Lisboa |
Chego à Praça do Comércio e do Tejo observo o Arco da Rua
Augusta. Fenomenal, é lindo, não só lindo, passa para todos um sentimento de
poder, uma representação muito grande do poderio. A rua Augusto com as suas pedras portuguesas
que brilham tanto, penso sempre que por muito pisadas, esta apinhada de gente.
Não são portugueses, são turistas de muitos lugares, inclusive do Brasil,
aliás, muitos são mesmo brasileiros, o que me desperta para questionamento de como
vem assim aos montes, estando o Brasil a passar por tantas dificuldades económicas
e o euro alcançando a casa dos R$4.30. Não sei o que fazem para arrumar
dinheiro, eu só estou aqui porque pagaram a passagem e estou na casa da Vera, caso contrário
estaria lembrando de Portugal e chorando de saudades sem nada poder fazer.
Rio Tejo |
Farol em Cascais |
Enquanto aguardava o trem na estação de Oeiras vi um cidadão
que estava sentado com as pernas esticadas, ou seja, as pernas empatando as pessoas que estavam
passando, e o que era pior: se alguém tropeçasse nas pernas dele cairia direito
nos trilhos do trem. Um senhor idoso que
ia passado falou para o rapaz encolher as pernas, e o jovem simplesmente
destratou o velho que estava reclamando da coisa mais racional possível para um
ser humano normal. Fiquei observando a cena : o velho refilou muito, mas o jovem só tirou a perna
na hora que o comboio chegou. O pior disto é que no trem notei que o jovem era
português e não um turista.
Igreja de Fátima |
Ainda não fui a Belém, nem sei se irei, mas como aquele
sitio é tão vivo dentro de mim, e não só de mim, como dos portugueses e mui
particularmente, dos brasileiros em geral, vou declinar mesmo, entretanto, só a
lembrança de Belém me transporta para um
outro mundo, um outro tempo, aquele dos descobrimentos, e eu fico pensando como
seria a partida daqueles homens, que deixavam as suas esposas, mães, pais,
filhos, para se aventurarem em “mares antes nunca d´antes navegados[1]”.
Devia ser horrível para todos. O sentimento de pavor ao se pensar no não retorno
dos entes queridos devia ser uma tristeza imensa.
Por um momento lembro do diabo do Sr. Garcia Dávila, e até
rezo para que ele não me apareça aqui, mas não posso deixar de pensar que ele
era um homem muito do estranho; então será que ninguém chorou a sua partida?
Por que diabos ele não fala disto nas suas aparições? Não é possível que ele não tenha deixado ninguém
por aqui. Será que nem mesmo a senhora sua mãe se importou?
Fico pensando nisto e vou me encaminhando para o Cais do Sodré, porque estou voltando para
casa já, desisti de ficar em Lisboa, tá
uma confusão danada de gente para lá e para cá. Lembro-me que do comboio posso
ver a Torre de Belém nitidamente, é um belo passeio inclusive, ir de comboio do
Cais Sodré a Cascais, uma delícia mesmo. Meu pensamento continua no tempo dos
descobrimentos, pois dá uma vontade danada de chorar, parece que participei
daquela história e vi alguém parti para não mais voltar, um português bigodudo
que ia casar comigo, mas foi descobrir novas terras e cá deixou-me, o que me
faz vim todos os dias no cais para esperar o seu retorno. Dou risada com o pensamento
e percebo que estou reproduzindo, em mim, um pedaço da música que a Carminho canta. “Na beira do cais quem
me vê já me conhece, sou aquela que não esquece que é do mar que tu virás”; dou
risada sozinha, quase gargalho: Tá doida mulher! Penso comigo.
A Torre está bem nítida a meu lado e chego a ouvir os
suspiros de dor, os soluços abafados com lenços brancos, que acenam para aqueles que, sem olhar para
trás, para evitarem maior sofrimento ainda, e para também esconderem as
lágrimas, por terem de demonstrar a firmeza, a macheza dos homens portugueses, embarcam nas naus que estão a se preparar para
partir, e isto me leva, outra vez a Camões :
“A gente da cidade aquelle dia
(Huns por amigos, outros por parentes
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista, e descontentes,
E nós, com a virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solemne a Deos orando,
Para os batéis viemos caminhando.[2]
Em tão longo caminho, e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam
As mulheres com choro piedoso, Os homens com suspiros
que arrancavam,
Mãis, esposas, irmaõs, que o temeroso, Amor mais confia,
acrescentavam
A desesperação o frio medo
De já não nos tornar a ver tão cedo[3]
Já a vista pouco a pouco se desterra
Daquelles patrios montes que ficavam,
Ficava o charo Tejo e a fresca serra
De Cintra e nella os olhos se alongavam
Ficava-nos também na amada terra
O coração que as mágoas la deixavam
e já depois que toda se escondeo
Lágrimas escorrem por minha face, felizmente estou chegando em Oeiras.
Saio do comboio e, como uma mágica, todo este pensamento se esfuma e sigo para
a casa da Vera, como Camnões vou ver, ainda que por hoje, a Serra de Sintra.
[1] Canto
Primeiro I do LUSIADA de Camões. –
Lusiadas de Luis de Camoens, Tomo I, Lisboa, Typografia Lacerdina 1805 pg 1.
[2]
Idem, Canto IV LXXXVIII, pg.154
[3]
Ibdem Canto IV LXXXIX pg 155
[4] Ibdem, Canto Quinto III g.162,
OBS - A edição citada dos Lusíadas pertence ao acervo pessoal de Vera Correia.