. Deciframos de imediato o enigma do desaparecimento do
Tuim Tuim e o dos olhos de minha mãe; para que não morrêssemos de fome ela teve
de optar e matar o Tuim Tuim, que perdeu a vida, para a nossa sobrevivência.
Comemos chorando, não tínhamos opção, numa mistura de dor e satisfação, porque
Tuim Tuim soube ser grande até na sua morte, Deu um belo caldo, cheiroso e
nutritivo, dando gosto a farinha, que virara pirão, quando misturada ao seu
caldo. A sua carne macia derretia na nossa boca, ele virava um néctar, o néctar
da nossa vida, pelo menos por uns quatro dias, tempo em que durou o nosso processo de engolir a
vida, e de perenizar,
quase, o Tuim Tuim em nós.
domingo, 4 de agosto de 2013
De Arembepe ao Cabula - Um epopeia
Rapaz é mesmo uma epopeia! Se
Homero fizesse esta viagem certamente escrevia outra Odisseia, mas, desta feita,
contando as aventuras e uma heroína chamada “Esmeralda”, e, certamente, não encontraria, de volta ,a Ítaca do seu herói.
Sai daqui as 06h00min da manhã. Como não sei andar direito por esta área da cidade e porque tinha mesmo de
fazer uma prova, resolvi deixar o carro na casa de Glória e ir de transporte
público. No primeiro dia optei pelo táxi. Deixei o carro no supermercado, ali
no começo da estrada do coco, e peguei um táxi. Paguei na ida a bagatela de
60,00 (sessenta reais) o mesmo ocorrendo na volta. Isto me fez desistir desse meio, e no segundo dia e fui para casa de
Glória: deixei o carro e peguei um ônibus as 06h30min. Felizmente o ônibus estava vazio e eu fui sentadinha, mas ele ia enchendo no decorrer do percurso. Quando cheguei à entrada
do Costa Azul sai do ônibus e peguei um táxi, paguei 30,00(trinta reais). Na
volta, depois de estar com os pés esfolados, porque andei em demasia por dentro
do campus da Universidade, o que me deu uma grande saudade de Lisboa, porque o
que fiz ali e que me tomou umas duas horas ou mais, eu faria em questão de
minutos, e aí vi mesmo o que é a injustiça de europeus debocharem de Portugal
considerando-o como um “terceiro mundo” dentro da comunidade. Não é não: Portugal oferece aos seus acadêmicos serviços, que se não perfeitos, são
essenciais e ajudam a todos. Se de vez em quando as máquinas quebram,
aceita-se, porque é normal. Aqui, passei trinta minutos esperando que uma moça,
sozinha, com uma só copiadora, tirasse cópias para um rapaz, que estava dentro
do cubículo onde ficava a máquina. O que fiz, perguntei se havia outra
copiadora, me informaram que havia outra sim, e lá se foi Esmeralda, irritada,
de sapato alto, segurando o vestido, apenasmente encadernar documentos, o que
era exigido pela banca que examinaria a documentação. Chegando ao local indicado, e já
entregando a documentação apenas para encadernar, vejo que a máquina, aquela
que faz os furinhos no papel, estava com problemas, e olhe que só existia ela, a
única. O rapaz, completamente
despreparado para este trabalho intelectual, estava nervoso. Felizmente, antes
que ele conseguisse, manualmente, colocar a espiral nos furinhos, alguém chegou à
copiadora para pedir que uma página fosse colocada no que já estava encadernado,
e ai notei que esta tal página estava faltando nos meus papéis. Outra
novela. Tirar uma cópia da minha
inscrição via internet. Rapaz andei naquele campus! Subi, desci, fui, voltei
até que uma alma boa, usou o seu próprio instrumento de trabalho e conseguiu
tirar a maldita cópia da inscrição. Voltei à copiadora e o processo de
encadernação durou, exatamente, uns 40 minutos. Nisto eu já estou angustiada,
porque o pessoal queria que toda esta papelada fosse entregue 1 hora antes da
tal prova, e eu lá vendo a hora passar, a me irritar, o estomago a dar sinais da
insatisfação. De repente, sinto os pés a incomodar, olho o que esta acontecendo:
a sandália, simplesmente, tinha arrancado a pele dos meus dedos dos pés, e eu
não podia fazer nada, tinha que segurar a dor e a onda, e lá fui eu fazer a
prova, doída, chateada com tudo, inclusive me perguntando que merda estava
fazendo ali. Será que eu precisava mesmo passar por isto?
Bom, encadernado os documentos,
lá me vou para a prova, tensa, nervosa, mas isto não interesse. Prova acabada e
eu peguei, outra vez, um táxi para voltar para Itapuã, mais 35,00(trinta e
cinco reais). Já entro, pois, com
dívida, caso passe na seleção.
No outro dia tinha de falar de
mim. Não sabia quanto é difícil falar de si próprio para outras pessoas, mas quem
tá na chuva tem de se molhar e lá fui eu. Desta vez resolvi ir de transporte
público, tinha tempo e, portanto, sai da casa de Glória às 07h00min e fui para
a estação de transbordo de Mussurunga, não depois de esperar, no final de linha
da Praia do Flamengo, uns 30 minutos para que um dos ônibus parados no local saísse
dali. Chego a Mussurunga e vou procurar
o ônibus que vai para o Cabula. Alguém me diz que é no numero 14, para onde
sigo e pego uma fila imensa: esperamos,
todos ali, por uns 35 minutos pelo coletivo. Felizmente, quando ele chegou tive
a oportunidade de ir sentada. Agora sim começa o périplo: To pensando que o
caminho vai ser o mesmo feito pelos táxis. Ledo Engano! O ônibus efetivamente subiu a ladeira que ia
sair no Saboeiro, eu acho que é este o nome, e eu já radiante dizendo: Porra é
tão rápido, se eu soubesse disto tinha vindo de coletivo desde o primeiro
dia. Idiota!!! O ônibus sobe a tal da
ladeira, mas faz um caminho completamente diverso. Fico olhando tudo aquilo e pergunto a alguém,
este ônibus vai mesmo para a Universidade. Alguém responde vai sim, não se
preocupe. Preocupar!! Não, eu estava mesmo era
desesperada. Eu tinha horário para estar no local e as horas passando e com
elas o ônibus passando por lugares desconhecidos, feios, nunca vistos antes, se
visto completamente remotos na minha mente, que arquivou, se o fez e perdeu o
arquivo, talvez defensivamente para não me fazer lembrar que a pobreza, a
miséria, já passou pela minha vida assustadoramente. Bom o fato é que eu seguia
vendo aquilo ali num misto de surpresa, apavoração, nervoso, angústia, tudo
misturado e junto, não me deixando identificar nada. Alguém diz: “Largo do
Juliano Moreira”, me dou conta que eu podia até mesmo soltar ali e seguir
direito para o Hospital, eu estava mesmo à beira de um colapso de nervos, e o
lugar mais adequado para tratamento disto estava ali, bem pertinho de mim, O
Hospital Juliano Moreira, que trata das enfermidades da mente e asila os
portadores destas disfunções.
Felizmente, a passagem pelo local
é rápida, mas isto não me deixa segura, pois fico pensando, se entrar um doido
aqui neste ônibus, o que poderíamos fazer? Nada, e aí penso porque que não
mudam este estabelecimento de lugar, por que não se coloca ele em lugar mais
afastado da cidade. Alguém poderia argumentar que ficava muito afastado, mas o
progresso, que, diga-se de passagem, não vejo na região, fez com que o local
fosse demograficamente ocupado.
Pergunto outra vez a alguém: já
esta perto da Universidade? Alguém responde: está sim, fica logo depois do Roberto
Santos, E eu penso, porra nenhuma, depois do Roberto Santos há uns bons
quilômetros ainda para se chegar, e com este engarrafamento vai ser uma
tortura. Chega o hospital Roberto
Santos, eu continuo achando o caminho diferente. Descubro o que é: o táxi e meu
carro passam pela rua direta, mas o coletivo entra na rua do hospital. Um
verdadeiro caos: pense um ônibus fazendo uma curva onde é difícil até para um
carro pequeno manobrar. Já estava
disposta a descer do veículo e ir, quem sabe, andando, mas os pés não me
permitiriam isto, a pele arrancada insistia em me dar sinais do ocorrido. Fico no ônibus que consegue fazer a tal da
curva e pega a pista principal. Anda muito ainda e eu pergunto a uma senhora
que esta junto de mim: Já esta perto da Universidade? E ela me diz: "é o
próximo ponto". Peço desculpas por incomodá-la, ela diz que não tem
problema, mas eu sei que tem, porque ela estava com o fone de ouvido e teve de
tira~lo para me dar a informação. Aliás, muitos
no ônibus estão usando o tal aparelhinho, o símbolo da individualidade, cruel,
ignorante, miserável.
Finalmente chego à Universidade, e
me dirijo à sala onde vou apresentar um memorial, ou seja, falar da minha vida para pessoas que desconheço. Pensei que deveria apenas falar de coisas profissionais,
e não dei muito atenção a coisas pessoais: Pois não é que tinha de falar de
coisas tipo: se sou casada, se tenho filhos, mãe, irmãos, coisas que não
entendo, mas continuo dizendo: "quem tá na chuva tem de se molhar".
Depois de esperar um pouco faço a
tal apresentação, que em principio foi até tranquila. Acaba tudo, agradeço a atenção da banca,
formada de três mulheres, cada uma com um perfil, e mais uma vez vejo eu nunca
vou conseguir ter um “arquétipo” esperado por todos; aquele de membro do Judiciário,
mas isto não me afeta mais. Apenas dou risada das coisas.
Saio da Universidade e resolvo
voltar para a estação Mussurunga e dai para Stela Maris. Começo a esperar o ônibus da Estação
Mussurunga, demora muito, quando chega, felizmente vazio, entro, pago e
sento-me.
Uns três quilômetros depois vem a
informação: O ônibus quebrou. Puta merda! Falo para mim mesmo. O motorista
insiste, o ônibus não sai do lugar, quebrou a porra da caixa de marcha. Saímos
todos do ônibus, a cobradora, uma mulher capenga, liga para a empresa, para o
setor manutenção. Alguém brinca e ela
grita para o motorista, que alguém, que não me lembro do nome, disse que ele vai
sair de férias e quer levar o carro com ele, ambos sorriem, eu não acho nenhuma
graça da brincadeira e da situação. Todos do lado de fora, 10, 15, 20 minutos; não
passa nenhum outro estação Mussurunga. Desisto de esperar, isto depois de ouvir
uma mulher querendo desfazer um plano de saúde, porque o anterior era de
quarenta e ela passou para um de 30,00, mas a empresa diz que ela não pode se
desligar com menos de um ano e que o valor de 40 vai ser descontado até que o
prazo de complete. Tenho vontade de intervir, mas para dizer o que: Que eu
estava ouvindo a conversa alheia? Fico quieta e não me pronuncio.
Resolvo que vou tomar outro
ônibus para qualquer lugar, ou então pego um táxi. O táxi não passa, os que passam
estão lotados. Já me arrependo de não ter tomado um táxi no supermercado que
fica próximo à Universidade. De repente uma luz: um ônibus Cabula-Pituba via Boca do Rio.
Penso: Salvação! Pego o ônibus e vou até
a Boca do Rio e lá pego um para Itapuã, é o que faço. Fico felicíssima quando,
com poucos minutos, vejo o ônibus chegando à Paralela, começo a fazer o trajeto
para a Boca do Rio, olho o relógio e ligo para Glória perguntando se ela quer
almoçar comigo. Ela diz que sim e ai eu digo que é para ela me pegar em Itapuã.
O ônibus segue o seu percurso e vejo-o fazer o retorno na Eduardo Magalhães,
meu coração já dá pulos, daqui a pouco saio desta porra. O ônibus estava cheio,
eu estava em pé, sentindo o cheiro do sovaco de um homem bem no meu nariz,
sentindo a minha bunda sendo alisada pelo sei lá o que: bolsas, pernas, braços,
enfim. Aí a tragédia acontece. O ônibus, ao invés de seguir direito para a Boca
do Rio, entra na primeira à direita no Imbuí.
Gente do céu, que nunca pensei, sequer, que o Imbui fosse grande, que
dirá tão grande. O coletivo anda por
ruas apertadas, muitos prédios, lojas. Andei, andei , andei, andei tanto que
achava que estava indo diretamente para Itapuã. E aí, o que acontece? A zorra
do ônibus sai no mesmo lugar. Eu não posso deixar de me expressar: “Cacete, ele
volta para o mesmo lugar”. A mulher que esta ao meu lado, agora eu já estava sentada,
me diz: Ele ainda vai andar muito, vai para o outro lado, acho que Fonte das
Pedras, sei lá. Outro périplo, a zorra anda, anda, anda, e de repente volta,
novamente, ao mesmo lugar, começamos tudo outra vez, vamos pela rua principal
do Imbuí e pegamos a Boca do Rio, agora sim, vou chegar à Orla, mas aí outro
engano: o ônibus vai por um caminho que não conheço e quando desemboco em algum
lugar é no Centro de Convenções. Caralho! Penso, e agora, o que faço? Bom vou
soltar no Supermercado, penso e é exatamente o que faço. Num malabarismo retado, atravesso a rua e vou
esperar um transporte para Itapuã, pego um ônibus para Lauro de Freitas e depois
de uns 20 minutos, finalmente, chego à Itapuã e vou esperar Gloria.
Depois de tudo isto, mesmo sem
muito dinheiro, temos que compensar todas estas aventuras desagradáveis, mesmo
com um sentimento cruel na alma, por pensar que, a grande maioria faz isto
todos os dias e eu, que apenas fiz desta vez, estou tão magoada, tão
angustiada, tão revoltada.
Vou comer filet a parmegiana no Bela
Nápoli do Shopping Litoral Norte, e, para lembrar de Lisboa, tomo um Monte Velho, pelo qual
pago mais de cinco garrafas que conseguiria comprar, com o mesmo valor, em
Portugal, 58,00 (cinquenta e oito) reais, em Lisboa, no supermercado, custa,
apenas, 4,70 (euros). De qualquer maneira, momentaneamente, esqueci da dor no pé, das angústias, de tudo enfim, e brindei com Glória : Saúde!!!!! sexta-feira, 21 de junho de 2013
Navegando com o Marujo
Mais uma vez a emoção
tomou conta de mim. Todo o meu corpo sentia aquela onda de sensações, que eu
não sei muito bem explicar. Os pelos se eriçam, o coração aperta, as lágrimas
rolam face abaixo. Não consigo controlar mesmo, chega mesmo a ser violento.
Os cânticos para os
orixás continuavam, as preces eram feitas com muita fé. O babalorixá conduz a
sessão. Todos de branco, o símbolo da
pureza; sentados de um e de outro lado da mesa, os guias ficam ali chamando
pelas suas entidades.
quinta-feira, 30 de maio de 2013
O Harém do Galdêncio
O galinheiro estava em alvoroço,
o galo do pedaço estava apático, já não procurava mais as galinhas, que se
insinuavam, enquanto ele fugia com evasivas idiotas. A uma ele dizia que tinha que fazer ronda,
defender o galinheiro de intrusos, a outra dizia que tinha que olhar os pintinhos
recém chegados, a uma outra que ele tinha de fazer entrevistas com os frangos
para saber quem poderia, no caso dele faltar, assumir o seu lugar, enfim,
desculpas esfarrapadas, que as frenéticas galinhas não aceitavam e cacarejavam
durante todo o dia, todas desesperadas e desconfiadas das saídas estratégicas
do galo, que desaparecia no decorrer do dia sem que ninguém o localizasse nas
proximidades.
sábado, 25 de maio de 2013
Notícia de um falecimento
O dia amanheceu calmo, mas ela
tinha uma sensação estranha, um presságio de notícias ruins, e, infelizmente,
às 10:00 da manhã, tudo se confirmou.
O telefone fixo toca, ela segue
para onde fica o aparelho. Vai sem
querer ir, era como se tivesse a certeza que não ia receber uma boa notícia.
Todavia, tem mãe, irmãos, filhos e netos.
- “Alô”.
- “Bom dia, quem fala”
- “A senhora ligou para quem”
- “Para a Sra. Cornélia Semog “
- “É ela”
- “Sra. Cornélia fui encarregada
de lhe passar uma notícia desagradável, e o faço eu porque a família está
transtornada.”
Tomou um susto e, imediatamente,
recordou do seu amanhecer e do pensamento que teve enquanto se dirigia ao local
onde ficava o aparelho.
- “Sim, pois não, o que houve”? E
na sua particular irreverência: “Quem morreu”?
- “A Sra. já sabe?”
- “Sabe de que minha senhora”?
- “A Senhora está perguntado quem
morreu, sinal de que já deve saber de alguma coisa!”
- “Sra. o que: Qual é o seu nome?
Diga logo o que aconteceu pois está me deixando nervosa.”.
- “Meu nome é Izolda com “z” e sou
amiga da família”
- “Que família minha senhora, adiante
logo o acontecimento”
- “Bem que me disseram que a
senhora era um pouco esquentada”
- “Pqp: a senhora vai falar ou
não, se isto for um trote a senhora vai se dar mal”
- “Vou falar sim, é que a informação
não é nada boa”.
- “Vou desligar esta merda, e a
senhora vá sacanear outra pessoa”
- “Já sacaneei hoje, se a senhora
entende assim a comunicação que tenho a fazer, já sacaneei umas três pessoas”
- “Caracas, vou desligar mesmo! “
- “Dona Cornélia se a senhora
soubesse a notícia que tenho para lhe dar, a senhora me tratava um pouco
melhor, com mais educação, porque eu que não tenho nada com a estória, ´que fui
solicitada para falar consigo”
- “Sra. sei lá o que, Izolda com
“Z”, eu vou desligar, não tenho tempo a perder, se a senhora não quer cumprir a
sua obrigação “moral” acho eu, o problema é seu. Certamente, se alguém morreu e
eu tiver de saber, no momento certo saberei, portanto, como não lhe conheço,
como não tenho a menor ideia de quem tenha morrido que faça parte da minha
relação de amizade, e se fosse alguém da minha família eu já saberia, até porque
eu seria eleita, à unanimidade, para pagar as despesas funerárias, não vou
ficar aqui falando com alguém que não
tenho qualquer relacionamento, afinidade, conhecimento, enfim, não vou ficar
falando com a senhora.”
Bate o telefone e vai fazer as
coisas que tem de fazer, mas a porra do telefone toca outra vez.
- “Dona Izolda com z vá a merda”
- Cornélia, sou eu Cornidilia: Quem é
esta Izolda com “z” que lhe deixou tão irritada? Por que você está tão nervosa?
Então você já sabe o que aconteceu não é?”
- “Pqp, outra vez!!! Eu não sei de banana nenhuma e parece que não
vou saber. A outra estava neste mesmo papo e por isso já atendi assim. Mas o
que foi que houve mesmo, você vai dizer logo ou vai fazer rodeios para falar? Se
for assim eu vou desligar o telefone porque vocês estão me fazendo ficar
nervosa”.
- “Calma Cornélia, você só tem de
respirar um pouco, ficar calma, pois a noticia é realmente ruim.”
- “Que cacete, que notícia ruim é
esta que vem de cagado. Dizem que notícia ruim chega logo, mas esta parece que
não quer ser noticiada, pelo menos para mim, pois, ao menos, duas pessoas
diferentes já sabem”
- “É: por isso que ninguém queria ligar para você,
todos temendo a sua reação!”
- “Rapaz, vocês tão mesmo de
sacanagem comigo! Que diabo aconteceu?”
- “Não fale o nome do demo; neste
momento o melhor é falar em Deus”
- “Cornidilia, vou esquecer da
nossa amizade e do elo que nos une e vou mandar você para aquele lugar.
- “Cornélia é mesmo difícil falar
com você: todo mundo tem razão mesmo, você é grossa, ignorante, nem mesmo num momento
deste, e para te dar uma notícia desta, a gente tem de abrir qualquer precedente
para você, não vou falar nada, procure saber o que aconteceu sozinha.”
Cornidilia desligou o telefone na sua cara e
ela, que já estava espumando de raiva, de curiosidade e tensão, ficou sem saber
o que tinha conhecido. Pensou em ligar para alguém, mas desistiu: uma terceira
pessoa ia ligar se o caso fosse mesmo importante, ela saberia, se é mesmo que
alguém tinha morrido, da notícia.
Outra vez o telefone toca, desta
vez o celular; ela olha o número no visor, não reconhece aquele número. Os três
algarismos do início demonstram que a ligação não é local.
- “Atendo, não atendo, atendo,
não atendo”. Continua olhando para número sem tomar qualquer atitude”. Decide não atender e vai preparar alguma
coisa para comer, mas outra vez o telefone toca, agora os dois começam a tocar
concomitantemente.”
- “É realmente alguém que eu devo
conhecer bem morreu, pois não é possível que tanta gente ligue para mim em um
dia de sábado, neste horário, em que a grande maioria que conheço já está se
preparando para começar “os trabalhos””
Vai atender o celular. De novo o
mesmo número que não conhece. Não atende. Vai para o fixo, há um número que
também não conhece e que não é local. Fica olhando os dois telefones; no
pensamento faz “uni, dune, te etc., o
escolhido foi você”. Dá risada, pois só neste momento é que percebe o que significava
uni, dune, ter, que tanto usou na sua infância para escolher alguma coisa, (um
dois e três) e este pensamento faz com que ela dê uma imensa gargalhada e é
assim que atende ao celular.
- “Sra. Cornélia Semog”
- “Sim”
- “O meu nome é Cornelson”
- “Como”?
- “Cornelson, é estranho mas é este mesmo. Sou de Bombinhas,
Santa Catarina, estou indo para a Cornuália e, alguns amigos comuns mandaram
que eu procurasse a senhora, para me dar algumas informações sobre o local”.
- “Sr. Cornelson, acho que lhe informaram erroneamente, não
conheço a Cornuália, a não ser através
de um livro que li há tempos atrás. “Catadores de Conchas” acho eu, penso que
fica na Inglaterra, Irlanda, não sei bem, portanto, não lhe posso dar qualquer informação”.
- “Como a senhora não sabe! Estou
aqui na minha mão com um artigo escrito por si, e amigos comuns me deram o seu
telefone.”
- “Continuo achando que houve um grande
engano, ou uma coincidência extrema, pois nunca escrevi nenhum artigo, nunca
estive em lugar com este nome, enfim, acho que por força do meu nome, Cornélia, resolveram
me enfiar uma Cornuália, que não conheço, não quero conhecer. Esta questão de "corno" é assim, todo mundo sabe e quer tirar um sarro.”
- “Bom, mas não é possível, porque dias atrás encontrei um nosso amigo comum, que infelizmente faleceu, e foi ele quem
me deu o seu número”.
- “Quem faleceu meu senhor”,
- “AH a senhora ainda não sabe,
não posso crer, ele falava tanto na senhora, ele que dizia que a senhora foi
uma das pessoas mais dignas que ele conheceu, que ele admirava tanto. A Senhora
que deveria ser a primeira a saber, ainda não sabe do falecimento dele”.
“Pqp! Realmente hoje não é o meu
dia: Olhe aqui senhor não sei das quantas, vou desligar e tenha um péssimo dia e
que a sua Cornuália se transforme mesmo em uma grande "corno" e como manda a tradição, que o senhor seja o último a saber, aliás, o senhor,
decididamente, está indo para o lugar adequado”
Desliga o telefone e já não
aguenta mais, a curiosidade o nervoso a agonia. O celular toca de novo.
- “Vá a merda”,
- “O que? Que é isto Cornélia? Bom
mas parece que você já sabe.”
- “Sei de que?
- “Sua reação ao telefone já diz
tudo”
- “Tudo o que?”
-“ Do seu nervoso, da sua
aflição, da sua angústia, mas não se preocupe, tudo vai dar certo, nós
estaremos aqui, juntos com você”.
- “De que você está falando Cornalina?”
- “Dele, obviamente, estou falando
dele”.
- “Dele quem?”
- “Do pai de seu filho”
Danou-se, pensou ela, que tinha três
filhos de parceiros diferentes.
- “De que filho cacete?”
- “Do seu marido”. Ele vai ser
sepultado daqui a pouco, acho que daqui há umas duas horas. Das diversas
mulheres que ele teve só falta você, todos estão aqui comentando a sua
ausência, tem até aposta se você vem ou não.
Você devia vim, o enterro em si ainda vai demorar e se você vier agora
ainda vai ter tempo de ver as mulheres todas se entreolharem querendo uma matar
a outra, cada uma no seu nincho com a família, quero dizer ela e os filhos, você
sabe que são muitas, isto aqui está mesmo hilário, você devia vim. Tem gente
aqui falando que ele teve toda razão em lhe deixar, uma pessoa que é tão
rancorosa, tão ruim, que nem no momento deste vem prestar solidariedade, tinha
mesmo de ser deixada”.
- “Como é que é! Quem morreu
mesmo?
- “Você ainda não percebeu? Ele, o
pai de seu filho”
- Olhe, quer saber, não sei de
quem você tá falando, se você no disser o nome não vou saber qual dos pais de
um dos meus filhos faleceu, portanto... Além do mais, nenhum dos meus filhos me
disse nada até agora, bem improvável, pois, que estejamos falando de algum dos
meus maridos.”
- “O mais mulherengo mulher! Pois
só de ex, aqui, tem umas quatro, só falta mesmo você para completar a zorra”.
Desliga irritada o telefone. Fica
pensando, qual deles faleceu, se foi um de seus maridos, porque o filho
respectivo não ligou para dizer,ele sim, ou um dos tios, é que deveria lhe
ligar para dar a notícia.
O celular toca outra vez, olha o
número, e reconhece o telefone, seu coração acelera.
“Alô meu filho, eu já sei de
tudo, você quer que eu vá com você para o enterro? Se quiser eu vou. Nesta hora
vou esquecer o que aquele sacana fez comigo e você, vou passar por cima de
tudo, vou apenas lembrar que ele é o seu pai vou te dar apoio.
“Como é minha mãe? Meu pai
morreu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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