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quinta-feira, 6 de maio de 2021

Novos hóspedes chegam a prisão - Lindley VI

 Talvez vocês tenham pensado que esqueci de Lindley, ou eu a história dele acabou, mas é que o nosso vírus de estimação(covid) me deixa muito ocupada em falar das coisas atuais, dos nossos administradores, da nossa justiça” injustiça”. que fiquei sem tempo, ou desanimada talvez, para pesquisar e escrever sobre o nosso inglês contrabandista.

Bom o fato é que Lindley continuava em Porto Seguro esperando a solução das autoridades. O que seria que iriam fazer com ele? Esta pergunta deve tê-lo atormentado muitas vezes; pior, a pergunta não tinha resposta, pois ninguém lhe falava absolutamente nada a respeito.

Ele e sua esposa e tripulação continuavam presos, bem verdade que o Lindley conseguira uma autorização para sair com a sua esposa e andar um pouco pela cidade. Note-se que ele, por ser mais útil que a esposa, em muitas oportunidades, lembre-se que o último episódio que contei do inglês foi a caça ao homem que lhe dera um pouco do pó dourado, tinha maiores oportunidades de sair da cadeia e conhecer um pouco mais do local onde estavam, embora sempre estivesse, nessas oportunidades, fazendo algum tipo de trabalho para os portugueses.

A expedição do pó dourado foi um fiasco, voltaram, ele e a comitiva, sem achar nada, entretanto Lindley ficou muito satisfeito com a tal viagem, porque para ele fora um aprendizado quase que cientifico, pois ele apreciou a região, viu plantas nativas, observou habitantes, como viviam, como aravam, como criavam o gado, enfim, aprendeu sobre o Brasil.

Pois continuava, ele e sua esposa, aquela vida de miseráveis prisioneiros, sendo incomodados por todos, pois Lindley é minucioso ao informar a falta de pudor dos brasileiros e portugueses responsáveis pela cadeia e pela sua guarda, que entravam nos seus aposentos quando queriam, usam as suas coisas, incomodavam por demais.

“O capitão mor, cujos aposentos ficam na parte superior da prisão, toma a liberdade de entrar nos meus sem pedir licença e nem considerar a situação da minha mulher e a minha, confinados num pequeno quarto, e sem atender ao fato de que nem todas as horas são próprias para tais visitas. |Além disso, serve-se constantemente de minhas bebidas, para si próprio e os amigos, apesar de saber que eu as compro na praça e que não recebo pensão de alimentos. O juiz ordinário, ou magistrado da cidade, aparece diariamente na prisão e toma as mesmas liberdades. Hoje de manhã, deu-nos de presente uma cesta de ovos, pediu um lenço de seda em troca e, sem falar no assunto, apanhou da parede uma escova de roupas e, sans cerimonie, escovou o chapéu na nossa frente” (LINDLEY  1805:40) grifo nosso[1]

Continuando, ele fala das horas das refeições: “Em cada má refeição que fazemos, temos em primeiro lugar, necessidade de garantir a porta contra os invasores. E padecemos, diariamente outras mil mesquinharias”. (Idem, 1805: 40)

Agora pensem bem a situação da mulher do inglês, a pobre coitada sem falar uma palavra em português, sem qualquer companhia feminina que pudesse, ao menos, ouvir o seu choro, sem contar com ninguém a não ser com o próprio marido, como deveria ela sentir-se? 

E tudo isto continuava sem que nada fosse informado aos dois a respeito da real situação deles: se iriam ser colocados em liberdade, se poderiam retornar ao seu país, se a iram devolver o brique, se soltariam a tripulação, enfim, nada sabiam.  As coisas estavam indo muito mal, a tripulação sofria, estava em situação pior de que a de Lindley e sua mulher, até fome passavam, tanto que o inglês se viu obrigado a pedir que a ração fornecida fosse aumentada.

Minha tripulação recebera a quota mais amarga da severidade. Já comentei a escassez de gênero de q a princípio, e que foi remediada apenas em promessa e se eu não tivesse conseguido até então conseguido (com certo risco) enviar-lhes algum auxílio sob a forma de mantimentos e bebidas, jamais poderia ela ter suportado sua terrível situação. Não contentes em quase deixar morrer de fome esses tripulantes, um deles foi cruelmente espancado por queixar-se disso; e há dois dias, por causa de uma discussão insignificante, foram-lhe arrebatadas suas facas e navalhas, um pobre diabo foi posto no tronco, existente na masmorra, ficando um mosquete apontado para a porta-alçapão enquanto a medida era executada(...) (Ibidem, 51).

E assim as coisas continuavam, Lindley continuava em compasso de espera, enquanto isso era chamado para atender a pessoas enfermas, amigos das autoridades evidentemente, entretanto, um rebuliço na prisão, isto ocasionado pela volta do desembargador Claudio que se ausentara para ir até Caravelas, quebrou a normalidade, segundo o inglês:

 “O desembargador Claudio chegou de Caravelas com seis presos, eram os principais moradores do lugar: o juiz ordinário, o tesoureiro e os membros do Senado arrancados dos seus lares por terem desobedecido às ordens militares de um tenente enviado pelo governador da Bahia para melhor regulamentar a exportação da farinha. (ibidem idem 48)

Essa chegada de presos modifica, de alguma maneira, a vida prisional do inglês. “Houve mudança geral na prisão a fim de acomodar os recém-chegados, autorizados a receber E assim as coisas continuavam, um tempo de espera os amigos. “Graças aos céus ainda conservei meu pobre quarto, sem qualquer alteração, tendo, porém, receio de outra visita à masmorra” (Ib. Idem 48)

“A janela do meu pequeno aposento dá para uma passagem estreita, formada pela parte posterior da prisão e por uma casa ao lado, que foi escolhida como local conveniente para o recolhimento dos presos de Caravelas; dêsse modo serei doravante obrigado a manter fechada a minha janela e aguentar um quarto escuro. Quando chegará a hora da libertação (” Ib idem  49)

Os presos tinham regalias, podiam ser visitados na cadeia por amigos, que, segundo o inglês, chegavam a qualquer hora e em grandes números, não importando se fosse noite ou dia.

Notem leitores, notem bem a quantidade de informações que nos traz essa passagem da narrativa de Lindley a respeito da nossa Bahia. É bom que se faça, inclusive, uma comparação com os dias atuais:

A demora na apuração dos fatos, a burocracia infernal que existia: O inglês foi preso, lhe tiraram o seu “barco”, prenderam a sua tripulação, lhe jogaram, em princípio num calabouço, criaram uma “comissão”, que veio diretamente da Bahia (capital da província” para apurar tais fatos (contrabando de pau brasil), que, como já se sabe, não existiu. O inglês estava preso por não ter feito o que eles disseram que foi feito, acreditem, foi bem assim.  Até se pode dizer que houve uma tentativa de realizar a conduta, entretanto, o próprio Lindley desistiu, quando soube da ilegalidade daquele comércio.

É preciso lembrar que o Lindley não se ofereceu para comprar o pau brasil, ele foi procurado pelo João Dantas Coelho e seus filhos, que lhes ofereceram a mercadoria (uma aparente legalidade do comércio) porque se o próprio desembargador da província garantiria o comércio, não podia parecer ao inglês, que essa atividade era ilegal. A corrupção estampada em poucas linhas, envolvendo as maiores autoridades.

Ainda que reconhecendo que o Lindley  deveria ter um tratamento  “especial”, afinal todos os envolvidos sabiam que  ele não praticara qualquer crime, pois não se achou qualquer madeira (pau brasil) no seu  brique, como se admitir que  em uma prisão, porque ele estava mesmo na prisão, e não em um hotel de baixa categoria, ele era prisioneiro e não hóspede, pudesse  ter acesso a bebidas alcóolicas, e não só, além de  ter isto nos seus míseros aposentos,  também, embora a isso fosse obrigado, compulsoriamente, dividia  o álcool com os oficiais que deveriam estar ali  como autoridades que eram, para, inclusive,   salvaguardar a vida  do  próprio prisioneiro e dos demais presos?

O tratamento especial que era dado aos “grandes” da localidade. Não interessa o motivo pelo qual essas pessoas foram presas, e a diferença do que era dado aos presos de menor importância a exemplo dos membros da tripulação de Lindely. As atrocidades que eram cometidas em nome da justiça.

Os cargos ocupados pelos novos prisioneiros mostram como a atividade pública era imbricada com a atividade particular (negócios), confundindo-se até. Observem ainda que, as autoridades (senadores, juiz ordinário, tesoureiro) foram presos porque desobedeceram a ordens que determinavam uma regulamentação do comércio da farinha.

Lindley com a sua tripulação já estavam no cárcere há 3 meses, vide que a prisão se dera em julho, e já era setembro sem que nada se resolvesse.

Mas os demais padecimentos do inglês (que não pararam por aí) ficam para uma próxima oportunidade, porque o texto ficaria muito longo e aborrecido, porque acho sempre que a injustiça apesar de nos trazer indignação, de tanto ser repetida, se torna aborrecida, parece que triunfa diante da legalidade, e passa a ser uma “normalidade”, o que não quero passar para quem se dá ao trabalho de ler esse texto, que faz parte da história do nosso Brasil, embora uma página lamentável dela.



[1] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil, Londres, 1805. Brasiliana, Vol. 343, Direção de Américo Jacobina Lacombe, trad. Thomaz Newlands Neto, São Paulo, Cia Editora Nacional 1969

 

domingo, 7 de fevereiro de 2021

O pozinho dourado - LINDLEY V

Vocês não vão acreditar no que aconteceu com o Lindley!  Passando pelo que estava passando na cadeia em razão de uma acusação de contrabando de pau brasil, que, efetivamente, não existiu, agora acharam que ele também tinha comprado, ilegalmente ouro a situação ficara mesmo complicada, imagine se isto fosse mesmo verdade, aí o inglês jamais sairia do Brasil.

Mas vejamos como começou esta estória do ouro

Por ocasião do apresamento o do navio, a Comissão encontrou um embrulho em cima da minha mesa de trabalho, contendo pequena quantidade de ouro em granetes, de mistura com areia côr de ouro, que fora trazido por um morador de Pôrto Seguro. Isso despertou-lhes forte curiosidade, e eu fui interrogado cerradamente a respeito do assunto. Não fiz segredo algum da fonte de onde obtivera a amostra, mas declarei ignorar o nome e a residência do indivíduo de quem a recebera, embora acreditasse que fosse de uma povoação distante. A Comissão declarou-se disposta a descobrir o homem insistiu em que eu empreendesse com ela uma viagem nesse propósito. Não levantei qualquer objeção (sabendo que seria inútil), mas certo de que nada lhes adiantaria se acaso encontrássemos o pobre diabo, o que, afortunadamente, não aconteceu. Era noite, o intérprete veio informar-me de que eu teria de acompanhar o desembargador e as demais pessoas, na manhã seguinte, devendo estar pronto antes das cinco horas. (LINDLEY: 39).[1]

Vejam bem o que o homem diz: “fui interrogado cerradamente a respeito do assunto”, o que se compreende mesmo. Os portugueses não podiam ouvir falar em ouro, pedras preciosas, qualquer coisa que tivesse muito valor, que eles ficavam doidinhos, e não iria ser diferente com este achado no navio do inglês.  Eles ficavam tão doidos que pareciam obnubilados. Imagine sair atrás de alguém que ninguém sabia quem era, nem onde morava ou podia ser localizado para que a pessoa dissesse onde tinha encontrado aquele “ouro”.

Bom o fato é que, obnubilados ou não, foram eles juntamente com o inglês, que como ele mesmo disse, não teve qualquer opção, pois de nada adiantaria se recusar a acompanhá-los para procurar o dito homem.

A ânsia era tanto que marcaram para cinco horas do amanhã. Observe-se a comitiva que ia nessa empreitada: “o desembargador” fazia parte dela. Explique-me o motivo do desembargador deixar as suas funções para ir atrás de um homem desconhecido que ofereceu   ouro em pó ao inglês. 

O estrangeiro, com certeza, sabia do insucesso dessa busca, mas ele não decidia nada, só tinha de obedecer, e assim, á hora marcada lá se vai LINDLEY juntamente com a comitiva.

Para ele, na verdade, aquilo funcionaria como um passeio, uma oportunidade de sair da cela onde ficava com a sua esposa, essa coitada, é que ficava mesmo dentro do quarto arranjado para o casal, depois que eles saíram da podridão dos porões da masmorra. Imaginem bem o padecimento dessa senhora, uma inglesa, que teve dinheiro suficiente para ela e o marido terem uma nau, na qual tinham os seus aposentos compatíveis com o status que tinham, possuindo empregados etc., etc., se vir agora dentro de quatro paredes, sem poder sair, com uma ventilação péssima, cercada de pessoas desconhecidas: não, essa não era uma boa vida para aquela senhora, que pasmem, até o momento não sei o nome, porque nunca vi nos escritos do inglês.

Lá se vão aqueles homens, que seguiram pela praia em direção ao sul, e Lindley relata: depois “de uma hora de marcha, voltamo-nos abruptamente parra o Oeste terra adentro, e subindo por uma íngreme encosta, em breve chegamos à capela de Nossa Senhora da Ajuda, que fica no alto” (IBDEM;39-40)

Tenho de concordar com o que Lindley diz sobre o que estava vendo dali daquele alto, penso que todos os visitantes que chegam até a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda em Porto Seguro, ainda hoje tem o mesmo deslumbramento. “A paisagem que daí se descortina é de fato grandiosa, abrangendo não só a região em torno, como também o oceano adjacente, ao qual os muros brancos da capela formam excelente balisa. “(IBDEM, IDEM;40)

Segue ele descrevendo aquele encantador lugar, que, como disse, ainda hoje impressiona qualquer dos visitantes, e fala especialmente da Santa que ele diz ser “especialmente invocada pelos navios e barcos pesqueiros das costas vizinhas em caso de perigo ou de ventos contrários. Sua fama estende-se até mesmo à cura de vários padecimentos, desde que invocada com a devida fé. O interior do edifício é decorado com desenhos grotescos de navios em apuros, quartos de enfermos etc., havendo legendas debaixo de cada um, relativas aos diferentes episódios que pretendem comemorar (IDEM).

Seguindo viagem, após, segundo ele, comerem biscoitos e beber a água do vigário da Igreja, eles passaram por diversas lavouras e engenhos, e até arrumaram um guia em um deles.  Me pergunto, um guia índio? Para que um guia? Se você não sabia mesmo o que estava procurando.

Observe-se bem o que Lindley fala, estamos no ano de 1802 e na região havia lavouras e engenhos, a terra parecia ao inglês muito boa, banhada por rios e se bem cultivado, segundo ele, ali daria espaço para grandes pradarias.

Entretanto passados esses espaços, eles seguiram por uma mata, que segundo o inglês só dava para a passagem de um cavalo por vez (IDEM pág. 40) assim mesmo cada cavalheiro tinha de se livrar das ramagens. Fizeram-nos esta marcha por quase duas horas, e depois desse tempo deram, outra vez com uma paisagem aberta, vislumbrando-se lavouras de mandioca, cana de açúcar e outras pequenas culturas.

A viagem continua entre morros altos e baixos, a comitiva segue sem grande sucesso, até encontrarem o engenho[2] e fazenda do Sr.  João Furtado, que era um senhor de 70 anos, solteiro que vivia com uma irmã solteirona.  Procurando saber da vida desse senhor, Lindley soube que ele era nascido ali mesmo na região, que teve uma vida de trabalho intensa, e que ele mesmo, com suas próprias mãos é que fez os móveis da casa. Também o senhor demonstrou muito conhecimento a respeito da fauna da região e o inglês, se estivesse em outra condição, teria ficado mais tempo naquele espaço, para aprender mais detalhes da terra.

Lindley descreve o funcionamento do engenho, conforme se observa na nota anterior, e faz comparações mentais com os engenhos dos quais ele tinha conhecimento nas Índias Ocidentais, para caracterizá-lo como primitivo.

Bom o fato é que ali apearam, ali dormiram, mas, apesar de ser bem tratado e dizer que ficou surpreso com as acomodações, não deixou de dizer que tiveram de comer no chão, onde colocou-se algumas esteiras, forradas com uma toalha. Havia louças suficientes para todos como também facas e garfos.

Lindely diz que dormiu bem em acomodações limas e em camas confortáveis, e que ao amanhecer viu muitos pássaros, ficando impressionado com o ““mutum” que disse ser vistoso, de um azul profundo, que se aproxima do negro, tendo a cabeça e os olhos de notável beleza IDEM pg.42)

Seguiram até Villa Verde, onde existia apenas uma aldeia de missionários, mas nada foi encontrado, e tiveram de regressar, como se diria “com a cara mexendo e os olhos rodando” kkkkk, Empreitada inútil. O tal dono do ouro jamais foi encontrado, somente a ambição, a ganância dos portugueses justificava aquela busca sem destino certo.

Todavia, a história de Lindley no cativeiro continua, e depois conto mais, após voltar no tempo e tomar um “caldo de cana” daqueles feitos naquelas geringonças primitivas espalhadas pelas ruas do nosso Nordeste, no meu caso, especificamente em Salvador da Bahia, ou, melhor ainda, tomar uma genuína cachaça brasileira com caju e sal. Que tal?



[1] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma Viagem ao Brasil, Londres 1805, tradução de Thomas Newland Neto, 1969, SP, Brasiliana, Vol. 143

[2] A palavra engenho é o termo português que caracteriza as terras que possuíam fábrica de açúcar. O que vemos aqui é muito simples, consistindo em três cilindros de pesada madeira, de dois pés de diâmetro por três de comprido, os quais giram horizontalmente, numa armação. A parte superior do cilindro central articula-se com uma viga que sobe pelo ar sendo nela fixadas peças transversais suficientemente baixas para nelas serem atrelados dois cavalos, que fazem mover o conjunto. Os cilindros laterais trabalham por meio de uma engrenagem que os liga ao central. Debaixo dessa máquina existe um cocho comprido inclinado, pronto a receber o caldo da cana comprimida pelos cilindros. Esse caldo é transportado para um caldeirão raso de seis pés de diâmetro, onde são escumadas todas as impurezas. Depois de esfriar noutra vasilha, adiciona-se-lhe um álcool de cinzas de madeira, deixa-se que a mistura assente por alguns dias e decanta-se o líquido puro levado então para uma caldeira para evaporar-se até formar o açúcar. O sedimento é destilado, produzindo forte aguardente. LINDLEY,1805:41)  

 

 

sábado, 5 de dezembro de 2020

A ESPERA DO INTERROGATÓRIO - LINDLEY IV

 Estou aqui assistindo a livre do Presidente da República, em todas as quintas feiras isto acontece. Nessa oportunidade nós podemos saber, sem grandes complicações, quais as medidas que estão sendo tomadas pelos governos em todas as áreas do país. Hoje, especialmente hoje, estamos com o Ministro da Justiça e O Superintendente da Polícia Federal e ao mote da “live” é, exatamente, o contrabando de nossas madeiras.

Gente do céu, automaticamente me lembrei e LINDLEY e do pau Brasil! É impressionante, parece que estamos no mesmo há 520 anos, nada mudou, a diferença é a tecnologia e os meios como se desvia a madeira do Brasil para outros países. E engraçado, a gente não pensa em muitas coisas, até que alguém ou algo nos faz raciocinar sobre determinado aspecto: Por exemplo:  nessa “ live” fiquei sabendo que o maior comerciante de café do mundo é a Alemanha, pasmem os senhores! A Alemanha que não produz café algum e a maior comerciante dessas comodities.   Também, nessa mesma “live”, soube que na Alemanha existe om grande número de ararinhas azuis: puta que pariu! Raciocinei: porra como é que a Alemanha pode ter tantas ararinhas azuis se tal pássaro não é original de lá. Como essas ararinhas foram parar na Alemanha?  O que aconteceu?  Será que elas migraram sozinhas, saíram   daqui do Brasil, cruzaram o Oceano, entraram no continente Europeu e conseguiram alcançar a Alemanha?  Que diabos é isso!

Vi ainda, nessa mesma “live”, a tecnologia que só agora foi implementada no Brasil para identificar a origem do produto, seja madeira, seja do reino animal, mineral enfim, essa tecnologia já existe há muito tempo na Europa, e lá há muito que eles já podiam identificar 

Tudo isso estou comentando, porque eu vou continuar falando de Lindley, que era inglês, esteve aqui e tentou contrabandear   pau brasil.

A onda da vez é o nosso ipê

Acho muito engraçado que países que recebem essa nossa madeira, muitas vezes extraídas ilegalmente, se deem ao luxo de criticar e exigir do nosso governo proteções ambientais, que eles mesmo ajudam a minar. É muito interessante mesmo, eles quererem impedir que a nossa floresta seja desmatada, alegam que estamos destruindo o meio ambiente, entretanto, permitem que os seus nacionais comprem madeira extraída da própria Amazônia, muitas vezes, ilegalmente. Compram abaixo do preço real, mas isto nem sequer é levado em conta, e esses sete países (Unocracia) querem? Se unir mais e destruir os demais? Nos fazer de escravos, retornar a uma colonização em que eu colonizo e mando e vocês obedecem para me favorecer. Que é isso? Então vocês mesmo pregaram   tantas doutrinas de liberdade e agora querem este retorno medíocre.

Bom, mas vamos ao Lindley, Ele estava desesperado com a situação em que se encontrava, preso em um local insalubre, vendo a sua esposa passando vexames por estar presa junto com muitos homens, num ambiente nocivo, sofrendo “de modo diverso do meu, queixando-se de dores violentas e de inchações por todas as partes do corpo” (LINDLEY 1805;38)

Ao inglês foi tirado tudo, nem lhe deixaram levar lápis e papel, e ele precisava escrever para pedir explicações, para pedir auxílio, segundo ele:

Tinham sido baixadas ordens terminantes para que não me fornecessem pena e tinta: mas consegui frustrá-las ocultando um lápis e parte de um caderno de papel que achei meios de comprar. O primeiro uso eu fiz deles foi solicitar uma pequena caixa de medicamentos que tinha a bordo: houve humanidade bastante para atender-me, mas até mesmo com esta ajuda sinto-me bem doente dia a dia mais fraco(...) LINDLEY 1805; 37-38).

Lindley procurou escrever ao Desembargador Claudio, o que presidia a tal comissão que foi enviada a Porto Seguro para averiguar o contrabando de madeira, solicitou uma audiência, mas, segundo ele, o Desembargador, grosseiramente, mandou dizer-lhe que quando ele precisasse ser ouvido seria chamado.

Os dias foram passando e o inglês permanecia preso no subterrâneo da Casa da Câmara e Cadeia, cada dia mais fraco. Comia a comida que conseguisse comprar através de algum carcereiro, isto porque “o alimento era passado pelo mesmo orifício, mas obtê-lo ficava aos meus próprios cuidados e expensas”, e bebia água de um “jarro grande colocado do lado de fora da janela, e por uma abertura nela existente nós o tomávamos para dele nos servimos” LINDLEY 1805;37)   

Não é brinquedo não, dias terríveis o inglês passou na cadeia.  Dá para imaginar mesmo o mau cheiro que devia reinar no ambiente. Não bastasse mesmo o estado lastimável do local, não se vê o inglês, nos seus comentários, falar em banho, higiene pessoal, enfim.

Entretanto, após o inglês tomar conhecimento que os seus homens estavam sendo levados para inquirição, animou-se um pouco, pois sabia que logo deveria ser ele, e foi o que sucedeu “no dia 24 “tive a satisfação de ver a escada mais uma vez arriada. Intimado a subir e fui conduzido, sob escolta, à sede da Comissão. (LINDLEY:1895;38)

Foi o inglês, mais uma vez inquerido  sobre o contrabando do pau brasil, isto durou  5 horas, mas voltou ao lúgubre lugar, onde encontrou a esposa aflita em função da demora, entretanto  diz ele que  o ar puro lhe fizera bem e ele sentia-se um pouco revigorado o que lhe ajudou a pacientemente esperar até o dia 27, quando novamente foi interrogado, oportunidade em que “ fiz ver em termos vigorosos, qual a nossa horrível situação, o obtive a promessa  de sermos transferidos de masmorra” (LINDLEY 1805: 38).

A transferência ocorreu no mesmo dia, e o inglês e a sua esposa foram transferidos para “cima, a um pequeno aposento   com tabiques de madeira, sendo-nos concedida a liberdade de passarmos a outro maior, contíguo. Cada qual possuía uma janela, sem grades, havendo livre circulação, dessa inestimável benção, o ar puro. Uma sentinela armada foi posta diante de nós.” LINDELY 1805;38).

Mas as expectativas de melhoras do inglês demoraram pouco, pois ali, apesar de menos nocivo à saúde, tendo o ar circulando, o vento os deixava (ele a  mulher) desconfortáveis, além do local ser uma morada de morcegos, que ficavam sobrevoando os aposentados. Também o inglês se queixava da grande zoada que os guardas faziam, porque eles costumavam jogar à noite. Além de tudo isto, ficava muito chateado com as visitas inoportunas do Capitão -Mor, residia nos aposentos acima do seu, e adentrava aos dele a hora que lhe conviesse. LINDLEY 1805;38-39)

Enfim, o inglês continuava a sua saga, o que poderia ser uma melhora, e apesar das queixas dele, para ele não funcionava, pois ele andava injuriado com tanta falta de privacidade, com tanta sujeira, com o mal estar da sua esposa.

Entretanto, ele continuava sendo solicitado a tratar doentes, até mesmo o Capitão lhe pedia favores. A Comissão continuava trabalhando na investigação e Lindley preocupado com a demora nas decisões, mal sabendo ele que aquilo era só o começo.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

MÉDICO E PRISIONEIRO - LINDLEY NA PRISÃO

 

Realmente, sigo acompanhando as eleições dos Estados Unidos, pois fiquei muito surpresa com declaração do Sr. Biden, e até agora não percebo aonde ele quer chegar. Não posso deixar de concordar com o Presidente Bolsonaro no que diz respeito à Amazônia.  O que é isso, será que nos estamos aqui a mercê de um estadista americano, que nem se sabe se realmente será o Presidente  do pais mais poderoso do mundo, que acha que está em plena era colonial para querer intervir no território de outro país? Que diabo é isto? Em que tempos estamos?  Qual o interesse maior do Sr Biden na Amazônia?  Nossas riquezas ali? O nióbio? Enfim, qual o interesse Sr. Biden? Vai cuidar da sua terra, se você conseguir tomar posse, vá cuidar do seu país racista, vá tratar de humanizar a sua polícia, vá cuidar das grandes desigualdades sociais que existem nos Estados Unidos.

Pois, mas eu não queria falar de  zorra de eleição americana, quero mesmo é falar de LINDELY, o nosso contrabandista inglês, o contrabandista que não  fez qualquer contrabando, mas não posso deixar de fazer uma ligação entre  o inglês e  o que hoje está acontecendo  com a Amazônia:  o inglês veio  atrás de riquezas brasileiras, tanto que topou trocar as suas mercadorias pelo pau brasil, bem como  aceitou a amostra de “ouro” que lhe chegou às mãos através e um morador de Porto Seguro, o que não é muito diferente da atualidade, onde muitos estrangeiros se estabelecem na nossa floresta, negociam com indígenas, se  fantasiam de ONGS  com intuito de defender o verde, a natureza, os índios e a humanidade enfim, porque fazem questão de dizer que a floresta Amazônica é o pulmão do mundo, entretanto, o que eles na verdade querem é a riqueza que esta floresta  pode oferecer, seja com a sua flora seja com os seus minerais, todos sabem que existe  no solo daquela parte do pais  o nióbio, uma preciosidade para  os interesses  das grandes potencias controladoras da tecnologia .  Li que o nióbio  “é usado em ligas de aço para a produção de tubos condutores de fluidos, ele deixa o aço ainda mais resistente” e não só para isto, falam que até o acelerador de partículas  utiliza o nióbio em algum  dos seus componentes, não sei explicar isto, mas por este particular  vocês já podem  sentir a importância  deste elemento, que também é usado em turbinas de avião, carros, dutos de óleo e gás[1] . As maiores reservas de nióbio estão aqui no Brasil, segundo dados 98,4% e pode ser encontrado em Minas Gerais, Goiás, Amazonas.  Esta invasão de ONGS estrangeiras na Amazônia, bem como as interferências de outros governos, nos parece uma invasão da nossa soberania, o que efetivamente, não pode ser permitido.

Voltemos, entretanto, ao nosso inglês e à sua estória enquanto esteve aqui no Brasil, especificamente na Bahia, entre Salvador e Porto Seguro.

Um fato muito curioso em relação ao inglês é que ele, apesar de ser acusado de contrabandista, em muitas ocasiões, entretanto, ele era chamado para exercer a medicina, mesmo não sendo médico.

Segundo ele, isto aconteceu porque:

Quando o meu brigue aportou pela primeira vez em Pôrto Seguro, fui visitado pela quase totalidade dos moradores do local, ignorantes que pareciam macacos a espiar tudo. E mal deram com minha caixa de remédios, indagaram de quem era e julgaram, certa ou erradamente, que eu deveria ser médico, e sendo estrangeiro, sem dúvida médico famoso.” (LINDLEY 1805:44)[2]

Inglês sacana, olhe o desprezo com que ele fala da população: “macacos ignorantes” e quão se achava superior a todos, ao julgar que por ser estrangeiro, o médico tinha de ser famoso, mas deixemos para lá estes pormenores, para nos focar mesmo nessa missão que, querendo ou não, foi quase que imposta ao inglês, que continua descrevendo a sua então mais nova aptidão:

Antes de cair a noite, várias canoas encostaram no navio transportando doentes, estropiados, cegos, todos sofredores e pobres (segundo diziam), alguns suplicando pelo amor de Deus, outros implorando em nome de Maria, Nossa Senhora. Como logo estabeleci o sistema de gratuidade, eles jamais me permitiram acabar com aquilo, até que, visitando um pobre homem atacado de febre maligna, caí doente, e, por felicidade, perdi toda a clientela. (LINDLEY;1805;44)

Na verdade, o inglês teve razão em declarar a sua felicidade por deixar de “clinicar”. Imagine o desespero, gastar todo o seu material farmacêutico, trazido para as eventualidades da viagem, com pobres miseráveis que não tinham condição de pagar-lhe.

Todavia a trégua em relação a essa habilidade do Lindley foi mínima, porquanto já preso, encarcerado, vivendo o pão que o diabo amassou, como vocês verão nos próximos textos, ele era chamado para atender doentes:

Agora são os clientes de nôvo, numerosos como nunca, não obstante estar eu proibido de falar com qualquer pessoa. Cada sentinela sofre de algum mal, ou traz-me parente, vizinho, amigo enfermo, além de outras criaturas que tem permissão do comandante para este fim. Em resumo: multiplicaram-se tão rapidamente as consultas reduzindo o conteúdo da minha pobre caixa, que o Senhor Tomás**(nome que me dão), gostaria de nunca ter-se atribuído  o oficio de curar, ou pelo menos, havê-lo exercido de modo mais profissional, sendo bem pago pelos seus remédios(LINDLEY : 1805;44-45)

Efetivamente o homem tinha razão, ele que estava ali jogado às traças, sem dinheiro, preso, numa situação vexatória, ele com a sua mulher, poderia, ao menos, ganhar alguns trocados com esta habilidade que lhe fora atribuída pelos da terra.

Agora veja bem o contra senso. O homem era um criminoso, entretanto, era chamado para curar pessoas, o que não lhe deu qualquer regalia em relação ao lugar em que esteve aprisionado, seja em Porto Seguro, seja em Salvador, era convocado até mesmo pelas autoridades maiores:

O comandante pediu-me que fosse ver um doente, num vilarejo além da cidade. Lá segui eu, acompanhado de um soldado, e o paciente era o Sr. Rodrigues da Fonte, de quem eu já ouvira falar. Tinha ele na véspera sofrido um ataque de apoplexia; percebi que estava muito mal, com a respiração ofegante e difícil, o pulso fraco e irregular, por vezes parando de bater. A medicação tópica e interna que ousei aplicar não produziu o menor efeito, havendo a natureza perdido toda a sua força e energia (LINDLEY:1805 p. 45).

Não foram somente esses casos, muitos outros se sucederam e falaremos dele no decorrer das crônicas, entretanto, nesse caso específico, o cidadão faleceu, e Lindley fala das condições insalubres em que o paciente se encontrava, o que contribuía para a sua piora.

Estava o pobre homem num quarto fechado onde não penetrava o ar puro e a luz; apenas uma vela era mantida sobre sua cabeça, enquanto ele jazia imóvel numa grande cama, que ocupava um canto do aposento, a cabeceira e um lado encostados na parede. Entre esta e o doente havia um certo espaço onde sua mulher e outras criaturas do sexo feminino se acocoravam, passando por cima do corpo do homem, quando era preciso. Na parte superior da cama estavam colocadas diversas pequenas imagens, uma perna, um pé, um espadim e outras relíquias. Uma coroa de madeira trançada era sempre mantida suspensa sobre o pobre homem, e o conjunto formava a mais curiosa mistura de moléstia, estupidez e superstição. O aposento, cheio de parentes, visitas e criados, estava muitíssimo quente e abafado; senti-me feliz ao deixá-lo, pois, nas condições atuais do desgraçado, minha permanência ali não poderia ser de qualquer utilidade LINDELY:1805;45).

Deixemos, no entanto, de lado, temporariamente, esta habilidade imposta ao nosso inglês, e vamos ao local da prisão.

Lindley e sua esposa foram jogados no cárcere da Casa da Câmara e Prisão de Porto Seguro[3], nos subterrâneos da casa, segundo o seu relato, um lugar nojento, cheio de lixo, insalubre, e ali ele teve de ficar, até que que as autoridades resolvessem a sua situação.

Olhe bem como ele descreve o lugar que o deixaram juntamente com a sua esposa:

“...determinaram que embarcássemos, conduzindo-nos ao longo da praia e, depois, morro acima, até a prisão comum. Levaram-nos a um quarto no pavimento superior da cadeia, em cujo assoalho abriram um pequeno alçapão, arriaram uma escada e nos mandaram descer até certa profundidade (cerca de quarenta pés), o que fizemos, penetrando numa masmorra abaixo do nível do solo, da qual se exalava um fétido miserável. Estava inteiramente às escuras. Deus sabe quais os nossos sentimentos. (LINDLEY; 1805:36)

Agora pensem  como o inglês e a sua esposa se sentiram ali jogados, quanto pior, acusados de um crime que não cometeram, sem ter ainda qualquer oportunidade de defesa, sem julgamento  de qualquer juiz, por ordem apenas da Comissão que fora enviada da Bahia( Salvador) para a apuração do crime.

Imaginem o desespero da mulher do inglês, que continua descrevendo a vexatória situação em que se encontravam:

O guarda da prisão favoreceu-nos com uma luz, vimos então a nossa terrível situação! Em três cantos do aposento acumulavam-se montes de sujeira, lixo, cascas de laranja e legumes etc. tudo em estado de putrefação. O ouro canto tornara-se de uma repugnância horrível por causa dos vários e míseros ocupantes que a masmorra encerrara. E tôda ela parecia jamais ter sido limpa desde a sua construção. Quatro dos meus marinheiros haviam ai sido confinados durante os oito dias anteriores, e acabavam de ser removidos para o cárcere ao lado, para que fossemos admitidos. Um banco isolado e duas tábuas formavam uma cama e isso construía o único mobiliário da peça. (LINDLEY 1805;36-37)

Vejam bem a humilhação a que o Lindley e sua mulher foram submetidos.  Foram recolhidos a prisão comum, onde todo e qualquer marginal à época eram recolhidos, sem qualquer regalia, sem qualquer privilégio, sem quaisquer cuidados, seja com a própria condição humana, seja em relação a uma mulher está no meio de prisioneiros outros, sem qualquer privacidade.

O inglês realmente comeu o pão que o diabo amassou, e a sua saga continuará ao longo de muitos meses, e eu vos contarei em pequenos capítulos para que vocês não fiquem massacrados com a leitura.

 

 



[1] Revista Galileu, edição 330, janeiro /2019

[2] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil, Londres, 1805. Brasiliana, Vol. 343, Direção de Américo Jacobina Lacombe, trad. Thomaz Newlands Neto, São Paulo, Cia Editora Nacional 1969

[3] “As casas do Conselho (Câmara Municipal) e cadeia são de pedra e cal e muito suficientes. A Vila era cabeça de Comarca, nela havendo um Ouvidor, um juiz ordinário (presidente da Câmara), três vereadores e um procurador do Conselho, um capitão-mor de Ordenanças e um Vigário da Vara, Mas contava com poucos moradores. “o comum é serem pobres”. Luís dos Santos Vilhena, Recopilação de notícias metropolitanas e brasílicas, contidas em vinte cartas, edição anotada por H. Brás do Amaral, Salvador, 1922, Vol. II, p.547

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

PRISÃO DO INGLÊS -THOMAS LINDLEY - Capitulo II

 

Agora, em plena eleição “democrática”, tão democrática que temos a chance de ver “espíritos a votar”, volto ao Thomas Lindley e ao ano de 1802.

O Governador geral, naquela altura   Vice Rey, era o Fernando José de Portugal e Castro o Marquês de Aguiar – Vice rei e Capitao general de mar e terra do Brasil.

Lindley em Porto Seguro entra em contato direto com o Capitão Mor – Governador da Província, assim que ele chama, embora na verdade o homem fosse Ouvidor, Jose Dantas Coelho e com os seus filhos, aceita a proposta que lhe foi feita por Gaspar para trocar as suas mercadorias  por pau brasil. Ele aceita esclarecendo:

“à proposta pareceu-me tão vantajosa que não hesitei, exceto quanto à incerteza da permissão para exportar-se aquele produto. Mas como a oferta partia do próprio governador, considerei meramente nominal qualquer proibição que pudesse existir: assim, dissipadas todas as dúvidas concordei com a troca” LINDLEY 1805: 26)

Tudo acertado, artigos do brigue selecionados pelo filho do  Ouvidor em valor equivalente à carga de pau brasil que seria entregue ao nosso inglês, era só esperar o momento de seguir para pegar a mercadoria no Rio Grande.  Acontece que, uma semana após este acerto, é comunicado que o acordo não poderia ser cumprido porque Gaspar, talvez  por ter caído a ficha  declarou que :  “eles, os guardiões do  comércio, iriam  emprenhar-se em negócio ilícito”. LINDLEY  1805;26), caso o negocio fosse realizado.

Bom, mas o jeitinho brasileiro funcionou, àquela altura, o jeitinho português, e o Ouvidor e seu filho disseram ao inglês, que ele poderia arrumar esta mercadoria por outros meios,” e que não haveria qualquer embaraço ou posição da parte deles”, LINDLEY: 1805:26.

Vejam bem queridos leitores, olhe bem o que as autoridades, responsáveis pelo cumprimento da lei, disseram ao inglês: Não lhe vou criar qualquer embaraço.”   Ora, esta afirmação veio a calhar para as pretensões do inglês, que, na verdade, queria mesmo era obter lucro  e não hesitou em entrar de cabeça na empreitada, mesmo sabendo  da ilicitude do negócio.

Assim, o ainda comerciante inglês, já fez um negócio  ali mesmo em Porto Seguro, uma pequena quantidade a ser entregue em dez dias. Com o que ele não contava era com uma doença que lho infectou, pois “foi acometido de uma grave febre, que quase me vitimou” (LINDLEY;1805:26)

A doença do inglês não impediu que uma parte da madeira  estivesse pronta para ser entregue, e ele  deu esta informação ao Gaspar, o filho do Ouvidor, este, mais uma vez, sabendo  na merda que estaria se metendo,  falou com Lindley para que não recebesse tal mercadoria pois ele tinha” motivos secretos e  da mais imperiosa natureza para dar os seus conselhos”,( LINDLEY  18055:27.)

Este conselho fez LINDLEY desistir definitivamente do negócio, e fazer com que ele decidisse partir, assim  que o leme  da embarcação estivesse pronto, o que foi feito, embora, segundo ele, outros defeitos se apresentassem no brigue, o que levou a  deitar ferros[1] no Rio Caravelas logo  depois da sua partida, que ocorreu em  25 de junho  logo alcançado o Rio Caravela, porque  descobriu que a avaria era muito mais delicada do que ele  tinha pensando, e ali procurou  quem lhe  reparasse completamente a popa.

Grande azar o de Lindley, quando o brigue já estava quase reparado,  ele foi surpreendido, no dia 02 de julho, “com a visita de um oficial, acompanhado de alguns soldados que subiu a bordo munido de uma ordem de apreensão  do brigue, o qual deveria conduzir a Pôrto Seguro, sendo a tripulação enviada por terra ao mesmo lugar” (LINDLEY 1805:27.)

Não houve resistência por parte do inglês, e assim que o brigue ficou completamente pronto foi levado para Porto Seguro, onde  chegou a 11 de julho, onde já estava uma Comissão, que fora enviada pelo Governador da Bahia, para realizar a prisão do inglês, bem como de todas as pessoas com ele relacionadas.

De acordo com LINDLEY, foi a partir deste dia que ele resolveu fazer o diário.

Por que o inglês foi preso, se ele desistiu do negócio?

Diria eu: o inglês foi preso por força da inveja, do desejo de vingança, por querelas entre um particular e as autoridades locais:   O  Ouvidor , que parece ter sido um mal pagador, devia  a algum comerciante  em Porto Seguro, e  este  credor  foi  até a capital da província, ou seja, em Salvador

Deveu-se minha prisão a informações prestadas por um morador de Pôrto Seguro, que fora à Bahia com este propósito, vingando-se da falta de pagamento de uma dívida do governador civil, a quem acusava de comerciar  em pau-brasil, declarando, ainda, que o brigue estava carregado desse artigo. Acusou também os dois filhos do governador bem como o capitão mor, de haverem realizado uma expedição que subira o Rio Grande, acompanhados de empregados, índios e outros homens, a fim de explorarem certa mina de diamantes que existia às suas margens, e terem regressado  com  apreciável quantidade de pedras preciosas. E, finalmente, acusou o governador de extorsão e de ser opressor de todas as pessoas a ele imediatamente subordinadas”( LINDLEY 1805;28)

Com esta denúncia Lindley e sua pobre mulher foram jogados às enxovias[2], juntamente com a sua tripulação, sendo encarcerados, também, os dois filhos do ouvidor (Gaspar José e Antônio Luís Dantas Coelho, o Capitão- Mor Mariano Conceição, Antônio José Maranhão dono de um armazém e funcionários subalternos.

Imaginem em que merda o inglês se meteu, levando junto a sua mulher, pobre coitada!

UM ano depois dessas prisões, também o Ouvidor Jose Dantas Coelho foi preso juntamente com outros envolvidos no caso que o Príncipe Regente, Dom João VI denominou “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro” ( Carta Régia enviada ao Governador da Bahia  em 1803.[3]

Bom foi assim que o LIndley e a sua esposa foram parar na cadeia, e vocês não queiram saber que tipo de cadeia era a da época.

A saga do inglês e da sua família, prosseguirá num próximo capítulo, lembrando que o inglês não comprou a madeira, não havia nenhum pau brasil na embarcação, mas, ainda assim foi preso e jogado na prisão juntamente com a sua esposa e sua tripulação.



[1] Deitar ferros – ancorar, jogar a âncora  

[2] Enxovias – parte subterrânea das prisões. Geralmente úmida e escura, que, outrora abrigava os presos por crimes graves ou de alta periculosidade.

[3] Carta Règia – documento com o qíliaal  o rei dirigia-se aos administradores contendo determinações gerais e permanentes. A correspondência é diretamente do rei aos administradores.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Thomas Lindley - Um contrabandista na Bahia

 

Conheci o Lindley em plena pandemia.

 Tenho aqui em casa um livro cujo título é “Na Bahia de Dom João VI. [1] e ., tardiamente, pois já o tenho aqui há algum tempo e o fui deixando-o de lado por força da obrigação de outras leituras, comecei a lê-lo. Bom, todavia, o fato é que peguei o livro achando que  ele seria uma descrição da Bahia  no  tempo de Dom João VI.

Só para lembrar, Dom João VI[2] é aquele rei que todos aqui conhecem de uma maneira caricata, por ser muito porco, lembrem do seriado da Rede Globo, lembrem de Dona Carlota Joaquina e, do mais importante, Dom Pedro I.    Eu prefiro lembrar de Dom João VI como o Rei de Portugal que, fugindo de Napoleão Bonaparte, veio com a sua corte para o Brasil em 1808,  estabelecendo-se no Rio de Janeiro,  promovendo um desenvolvimento nunca  antes visto;  logo de inicio abriu os portos às nações amigas, lembram disto nas aulas de história no primário?  Isto não nos esqueceram de dizer!  autorizou a instalação de manufaturas no pais, autorizou a construção de faculdades de medicina, bibliotecas, museus, tipografias  e o banco do Brasil, dentre outras coisas.  

Bom, mas não estou aqui para falar de Dom João VI, até gostaria muito, porque um Rei que fez tanta coisa pelo Brasil e ainda conseguiu enganar o Napoleão Bonaparte, que é o que dizem os seus historiadores, tem mesmo muto ainda que dar em termos  de conhecimento da nossa história e da história mais imbricada à nossa, que é a Portuguesa, [3]  então vamos ao nosso personagem: LINDLEY

Era um “comerciante com idade de 30 anos, casado, homem de boas letras e suas tinturas de sciencias e medicina” TAUNAY;1926:5) Seu nome completo era Thomas LIndley

Mas por que diabos este senhor veio parar no Brasil? Segundo TAUNAY:   No ano de 1795 a Inglaterra tomou o Ceilão e a Colônia do Cabo à Holanda, que passava por dificuldades decorrentes da revolução francesa. Para o Cabo então, segundo o mesmo autor, afluíram muitos comerciantes britânicos, dentre eles estava o nosso personagem, entretanto, em 1801 começaram os boatos de que haveria paz entre a França e a Inglaterra, o que levaria à devolução da praça aos antigos donos, ou seja, à Holanda. O medo tomou conta dos comerciantes e eles passaram a procurar por novos mercados, e foi aí então que começa a nossa aventura com o nosso Lindley.

Lindley escreveu em seu diário: “

Em consequência disto procuraram-se outros mercados sendo logo despachados navios para as Ilhas Mauricias, bem como para o Rio da prata e várias outras praças, em todos os quadrantes

Foi por esse tempo que participei, entre os amantes da aventura, do financiamento de um brigue[4] com destino a Santa Helena e outro mercado e assumi o encargo de dirigir pessoalmente a viagem. Velejamos do Cabo no dia 25 de fevereiro de 1802, aportando em Santa Helena em princípios de março. Nossa estada foi aí de três semanas, aproximadamente, alguns dias após a partida, enfrentamos forte vendaval, que avariou consideravelmente o brigue, obrigando-nos a arribar no porto mais próximo do Brasil. Chegamos à Bahia (ou São Salvador) pelos meados de abril. [5]

 

Pronto, eis como o Lindley veio parar aqui, vejam só, coincidentemente, como Cabral, por culpa de tormentas marítimas.

Segundo ele, nenhum navio estrangeiro podia comerciar neste porto, e é verdade, lembrem-se que só com a chegada de Dom João VI ao Brasil é que os portos foram abertos às nações amigas, o que não impedia  o forte contrabando, mesmo com todo o rigor da fiscalização que só permitia a entrada no porto de embarcações estrangeiras que tivessem avarias, observando-se todo o aparato que ele mesmo descreve no seu diário. Apesar de toda a fiscalização ele diz:

Não obstante todo este rigor aparente, era costume haver apreciável contrabando frequentemente praticado pelo próprio tenente e pelos demais funcionários nomeados para impedi-lo, ou por indivíduos com eles acumpliciados. Agora, porém, dá-se o contrário, as leis que só existiam, até então, pró-forma tem sido rigorosamente aplicadas, foram infligidas severas punições.... (. LINDLEY, 1805:24)

Terminado o serviço no brique, isto após 1 mês   de estada, Lindley saiu do Porto  da Baía de Todos os Santos, isto já em maio, pretendendo rumar para o Rio de Janeiro, onde ele iria vender as suas mercadorias, entretanto, e mais uma vez, o vento trabalhou contra ele,  o que aconteceu durante 5 dias, quando foi avistado um barco de pescador e Lindely descobriu que estava  em Porto Seguro,  e guiado pelo mestre do pesqueiro resolveu que iria  parar e esperar o tempo melhorar, todavia o que não estava nos planos aconteceu:” na entrada do porto o brique foi  de encontro  a uns recifes que lhe arrancaram o leme.”( LINDELY, 1805: 25)

Segundo o então ainda comerciante, ele e a sua tripulação tiveram uma boa acolhida: O “Governador da Província, ou Juiz  e o capitão -mor, ou capitão militar, receberam-nos aparentemente  com a maior hospitalidade, dando-me permissão para comerciar, encomendando para mim  um novo leme e dispensando-me todo o conforto que o lugar podia oferecer” LINDLEY, 1808;25

Assim quedou-se Lindley em Porto Seguro, vindo a conhecer a família Dantas Coelho, família à recém chegada de Lisboa, ou seja, o Juiz estava em Porto Seguro há dois anos. “Um dos filhos desse senhor, Sr. Gaspar despachava os negócios oficiais imediatos do pai, ao passo que outro, Antônio tinha  sido enviado ao Rio Grande, lugar situado nos confins da Capitania, a fim de superintender a arrecadação proveniente do corte de madeira nas proximidades do rio. (LINDLEY; 1808:26)

Conta-nos Lindley que, logo no dia seguinte à sua chegada que em conversa com o Sr Dantas Coelho e o seu filho Gaspar sobre os produtos da terra, foi informado da grande quantidade de madeira – pau brasil – existente e do alto valor desta mercadoria na Europa e do interesse demonstrado pelo Senhor Gaspar, notem bem, o filho do Juiz, em trocar uma partida dessa madeira  com as minhas mercadorias.  Lindley, de cara aceitou, embora não tivesse a certeza de que era permitida esta negociação, mas, segundo ele, como a proposta partiu do filho do governador na presença do próprio, aceitou[6].

A partir daí o inglês começou uma saga, que certamente não estava nos seus planos, mas todas as consequências desta relação com o Governador, seus filhos, o pau brasil, virá numa próxima publicação, para que os senhores leitores não se enfadonhem, porque a história é longa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] TAUNAY, Afonso de E.  Na Bahia de Dom João VI, Imprensa Oficial do Estado da Bahia, Bahia, 1928, Edição fac- smile2012

[2] O nome de Dom João VI era João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança. (penso que a Vera é descendente dele, pois não é que a danada também tem o apelido Rafael, penso que herdou o gosto pelo frango no churrasco.

[3] Ler Ronaldo Vainfas, Jorge Pedreira, Oliveira Lima, Laurentino Gomes, Pedro Calmon, Evaldo Cabral de Melo Neto dentre tantos outros.

[4] Brigue – tipo de embarcação à vela, com dois mastros com velas quadradas transversais, embarcação de menor porte, por essa razão, mais veloz (Wikipedia)

[5] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil, Londres, 1805. Brasiliana, Vol. 343, Direção de Américo Jacobina Lacombe, trad. Thomaz Newlands Neto, São Paulo, Cia Editora Nacional 1969 pág. 24

[6] LINDLEY, Thomas, ob cit, pg.25