Tive que ir ao
Banco do Brasil, que fica no Comércio. Deixei o carro no Shopping Bela Vista e
peguei o metrô, a ideia era sair na estação da Lapa e descer andando para o
comércio, mas, pelo adiantado da hora, resolvi pegar um ônibus para a Praça da
Sé, e de lá descer o elevador, e foi o que fiz. Saio do elevador e ando pelo
comércio, pois não consigo chamar diferente àquela parte da cidade, mas, ando
ali agora com os olhos de ver. Não quero mais olhar somente, quero olhar mesmo
com os olhos de ver. Primeiramente ver o inevitável e o inegável, que é a
Beleza da cidade
. Não há nada mais bonito e agradável de olhar, do alto da cidade alta, como o fiz antes de adentrar ao Elevador Lacerda, e como poderia ter feito na Praça da Sé ou até mesmo na Vitória ou um pouco mais além, a nossa Baia de Todos os Santos. É extremamente reconfortante ao olhar, aos sentidos na sua totalidade. Mas, mais importante de que a constatação de tanta beleza, é olhar esta beleza e ver todas as coisas que a rodeiam. A visão da Baía de Todos os Santos me cativa [1] , ela é externa a mim, e isto me dá a justa noção do que vejo: Merleau-Ponty já dizia “que a visão nos cativa não apenas por ser uma jornada em direção às coisas externas, mas também por significar volta a uma realidade de origem, representada nos objetos percebidos à distância”.
. Não há nada mais bonito e agradável de olhar, do alto da cidade alta, como o fiz antes de adentrar ao Elevador Lacerda, e como poderia ter feito na Praça da Sé ou até mesmo na Vitória ou um pouco mais além, a nossa Baia de Todos os Santos. É extremamente reconfortante ao olhar, aos sentidos na sua totalidade. Mas, mais importante de que a constatação de tanta beleza, é olhar esta beleza e ver todas as coisas que a rodeiam. A visão da Baía de Todos os Santos me cativa [1] , ela é externa a mim, e isto me dá a justa noção do que vejo: Merleau-Ponty já dizia “que a visão nos cativa não apenas por ser uma jornada em direção às coisas externas, mas também por significar volta a uma realidade de origem, representada nos objetos percebidos à distância”.
Suspiro, inspiro,
oxigeno bastante todo o meu aparelho oftálmico, abro imensamente os meus
olhos de ver. Meu Deus! Como a beleza de Salvador é imensa e como a história de
toda ela é fascinante! Os meus olhos de ver me levam aos velhos e acabados
telhados da cidade baixa, telhas quebradas, telhados completamente caídos,
paredes derrubadas, madeiras carcomidas, picos resistentes que querem mostrar a
imponência de outrora. Ah meus olhos de ver! Sinto tristeza por ver tanto
descaso, por ver o nosso patrimônio histórico cultural se esvaindo sem que se
faça nada, sem que as autoridades tomem uma atitude contra toda esta
depredação. O que interessa se estes prédios são particulares? Utilizem os meios legais: tombamento; obrigar
os seus proprietários a conservá-los. Façam qualquer coisa, mas não permitam
que séculos de história acabem desta maneira. Entretanto, mesmo constatando
todo este descaso, ele não é capaz de tampar os meus olhos de ver, e eles são capazes,
e têm sensibilidade, de reproduzir momentos de história; e eu me vejo andando pelas
ruas da cidade baixa, por entre negros e comerciantes, estrangeiros, homens de
negócio, carregadores negros descarregando barcos, com frutas, fumo, farinha,
dentre tantas outras mercadorias. No cais inúmeras embarcações, agora elas
andam em frotas, proteção contra a pirataria, contra as invasões, este porto já
chegou a abrigar, em uma só vez, cem embarcações
“ O porto da
cidade era o centro incontestável do comércio do Atlântico Sul, mas o sistema
de navegação em frotas, que reunia até uma centena de navios, trazia na cidade,
em certas épocas do ano, uma enorme população de marinheiros e de comerciantes
que era necessário alimentar... e tratar quando era atacada pelas epidemias
que, aliás, ajudava a espalhar”[2].
As ruas estão cheias de sujeira, lama,
detritos, o cheiro é muito forte, o casario segue mostrando alguma imponência,
os senhores fazem sobrados em que o térreo são as lojas e o primeiro andar lhes
serve de moradia, ali estão estabelecidos os armazéns, os diversos serviços de
ferreiros, aguadeiros, Casas da Fazenda e Alfândega.
A pequena ermida
de Nossa Senhora da Conceição está ali, ainda não era a Igreja que se fez em
Portugal e aqui se montou. Algumas ladeiras ligavam as duas partes da cidade:
ladeira da Conceição, da Preguiça, Montanha e a do Taboão.
Há uma novidade,
os biscainhos tinham licença para a pesca da baleia, e com isto a fartura do
azeite que iluminaria as casas e permitia um convívio maior e estimularia a produção
dos engenhos, afinal substituiria o azeite de oliva, que alimentava os
candeeiros das casas, das oficinas. As ruas seriam iluminadas aclarando os
perigos.[3]
Lá em cima, a
cidade Alta, onde o poder está instalado: os Ravascos (Bernardo e Antônio
Vieira) desentendem-se com o Braço de Prata, alcunha do governador geral Antônio
de Sousa Menezes(1682-1684)[4].
Os irmãos parecem estar em lados opostos; um, o padre, querendo que os índios
não fossem escravizados, o outro, o secretario, lutando, ativamente, para que a lei que
proibia a escravidão indígena de 1609, fosse revogada e se admitisse o trabalho
dos indígenas. Entre os três, os dois irmãos e o governador, Gregório de Matos
satirizando, mui principalmente, o Braço de Prata. A cidade fervilha, o Alcaide
Mor do Braço de Prata, seu aliado, foi vítima de uma emboscada e é morto, crime
atribuído ao Ravasco, Bernardo, que é preso.[5]
A DESPEDIDA DO MAU GOVERNO QUE
FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA.
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima
O Boca do Inferno não tem limites e não perde a oportunidade, e
critica a tudo e todos; a sociedade, mesmo sendo alvo de suas críticas, espera
ansiosa os seus pronunciamentos e ele ataca:
DEFINE A SUA CIDADE
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.
Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.
Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.
A vida segue,
ainda que com todas estas embolias políticas. É necessário que o açúcar
continue sendo
exportado e sustentando os senhores dos engenhos, que apesar de estabelecidos no Recôncavo, guardam as suas residências na cidade. O tabaco, o pau brasil, os negros, mercadorias que fazem ricos.
exportado e sustentando os senhores dos engenhos, que apesar de estabelecidos no Recôncavo, guardam as suas residências na cidade. O tabaco, o pau brasil, os negros, mercadorias que fazem ricos.
Negros esperam,
aos montes, nos porões o momento dos leilões. Estão amontoados em lugares
fétidos, úmidos, e com fome, aguardam os seus pobres destinos, são de diversas
partes da África, tem costumes diversos e línguas diversas, ou seja, mesmo
entre eles a diferença se impõe.
O tempo passa e
a história passa por minha visão apurada, acumulada de conhecimentos que se exteriorizam
na reconstrução do tempo e espaço. Os holandeses invadem a Bahia, do Forte do
Mar atiram contra nós, mas foram expulsos, felizmente ou infelizmente, passaram
pouco tempo, o suficiente para fazerem o dique, o que favoreceu à cidade,
impedindo qualquer invasão pelo continente, a esta invasão agradecemos a
reforma do nosso forte do Mar.
Vou passando
pelo Rua Portugal, outrora Rua das Princesas, me sinto quase como uma, embora,
da antiga rua, pouca coisa esteja de pé. Alcanço a praça onde está a Associação
Comercial, que será na verdade o meu ponto final, pois a agência do banco fica
do outro lado oposto a este magnifico prédio. A imponência do prédio, a sua
arquitetura, me fazem pensar e reviver um outro momento da história da Salvador
colonial, à qual voltarei quando, em outro momento, andar pelas ruas desta bela
e histórica cidade com os meus olhos ávidos, querendo ver mais e mais.
[1]
Citado por Laura de Mello e Souza in
Inferno Atlântico –Demonologia e Colonização Séculos XVI-XVIII, SP. Cia das
Letras, 1993, p.25
[2] AZEVEDO, Thales de. Povoamento da cidade do Salvador. Salvador, Itapoã, 1969
(Coleção Baiana), pp. 159-210, citado por Katia Mattoso. Bahia Opulenta, Uma
Capital Portuguesa no Novo Mundo 1549.1763.p.8
[3]
CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol.II, Seculos XVI e XVII, RJ, 4ª.ed. Jose
Olympio Editora, p.472
[4]
Sobre os irmãos Ravasco, Braço de Prata e Gregório de Matos, ver: MIRANDA, Ana. Boca do Inferno SP Cia das Letras 1989.
[5]
Ver Pedro Puntoni – “Bernardo Vieira
Ravasco, Secretario do Estado do Brasil:
poder e elite na Bahia do século XVII” in Modos
de Governar Idéias e Práticas Políticas no Império Português, Séculos XVI a XIX,
Org. Maria Fernanda Bicalho e Vera Lucia Amaral Ferlini, SP. Alameda, 2005,
pp157-178
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