Era só uma pintura dos muros do lado de fora da casa
Precisamos de:
2 latas de tinta;
40 lixas: 20 de 80 e 20de 120;
Uma lata de massa corrida;
Uma lata de massa acrílica.
- Sim doutora só isso.
- E a mão- de- obra?
O homem fica calado, faz conta mentalmente, depois de alguns minutos de dedos para lá, fala consigo próprio, movimentos de cabeça, olhares ao derredor:
- Vou botar quatro homens aqui dentro. Cada homem custa R$ 70,00 dia.
A mulher faz a conta, quatro homens a 70,00 por dia; terá de desembolsar 280,00 dia.
- Em quantos dias o senhor acaba o trabalho?
- Em quatro dias?
- Não, não meu senhor, isto tá muito caro, então vou pintar a parte exterior da casa e vou pagar R$ 1.120,00?
- É mesmo doutora, tá muito caro. Quanto a senhora paga?
- Não vou dar preço no seu trabalho, mas não posso concordar com este valor.
De novo o homem para, pensa, faz contas, olha mais uma vez o que terá de fazer.
- 850,00 e não se fala mais nisto.
Acerto acertado e o dia do começo dos trabalhos era o seguinte, quarta feira, com a promessa de que e em quatro dias tudo ficaria pronto.
Os trabalhadores chegam no dia seguinte: Um menino, que de tão pequeno foi apelidado de “pingo de gente”, um outro, que tinha certamente problemas chamado “Seu Jorge”, e um outro, que se achava o sabichão, de nome Ricardo. O quarto não apareceu, ao menos na quarta feira.
Os trabalhos começam e um primeiro aborrecimento: os trabalhadores são para lá de desorganizados, começam a fazer um trabalho aqui, depois mudam para acolá, esquecem o que estavam fazendo. Ela a tudo presencia, ainda calada, mas já com a vontade de “bater num deles”
A madeira do telhado é toda lixada, o pobre do “pingo de gente”, por ser menor e mais leve, é quem fica com a pior parte do trabalho. Ele tem de subir nos andaimes e lixar toda a madeira. O trabalho é feito no primeiro dia, não sem muito aborrecimento em razão da desorganização. Se o verniz cair no chão, tem de ser imediatamente removido para não grudar. Tudo isto se fala na teoria e todos concordam, mas o resultado pratico é uma merda, o chão é manchado de verniz.
Aborrecida, ajuda na limpeza do chão, latas de solvente são gastas com a operação. Os operários não têm pena.
Enquanto o “pingo de gente” e o “Seu Jorge” fazem o serviço de verniz, dois bodosos e lesos; são capazes de ficar olhando para você e enquanto isto o recipiente vira, cai no chão, o pincel pinga, enfim, uma baboseira, o Ricardo arma o andaime do lado de fora e começa a pintar os muros.
Na sexta feira, já se nota que o serviço não vai ser entregue no dia combinado e, talvez por isso, e também pelo madeira do telhado da varanda ter ficado tão bonito, um novo acerto é feito, mesmo correndo o risco de esganar um dos operários, eles são lerdos, não tem qualquer compaixão pelo material, desorganizados, sujos e mal educados.
Um novo acerto é feito, a casa merecia um tratamento rejuvenescedor total. Seria toda pintada, inclusive com a escada raspada e envernizada, tudo no valor total de R$ 1.500,00. Lisa de material: Duas latas de tinta, massa acrílica, mais lixas, muito mais lixas mesmo. Uma profusão delas.
Vai comprar o material, queria uma tinta linda, brilhosa, que deixasse a casa luminosa.
- Quero tinta para interior.
Foi fazer a compra com o irmão, um sujeito que tem a mão muito segura: - Você vai comprar esta por que? Esta daqui faz o mesmo efeito, e é uma tinta muito boa.
- Não rapaz, quero uma tinta boa mesmo.
Compra as tintas recomendadas pelo irmão, mas sabe que vai utilizá-la do lado de fora, porque dentro ela vai usar a que quer mesmo, 250,00 a lata.
Leva o material pedido.
- Doutora, a tinta está errada, eu pedi branco neve e esta é branco gelo.
- Puta que pariu, que droga, e agora? Você já abriu a lata, não vai poder trocar.
Procura a nota fiscal e pede a cunhada para ir até a loja, chega lá e explica o que aconteceu, claro que houve um começo de stress, porque a “mocinha” diz que não ia trocar sem a nota fiscal.
Um rapaz que esta dentro do balcão diz que isto não é problema porque a nota fiscal fica arquivada na memória do computador, pede o nome do comprador e verifica a nota, onde esta descriminada a compra efetivada: lixas 120, lixas 80, massa corrida, verniz, e duas latas de tinta branco neve... Erro da loja que fez a entrega errada, erro do comprador que não observou no momento em que a tinta foi colocada carro: uma era areia e a outra bege, nenhuma delas branca, seja neve ou gelo. Eles trocam uma das latas, a outra, que foi aberta também seria trocada, mas o “mestre” se antecipou e fez a troca, não se sabe como. Aproveita que foi com a cunhada e compra a tinta de R$250,00a lata, para pintar o interior, no que realmente acertou, porque a sala ficou mesmo muito bonita, ganhou uma luminosidade sensacional.
Tudo comprado, volta para casa. Material pedido todo entregue, a obra continua.
Os quartos estão precisando de retoque de uma nata de cimento, a parede rachou: fazem uma massa leve e aplicam-na, sujam os quartos todo. Ela, atenta, manda limpar. A limpeza não fica boa, ela espera que o serviço ali acabe e, à noite, sozinha, limpa tudo, passa não sei quantas vezes o pano, e agradece ter trazido de Portugal aquela ferramenta que todas as casas devia, ter: o esfregão de micro fibra. Os quartos dormem mais ou menos arrumados.
Dia seguinte, processo de lixagem dos lugares retocados. Uma poeirada danada. Depois uma camada de massa corrida. Secada a massa, nova lixada, sujeira pura, a casa fica coberta de poeira branca, ela tosse, o nariz coça, a boca esta seca.
Para que diabo inventou isto? Sabe que é necessário, mas já esta mesmo muito estressada. Não gosta de gente, quanto pior desconhecidos, porcos, que falam alto.
Bom, mas já tinha começado e ali não podia mais parar, no ponto em que as coisas estavam só indo pra frente, não ha mais como retroceder.
Tem de ir até a rua, e quando volta os “pseudo pintores” já fizeram estrago: derramaram verniz no chão de cerâmica ocre; não cobriram o chão e há muitas marcas de tinta branca na sala. Olha desesperada para aquilo, manda que limpem imediatamente. Eles pedem mais panos. Ela já pegou todos os panos disponíveis, mas não o suficiente para os pintores, que simplesmente, deixam os panos ficarem grudados, sujos, resultando que no dia seguinte não servem para nada.
- Onde esta o solvente? Tem de jogar aqui onde o verniz caiu.
- Acabou.
-Acabou? Vocês estão bebendo solvente, já lá se foram duas latas.
- Acabou sim.
Sai e vai comprar outra lata de solvente, traz a lata e manda que limpem o chão onde o verniz caiu. Serviço que foi feito, embora muito mal feito, o chão fica grudando, e ela tem de terminar o serviço lavando o local com sabão.
Está chegando no seu limite. Armam o andaime na parte de cima, quem continua responsável pela raspagem das madeiras e o envernizamento dela é o “pingo de gente” que descendo as escadas da casa, com uma escada de metal numa mão, e o recipiente de verniz na outra, deixa este ultimo cair: mais prejuízo, mas sujeira, mais grudação, mais aborrecimento, mais raiva, mais esforço físico para limpar tudo. A parede branca em baixo da escada está toda respingada de verniz, resultado: trabalho na hora de raspar para aplicar a tinta branca.
O dia acaba, o serviço não anda, parece estar estacionado.
Ricardo acaba a sala, que se mais bem pintada teria ficado muito mais linda.
Necessita-se de um eletricista para mudar as lâmpadas da cozinha: Aparece um tal de “grilo”. O grilo é um senhor que pensa ser um galã, é limpo, baixinho, tem um bigodinho branco que demonstra o seu passar pelos anos. Chega cheio de moral, dá a lista de material. Saem os dois; ela e o “grilo” para efetivar a compra. Ele vai de bicicleta, ela vai a pé: compram tudo, e a surpresa: A senhora leva o material porque eu vou ter de ir ali, daqui a pouco volto.
Ela ri, então ela ia aguentar levar aquilo tudo, mas, para sua surpresa, tudo é leve. Leva tudo para casa e começa a esperar o Sr. Grilo, com o andaime armado na cozinha. O desgraçado não aparece, e, o andaime tem de ser retirado.
O eletricista só volta no dia seguinte, e quando chega quer o andaime seja rearmado na cozinha. Ela diz que não vai mandar desarmar o andaime, que já estava do lado de fora, que agora ele vai fazer o serviço com uma escada. O homem não gosta da idéia, mas tem de admitir que ele foi errado, se tivesse voltado no dia anterior, como prometera, tudo já estava pronto.
O serviço é feito, e depois de longos doze meses, a cozinha volta a se iluminar. O serviço do “grilo” termina, foi tudo rápido, e ele recebe, por apenas uma ou uma hora e meia de trabalho, R$ 50,00, imagine se isto vira moda, um trabalhador não especializado, apenas um curioso, ganhando por hora quase 50 reais, o que equivaleria a 12.000,00 de salário mensal. Ela pensa: acho que vou me especializar em alguma coisa técnica e lembra do seu salário.
No dia seguinte aparece um outro “pintor”. É cheio de bossa, de moral, todo tirado. O nome é Alex, tem olhos azuis. Ela não gosta da aparência do homem, quanto pior por ser ele do lugarejo onde vive, melhor seria alguém de outro lugar.
O homem, no primeiro dia, faz o serviço do quarto quieto, calado, mas no dia seguinte já esta cheio de intimidades, tão cheio que a mulher vem bater na porta da casa para procurá-lo. Ela se aborrece, então alguém que não conhece vem bater na sua porta para procurar um desconhecido, que só estava ali por força de um trabalho. Chama o mestre de obra, e queixa-se, diz que não quer mais o cara ali na casa. Mais stress, mais aborrecimentos. Este também é muito bodoso, e não limpa o que suja, segundo os outros, ele diz que este trabalho não é para ele, que só faz pintar.
O dia acaba, ela já esta mais de que arrependida de ter começado a obra, mas não dá para parar no estagio em que a pintura está.
São os mesmos profissionais que aparecem no dia seguinte, portanto, mais sujeira, mais confusão, mais aborrecimentos. Livrou-se apenas de um, o Sr. Jorge, este não vai melar mais nada, mas ainda tem os outros dois, o Alex e o pingo de gente, r raspada.
Dá uma bronca em todo mundo, mas eles são cínicos, parecem não ligar, porque, ato contínuo, mais sujeira, mais derrame de material.
O homem dá uma parede por pintada, ela reclama, diz que não está boa, o mestre manda o cara pintar de novo, e ela ouve ele dizer “De novo”!
- Sim, de novo, você não fez o correto, a parede tá toda manchada.
O homem recomeça o trabalho zangado, ela também esta p. da vida.
Chega o sábado, dia em que tudo deveria estar terminado, mas isto não acontece, e o pessoal trabalha somente até o meio-dia, estão apressados porque querem receber o dinheiro da semana trabalhada.
A varanda de frente não esta acabada, e assim vai ficar até o final de semana, tem de esperar pela boa vontade do pessoal.
O que fazer? Temos de esperar a segunda feira, pois acreditem, os homens não aparecem para trabalhar, nem segunda e nem terça e tudo fica como está, a única coisa que não fica como está é a raiva da dona da obra que, se pudesse, com certeza colocava todos para fora, e se fosse ela dona de uma empresa, seria uma despedida coletiva por justa causa.
Um conselho: quando tiver de fazer uma pintura na casa, saia dela, contrate uma empresa e só volte quando a tudo estiver pronto, ainda que seja mais caro.