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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O regulamento do trabalho indígena de 1899 e sua aplicação na Guiné no ano 1900-1901

1 – A CONFERÊNCIA DE BERLIM

            Com a Conferência de Berlim 1885 toda a política colonial foi remodelada. O principio dos direitos históricos, baseado na descoberta, na posse da terra e no reconhecimento por parte de outras nações, passa por uma completa reforma. Agora, as colônias precisavam ser efetivamente ocupadas e esta ocupação tinha que produzir resultados, resultados estes que teriam de revelar um desenvolvimento e integração dos nativos.
            Parece-nos evidente que a Conferência de Berlim, fez nascer um direito colonial internacional, surgindo, exatamente desta Conferência, uma medida de caráter internacional para a proibição do tráfico de escravos; todavia a sua origem, a sua força motriz, estava no estabelecimento de regras para o comércio na África. O interesse econômico era o mote, a base da reunião. A delimitação de fronteiras era essencial para as pretensões das potências colonizadoras. A liberdade de comércio era fundamental para os interesses econômicos das grandes nações colonizadoras.

sábado, 12 de julho de 2014

EKUNYA, EKASAKÓ;ENRURELIWA OTTULI - Justiça pelo Avesso

“Onira: «enenèle eyo va», orimòna yèttaka”:Aquele que diz «Essa formiga aí» É porque a viu andar.
Esse é um provérbio macua, catalogado pelo padre Alexandre Valente de Matos(1982)[1]
O que este provérbio quer dizer? Quer dizer o mesmo que “onde há fumo a fogo”, ou seja,  quando há algum comentário, alguma crítica, alguma conversa sobre determinado ato de alguém, é provável que  ele tenha acontecido mesmo, e este  provérbio era usado  pelos régulos  para  culpar alguém de determinado  ato. Segundo mesmo autor,  se uma mulher fosse se queixar do marido ao régulo, alegando que ele a maltratou,  e, após ouvido o marido, o régulo não estando confiante nas desculpas daquele, aplicava tal provérbio,e argumentava que ninguém viria  fazer uma queixa gratuitamente[2]

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Indicação Bibliográfica


Nunca pensei que isto fosse acontecer, mas posso garantir que é muito bom, bom mesmo, dá um prazer imenso, um orgulho grande, uma sensação ótima.
Alguns podem achar que é pedantismo meu falar sobre o assunto, mas não vou me importar com isto, porque esta felicidade que senti e sinto está acima de qualquer coisa, inclusive de preocupação com o que os outros pensem ou deixem de pensar.
O fato é que, no ano passado, 2011, estava eu fazendo uma pesquisa pelo Google, exatamente por força do trabalho do doutorado e ao colocar o assunto que queria encontrar – Legislação Colonial e Justiça Colonial em Moçambique - dei de cara como meu nome em uma série de sites.
Olhe gente, não nego não, fiquei mesmo extasiada.  Eu, Esmeralda Simões Martinez sendo citada em artigos de mestres, mestrandos, doutorandos, fazendo parte de bibliografia de teses de dissertações. É mesmo sensacional.
Em um dos artigos o articulista chega a dizer: “segundo a jurista e historiadora, Esmeralda Martinez”, pense aí! Bem verdade que não conseguimos agradar a gregos e a troianos, porque o mesmo artigo que foi publicado em uma revista no Brasil foi rejeitado por outra, sob o argumento de que havia algumas conclusões “simplistas”. Tudo bem, até concordo,pois pelo comentário, descobri que não se pode, seja em artigos, seja em dissertações, seja em teses, fazer sínteses de duas linhas, porque isto é muito “simplista”. Simplista ou não, o artigo foi citado e me  fez sentir muito importante.
Hoje, dia 30 de maio, embora quase sem poder fazer nada, porque o som dos meus vizinhos não permite, coloquei o meu nome no Google, e eis que me deparo com um projeto denominado – OS COMPROMETIDOS - e qual não foi a minha surpresa por encontrar meu nome na descrição do site. Evidentemente que abri e, realmente, a surpresa foi maior ainda: pois não é que na bibliografia indicada pelo projeto esta o artigo LEGISLAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA PARA O ULTRAMAR, publicado pela revista Sankofa!
Olhe que fiquei mesmo emocionada, até porque o projeto em questão é do Centro de Estudos Sociais – CES- da Universidade de Coimbra em Portugal, que tem uma equipe de investigadores do mais alto nível, incluindo o Doutor Boaventura de Sousa Santos, o que significa que o meu artigo realmente é bom, porque não estaria relacionado na bibliografia de um projeto desta qualidade.
Bom, o fato é que to me sentindo mesmo muito importante, vendo o reconhecimento de um trabalho de pesquisa, de sistematização, que me tomou muito tempo, me fez gastar muito dinheiro, me fez ficar afastada dos que gosto, mas que, realmente, valeu a pena!     

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A África repartida - Convenção de Berlim (1885)

Como alguns já sabem, fiz o curso de Direito na Universidade Federal da Bahia- UFBA e o curso de História na Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Claro que antes disto,  como é óbvio, percorri todo o processo academico; no meu tempo, primário, (com quinto ano e admissão para o ginásio), ginásio, colegial. Até a quarta série de ginásio estudei em colégios administrados por freiras, à época considerados os melhores centros educacionais, principalmente para as mulheres; havia alguns que nem mesmo meninos eram admitidos, mas isto não vem ao caso agora, o certo é que eram tidos como bons, e eu na verdade não duvido disto. Estudei no São Raimundo, no Salette e na Medalha Milagrosa, nos dois primeiros, em regime de internato, no último  como uma aluna externa.
As matérias estudadas, como em todos os bons colégios, eram: História, Geografia, Ciências, Matemática, Português,  Educação Religiosa; depois de algum tempo apareceu uma nova matéria que era EMC, educação moral e cívica, que hoje, quando nela penso,  me parece uma espécie de lavagem cerebral para jovens (à época). O país atravessava a sua crise (ditadura militar) e era necessário que  os jovens aprendessem a respeitar  o poder da maneira que ele foi estabelecido em 1964. Tínhamos de ter, em nós despertado, o sentido  mais literal do que era o sentimento nacionalista e patriótico. Eu era mesmo muito jovem e não me lembro de muitas coisas, a não ser de ter descido, um dia, a ladeira da praça correndo com o meu pai desesperado, porque  do pico da ladeira, soldados armados estavam atirando. Era a tal da revolução, como me diziam.  Bom, mas isto também não vem ao caso no momento, mas agradeço de alguma maneira  este período, porque nele, erradamente ou não, aprendi o que é ser brasileiro; não com tanto orgulho e amor como quando falamos em football, mas com o orgulho do nacionalismo que teria de ser incutido em cada um de nós. Deveríamos honrar a pátria e, como na letra do hino nacional, que embora não tenha sido escrito na época da ditadura, era como se fosse, defendê-la com unhas e dentes dos tiranos quer queriam implantar a anarquia neste grande e imenso florão da América. Ah, além destas materias eu ainda tinha uma muito especial, “prendas domésticas”, mais tarde  “trabalhos manuais”: é mole ou quer mais?
Mas o que quero não é falar nem de Brasil, nem de ditadura, nem mesmo  do que aqui aconteceu por força  do regime, mas do programa dos cursos de história e geografia.
Até onde a minha memória alcança, quando estudávamos História, o que bem me lembro em se falando no continente africano, é do Egito, e não muita coisa. Estudei as cheias do Nilo, de como as enchentes deixavam as terras férteis que eram cultivadas.  Lembro-me das  pirâmides, do nome de alguns dos grandes faraós, Hamsés, Tutakamón, mas acho que foi só. Além disto, e ainda do que me recordo, aprendi que a África  foi um grande fornecedor de escravos para o Brasil, a África como um todo; era como se ela fosse apenas um grande e imenso país, sem divisões, sem Estados; apenas a África, com os seus negros, com a sua selvageria, com os seus leões, elefantes, girafas, hipopótamos, rinocerontes, e os macacos, muitos, mas muito deles, e das mais variadas espécies, entretanto, na ficção, havia um em especial, ou melhor,uma, que ficou internacionalmente conhecida, a Chita, a macaca de Tarzan, que pasmem: era muito mais inteligente de que os negros que apareciam nos filmes do menino que cresceu na selva.  Os imperialistas colonizadores preferiram uma macaca junto ao menino, de que colocar um ser humano "negro" ajudando um “branco”  a sobreviver na selva. Certamente, e era mesmo o que era propagado, se  o menino fosse encontrado pelos gentios africanos não sobreviveria, o seu fim teria sido uma panela. Aliás, era assim que os africanos,(negros) no contexto geral, eram caracterizados, lembro-me que em revistas de repercussão nacional, havia sempre uma "charge" com um caldeirão enorme, com  nativos(negros) vestidos de tangas de palhas desfiadas, com um osso enfiado no cabelo, no nariz, um beiço enorme, com lanças nas mãos, a fogueira acesa e os brancos dentro, cozinhando. A antropofagia era vulgarizada para que “os brancos” tivessem todas as restrições aos negros e, por isso mesmo, encontrassem motivos suficientes para, se não exterminá-los, escravizá-los, domá-los.
Em geografia, também até onde alcança a memória, eu lembro que aprendia as capitais dos paises da Europa, não todos, é claro, os mais importantes.: Espanha-Madri; Portugal-Lisboa; França-Paris; Inglaterra-Londres; Itália-Roma; Alemanha Oriental-Berlim,Alemanha Ocidental-Bonn; Holanda-Amsterdã, Grecia-Atenas; Suiça-Berna; Suécia-Estocolmo, e por aí vai, alguns já não me lembro, aliás, o mapa europeu mudou tanto, os países se multiplicaram com a separação das repúblicas soviéticas, que  tudo esta muito diferente do  mapa anterior, aquele em que estudei, da África, ao que me lembro, tratávamos da pobreza, da seca, da fome, da savana,dos grandes desertos, falar do povo, nem pensar, etnias? O que era isto? 
Todavia o que era da África? Que países existiam no continente africano, além do Egito com a sua capital Cairo em que ingleses se estabeleceram? Acho que falávamos dos árabes sim, mas quando eles entravam na estória ou na ficção, eram  os homens que usavam  roupas longas, com panos na cabeça, diferentes dos indianos que usavam turbantes e tinham o rio Gangis, que era o rio sagrado, andavam nos desertos com caravanas e camelos, e paravam em oásis, alguma alusão remota às invasões da Europa e alguns outros mínimos detalhes.Na ficção havia o Ali Babá e os 40, ou eram 50? ladrões. Evidente que estou mesmo sintetizando muito, pois não me lembro de tudo o que estudei no primário, ginásio e colegial, aliás,  não to me lembrando de um passado mais remoto, imagine  de coisas de 45, 50 anos atrás.
O fato é que quero dizer que nunca ouvi falar da Convenção de Berlim, nem mesmo quando, pasmem! fiz a lincenciatura em História, aliás, não me lembro de ter tido nenhuma matéria especifica sobre a História da África. Só ouvi falar da Convenção de Berlim quando, em 2005 passei a fazer o Mestrado em História da África na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Alguns podem pensar que é um exagero da minha parte, mas não é não, eu estou falando sério, e aí é que está o grande problema: é que, ainda hoje, não se ouve falar, em sala de aula, nos cursos de história, da Convenção de Berlim.
Por que falar da Convenção de Berlim? Porque este acontecimento modificou toda a história e geografia africanas, foi o marco de uma mudança radical  na vida dos africanos e da Europa, que dividiu o continente africano entre eles, como se pudessem tornar-se donos da vida, da história, do patrimônio do outro, impunimente. A divisão estabelecida pela Convenção de Berlim não obedeceu a qualquer príncipio, seja ético, moral, geográfico, apenas foram atendidos os interesses econômicos das nações imperialistas. Nações africanas foram divididas, povos foram separados, tradições foram afetadas, exterminadas em alguns casos, tudo feito com base em nome de uma obra civilizacional, sem que os africanos participassem desta divisão. Bem verdade que as ocupações e os conflitos pela posse dos territórios já eram  rotina, o que a Convenção fez, na realidade, foi ratificar o que já existia e tentar resolver os conflitos existentes, além de fixar critérios para a ocupação do litoral.  Com a Convenção de Berlim consolidou-se na África as nações europeias civilizadoras, que tinham como a mais nobre das missões civilizar aqueles povos atrasados, selvagens,  missão a que deram o nome de civilizacional, que consistia em um “ dever das raças superiores para com as raças inferiores” BOKOLO,2007:305).
Maputo - Oceano Indico
antiga Lourenço Marques
Através dela eles transformariam africanos em fantoches, em párias, sem pátria, sem direitos, sem identidades, mas com muitas obrigações. Com a Convenção de Berlim, trataram a África como se ela fosse uma grande homogeneidade cultural (se éque assim se pode dizer, porque com certeza  os colonizadores não achavam que nada que fosse de origem africana pudesse ser considerado como cultura), que poderia ser dividida sem que isto afetasse a vida dos seus nativos, que não tiveram respeitados os seus espaços, as suas línguas, as suas etnias, as suas culturas, enfim, desestruturaram as estruturas tradicionais estabelecerem  sistemas outros, exógenos, que eram considerados politicamente corretos e civilizados (eugênicos), mas inadaptáveis aos costumes locais.
A finalidade real da Convenção, entretanto, era a regularização do comércio na bacia do Congo e de outros rios, e fixação dos parametros de ocupação da África, que doravante tinham de ser cumpridos pelas nações envolvidas a fim de que estas pudessem continuar como “proprietárias” da África, porquanto a sanção, em caso de não observação das  regras, poderia culminar com a perda da própria possessão.
Agora, exigia-se que o continente fosse efetivamente ocupado, já não se podia apenas colocar  bandeiras marcando espaços, vender armas em troca de terras, criar feitorias, enviar reconhecedores de terrenos, missionários. A África tinha de ser ocupada ordenadamente, e não só, os nativos também deveriam ser trazidos para o mundo da civilização, afinal, antes da década de 80 os europeus “tinham começado a perceber ou a imaginar a importância da aposta africana e a pôr o dedo numa série de engrenagens cuja rotação haveria bruscamente de se acelerar nas duas últimas décadas do século XIX” (BOKOLO, 2007:300).
A Conferência iniciou-se em Novembro de 1884 dela participando  (Alemanha, Bélgica, Espanha, Estados Unidos(vejam bem) França, Inglaterra, Paises Baixos, Portugal, Turquia, Itália, Imperio Otomano. Quem convocou esta reunião foi a a Alemanha (Bismark) e ela teve lugar em Berlim, entre  1884 e 1885.
Após a Conferência a corrida para África intensificou-se, apareceu o que passou a chamar-se zona de influência. Muitos tratados foram realizados, somente entre Portugal e Inglaterra foram firmados  30 deles, com a finalidade de delimitar áreas, fixar fronteiras.  Acordos foram assinados com os chefes indígenas, porque a participação deles na ocupação pacifica dos territórios era fundamental. Muitos termos de vassalagem foram firmados entre Portugal e os  chefes  indígenas da África Portuguesa, em que sempre constava que os dois, o rei de Portugal e o chefe eram aliados no caso de ser necessário colocar algum intruso para fora do território. Isto entretanto, não impediu que um grande chefe indígena,o Gugunhana tivesse contatos com os ingleses, de quem recebia favores e que teve mesmo de ser vencido, preso, retirado de Moçambique.
Estação ferroviária de Maputo
Moçambique - obra dos portugueses
Pois bem, para finalizar, a partir da Conferência de Berlim restou consolidado o dever  das potências plenipotenciárias  de promover o melhoramento das condições materiais dos indigenas. Cada uma delas utilizou os métodos  próprios para alcançar  o objetivo, que diga-se de passagem, não foi alcançado até que os paises africanos conseguissem as suas respectivas independências. Em Portugal criou-se uma identidade para os “negros”, eles passaram a ter o status de indígenas, e como tal, teriam uma legislação própria, regulando às suas vidas diferentemente das dos portugueses. Os indígenas, a partir de uma determinada idade, 14 anos, tinham a obrigação moral de trabalhar, se não fizessem por bem, isto é, voluntariamente, a isto eram obrigados, através de um carinhoso método de coação,a que eles denominaram de “trabalho compelido”, que caso não observado, sujeitava o indigena à prisão, que por sua vez era convertida em trabalho forçado, enfim, uma escravidão com este apelido carinhoso, que foi legalizada e utilizada durante muito tempo com a justificativa de que somente pelo trabalho é que os “indígenas” alcançariam a civilização.
Pois é, um acontecimento de tamanha importância mundial, não poderia deixar de ser estudado nos cursos de história, não se pode, como eu, ouvir falar da Conferência de Berlim, apenas e tão somente quando se alcança uma pós-graduação em História da África. A importância do continente africano não pode ser esquecida desta maneira, mui principalmente por nós, brasileiros. É preciso um novo programa para os cursos de história, é necessário que a África seja introduzida na sala de aula desde o primário. Explicar a atual África, os seus conflitos intestinos, passa, também, pela explicação do que foi a colonização naquele continente, como  os colonizadores dividiram os povos, desrespeitando culturas, etnias, histórias, vidas. 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

LOBOLO - Venda da filha

Estava eu a ver a novela Caminho das Índias que demonstrava o costume indiano de os pais do noivo serem presenteados pelos pais da noiva, que também deveria levar consigo uma boa quantia. Não posso imaginar no Brasil um costume deste, acho que estaríamos, 80% das mulheres, solteiras, caso este fosse um costume da nossa sociedade. Felizmente não é, penso eu, pois nunca me deparei com uma situação desta, até porque, se assim fosse, seria mãe solteira.

Brincadeiras a parte. Estudando os usos e costumes de Moçambique para efeitos da complementação da tese de doutoramento, que tem como tema central a Aplicação da Justiça nas Colônias portuguesas, especificamente em Moçambique, deparei-me com um costume denominado LOBOLO.

Contrariamente ao que aparece na novela Caminho das Índias, entre as etnias Moçambicanas quem efetivava o pagamento do “dote” era o homem. O homem, na verdade, pagava pela mulher com quem iria se casar. Por ela, ele pagava aos pais uma determinada quantia, que variava de acordo com a região e etnia dos noivos, esclarecendo-se de logo que em Moçambique, no tempo colonial, a poligamia era aceita e que um homem, se dinheiro tivesse, poderia comprar tantas mulheres quanto pudesse, bastando, tão somente, fazer o pagamento do “lobolo”, que poderia ser, tanto em dinheiro, quanto em outros bens, sendo muito regular a entrega de certo número de cabeças de gado, e que o estudo feito remonta ao Século XX – 1900-1910

De acordo com Gonçalves Cota (1944:223) “as famílias patriarcais equilibram a perda duma filha que casa recebendo por ela dinheiro ou quaisquer valores econômicos que lhes permitem adquirir outra mulher para um filho que ficará sob autoridade do pai e o auxiliará; as famílias matriarcais não adoptam êste sistema, mas também conseguem o mesmo equilíbrio adquirindo para o seu grupo, em vez desses valores compensatórios, o proprio noivo que trabalhará para casa e ficará sob autoridade dos sogros.”

Vê-se, pois, que em Moçambique existiam dois sistemas familiares: o matriarcal e o patriarcal, sendo que o lobolo, o pagamento de uma compensação pela saída de uma filha do convívio da família, só acontecia na família patrilinear, porquanto na matrilinear era o homem que passava a conviver na casa da família da mulher, ajudando nos serviços para a manutenção da própria família: tomar conta do gado, se houvesse, arrumar madeira para as fogueiras, etc.

O “lobolo”, valor pago pelo pretendente a marido não pertencia à jovem que iria casar, ficava pertencendo à sua família, e seria utilizado pelo pai, caso ele tivesse filhos homens, na compra da mulher para estes, somente no caso de não existir filho varão, éque opai podia gastar o valor do lobolo com outro fim.

De acordo com Gonçalves Cota, (1944:227) houve casos em que os pais não respeitaram esta regra e com o dinheiro do lobolo da filha compraram uma nova mulher para si próprios.

O pagamento do lobolo gera uma série de consequências, que inclui a devolução do mesmo em diversos casos:

a) Quando a mulher comete adultério;

b) Quando abandona o marido;

c) Quando não procria;

d) Quando não cumpre os deveres conjugais.

Em todos estes casos o lobolo tem de ser devolvido ao marido, existindo vários “milandos” solicitando tal devolução. “Milandos” eram as questões entre indígenas submetidas ao julgamento das autoridades administrativas portuguesas, que eram responsáveis pela aplicação da Justiça aos indígenas, assim identificados desde o ano de 1894 pela lei, Decreto de 20 de Setembro de 1894(D.G nº 220 de 28.09.1894), como sendo “os nascidos no ultramar, de pae e mãe indígenas, e que não se distingam pela sua instrucção e costumes do commum da sua raça” (Art. 10º do Regulamento de 28.09.1894). A estes deveria ser aplicado um ordenamento jurídico diverso daquele que era aplicado aos portugueses.

Naturalmente que os portugueses não poderiam aceitar a poligamia, afinal eram cristãos e a lei civil punia o adultério e, portanto, não se poderia dar qualquer “status” de português a pessoas com costumes tão bárbaros, como eram identificados os usos e costumes dos indígenas, mui principalmente a poligamia, tanto que, quando em 1917 foi exigido o Alvará de assimilado,através da Portaria Provincial de nº 317 uma das exigências era que o pretendente a assimilado adotasse a monogamia; os outros requisitos eram: saber ler e escrever a língua portuguesa, ter meio de subsistência e viver afastado dos usos e costumes dos indígenas.

Mas voltando ao lobolo, que de acordo com JEFFREYS (1951:53) é o preço da criança e não o da mulher, pois segundo ele com o pagamento do lobolo o marido adquire o direito de ficar com os filhos: “a criança torna-se sua quando ele paga para transferir o seu “status” de membro do grupo da mãe para o seu próprio.

A discussão se o preço é pela mulher ou se pelas crianças no momento não vai ser objeto deste artigo, que quer discutir as causas que determinavam a devolução do lobolo e como os administradores das diversas circunscrições civis em Moçambique resolviam as questões que lhes eram postas tendo como causa de pedir a devolução do pagamento efetivado aos pais da mulher.

Nos casos de adultério, que somente poderia ser praticado pela mulher, dado que o homem era polígamo, se fazia necessário a devolução do lobolo, fosse qual fosse o tempo que durou o casamento. Os pais da mulher, ou os seus sucessores, tinham de devolver o preço pago por ela, ficando os filhos havidos no período do casamento com o homem.

Nos casos de abandono do lar, também aqui o lobolo era devolvido, e no caso de haver filhos, estes, também podiam ser requisitados pelo marido.

Em todos os demais casos acima indicados, o lobolo tinha de ser devolvido, e se isto não acontecia, os pais da mulher tinham que fazê-la voltar a viver com o “marido”, ou tinham de dar outra filha ao homem, mui particularmente nos casos de não procriação, ou seja, o comprador da mulher tinha que ter a sua mercadoria à disposição. Observe-se que o importante não era a mulher em si, e sim a satisfação do homem que a adquiriu.

Ha casos interessantes que foram submetidos aos administradores portugueses, valendo esclarecer que, antes os “milandos” eram resolvidos pelos régulos, mas os portugueses retiraram daquelas autoridades tradicionais muitos dos seus poderes, com o fim de enfraquecê-las, e distribuíram estes poderes aos administradores, que, se analisarmos pelo lado português, não tinham qualquer formação “jurídica” para se tornarem aplicadores da justiça, e pelo lado do indígena, pior ainda, porque eles não conheciam os costumes desses e, na maioria das vezes, aplicavam um direito hibrido, que não era uma coisa nem outra, nem os usos e costumes dos indígenas, que era mandado observar pela própria Constituição Portuguesa, e nem o direito português, que não admitia a poligamia, nem conhecia o lobolo, não tinha a divisão da família em patrilinear e matrilinear. Para a resolução dos “milandos” os administradores se serviam das informações dos próprios régulos, dos chefes de povoação, cabos, etc. e, ainda de alguns relatos feitos por “portugueses” encarregados de estudarem os usos e costumes indígenas e mais de alguns dispositivos legais, a exemplo do Capítulo III do Regulamento das Circunscrições(BOM nº 40 p. 428).

O fato é que o “lobolo” causava muitos problemas quando tinha de ser devolvido:

Em 1905, por exemplo, uma indígena filha de outro indígena de nome Zambe fugiu da companhia do seu companheiro de nome Mufana Maze, este, então, decidiu “fazer milando” e deu queixa na administração do distrito de Gaza, pedindo a devolução do lobolo e mais a devolução da filha havida no período do casamento. Todos foram ouvidos, o pai da indígena fujona, o querelante, o atual marido da indígena e a própria indígena. Restou apurado que, o Mufana Maze e o pai da indígena estavam mancomunados: o primeiro para receber dinheiro do atual marido, de nome Dambambe, que inclusive, tinha tido relações carnais com ela antes mesmo que ele a vendesse para o querelante, sendo ele o verdadeiro pai da filha da mulher, e o segundo para ter a filha e poder vendê-la. Também restou esclarecido que ele indenizou o primeiro marido, a quem entregou a quantia por ele paga ao pai da indígena. Foram condenados o querelante e o pai da indígena no pagamento de multa e prisão. O primeiro por mentir e querer tomar a filha para vendê-la, e o segundo por vender a mulher a duas pessoas diferentes. (AHM- FDSNI Cx 148- Milandos e Queixas Diversas- Gaza 1905).

Também em 1905 foi registrada uma queixa sob nº 8, no mesmo livro acima identificado, tendo como Querelante o indígena de nome Juelemane de Minhangane (minhangane é o nome do regulo das terras onde o indígena vivia e sempre era usado seu nome para identificar de onde o indígena pertencia) contra Maguibene, também de Minhagane. Diz o primeiro que o segundo era seu tido e recebeu o dinheiro do casamento das suas duas irmãs, que ficaram com ele, sob a proteção do tio, mas este gastou todo o dinheiro. Esclarece que as irmãs foram vendidas pelo seu pai quando ainda eram crianças. Que o tio tem de lhe entregar 5 cabeças de gado e mais 3£ que ainda faltam para completar todo o valor do remanescente.

Provou-se que o querelante tinha razão e o tio foi condenado a pagar o equivalente ao saldo remanescente em 3 meses.

Nota-se, pois, a variedade das questões que podiam ser suscitadas pelo fato do recebimento do lobolo. No segundo caso apresentado o filho do falecido pai das irmãs vendidas, reivindica o valor recebido pelo tio, pela venda delas ainda quando crianças.

O recebimento do lobolo, pois, pela família da “mulher” na realidade, era um pagamento quase que provisório, uma vez que, caso o casamento por qualquer motivo que ela desse causa, fosse desfeito, ele teria de ser devolvido a quem fez a compra.

Em outro momento descreverei mais “milandos”, uma forma muito interessante de conhecer os usos e costumes dos negros (indígenas) portugueses de Moçambique.



FONTES

AHM – FDSNI – Cx 148

BOM I Série nº2, de 18.01.1917, p. 8

BOM nº 40, de 03.10.1908, p 428

D.G nº 43 de 20.02.1894

D.G nº 220 de 28.09.1894.

Bibliografia

COTA, J. Gonçalves. Mitologia e Direito Consuetudinário dos Indigenas de Moçambique, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique, 1944

JEFFREYS, M.D.W- “Lobolo é o preço da Criança”. African Studies, Vol. 10, nº04, 1951, Trad. De José Carlos D´Almeida e Sousa Marques.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Descobrindo Maputo

O sol jogava os seus últimos raios sobre a terra seca. Uma poeira vermelha flutuava no ar. Seu sapato preto estava vermelho, passou a andar sobre a grama, que também perdera a sua cor original e demonstrava todo o poder do sol naquela parte da terra. Aquilo não era nada, nem grama e nem coisa alguma, mas alguém lhe gritou: “Não ande na grama”. Insatisfeita, teve de sair mesmo, afinal, naquelas paragens, aquela mistura de terra com alguns fiapos de uma mistura verde e vermelha podia ser considerada grama.

A terra seca, vermelha e fina entrava no seu sapato, que já não tinha cor. Aquilo era mesmo um sacrifício para si, mas não havia outra maneira de chegar até o local onde fazia a sua pesquisa, pela qual valia o sacrifício.

Consegue chegar ao portão divisório do campus da universidade e a rua, não faz muita diferença: de ambos os lados a poeira é terrível, mas do lado de fora do portão, que na realidade não existe, tem o asfalto, esburacado, misturado com aquele barro seco, mas o asfalto diminui um pouco a poeira. Tira cada pé do sapato e balança o barro que se acumulou na travessia do campus.

Ela anda sozinha e preocupada, quer acabar logo a sua pesquisa, mas é impossível saber o que quer em tão pouco tempo, aquele arquivo merece a eternidade, tal o seu conteúdo, mas é impossível passar mais tempo ali, e ela tenha a ciência de que não conseguirá realizar nem trinta por cento do que se propos.

As pessoas passam por si. O colorido das capulanas das mulheres contrasta com tristeza que se denota nos seus semblantes. Muitas sentadas no chão, sem qualquer condição de higiene, expõem e vendem os seus produtos – folhas, tangerinas, milho, mandioca. São muitas e muitas, mas não se vê, ao menos naquela parte por onde ela passa, qualquer traço de inimizade, de concorrência. Ali a concorrência é tão somente pela vida. O pano, em que elas colocam as mercadorias, é encardido. A água com a qual elas molham as folhas para que não murchem é suja, algumas guardam a água em uma lata onde sentam, as ancas servem de tampa para este reservatório de água. Algumas têm crianças que lhes sugam o peito cansado e murcho, mas isto não é motivo para que elas não atendam algum cliente que se aproxime. O ambiente é sujo. Os pés foveiros da poeira vermelha encostam-se nos produtos, mas parece que ninguém liga, porque os compradores aparecem e levam as folhas, as frutas, alguns até comem  estas últimas sem sem lavar.

Aquele era um caminho pelo qual passava todos os dias, até descobrir que muitos outros existiam e que levavam ao mesmo lugar. A partir desta descoberta ia, a cada dia, trocando o caminho, não só pela própria novidade em si, mas para não passar pela avenida principal, sempre muito cheia de gente, ambulantes, bêbados, e também porque esta uma maneira de conhecer a cidade no pouco tempo que permaneceria nela.

As outras ruas em que andava não eram muito diferentes daquela primeva, mas havia menos movimento de pessoas e de vendedores de rua. Numa destas caminhadas encontrou o “peixe preto”, um peixe que é defumado e que se pode guardar por muito tempo sem que apodreça. O bicho é feio, horrível na aparência, mas, segundo a vendedora e uma compradora, de ótimo gosto. Não teria coragem de comer aquilo, a aparência é mesmo tenebrosa.

Pela rua vendedores de frutas, carrinhos cheios de banana e tangerina. Pelo chão, sentadas em um banquinho com um fogareiro à frente, vendedoras de “maçaroca”. Estão com a típica vestimenta da terra – a capulana. Falam entre si uma língua esquisita, as das suas respectivas etnias. Ha uma aglomeração delas, realmente a concorrência é a última coisa que poderia ser encontrada ali, assam as suas maçarocas e pronto, não disputam os clientes, eles chegam e compram e se vão a debulhar os grãos assados.

Esta na hora da oração dos muçulmanos. Muitos homens apressados passam por si e se dirigem para a Mesquita que fica no caminho por onde tem de passar. Muitos homens vestem túnicas brancas e usam o kufi (gorro para rezar). Muitos são indianos, as características físicas demonstram isto. A pobreza circundante contrasta com a imponência da Mesquita.

A avenida fervilha, esta na hora de voltar para casa, todos se apressam. Os chapas estão superlotados, mas ainda param nos pontos para pegar mais gente, que se comprimem ali dentro, mas querem mesmo é chegar a casa.

As vendedoras ainda estão a postos, no lugar onde existem paragens dos chapas elas se concentram mais ainda, tem fregueses fiéis, pois se vê o tratamento entre elas e os seus clientes.

Atravessa a última avenida que vai lhe levar diretamente à rua do hotel. O percurso é feito em uma hora e vinte minutos, aproximadamente. Quando chega ao hotel já não tem mais vontade de fazer nada, a não ser dormir. A caminhada é penosa, porque além da distância em si, ela vem trazendo o notebook, a bolsa, e, papeis; uns seis quilos. Sempre chega exausta.

Algumas vezes, antes mesmo de subir para o quarto, pede um uísque duplo e fica no hall do hotel olhando a movimentação. Constata que muitos hóspedes, inclusive dois espanhóis, estão ali para angariar mulheres. Muitas jovens entram e saem do hotel, algumas acompanham os hóspedes até o quarto. As cenas lhe deprimem um pouco, sabe que aquelas jovens estão se prostituindo e acreditando numa mudança de vida, que lhes esta sendo, sacanamente, prometida.

Não gosta dos dois espanhóis, até porque eles tratam mal os empregados do hotel, não que esses sejam exemplo de nada, muito pelo contrário, são como todos que encontrou: desatenciosos, sonolentos, descansados. Não se esforçam para nada: é como se os hóspedes precisassem deles, e não o contrário.

Acaba o uísque e vai para o quarto, toma sopa de saquinho, arriscando-se, porque ela é feita com a água quente da torneira do banheiro, nada recomendada para o consumo, mas não há outro jeito.

No final de semana, depois do meio dia do sábado, que é quando o seu começa, anda pelas ruas da cidade, descobre muitas coisas e lugares. Constata que há muito vigilantes, não se sabe para vigiar o que, porque como parecem pertencer à empresa de vigilância “sonolência”, nada está a ser vigiado.

Anda sem destino, mas com uma direção quase certa, a do mar, entretanto, quando passa pelo Jardim vê muitas, mas muitas mulheres mesmo concentradas. Estão todas de capulanas. Pergunta o que esta acontecendo, alguém lhe diz que elas são de Napula e que vieram para Maputo fazer uma manifestação, e estão à espera de algum representante do governo.

Olha para aquela cena assustada, as mulheres estão sujas, algumas dormem na grama, outras estão sentadas dando de mamar aos seus filhos, outras andam pelo jardim. Quer tirar fotos, mas fica inibida, tenta tirar sem que elas percebam, consegue algumas não muito nítidas.

Desiste e segue em direção ao mar, que, mesmo com toda a sujeira, conserva, bem longe da praia, a sua cor, cor que lhe dá a esperança, de que tudo neste país ainda vai mudar. É o que realmente espera.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O Arquivo Histórico de Moçambique


Fica em Maputo. Hoje está dividido em muitos espaços, mas vou falar, especificamente, de um deles; daquele que guarda a documentação oficial produzida pelos portugueses.
Estou entusiasmada: nunca pensei que fosse chegar tão perto de tanta fonte primária. É bem verdade que o arquivo está instalado num lugar sem as menores condições de funcionamento. Não se tem cadeiras decentes, não se tem água, não há uma copiadora, enfim, não há nada nas dependências do galpão, onde as inúmeras caixas que guardam a história da colonização portuguesa e da própria história de Moçambique e de seu povo, com as suas várias etnias, estão depositadas precariamente.

Nem os funcionários, tampouco os pesquisadores que ali vão, encontram quaisquer condições mínimas de trabalho.

Se o investigador quer tirar uma cópia de algum documento, tem de esperar que um carro venha buscar as pastas e leve para o local onde esta a máquina copiadora, procedimento como qual se corre dois riscos: um deles, e o pior na verdade, é o extravio da própria fonte, porque tudo pode acontecer no caminho entre o arquivo e o local onde se encontra a máquina. Este é um grande, enorme risco para o conhecimento. O outro é para o pesquisador, que tendo trabalho de localizar o documento, marcá-lo, pedir a cópia, fica a mercê de, num mínimo movimento, até o balanço do veículo que leva as caixas, perder todo o seu minucioso trabalho, porque a marcação pode sair do lugar, e aí, trabalho perdido. Por outro lado, a pessoa que tira a cópia, para fazê-lo, desmarca a página, outro grande problema para o pesquisador, porque há o risco do funcionário tirar cópia de página diversa da que se quer. Enfim; tirar cópias de documentos no AHM é mesmo uma prova de paciência, quiçá, é aprender o que Cristo quis dizer quando fala em resignação.

Entretanto, com todas as dificuldades, que não param por aí, porque a cópia do documento é extremamente cara; até se entende o preço, mas o pobre do investigador é penalizado por tentar descobrir as fontes que podem esclarecer muitos pontos ainda obscuros na História da África, não se presta o AHM tão somente para o resgate da História de Moçambique, mas de muitos dos países que lhe fazem fronteira, a exemplo da África do Sul, em razão do Transval e do Rand, da cidade do Cabo, da Suazilândia, Zimbábwe, Tanzânia, Malawi, Zâmbia dentre outros, por isto mesmo é que o investigador deveria ter a sua vida facilitada em termos de cobrança das cópias que, de acordo com a tabela oficial, custa, cada uma, 7,50 meticais. Ou seja, quem precisar tirar 1.000 cópias pagara, aproximadamente, uns 7.500 meticais, equivalente à aproximadamente, no cambio oficial, U$193,00, moeda índice aqui em Maputo, o que é muito. A razão de o investigador tirar cópias dos documentos é o fato de não poder analisá-los, detidamente, no curto espaço de tempo que tem para olhar a documentação no arquivo.

Por outro lado, existem muitos mapas e fotografias em muitas pastas do arquivo, fotografias, por exemplo, que podem, através de si própria, demonstrar o modus vivendi dos povos. Quem trabalha com assimilados tem um manancial enorme de análise com estas fotografias. Mas o que acontece? Não há no prédio onde funciona o arquivo qualquer máquina que proporcione a digitalização do documento.

Na verdade, apesar da riqueza das fontes, o pesquisador se depara com as dificuldades que aqui são identificadas, e que não são só estas. Há também o problema das trocas de caixas: às vezes se procura um documento identificado nos catálogos com um número, quando se encontra a pasta correspondente a ele, não há nada parecido com a descrição do catalogo: estou falando isto porque me aconteceu por várias vezes isto. Como trabalho com a Justiça, para mim era importante encontrar os livros de registro de MILANDOS; para quem não sabe o que se trata, são questões entre os indígenas, que tem as mais variadas causas: família, roubo de animais, devoluções de lobolo, pagamento de lobolo, guarda de filhos, heranças, invasão de machambas, dentre tantos outros que aparecem nos relatórios dos órgãos responsáveis pela resolução deles. Alguns eram resolvidos pelos próprios régulos, cabos e chefes de povoação, mas outros eram submetidos aos administradores, até em casos que os querelantes não se conformavam com a decisão dos chefes. O que me interessava era o registro destes milandos que foram registrados pelos administradores, porque os resolvidos pelos régulos não foram documentados, por óbvio. Encontro eu uma indicação de livro de Registo de Milandos – ano 1922-1959. Fundo da Secretaria de Negócios Indígenas, Cx 11-2841 – C d 2, (registo não está errado, é assim mesmo que é a grafia em português de Portugal). O livro que me é apresentado com esta indicação é um que trata de CONCESSÕES DE TERRENOS A INDIGENAS. Bom valeu porque agora sei que existe um livro que trata disto, mas onde está o de registo de Milandos? O que foi feito dele?

Um outro indicativo: Registo de Milandos 11-2466 B m 4. Encontra-se o livro de nº 2467, 2468 e outros, mas este, que deveria estar na mesma pasta, especificamente este, não está dentro dela. Pergunto se algum investigador está com ele. Não, não há ninguém com ele, e me dizem que está extraviado. Pensem o problema para quem sai do Brasil, passa por Lisboa e segue para Moçambique, apenas e tão somente para encontrar estes dados. Estou ou não aprendendo o que é resignação?

Há outra indicação: desta feita encontrada no ficheiro relativo à Inhambane. –Relação Mensal de Milandos 1897-1899 8-38 M(2) C a 2. O funcionário do arquivo, que vendo a minha dificuldade, fica tão feliz quanto eu, afinal era especificamente uma fonte necessária para o trabalho a desenvolver, e vai buscar a pasta. Novamente uma surpresa para lá de desagradável: a pasta existe, mas não se trata de Milandos, quanto pior, da relação deles.

É um banho de água fria, mas não desanimo, pois a quantidade de caixas que vejo dentro do galpão improvisado em arquivo me dá a certeza que acharei tudo o que quero, e muito mais. O problema agora é o tempo, pois tenho tempo limitado para permanecer em Moçambique, que não concede vistos elásticos para muitos, além do custo de toda a estadia que, pasmem! Correm todos por minha própria conta. Tudo pelo conhecimento!

Bom, mas o que quero que fique bem claro é que, todos aqueles que querem fazer um trabalho sério e fundamentado a respeito da África lusófona tem, certamente, de: em Lisboa, pesquisar na Sociedade de Geografia, Arquivo Histórico do Ultramar, Biblioteca Nacional de Lisboa, Biblioteca do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, mas nada se compara ao Arquivo Histórico de Moçambique e acredito, das demais províncias. Sei que só entende este entusiasmo, apesar de todas as dificuldades descritas, são os amantes da história e de história.

O certo seria que todas as instituições que se interessam pelos estudos africanos se unissem para recuperar, modernizar este arquivo, que muito servirá para o conhecimento e resgate da história do povo africano no geral, e, no caso particular, dos de quem agora falo: dos povos de Moçambique.


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Você gosta de cachorro?


Estou desconfiada que em Maputo se come cachorro. Digo isto porque tenho andado muito a pé nesta cidade, não só pela falta de transporte público decente, como por falta de dinheiro mesmo, aliado a um terceiro motivo: conhecer realmente a cidade, o que só acontece se andarmos pelas suas ruas.

Pois é, desde o dia que aqui cheguei, dia 23 de julho, se muito vi foi seis a sete cachorros nas ruas, mas estes estavam devidamente encoleirados e a passear nas ruas com os seus donos.

Será que aqui se come cachorro? Não ia estranhar nada, porque vi na televisão, que em uma outra Província, não prestei atenção ao nome, se come rato e que este comércio está em franca ascensão. A reportagem mostrava os bichos estirados em um pano no chão, e as pessoas, tranquilamente, comprando aquelas coisas feias e esturricadas.

Bom, mas o fato é que já tenho quase trinta dias em Maputo e não vejo cachorro na rua. Na minha cidade, Salvador, há uma quantidade imensa de cachorros soltos na rua, que disputam com os mendigos os lixos. Aqui os menos favorecidos não tem esta concorrência, eles revolvem o lixo sem sofrer qualquer tipo de incomodo, seja por parte de animais, seja por parte de policiais.

Também não vejo gatos, e olhe que já andei por este Maputo quase todo. Ando a pé como já disse; melhor que tomar “chapas”.

Sábado, por exemplo, decidi que ia conhecer a Avenida Eduardo Mondlane, só que escolhi o lado errado dela. Ao invés de ir para o lado em que ela termina na Julio Nyerere, acho eu, fui para o lado que vai dar na Baixa. Andei feito uma filha da puta, quanto pior que o sapato era um que me deixa de calos nos pés, mas como já tava na chuva, não hesitei em me molhar mesmo, até porque, se eu chegasse ao hotel, já não sairia mais, alem do fato de estar a se aproximar a data da volta.

Desci toda a avenida que tem três estágios completamente diferentes: A parte chique, que vai da Mesquita para o lado da Júlio Nyerere. A da Mesquita até a altura da Felipe Samuel Magaya e, daí em diante o negócio pega. A avenida fica muito feia, cheia de buracos, muitas pessoas vendendo coisas na rua, muita gente andando, sujeira, muitas ruas esburacadas e com lixo, muitos prédios antigos e sujos, mas sem cachorros.

Cheguei até uma rua onde tem um palácio de sua Alteza alguma coisa tal como Aga Khan e dali voltei por uma rua de dentro alcançando a Avenida da Guerra Popular, nunca vi um nome tão bem aplicado a uma Avenida. Aqui é realmente uma guerra para lá de popular. No final dessa avenida há o terminal das chapas. Pense ai! É como se fosse um terminal na frente da Feira de São Joaquim, ou naquele ponto de ônibus que fica exatamente do outro lado da feira, na frente da Igreja dos Órfãos de São Joaquim, lembram?(para quem conhece Salvador) Não tem qualquer organização. Um aglomerado de gente, de carros, de vendedores que colocam as suas mercadorias no chão. Vende-se de tudo, de feijão, verduras a sapatos, roupas, utensílios, etc. Ha um fato interessante na venda dos sapatos, é que eles podem já ter sido usados. Pior que isto, as pessoas compram estes sapatos: ao menos, vi gente experimentando. Toda a mercadoria está exposta e sempre há o risco de ser pisada, cuspida, sei lá mais o que. Empurra, empurra para entrar nas chapas. Onde deveria caber, no máximo, 20 pessoas muito mal acomodadas, entram 40 ou mais. Nem me imagino dentro de um troço daqueles com pessoas sentadas no meu colo, porque penso que é por aí. Entretanto, não vi cachorro, vi gente mal encarada, mal vestida, suja, mal cheirosa, todavia, cachorro não.

Continuo invocada com isto, mas não tenho coragem de perguntar o motivo de não ver cachorro na rua. Será que existe alguma lei proibindo isto? Isto é; que as pessoas deixem seus cães nas ruas?

Ah! Neste dia também fui quase agredida por uma autoridade (segurança de um banco). Há no banco de Moçambique um mural lindo, toma uma parte da parede de frente do banco, onde não tem porta alguma, não se vê sequer a entrada do banco, enfim, o painel fica em local em que não há qualquer risco de se entrar ou se ver alguma coisa no interior do Banco, como se o Banco não fosse quase que um local público, pois se presume, pelo menos é o que acontece no Brasil e em todos os países que conheço, nos quais qualquer pessoa pode adentrar ás agência dos Bancos. Bom, mais o fato é que tirei uma foto do painel, ato contínuo,começei a ouvir um homem a gritar: “desfaça”, “desfaça”. Eu, sem entender nada, continuei a caminhar em direção ao homem, que continuava a gritar e a se encaminhar para mim com uma cara de muito poucos amigos e a gritar “desfaça”. Quando ele chegou junto a mim e quase toma a câmera à força, eu lhe disse: Boa Tarde em primeiro lugar, depois o Sr me peça o favor de fazer o que o Sr quer. O homem parou, olhou para mim com cara de mau, mas disse-me. Por favor, desfaça porque não é permitido tirar fotos. Eu perguntei a ele onde estava a placa proibitiva e ele disse que não tinha, mas que não era permitido e pronto. Apaguei e mostrei a ele que o tinha feito e disse-lhe: é uma grande pena porque este painel é lindo e poderia ser conhecido por muitas pessoas, mas já que a arte Moçambicana não pode ser divulgada, tudo bem. Dá para crer? O cão era mesmo terrível e rosnava muito alto e num um péssimo tom.

Pois é, mesmo assim, continuei sem ver cachorros, pelos menos aqueles que são mesmo bichos de quatro pés, mamíferos da espécie dos “Cani familiaris”, do gênero canídeos, porque outros tipos de cães, tanto os que ladram e mordem, quanto os que ladram e não mordem, a gente encontra em muitos lugares, seja em Maputo, seja no Brasil, seja em Portugal, seja alhures, muitas vezes travestidos de “homo sapiens”, como vocês bem podem perceber.

Uma coisa é certa, cachorros em Maputo, andando na rua, não há. Se os comem ou não, não posso garantir, mas, uma coisa é certa: neste aspecto Maputo supera em muito Lisboa, pelo menos, aqui não temos que estar nos desviando, como lá, o tempo todo, da prova cabal de que ali não se come cachorro, mas que eles existem em larga escala e, sabe-mo-lo pelo olfato e quase pelo tato, pois as necessidades destes animais são feitas nas ruas, portanto, sente-se o cheiro e, se dermos o azar de falhar o sentido da visão, o sentido do tato, com certeza, vai funcionar, pois teremos o desprazer de ter o contato físico com os dejetos destes animais de estimação, aliás, fico realmente atônita de ver os proprietários dos bichos com esta obrigação cotidiana de levá-los para as casas de banhos públicas dos canídeos lusitanos, que são as maravilhosas ruas de Lisboa, não escapando nenhuma: sejam as das ruas do Restelo, da Avenida da Liberdade, de Alvalade, da Estrela, da Amadora, Carnaxide, enfim, em Lisboa, como se isto fosse uma coisa educada e normal. Em Lisboa, com certeza, não se come cachorro, mas eles existem e comem como cachorros do primeiro mundo que são, e sujam toda a cidade, o que depõem contra esta pertença ao primeiro mundismo, de que tanto se orgulha o português. Será que não era melhor comer cachorro!



sexta-feira, 30 de julho de 2010

Uma Maçaroca! Ou será Massaroca?

Vinha andando pela Avenida 24 de julho, uma confusão, continuo sem entender esta porra de mão inglesa. Me faz uma tremenda confusão. Fico olhando para o lado errado e esqueço, literalmente, de que lado que os carros vem, mas tenho que andar na cidade e me arrisco, a qualquer momento, ser atropelada. Tem uma porra de uma avenida então que é uma miséria, fico olhando para todos os lados sem entender nada; carros parados e o sinal vermelho para todos, pedestres e carros, vejo as pessoas tranquilamente atravessando e não percebo nada. Fico me perguntando se a mão inglesa muda também os sinais internacionais de trânsito? Acho que vou ver isto no código internacional de trânsito, me sinto uma verdadeira idiota.