Estou excitadíssima, o dia da viagem
está chegando e eu já não sei controlar a minha ansiedade, misto dela com
emoção. Depois de mais de um ano estou voltando à Portugal. É simplesmente
fantástico. Estou idealizando cada passo. A Vera hoje mora em Oeiras e, por
isto, tenho o privilégio de pegar o Comboio que sempre me levou a Cascais,
antes entrava trava no comboio pelo simples prazer de ir de Lisboa a Cascais
pela linha, como eles chamam o caminho de ferro que liga as duas cidades.
Agora, obrigatoriamente, para chegar em casa, tenho de fazê-lo, mas o faço com um
prazer enorme. Alie-se a isto a possibilidade de ver o Alentejo, Sinto até frio na espinha, dá um arrepio danado.
Casa do Alentejo -Lisboa |
Primeiro de tudo é chegar na estação
do Cais do Sodré, tomar umas imperiais ali em um dos quiosques ou um bar. Pena
que o antigo restaurante fechou, ali onde eu conheci uma senhora português,
que, apesar dos seus setenta e lá vai anos, ainda era uma garçonete, ou melhor,
uma empregada de mesa. Gostava de ver
aquela senhora a andar pelas mesas servindo um e outro. Não entendia direito
porque naquela idade ainda o fazia, mas acredito que depois de tanto tempo ali
na lida, ela não tinha muito o que fazer em casa. A velhota foi com os meus
cornos, aliás, no dia em que conseguiu falar comigo, olhe que ela tentava,
disse-me: Que ficava olhando para mim ali sozinha, tomando meus whiskies,
pagando a minha conta, e saindo para voltar no outro dia.
Torre de Belem |
Uma vez disse-me que me admirava
porque eu era uma brasileira diferente. Segundo ela dificilmente uma brasileira
estaria ali sozinha e pagava as suas próprias contas. Não entrei em muitos
detalhes, não ia dar corda para ela falar mal de brasileira, mas, dali em diante,
ela parecia que me esperava. Se passasse alguns dias sem lá ir, muitas
perguntas: A menina está bem? Aconteceu alguma coisa?
Sim, tenho saudades disto e de tantas
outras coisas. Do português bigodudo, que tinha olhar do homem do fado da Amália,
era engraçado, todas as vezes que o encontrava vinha-me à cabeça a figura do fadista
da Amália Rodrigues. Ah como lembro-me da Mouraria! não somente por causa do fado, mas porque ali
vivi momentos intensos de felicidade. Vi a reinauguração da praça Martim Moniz
ao lado do meu querido alentejano. Quantas e quantas vezes atravessei aquela
praça: inúmeras. Como era bom entrar na
Rua da Palma, talvez procurando exatamente o fadista da Amália, mas, se nunca o encontrei, a Rua
me presenteou com uma outra figura, esta
mais real e palpável, que entrou no meu coração e nele se grudou e
parece-me que para sempre, porque por mais que a distância seja oceânica, o mar
não consegue apagar tantas lembranças, tantas coisas boas vividas com tanta
intensidade.
Praça Martim Moniz Élvas |
Ah Nossa Senhora da Saúde! A
igrejinha pequenina ponto de referência para tantos encontros e tantas
observações. No ano passado quando lá estive, tomei tanto vinho ouvindo a Raquel,
salvo engano, Tavares, cantando Roberto Carlos, que já sai grogue dali, ainda
fui para o Zé da Mouraria. É verdade que não comi o bacalhau, já não tinha
mais, a Vera esqueceu de fazer a reserva esclarecendo que queríamos o bacalhau,
mas, ainda assim, provei do dito cujo, pois diante de tantas queixas e de
tantos pedidos ao empregado de mesa para
me dar alguma sobre de algum prato, acreditem que foi verdade, um gentil e
alegre brasileiro que estava ao meu lado, deu-me um porção do dele. Agradeci
imenso,
Pois é, lembro-me de tantas
coisas que aconteceram em Portugal: Uma vez estava eu passando pela frente da
estação de ferro do cais do Sodré e a florista disse: “pois não é que a puta está
linda hoje”. Primeiro achei estranho que aquele comentário fosse feito sobre
mim e para mim, mas foi sim, não havia qualquer pessoa(mulher) passando à
frente da florista. Estava eu toda de azul, e o azul cai-me bem, sei disso. Só
não sabia que a mulher me observava e que achava que eu era “puta”, mas vá lá:
valeu o elogio, kkkkkk.
De outra feita, recordo-me que
andava pela serra de Carnaxide, onde a Vera morava na época e eu também ,pois
morava com ela, e um carro parou; eu, solicita, porque sempre que estava ali a
caminhar(exercício) dava informações sobre o Hospital Santa Maria, parei e
esperei ao homem abrir o vidro do carro, pois não é que o desgraçado perguntou-me
– “Estas a serviço?. Puta merda! Quando, em alguns segundos a ficha caiu, quase
viro mesmo uma rameira: mandei o homem a porra e outros impropérios mais. Acreditem
que foi verdade mesmo.
Mais as coisas não pararam por
aí. Uma vez tomei um taxi, e não sei porque
a conversa com o taxista chegou a um ponto em que eu falei algo, tipo: “Não,
eu já passei da idade de fazer muitas coisas, acho que o senhor estava a falar
em festas, procurando uma maneira de me dizer alguma piada, com certeza, E o
sacana me vem com esta: “ Que velha o que, a menina ainda dá muitas voltas”. Não sei bem o que ele quis dizer com as “muitas
voltas , mas certamente significava
alguma sacanagem.
Sim, mas estou mesmo com
saudades, muitas, mesmo sabendo da curiosidade dos lusitanos e do que eles pensam
a respeito das brasileiras. Eu tirei de
letra, mas é muito chato, entretanto isto não retira e nem arrefece a minha
paixão por esse país, cheio de lugares, lugarejos, lugarezinhos, onde você entra
e sai pela mesma rua onde entrou. Todos lhe reservando uma surpresa, uma emoção
diferente.
Coimbra |
Grandes cidades como Braga,
Coimbra, Guimarães, Viana do Castelo, somente depois que comecei a estudar
Garcia D’Ávila e em consequência a história da Bahia, vim entender a minha
atração por Viana do Castelo. Pois não é que o Caramuru era de lá? Aliás,
tantos e tantos portugueses que para cá vieram, e não só para cá, quanto para África,
Índia, alhures, saiam de Viana, não porque de lá fossem, mas porque era um
centro de navegação, onde se aprendia a navegar, continuam a fazer navios por
lá.
Agora quero ir em Rates, vou
fazer de tudo para lá ir. Já fiquei
sacaneada, pois vi que aconteceu, ou vai acontecer uma grande homenagem à Thomé
de Souza que de lá era, e as datas não coincidem. Uma pena, pois gostaria muito
de participar dessa homenagem. Aliás, será que o Senhor da Torre não me
aparecia por lá? Seria bem engraçado! Será que ele me confirmaria que o Thomé
de Sousa era mesmo seu pai? Pois o
Garcia D´Ávila também era de lá, tanto que inspirou-se em uma torre de Rates,
para fazer a sua em Tatuapara. É o que dizem os historiadores que estudam o Senhor
Igreja em Rates |
Sim, gostaria muito de fazer muitas
coisas em Portugal, uma delas, com certeza ainda farei, desde que a Vera me
suporte, embora agora esteja mais difícil, a casa ficou mais pequenina,
passarei uns três meses pesquisando a Bahia colonial, mas aquela dos primórdios
mesmo, não sei o que vou encontrar, porque
documentos do século XVI e a respeito do que que quero são escassos, mas
ainda assim tentarei. Quero falar dos governadores e das suas devassas,
entendendo como devassas uma inspeção que deveria ser feita quando eles
retornavam a Lisboa, ou melhor, deixavam de ser governadores e eram
substituídos. Normalmente estas devassas eram feitas por quem estava chegando.
Vamos ver o que achamos. Preciso de tempo e dinheiro para fazer esta pesquisa,
morarei por algum tempo na Torre do Tombo e no AHU, mas sei que vai valer a
pena, e, como os meus sonhos, de uma maneira ou de outra, se tornam realidade,
sei que farei isto.
Ai, enquanto faço esta pesquisa,
e como não sou de ferro, outras paragens: vou conhecer mais lugares, lugarejos,
lugarzinhos. Oxalá tenha um motorista particular, se não tiver, sem problema,
transporte público é o eu não falta, e irei andar por aquele país e ter mais
emoções, mais aprendizado, mais espaço no meu coração para o amor.
Tejo |
Saudades!