terça-feira, 23 de janeiro de 2018

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sábado, 20 de janeiro de 2018

Garcia D´Ávila VII - Falando de Mem de Sá

O Sr. da Torre demorou a voltar a parecer, quando, após uns quatro meses de ausência, adentrou ao meu quarto, como sempre, quase caio, porque a presença dele me assustava mesmo, depois de quase dois anos de aparições eu ainda não estava acostumada com aquele senhor prepotente, audacioso, safado que sempre aparecia em horas pouco convenientes.  Neste dia ele me pegou quase nua, estava de calcinha mudando a roupa e o miserável aparece e fica em frente a mim a me olhar com uma cara voraz. Nem mesmo sabendo que ele não era matéria, ficava completamente atordoada. Pensei comigo, hoje vou atordoá-lo um pouco.
-Bons dias Sr. D`Ávila. Que ventos o trazem aqui.
- Podes não crer, mas sinto saudades tuas, das tuas conversas, da tua maneira de falar sobre mim. Tenho ganas de levar-te para Tatuapara e não deixar mais que te afastes de mim!
Caraças, pensei eu. Filho da mãe, eu que pensava em atordoa-lo, é que fiquei atordoada. Será que o Sr. Garcia estava se apaixonando por mim! Que lástima Meu Deus, agora eu era apenas uma obsessão de um espírito! Que final de vida amorosa para uma pessoa de 60 e poucos anos. KKKKK: É, só rindo.
Para quebrar esta leva de pensamentos horríveis e tenebrosos perguntei ao Sr. Garcia:  então, estavas com alguma rapariga? Vais casar outra vez?
-Casar! Eu, és parva: nesta idade vou lá mais me casar com ninguém, além do mais tenho tantas mulheres quanto quiser, as minhas índias sempre gostaram, e gostam.   de fornicar comigo, não preciso de uma mulher, mulher só serve para dividir nosso patrimônio, atordoar nossas cabeças e dar dinheiro aos padres: não te lembras o que a Mecia fez? Até hoje tento reverter esta situação.
- Ah senhor Garcia se o Sr. conhecer a Dona Maria Augusta Sobral, o senhor muda de opinião.
-E quem é esta tal de Dona Maria Augusta Sobral?
- Ela chegou recentemente da metrópole, é de Évora, Alentejo, agora está viúva e tem muito dinheiro, fala alemão, francês, é muito prendada, é uma verdadeira dama.
-E que diabos vem uma mulher desta fazer neste inferno?
-Ficou viúva, tem muito dinheiro e quer fazer um engenho.
-E onde está esta mulher agora? Não que tenha interesse, mas sempre é bom conhecer um rabo de saia novo.
- Neste momento eu não sei, mas penso que ela é hóspede do Governador
-Desgraçado, não me disse nada e estive com ele ontem. Mas diga-me lá, como se mantem tão bem informada das coisas que se passam na Baía?
-Já vos falei, eu leio muito e tenho acesso à documentação do tempo que o Senhor era o Grande Senhor da Torre de Tatuapara, vereador da Câmara, o homem rico e influente nos destinos desta terra.
- Tu sabes bem levantar a moral de um homem.
- Deixe de modéstia Sr. Garcia, o Sr. era um retado mesmo
-Era o que?
Ri, só me apercebi do palavreado que usara com a interrogação dele.
-Poderoso Sr. Garcia, muito poderoso, destemido, aventureiro, ganancioso, determinado.
O homem estava com cara de pavão, ele gostava mesmo destes elogios: quanto pior, eu estava falando a verdade, era mesmo tudo isto, cheio de defeitos, pois era mais de que prepotente, tratava mal seus indígenas escravos, trabalhava sempre em seu favor e dos “homens bons” e ricos da terra, sem se preocupar minimamente com os seus indígenas, com a exploração deles, com a invasão das suas terras, com a dizimação de aldeias inteiras.
Sr. Garcia, como era o seu relacionamento com Mem de Sá, olhe que passou bem tempo por estas bandas.
-Sim, sim, ele faleceu aqui e foi enterrado na Igreja dos Jesuítas.
-Na Catedral?
-Não, na Igreja dos Jesuítas, na Igreja do Colégio
Bom, eu sabia que era na Catedral, mas para que discutir:  a Igreja era a mesma mesmo, se não a mesma, fora ali a dos jesuítas.
-Sim, senhor Garcia como era o Mem de Sá?
- Um homem enérgico, já chegou aqui com todo folego, veio para o lugar de Duarte da Costa, encontrou os índios num tremendo levante, além dos franceses no Rio de Janeiro. Ele aqui chegou em 1557 e foi um grande administrador, “ele era um letrado que, dentro da hierarquia do serviço real, conseguira atingir um cargo na Casa de Suplicação e recebera o título honorifico de Conselheiro do Rei”( SCHWARTZ,1979:29) Isto significa que ele chegou aqui todo poderoso e realmente não fez por menos, comunicou de logo ao rei que a “terra estava cheia de exilados e malfeitores, muitos dos quais mereciam a pena de morte, por terem como única ocupação tramar coisas más”[..] [...]Quando  não estava ocupado com assuntos militares o governador geral devotava muito tempo e energia à supressão do vício, da usura, do descaso para com o dever e da má administração.(SCHWARTZ,1979:30).[1]
- É parece que o Mem de Sá era mesmo um homem muito preparado e governou bem o Brasil.
- É, mesmo tendo trazido para cá o mamposteiro.
-Mamposteiro? O que é isto?
- Um funcionário civil designado para cada capitania a fim de proteger e resguardar a liberdade dos índios,[2] isto desagradou muitos, mui principalmente a mim.
- Mas. soube, pelo Gabriel Soares de Sousa, que ele e o seu comandante Vasco Rodrigues de Caldas acabaram com os índios, queimando umas trinta aldeias.[3]
- Por quem soubeste disto?
-Por Gabriel Sr. Garcia, ele escreveu um tratado sobre o Brasil, aliás já lhe falei dele, porque o senhor é bem citado no livro, isto ele fez em 1587.
-É o Mem de Sá foi bem duro com os índios, afinal ele tinha de demonstrar força para amedrontar os indígenas, que são impossíveis mesmo.
 -Todavia parece que ele era muito respeitado pelos jesuítas. O Sr sabe que José de Anchieta fez um poema para êle?
-Não, não sabia, esses jesuítas adoram babar o ovo das autoridades e dos ricos, afinal vivem da caridade deles.
Sinto uma ponta de inveja e sarcasmo nas palavras do Sr da Torre, mas fui em frente e li alguns trechos do poema para êle,  que ficou bem incomodado:

 “Ó que faustoso sai, Mem de Sá, aquele em que o Brasil
te contemplou! quanto bem trarás a seus povos
abandonados! com que terror fugirá a teus golpes
o inimigo fero, que tantos horrores e tantas ruínas
lançou nos cristãos, arrastado de furiosa loucura!

 “Assim se expulsou a paixão de comer carne humana,
a sede de sangue abandonou as fauces sedentas;
e a raiz primeira e causa de todos os males,
a obsessão de matar inimigos e tomar-lhes os nomes,
para glória e triunfo do vencedor, foi desterrada.
Aprendem agora a ser mansos e da mancha do crime
afastam as mãos os que há pouco no sangue inimigo
tripudiavam, esmagando nos dentes membros humanos.
Há pouco a febre do impuro lhes devora as entranhas:
imersos no lodaçal, aí rebolavam o fétido corpo,
preso à torpeza de muitas, à maneira dos porcos.
Agora escolhem uma, companheira fiel e eterna,
vinculada pelo laço do matrimônio sagrado
que lhe guarda sem mancha o pudor prometido.”

“Como quando as baleias sobem do fundo do abismo
e se acolhem às enseadas do litoral brasileiro
na quadra em que se entregam ao serviço da espécie:
então travam combates ferozes ao soçobro das ondas
e lançam até as nuvens jatos de água espumante:
Atônitos na praia os homens assistem à luta gigante
dos monstros descomunais entre as vagas encapeladas.
Elas desfecham golpes tremendos e horrendas feridas
com as caudas e dentes agudos, até que as ondas vomitem
os cadáveres monstruosos às areias da praia.
Assim nossos índios, em pleno mar, a braços com as ondas
vibram golpes terríveis: a uns despedaçam, a outros
já semimortos puxam-nos, enlaçando-lhes os longos cabelos
com a mão esquerda, enquanto com a direita cortam as vagas
e vitoriosos arrastam até as praias a presa,
indo depor aos pés do Chefe os corpos de seus inimigos,
e despedaçando aos semivivos os crânios com os rijos tacapes.”

 “O Governador ouviu com bondade essas palavras
e respondeu: “Se vos fiz guerra cruel de extermínio,
devastando os campos e lançando em vossas moradas
o incêndio voraz, levou-me a isso vossa audácia somente.
Já agora, esquecidos os ódios, vos concedemos contentes
a aliança e a paz que quereis e sentimos vossa desgraça.
Porém, deveis vós observar as leis que vos dito.”
Manda então que refreiem suas rixas contínuas
que expulsem do peito a crueldade e o hábito horrendo
de saciarem o ventre, à maneira de feras raivosas,
com carnes humanas. Também lhes ordena que guardem
os mandamentos do Pai celeste e a lei natural
e ergam igrejas ao eterno Senhor das alturas
em seu torrão natal; aí serão instruídos
na lei divina e de vontade abraçarão com os filhos
a fé de Cristo, porta única do caminho do céu,
Além disso, tudo quanto roubaram dos Cristãos às ocultas
ou por assalto, em tantos anos, os próprios escravos
mortos ou devorados, tudo pagarão e mais os tributos.”[4]

Bom, como o Sr Garcia não gostava muito de ouvir elogios feitos para outra pessoa, levantou-se e foi-se, nem mesmo deu até logo.

Eu voltei ao que estava fazendo, me perguntando: Por que eu? Por que não escolheram outra pessoa para conversar com este sujeito? Ele é muito temperamental, e eu fico apreensiva por todos os motivos.





[1] SCHWARTZ. Stuart B. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial – A Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – 1609-1751, SP, Perspectiva, 1979
[2] Idem,pg 30
[3] SOUSA, Gabriel Soares de Tratado Descriptivo do Brasil.pg 132, 1587

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Garcia D´Ávila VI - Com raiva de Nóbrega

Estava diante do computador tentando começar um novo texto sobre O Senhor da Torre. Agora eu tinha, de qualquer maneira, de falar sobre o seu neto, Francisco D´Ávila, mas sabendo da intransigência do Sr. Da Torre, não só em relação ao neto, como, também,  por ele não admitir que já não estava mais entre nós.
Eu começaria a escrever sim sobre os descendentes do Sr. Da Torre, quisesse ele ou não, do contrário a estória ia acabar no próprio senhor da Torre, o que não era correto, porque a dinastia Torre se perpetuou na Bahia, através dos seus descendentes, portanto, eles não poderiam ser excluídos.
Abstraída nestes pensamentos e no que deveria escrever,  não notei a chegada do próprio, que já estava completamente instalado no meu sofá, quando dei por conta dele.
-Sr. Garcia! Que susto! O senhor ainda me mata com estas suas chegadas 
- Que queres que eu faça? Tua porta está sempre fechada, então tenho de entrar por algum lugar. Que fazes em frente a esta madeira preta.?
Procurei em volta pela tal madeira preta, sem entender que ele estava a referir-se ao meu computador.
-Ah isto aqui, não senhor Garcia, isto não é uma madeira preta, isto é um computador.
-Computador? Que diabo é isto?  Deve ser mais uma das suas bruxarias. Estou perdendo é tempo ao não denunciar-te ao Santo Oficio.
Fiquei quieta, argumentar com o Sr. Da Torre era difícil, e esta ameaça da Inquisição chegava mesmo a me dar calafrios, embora sabendo da impossibilidade total, mas uma coisa era certa: ele ainda estava em 1591-1593.
- Para que serve este negócio aí?
- Para muitas coisas, para ler sobre o senhor, para saber informações gerais, escrever sobre o senhor, enfim, é um instrumento de pesquisa sensacional, uma base de dados excelente para tudo, hoje em dia não se faz mais nada que não seja através do computador.
- Hum, vou deixar mais uma vez para lá, não te vou levar a sério, mas diga-me lá, o que mais falaram sobre mim.
-Sabe senhor Garcia o senhor e a sua família são famosos mesmo, há muitas pessoas que escreveram e escrevem sobre os senhores. Imagine que até mesmo eu, esta que vos fala, escreve sobre sua dinastia. Bem, mas nem sempre falam coisas boas a seu respeito, vou ler para o senhor uma carta que foi enviada ao Thomé de Sousa.
-Ao Thomé de Sousa? Quem enviou?
-Deixa eu ler para ver se o senhor advinha:
“agora entro nos queixumes que tenho de Garcia D´Ávila: hé ele um homem com quem eu mais me alegrava e consolava nesta terra porque achava nelle um resto do espírito e  bondade de V.M de que eu sempre muyto me contentei e com ho ter quá me alegrava parecendo-me estar aynda Thomé de Sousa  nesta terra. Tinha ele huns yndios perto de sua fazenda. Quando o governador os ajuntava, pedia-me lhe alcançasse do governador que lhos deixassem, prometendo ele de os meninos yrem  a escola a Sant Paulo, que estará a meia legoa dele, e os mais yrão aos domingos e festas à missa e a pregação.
Concedera-lho, mas elle teve não cuydado de cumprir, sendo de my muytas vezes amoestado, antes deixava viver e morrer a todos como gentios  e tinha aly um homem que lhe dava pouco por ele nem os escravos e muyto menos o gentio yerem a missa. Polo qual fuy forçado de minha consciência a pedir que os ajuntassem com os outros em Sant Paul e posto que aynda não lhos tirasse, contudo ele  muyto se escandalizou de my asy que nem a ele nem a outro nenhuma já tenho e nem quero mais que a Deus N S. e a razão  e justiça se há eu tiver.”(SERAFIM LEITE 1955:313 )[1].

-O que?  Quem foi este filho da mãe? Só pode ser o Nobrega. Estefilha de uma mãe escreveu ao Thomé de Sousa falando mal de mim? Não acredito. Onde conseguistes isto.? Quando ele fez isto?
-Foi em 5 de janeiro de 1559.
- Desgraçado, ele me paga. Conhece-o?
- Pessoalmente não, claro, nasci séculos depois que ele morreu, conheço-o, como a si, de livros e de documentos que tenho acesso em diversos arquivos.
-  Vou procura-lo para ele me dizer qual o motivo que o levou a queixar-se ao Thomé.
- Eu se fosse o senhor não perderia meu tempo, Thomé de Sousa não deve ter dado muito ouvidos às queixas do Padre Nobrega, afinal ele lhe deixou toda a sua herança no Brasil. Se ele tivesse restrições ao senhor por culpa desta queixa o senhor não acha que seria diferente?

- Claro que sim, tens bem razão, não vou procurar tirar satisfação dele não, vou continuar é tendo os meus escravos índios e pronto, pois não sei como se poderá fazer alguma coisa nesta imensidão de terra sem a escravização dos índios, além do mais o que os jesuítas e os demais querem é pegar para si os próprios indígenas com esta estória de que vão catequisar, torna-los cristãos, o que eles querem, como nós, são braços para trabalharem nas terras que possuem, e que não são poucas,  o Nobrega mesmo recebeu de Thomé de Souza para fundar o colégio, para sustenta-lo recebeu a sesmaria de Água de Meninos que ele explorava através de escravos, para, segundo ele, poder suprir o colégio: também recebeu outras terras que explora através dos aldeamentos, assim como eu, fazia as mesmas coisas em relação ao gentios, que eram explorados, também, por todos as ordens que aqui existiam.
Notei que o senhor da Torre ficara mordido, e que não cumpriria o que me dissera, ele ia procurar tirar satisfação sim, e eu tentei mudar o assunto, tentando, mais uma vez colocar o filho dele na história; eu não entendia aquela resistência do senhor da Torre em relação ao Francisco, mas era mesmo muito difícil entrar naquele assunto. Eu pensava, se eu não entrar  na família dele, o fim das minhas conversas com ele está próximo, afinal ele morreu em 1609 e ai eu não teria mais o que comentar com ele, dele próprio, da vida dele em si, embora, em sendo ele um espirito, tinha quase certeza que ele sabia de tudo, pois espíritos  podem estar aqui e ali e saber o que acontece muito tempo após a morte física, pelo menos é assim que acho.
-Sr. Garcia, o senhor sabe que o senhor teve um bisneto que teve o seu nome – Garcia D´Ávila.

-Por que insistes em falar de coisas que eu não presenciei, eu só tenho um filho, que chama Francisco e que ainda é muito novo para que eu possa ter a ilusão de que terei um neto, aliás, com a cara que tem, acho muito difícil mesmo ele arrumar uma mulher que tenha a coragem de ter um filho com ele
.
Sr. Garcia o senhor é muito atroz, ele é sangue do seu sangue.

- Queria eu não fora, mas vamos parar de falar dele. Que mais tens de novidades a meu respeito, se forem iguais ao do Nóbrega por favor não fales. Todavia tenho algumas coisas para falar de Nóbrega, que não era tão santinho como  se passava, então não foi ele mesmo que, quando  o os caetés mataram e comeram o  Bispo do Brasil o do Brasil,  com toda a raiva referiu-se aos indígenas: “Não sei como se sofre a geração portuguesa, que entre todas as nações  é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo”. [2]  Pois é, quem defende índios não devia falar deles assim. E o que ele me diz quando fez com que o Governador Mem de Sá usasse[3] a força para fazer com que os índios se ajuntassem em aldeias grandes e igrejas para ouvirem a palavra de Deus? Que disse ele quando o Governador, ao saber que os índios continuavam a fazer os seus rituais, quando estavam afastados das missões, que ele ia mandar queimar as suas habitações?  Enfim, onde estava Nóbrega quando tantas e tantas aldeias foram dizimadas no Governo de Duarte da Costa?   Ora faça-me uma garapa!

É o Sr Garcia estava mesmo irritado!,E então eu falei: melhor ficarmos por aqui hoje Sr. Garcia, as coisas estão acontecendo rapidamente no Brasil, e se eu não me atualizar a história passa por cima de mim, agora vou ver o noticiário para saber quantos serão presos por corrupção agora, quantos ainda exploram a mão de obra (escrava), quantos ainda invadem as reservas indígenas na atualidade. Pelo que o Sr pode ver herdamos uma infinidade de defeitos dos colonizadores, os piores deles:  a corrupção, os desvios de verbas, o alto custo dos impostos, a exploração de mão de obra, enfim. Até mais ver.

Embora insatisfeito o Senhor da Torre foi-se, e eu fui ver o noticiário informando que o Ministério Público solicitou trezentos e não sei quantos anos de prisão para Eduardo Cunha e oitenta e poucos para o outro antigo presidente da Câmara. Será?
 







[1] Acta Universitatis Conimbrigensis - Cartas do Brasil e Mais escritos do Padre Manoel da Nóbrega(opera omnia) com introdução e notas históricas e críticas de Serafim Leite, Coimbra, por ordem da Universidade, 1955.
[2] HEMMING Jonh, Ouro Vermelho, A Conquista dos Índios brasileiros, tradução Carlos Eugenio Marcondes de Moura, SP, Editora da Universidade de São Paulo, 2007, pg 172. Para quem quiser se aprofundar no estudo da vida dos indígenas no período colonial, este livro é de extrema importância.
[3] Idem pg 173.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Garcia D´Ávila V - Recepção ao Visitador

Estava agoniada preparando a ceia do final do ano, ocupadíssima arrumando as coisas, a casa, enfim, nos preparativos para a virada do ano, quando ouço uma voz no meu ouvido:
-Bons dias, parece que vais fazer uma festa hoje, comemoras o que?
Tomei um susto daqueles; esta aparição não estava programada, muito menos querida, então eu toda cheia de coisas a fazer e o Sr. Garcia quer atenção, é porque ele é assim, quando aparece quer que eu pare tudo que estou a fazer e dar atenção total a ele.
-Sr. Garcia o senhor não pode ficar aparecendo assim, ainda me mata de susto. Por que não está em casa supervisionando os seus serviçais que devem estar fazendo a ceia do final do ano para o senhor.
- Qual o que, hoje é um dia como outro qualquer, eles estão trabalhando nas suas tarefas e está tudo controlado, vim aqui porque quero me distrair um pouco com as suas histórias, e para ver se aqueles beneditinos me deixam em paz um pouco,
-Sr. Garcia, fale-me do seu neto.
-Francisco! Aquele anão que “foi parido pelo rabo”, eu que tinha uma filha tão bonita, mas que botou no mundo uma coisa muito feia.
- Sr. Garcia não fale assim de seu neto, ele foi um pequeno grande homem, deu continuidade à sua obra, triplicou o patrimônio que o Sr. deixou para ele, depois, o senhor queria o que: ele é filho de dois mamelucos, resultou de uma mistura. Isabel, sua filha com uma índia, casou-se com o filho de Caramuru, portanto ele não podia ser diferente, estatura pequena, feições grosseiras, enfim, mas o seu sangue está nas veias dele.
De que estas a falar, eu estou aqui, quem manda no meu patrimônio sou eu e Francisco ainda é um menino.
-É Sr. Garcia se o senhor quer saber de sua história e de seus descendentes tem de aceitar o que falo sem me contestar, até porque tenho de ser rápida, pois, como o senhor está vendo, estou muito ocupada, mas me fale, então, da visita que o senhor recebeu do visitador Cristovão de Gouveia?
-Como sabes disto?
-Ah Sr Garcia eu sei de muita coisa da vossa vida, porque o senhor foi mesmo muito importante para nós, os baianos
- Bom, era pouco mais ou menos na metade do ano de 1584, quando o Visitador dos jesuítas estava visitando as aldeias dos jesuítas, foi esta missão que ele veio cumprir aqui, veio no mesmo navio que o governador geral e junto a outro Jesuíta de nome Fernão Cardim, este último era responsável por acompanha-lo nas visitações  e relatar toda a viagem e assim, quando eles saíram da aldeia do Espirito Santos[1],  tinham de passar em Tatuapara e, portanto, lhes dei abrigo e pouso.
- O Senhor sabe que este seu gesto foi conhecido pelo mundo afora?
-Não, não sei, quero saber é como sabes?
- Ah Sr. Garcia eu leio.
-Sabes Ler, és uma mulher educada, bonita, prendada e ainda sabes ler?
-Sim, aqui no meu tempo, muitas pessoas sabem ler e escrever;esta minha resposta passou batida, porque ele estava muito curioso, em outro momento qualquer a discussão recomeçaria e ele se irritaria, como sempre.
-Mas explique-me, diga lá o que disseram desta visita.
- O Sr lembra do Fernão Cardim não lembra? Pois é, todo o relato que ele fez sobre a viagem em que acompanhou o visitador, foi publicada em livro, (1817) que levou o título de TRATADO DAS TERRAS E GENTES DO BRASIL.
= Quando isto foi publicado? Porque esta Visitação ocorreu em enquanto era governador Manuel Telles Barreto, que aqui chegou em 1584 e eu não soube de qualquer publicação.
- Ele foi publicado diversas vezes, mas eu li uma edição bem mais recente. Evidente que eu não ia dizer o ano (1925), se eu falasse isto o problema estaria formado e o Sr. Garcia ia retornar a falar em bruxaria, feitiçaria, fogueira, e eu não estava muito afim de ver, outra vez, a sua ira.
- Diga-me lá o que ele escreveu.
- Ele fala muito bem do senhor e das suas posses, diz que o Sr. abrigou toda a comitiva, deu-lhes pouso, abrigo, comida, tratou-os mais de que bem. Ouça o que ele disse:
“Aquella noite fomos ter a casa de um homem rico, que esperava o padre visitador, é nesta Bahia o segundo mais rico por ter sete ou oito léguas de terra por costa, em a qual se acha o  melhor âmbar que por cá há e só em hum anno colheu oito mil cruzados sem  lhe custar nada. Tem tanto gado que lhe não sabe o número e só do bravo e perdido sustenta as armadas d´El Rey .
Agasalhou o padre em sua casa armada de guardamecins, [2]com uma rica cama, deu-nos sempre de comer aves, peixes, manjar branco, etc. Elle mesmo, desbarretado servia a mesa e nos ajudava na missa em sua capela a mais formosa que há em Brasil”[3]

- Realmente, ele disse-o bem, mas não poderia ter sido diferente, afinal era um padre jesuíta, um visitador, uma pessoa muito importante mesmo.

-Mas diga-me Sr. Garcia, por que o senhor é que serviu a mesa, por que não mandou algum escravo servir.

-Mas como? Então eu deixaria algum negro da terra[4]servir a tão importantes figuras? Não, jamais, ninguém na casa tinha  capacidade para isto. E ele falou mais o que?

O Sr. Garcia estava todo cheio, orgulhosos, não escondia que aquela notícia que eu lhe dera, lhe encheu de vaidade estava todo emplumado, parecia um pavão. Também não poderia ser diferente, naquele relato, do qual Portugal tomara conhecimento, ele estava sendo citado como o segundo mais rico do lugar, tinha hospedado na sua própria casa o visitador e o seu séquito, e ainda por cima ganhara crédito frente aos jesuítas. 

- Ele falou que o Sr., também, na noite seguinte, mandou o seu feitor recebe-los
“Aquella noite nos agasalhou seu feitor do mesmo homem que acima falei a quem ele tinha mandado reccado , fomos providos de todo o necessário com toda a limpeza de porcelanas e pratas, com grande caridade.”[6]   

- Foi isto mesmo, queria mostrar a minha riqueza mesmo e receber muito bem pessoas tão importantes.

- Mas não foi somente o Padre Cardim que falou do  senhor e desta recepção que o senhor ofereceu ao visitador, muitos outros cronistas que falaram do Brasil, citam o senhor a sua riqueza, os seus feitos, todos são unânimes em lhe dar glórias.

O homem, a cada informação, ia ficando mais emplumado, visivelmente emocionado, mas de uma emoção completamente vaidosa, gostou imenso do que ouviu, e estava tão empolgado que disse-me que ia embora contar estas novidades lá em Tatuapara, dito isto, foi-se e eu pude continuar  a fazer a minha ceia.




[1] A aldeia do Espirito Santo ficava onde hoje está Abrantes no litoral norte
[2] Guadamecins -Antiga tapeçaria de couro com pinturas e dourados, feita em Gadamés, cidade da Tripolitânia, África. Variação de guadamecil, guadamecim.
Antiga tapeçaria de couro com pinturas e dourados, feita em Gadamés, cidade da Tripolitânia, África. .
[3] Fernão Cardim, Tratado da Terra e  gente do Brasil,  Introdução e Notas de Baptista Caetano, Capristano de Abreu e  Garcia, RJ, J.Leite e Cia, 1925, pp 311-312
[4] Assim eram denominados os indígenas
[5] Fernão Cardim, ob cit. P. 313