A campanhia da porta toca. Ela deixa a porta do forno aberta e vai atender a porta:
Surpresa! "Você? A última pessoa que achei que apareceria aqui hoje."
Sai correndo, nem fala direito com ele, porque o forno esta aberto e o
pernil esperando para ser virado.
Vira a carne e volta para pedir
desculpas por não lhe ter cumprimentado direito, na verdade foi a surpresa que
não lhe deixou falar. O que ele estaria
fazendo ali em pleno São João? Não achou nenhum programa, por certo, então a última
opção: ela. Todavia, mesmo assim, se surpreende com a sua chegada, até porque,
imediatamente, lembra do ano anterior, quando em situação diversa, em lugar
distante, teve, a mesma companhia, como sempre bem partilhada, mas o certo é
que ele estava lá.
Ele já entra perguntando: - Cadê o
amendoim, milho, licor, não tem nada nesta casa?
Ela apenas responde: - não, não tem nada, não estou esperando niguém,
portanto nao comprei nada, o pernil é para meu irmão que pediu para fazer.
- Não é possível, tem algumas
pessoas que vem para cá, vou sair e comprar ao menos amendoim.
Sai para procurar o amendoim e de
repente volta com alguns sacos na mão.
Traz garrafas de vinho, ambos gostam e muito, e um coisa que eles também gostam
muito e que é uma tradição nas festas
juninas e natalinas, um queijo cuia, que ele, como sempre fez, vai abrir e
limpar a gordura com todo cuidado; esta era uma das suas obrigações quando
viviam juntos. Ele limpa cuidadosamenteo o queijo, coloca-o num prato e parte ao meio, parece a mesma rotina de sempre,
nada mudou pensa ela, que apenas ri e comenta: - Vocês, a qualquer momento, vão me colocar no
hospício, acho que to ficando maluca, ou melhor, vocês estão querendo colocar-me doida e estão
conseguindo.
Ele sai para comprar o amendoim e volta,não só com o amendoim, como também
com a cerveja. As cervejas de latinha que ela tem na geladeira não prestam para os seus amigos, quer dizer, os dele.
É como se estivesse em casa, abre o
freezer e vai tirando coisas do lugar para abrir espaço para a cerveja, arruma
tudo e, como de costume, diz que vai na rua ver os velhos amigos. Ela já conhece,
nem diz nada, já sabe que esta
ida a rua só acabará bem mais tarde. Não se importa mais, ri para si própria,
comenta: - Tudo igual, parece que o
tempo parou.É como se nada tivesse sido interrompido, mas já se passaram longos
sete ou oito anos.
Ela não sabe se está alegre ou triste, não consegue definir o que sente,
porque talvez nem sinta, já se acostumou com estas idas e vindas, estas
aparições inexplicáveis, que lhe deixam aflita, porque nas as entende.
Já pediu tantas vezes para que ele se afaste, mas ele parece não entender,
deve sentir prazer em deixá-la assim, ansiosa, aflita, despirocada. Ela não
gosta da situação, odeia não saber onde pisa, não gosta de campos minados, e
ele é um campo minado mesmo, ela nunca sabe o que pode acontecer, o que ele vai
fazer, qual é o próximo passo. Ele joga
bem, quer mantê-la ali, embora de uma outra maneira. Ela não entende e não quer
isto, é daquelas que gosta de estar
segura, tem pés no chão para muitas coisas, e
nas questões do relacionamento
mais ainda. Odeia não saber o que fazer, como agir, o que querem com ela. Não
gosta da incerteza, de não saber a pretensão do Outro.
Preferia estar sozinha, já está acostumada,
mas São João lhe quer pregar mais
uma peça e, mais uma vez, faz ele aparecer no seu dia. Quem será o mais
insensível, o santo ou o pecador? Será que ambos não notam que não fazem nenhum
bem para ela? O Santo está em débito para com ela: há alguns anos atrás, neste mesmo dia, lhe
tirou alguém com quem pensou que talvez pudesse ter uma vida diferente, calma,
tranquila, alguém que lhe reacendeu a
esperança de viver um grande e imenso amor,
tudo prometia e se encaminhava para isto, mas São João, surpreendetemente, não
permitiu que isto acontecesse e levou para junto de si a sua esperança,
deixando-a atonita, incredula, triste e solitária.
Depois, ainda possivelmente para resgastar
o mal praticado, leva para o outro lado, desta vez do Atlântico, ele que,
de uma maneira ou de outra, lhe fez muito feliz, afinal estava ali sozinha e vê
uma pessoa amiga; uma não, quatro, porque ele estava acompanhado dos próprios amigos, que terminam sendo
aceitos por ela. Passam juntos o dia, felizes relembram coisas, amigos, o próprio passado, enfim, se divertem
e ficam bem, mas nada além disto.
Agora, outra vez, no dia do santo ele apronta outra, e ele está aqui no seu portão, aliás, entrou porta dentro lhe tirando a paz,
fazendo esquentar o que ja estava há
muito tempo morno, quase frio.
Ela ainda pensa que ele está de passagem, que tá indo para algum lugar perto da sua casa e por isso mesmo passou
ali, mas não, ele volta, informa que vai ficar, que vai dormir. Ela continua sem entender nada,mas apronta a cama onde ele irá dormir, a que um
dia fora a “cama do casal”. Arruma tudo
e dorme na sua, a de sempre, a de solteiro. Vão para a rua, dançam, bebem, se divertem,
voltam e cada um para o seu leito. Sozinha ela pensa:
“ Meu Deus, que coisa mais sem
graça, esqusita , ele tá ali, mas ela não faz nada, apenas questiona São João: Por que mais esta
surpresa? Você não vê que eu não seguro esta onda? Você é um santo ou um filha da mãe? Qual o motivo que você tem para me sacanear
também? Você está me dando traques de
massa, coisas morninhas, sem perigo
aparente, e eu prefiro, mesmo correndo riscos, uma bomba, de preferência um
foguete, uma espada, até uma dinamite,
porque ela faz explodir, ou implodir
tudo, mas com resultados imediatos, que é o que me interessa agora, afinal já
não sou nenhuma menina, e ele, tampouco”.
Adormece e, no outro dia pela manhã,
pensa que tinha sonhado, mas percebe, perfeitamente, que não foi um sonho, ele
tá ali em carne e osso, e ainda lhe perguntando se ela quer andar.
Diz que não; não vai fazer isto consigo própria, não vai alimentar qualquer ilusão, não vai deliberadamente se
machucar, de maneira alguma, fica em casa curtindo a ressaca e tentando pensar
como agir, o que fazer, aquela proximidade por certo não lhe fará bem, ela já
sabe qual vai ser o final:ele saindo porta afora e ela sozinha. Ele entra no carro, bate a porta e vai para o
mundo onde vive e onde quer viver e estar, sem
a participação dela, que ficará, como sempre, só e questionando o santo
das fogueiras, que agora resolveu, na véspera do seu dia, fazê-la ferver, para
no dia seguinte lhe dar um banho gelado, fazendo com que ela volte à sua
realidade, que é a de estar só e esperar um próximo São João, para saber se vai tocar adrianino, traque de massa, ou
foguetes comemorando uma nova vida, quem sabe, não tão solitária e sem maiores
surpresas.