Casa em Arembepe |
Estava inquieta, era uma
sensação esquisita, parecia que algo não muito bom estava prestes a
acontecer. Brusky, o meu hottweiler, também
parecia inquieto e olhava-me de uma maneira bem estranha, talvez tentando saber
qual o motivo da minha aflição, da minha angustia.
O mundo lá fora, parecia
também angustiado, não chovia, mas pesadas nuvens escuras cobriam o azul do meu
pedaço de céu, sim porque sempre tive um pedação de céu, aquele que nas noites estreladas
eu conseguia ver uma concentração imensa de estrelas, apenas olhando para um
determinado ponto estando na lateral da minha casa. Aquele era o meu céu, não o
dividia com ninguém, eu e eu olhando o que para mim era quase todo o universo,
ali concentrado só para mim.
Será que o universo está
confirmando o que estou a sentir neste momento? Estava feio o tempo, escuro,
diferente. Não, aquele dia não seria um dia como os outros, algo ia acontecer
mesmo ou já estava até acontecendo, eu só não sabia o que era.
Tentei ler, escrever,
fazer alguma coisa que afastasse aquela sensação, mas estava difícil, o
cachorro entrava e saia, também ele não conseguia ficar parado em lugar
nenhum. De repente olho para ele e vejo
o pelos do seu dorso arrepiarem, fico nervosa, ele só fazia isto quando via algo de que não gostava. Se ele fizesse isto em relação à alguma pessoa eu
tinha de correr para pegá-lo e colocá-lo no canil, pois aquele era um sinal de
que ele ia atacar e eu não queria correr qualquer risco. Ele era enorme e um
descuido seria uma fatalidade.
O bicho continuava com os
pelos eriçados e olhando fixamente para o portão de entrada da casa.
Fui ter com ele, olhei
para o mesmo ponto em que ele olhava e não vi nada. Brusky! Chamei-o, mas ele
não saiu do lugar, parecia realmente estar vendo algo. Insisti, venha cá, fique
aqui ao pé de mim, mas ele não se moveu, começou a rosnar bem forte, sem sair
do lugar olhando fixamente para o portão.
Peguei na coleira e puxei
ele para entrar na casa, ele, ao invés disto, deu um puxão e disparou em
direção ao portão. A única coisa que podia fazer era esperar para ver o que ia
acontecer. Ali não tinha ninguém mesmo, só se estivesse do lado de fora do
portão. Fiquei olhando de longe a cena,
o cachorro latindo e arranhando o portão, ele realmente estava vendo, farejando
algo.
Bom, vou até o portão,
mas para isto tenho de segura-lo, porque se ele escapar a merda está feita, ele
é violento e grande para os desconhecidos, e se ele ficasse enfurecido mesmo,
eu não iria conseguir controla-lo.
Entreabri o portão um pouquinho,
somente no espaço em que dava a minha cabeça, e a resposta não demorou
muito, ali estava o cavalo do Sr. Garcia D´Ávila, mas ele não
estava nele: entendi então o que tinha
se passado, o cachorro deve tê-lo visto, dizem que os animais tem esta
facilidade, veem as almas penadas, se não as veem , ao menos
pressentem-nas.
O diabo do homem deve ter
entrado na casa, com certeza, ou então foi ao mato fazer qualquer coisa.
De repente o cachorro
quase me derruba e começa a latir fortemente, avançando em algo que eu ainda não
via direito, uma nevoa escura num formato semelhante a uma pessoa estava diante
de nós, de mim e do meu cachorro, que tentava pegar aquela nuvem preta. Nesse
momento ouço a voz conhecida do senhor da Torre.
Pega este bicho, tire-o
daqui, não vês que ele quer me morder!
-Sr Garcia, cadê o senhor,
não estou conseguindo vê-lo.
A nuvem preta se dissipa
e consigo ver o Sr. Garcia com uma arma na mão apontando para o cachorro
-Sr. Garcia não se atreva
a machucar o meu animal.
- Vamos, tire-o daqui
logo, caso contrário vou mata-lo.
Mesmo sabendo que nada
disto poderia acontecer, apressei-me em puxar o bicho e tentar coloca-lo no
canil, o que foi muito difícil, pois ele não parava de latir e tentar voltar ao
lugar onde estava o Sr. Garcia.
Finalmente consigo prendê-lo
e volto à entrada da casa, e lá está o velho Sr da Torre. Tomei um susto danado
porque ele parecia alquebrado, velho mesmo, até a postura estava horrorosa. Ele
continuava envolto numa nuvem escura
Entráda lateral da capela no Castelo Garcia D`Ávila |
-Sr. Garcia o que houve?
- Tu que sabes de tudo,
não sabes o que aconteceu?
-Não, não sei de nada.
- Não sabes que a Isabel
morreu.
- Quem morreu?
-Isabel, a minha filha
-Não posso acreditar em
Sr. Garcia.
-Pois é acredite, morreu
e lá me deixou aquele neto horrível, aquele gnomo, que será o meu herdeiro.
- Sr Garcia, só para ter certeza, em que ano
estamos?
- 1593, e a minha filha
morre com apenas 36 anos, ainda bem que o marido está aí, ao menos cuida
daquela aberração.
-Sr. Garcia não fale
assim do seu neto, ele ainda vai lhe dar muitas alegrias, o senhor vai se
orgulhar muito dele.
- O menino só tem três
anos, não sei como poderá me dar qualquer orgulho, no momento só sinto raiva e
asco.
- Sabe Senhor Garcia o
senhor vai ter que cuidar do seu neto, porque o pai dele vai morrer cedo.
-Como é? O Diogo vai
morrer cedo. De onde tiraste esta ideia absurda?
-Dos livros Sr. Garcia,
dos livros e da minha madeira preta.
- Como os livros podem
dizer isto, o Diogo está aqui, forte e trabalhando muito defendendo estas terras.
- Pois é Sr. Garcia,
exatamente na defesa das terras é que o Diogo Dias vai perecer?
Perecer?
- Sim, ele vai perecer e
o senhor vai ter que cuidar do Francisco até o dia de sua morte, querendo ou
não, é o senhor que vai educá-lo. Agora deixe que eu logo vos diga. Ele vai
superar o senhor em ambição, e vai triplicar a sua fortuna.
-Faz-me rir! Não tivera
eu tão aborrecido e triste, riria muito desta sua anedota, porque isto é mesmo
uma anedota.
- Bom Sr. Garcia se é
assim que o senhor que entender, paciência, mas vos digo, o senhor vai se
surpreender com as habilidades do seu neto.
-Vamos parar de falar
dele, e deixa-me quieto só olhando-te, me dás paz e quero esquecer um pouco o
que houve, além de fazer-te calar-te e evitar dizer coisas que podem conduzir-te
à inquisição, porque tudo que dissestes pode ser considerada feitiçaria, e tu sabes disto, ninguém, a não
ser as bruxas, tem capacidade de adivinhar o que está por vim. Só fico quieto
porque gosto de ti, da maneira que falas, do muito que dizes, e porque, algumas
coisas que dizes realmente acontece, como o caso do Governador Brito. Não disse
nada a ninguém, pois não queria ver-te em apuros.
- Tá bom senhor Garcia,
do que o Senhor que falar?
-Neste momento de
absolutamente nada, falas tu do que quiseres.
-Não posso, gostaria de
falar do Francisco, mas o senhor corta a conversa todas as vezes que tento conversar sobre ele.
- Não, dele não quero
mesmo.á- Então vamos falar do
atual governador geral
- Francisco de Sousa?
-É o senhor quem está a
dizer.
-Sim é ele, o Francisco
das Manhas.
-Como é que é Sr. Garcia!
Francisco das Manhas, o Senhor de Beringel![1] por que?
-Por que! Porque ele é
muito manhoso, [...] de personalidade que se advinha sedutora e insinuante e facilmente adaptável a novas situações[...][2] não é à toa que estando na
armada do rei Sebastião, uma das causas da anexação de Portugal à Espanha,
agradou aos espanhóis e terminou por ser nomeado governador, mas ele era, para
mim ,não era um bom governador, pois abandonava por demais a sede do governo,
por interesses privados.
-É eu soube que ele era
muito ambicioso e que estava mesmo era atrás de minas de ouro e prata, e que
achava que no Brasil havia uma Potosí.[3]
- Potosí?
-Sim Senhor Garcia, Potosí,
o Sr. vai me dizer que não sabe de Potosí; as minas de Prata do Peru.
- Sei sim, mas penso que
o “Das Manhas” queria mesmo era encontrar as minas de que trata Gabriel Soares
e Melchior Dias, tanto que quando,
“ a notícia de tais descobertas
bateu em Salvador, e demorou muito pouco para que o governador-geral do Brasil,
Francisco de Sousa, pegasse na pena e
obrasse: “Hey por bem, e serviço de sua majestade, em nome do dito senhor,
fazer mercê a Diogo Gonçalves Laço do cargo de capitão das minas de ouro,
prata, e metais, que são descobertas, e adiante em seu tempo se descubram nessa
vila de São Paulo”. [...]se apenas o funcionário real tomasse para si o que o pioneiro
havia encontrado, este ainda poderia resistir. Mas o governador-geral em
pessoa, não tardou a vir atrás de
Diogo Gonçalves, para ver as minas com os seus próprios olhos e colocar uma
parte do metal no seu próprio bolso. Francisco de Sousa, o governador-geral do
Brasil era obcecado por ouro. Tinha acabado de obter as melhores amostrasm e a
melhor documentação sobre o ouro no interior do Brasil, açambarcando os restos
da expedição de Gabriel Soares de Sousa[...][4]
-
Sim,
eu sei que o Francisco de Sousa queria encontrar mesmo as minas de SABARABUÇU,
mas isto não significa que ele não tinha outros propósitos, como, por exemplo,
entrar nos sertões, portanto, foi e permaneceu em São Paulo durante dois anos,
de onde seria mais fácil.
- É isto mesmo, não sei
como sabes de tantas coisas, mas ele esquecia das coisas públicas para tratar
de interesses particulares.
- Faça-me o favor Sr.
Garcia. Quem de vós, portugueses administradores, fez ou faz diferente! Todos
os administradores ficaram ricos, veja-se as fortunas deixadas pelos ex
governadores, pelos Capitães, Ouvidores, padres etc., aliás uma herança que nos
alcança até hoje, onde se pode constatar que, tantos quantos chegam ao poder
esquecem do interesse do povo e procuram enriquecer ilicitamente, conforme está
devidamente comprovado pelos crimes já apurados e os que estão a ser, e os que,
certamente ainda virão a ser, pela Policia Federal do Brasil na operação LAVA
JATO, aliás, hoje mesmo, uma outra operação foi deflagrada, e pasmem os
senhores, um dos investigados é a filha de um também investigado, que já foi
condenado no Mensalão, mas que, ainda assim, ainda ocupa uma posição de
destaque na política, sendo o Presidente
de um partido político. Uma lástima mesmo, uma vergonha.
O Senhor Garcia fez uma
cara horrível, e a dureza retornou ao seu rosto e ele levantou-se, e,
lançando-me um olhar de ódio, foi-se: deixando apenas a mesma nuvem turva à
minha frente. Imaginem vocês se eu tivesse falado o que primeiro me veio à cabeça:
Ora Sr. Garcia! O senhor mesmo enriqueceu em detrimento dos indígenas, o senhor
matou índios, pilhou suas terras, apropriou-se de terras, pilhou navio
naufragado, se fez vereador para criar posturas em beneficio próprio, enfim, o
senhor, como todos os demais, utilizou o mesmo método de todos os administradores
para enriquecer. É, acho que se tivesse verbalizado o
pensamento, já não estaria aqui para contar esta história.!!!!!
[2]
TOLEDO, Roberto Pompeu de A
capital da Solidão e a Capital da Vertigem, Rio de Janeiro 20.15, livro e-book,
pp. 121/122
[3] Ver
a respeito da ambição e das estratégias de Francisco de Souza, Jorge Caldeira em
O Banqueiro do Sertão Vol. 2. Padre
Guilherme Pompeu de Almeida, São Paulo, Mameluco, 2006 pp
[4]
Idem pp86-87
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