Era uma segunda feira
como outra qualquer. Fôra para a faculdade como era normal, teria aula de
Introdução ao Estudo de Direito, ou Teoria Geral do Direito, com Machado Neto,
que, mais uma vez, e com certeza, iria falar de Cossio. Ela não entendia zorra
nenhuma, mas ficava atenta e isto lhe dava um imenso cansaço mental. Depois das
primeiras duas horas teria aula de Constitucional com o professor Modesto, e
não se lembra mais quer aula teria após esta.
Acabada a jornada da manhã
iria para o Terreiro, para a faculdade de medicina, onde, estranhamente, teria
aula de Filosofia com o professor Fernando, depois voltaria para casa no seu
busu, toda amassada e pronto, estudar um pouco se fosse possível, pois não é
nada fácil estudar filosofia e direito em uma casa onde vivem umas dez pessoas.
Não há concentração certa, mas tinha de ser assim.
O Universo, entretanto, resolveu
meter o dedo na rotina daquela menina, e após as três primeiras horas de aula
ela foi à cantina da escola, fora comer um pãozinho delicia, que ela chamava de
“pão cebeludo”, por causa dos fiapos de queijo que ficavam em cima deles.
Como sempre, o dominó
estava comendo no centro, os jogadores, quase sempre os mesmos, em uma outra
mesa o carteado, era assim que os universitários passavam o tempo entre uma
aula e outra, ou substituíam as aulas pela brincadeira.
De repente ela ouve
alguém dizer que iam fazer um sambão e que o pessoal do samba estava se
reunindo. Ela não era desta turma, mas essa segunda feira mudou tudo.
Já não voltou para a
aula, dali mesmo, junto a alguns colegas, que não eram da sua turma, todas eram
de turmas anteriores, entretanto ela conhecia a todos por força de ser amiga de uma outra colega delas, a quem
conhecia há muito tempo, antes de ter passado no vestibular..
Confusão danada. Quantos
carros tem? Quantas pessoas? Cadê os instrumentos? Quanto se tem de dinheiro? Uma vaquinha começa, pouco dinheiro, mas
suficiente para algumas batidas, e ainda tinha o dinheiro do pobre do
“Percutino”, dinheiro de cliente que ele teria de devolver, mas que fora
descoberto pelos colegas que não perdoaram. Ela calhou de ir no fusca verde, ela e mais umas seis a sete pessoas, todos encolhidos, mas felizes, jovens vivendo os seus momentos. Acomodou-se exatamente na
direção do retrovisor de onde podia ser vista pelo motorista e foi exatamente o
que aconteceu. Os olhares se encontraram algumas vezes, em princípio por puro
acaso, depois o acaso deu lugar à intenção.. A cada olhada algo ia crescendo, não sabia
mesmo o que, mas sentia vontade de fixar aquele olhar, era como um ima, mas era
impossível, afinal o olhador era o motorista que não podia se desviar tanto a sua atenção.
O carro parou em um
boteco em Brotas, ali se vendia uma batida, e ficaram ali durante
algum tempo. Brotas!, por ironia do destino, começava ali uma, estória de
amor. A ironia estava no fato de que, por muito tempo na sua infância,
frequentara aquele bairro, onde a sua família, pelo lado paterno, morava, aliás,
Brotas devia se chamar Brotalicia (mistura de Brotas com Galícia), pois ali
morava uma grande parte da colônia espanhola.(galegos)
Sim, tudo começou ali,
olhares, cuidados especiais, gentilezas, mas não parou por aí, e todos embarcaram
novamente nos carros. Ela foi convidada a ir na frente, mas declinou, era
melhor que uma pessoa mais gorda fosse à frente, ela iria atrás, pois assim mais
pessoas entrariam no carro. E assim foi feito. Ela olhava o retrovisor e via
olhos que procuravam os seus. Durante todo o percurso foi assim, olhos e
sorrisos, enfim, o jogo da sedução continuava e ela estava realmente gostando
disso.
Pararam em Itapuã e muito
samba num bar que hoje já não existe mais, aliás como o bar, tanta coisa se
foi, parece até que nunca existiram.