terça-feira, 17 de novembro de 2020

MÉDICO E PRISIONEIRO - LINDLEY NA PRISÃO

 

Realmente, sigo acompanhando as eleições dos Estados Unidos, pois fiquei muito surpresa com declaração do Sr. Biden, e até agora não percebo aonde ele quer chegar. Não posso deixar de concordar com o Presidente Bolsonaro no que diz respeito à Amazônia.  O que é isso, será que nos estamos aqui a mercê de um estadista americano, que nem se sabe se realmente será o Presidente  do pais mais poderoso do mundo, que acha que está em plena era colonial para querer intervir no território de outro país? Que diabo é isto? Em que tempos estamos?  Qual o interesse maior do Sr Biden na Amazônia?  Nossas riquezas ali? O nióbio? Enfim, qual o interesse Sr. Biden? Vai cuidar da sua terra, se você conseguir tomar posse, vá cuidar do seu país racista, vá tratar de humanizar a sua polícia, vá cuidar das grandes desigualdades sociais que existem nos Estados Unidos.

Pois, mas eu não queria falar de  zorra de eleição americana, quero mesmo é falar de LINDELY, o nosso contrabandista inglês, o contrabandista que não  fez qualquer contrabando, mas não posso deixar de fazer uma ligação entre  o inglês e  o que hoje está acontecendo  com a Amazônia:  o inglês veio  atrás de riquezas brasileiras, tanto que topou trocar as suas mercadorias pelo pau brasil, bem como  aceitou a amostra de “ouro” que lhe chegou às mãos através e um morador de Porto Seguro, o que não é muito diferente da atualidade, onde muitos estrangeiros se estabelecem na nossa floresta, negociam com indígenas, se  fantasiam de ONGS  com intuito de defender o verde, a natureza, os índios e a humanidade enfim, porque fazem questão de dizer que a floresta Amazônica é o pulmão do mundo, entretanto, o que eles na verdade querem é a riqueza que esta floresta  pode oferecer, seja com a sua flora seja com os seus minerais, todos sabem que existe  no solo daquela parte do pais  o nióbio, uma preciosidade para  os interesses  das grandes potencias controladoras da tecnologia .  Li que o nióbio  “é usado em ligas de aço para a produção de tubos condutores de fluidos, ele deixa o aço ainda mais resistente” e não só para isto, falam que até o acelerador de partículas  utiliza o nióbio em algum  dos seus componentes, não sei explicar isto, mas por este particular  vocês já podem  sentir a importância  deste elemento, que também é usado em turbinas de avião, carros, dutos de óleo e gás[1] . As maiores reservas de nióbio estão aqui no Brasil, segundo dados 98,4% e pode ser encontrado em Minas Gerais, Goiás, Amazonas.  Esta invasão de ONGS estrangeiras na Amazônia, bem como as interferências de outros governos, nos parece uma invasão da nossa soberania, o que efetivamente, não pode ser permitido.

Voltemos, entretanto, ao nosso inglês e à sua estória enquanto esteve aqui no Brasil, especificamente na Bahia, entre Salvador e Porto Seguro.

Um fato muito curioso em relação ao inglês é que ele, apesar de ser acusado de contrabandista, em muitas ocasiões, entretanto, ele era chamado para exercer a medicina, mesmo não sendo médico.

Segundo ele, isto aconteceu porque:

Quando o meu brigue aportou pela primeira vez em Pôrto Seguro, fui visitado pela quase totalidade dos moradores do local, ignorantes que pareciam macacos a espiar tudo. E mal deram com minha caixa de remédios, indagaram de quem era e julgaram, certa ou erradamente, que eu deveria ser médico, e sendo estrangeiro, sem dúvida médico famoso.” (LINDLEY 1805:44)[2]

Inglês sacana, olhe o desprezo com que ele fala da população: “macacos ignorantes” e quão se achava superior a todos, ao julgar que por ser estrangeiro, o médico tinha de ser famoso, mas deixemos para lá estes pormenores, para nos focar mesmo nessa missão que, querendo ou não, foi quase que imposta ao inglês, que continua descrevendo a sua então mais nova aptidão:

Antes de cair a noite, várias canoas encostaram no navio transportando doentes, estropiados, cegos, todos sofredores e pobres (segundo diziam), alguns suplicando pelo amor de Deus, outros implorando em nome de Maria, Nossa Senhora. Como logo estabeleci o sistema de gratuidade, eles jamais me permitiram acabar com aquilo, até que, visitando um pobre homem atacado de febre maligna, caí doente, e, por felicidade, perdi toda a clientela. (LINDLEY;1805;44)

Na verdade, o inglês teve razão em declarar a sua felicidade por deixar de “clinicar”. Imagine o desespero, gastar todo o seu material farmacêutico, trazido para as eventualidades da viagem, com pobres miseráveis que não tinham condição de pagar-lhe.

Todavia a trégua em relação a essa habilidade do Lindley foi mínima, porquanto já preso, encarcerado, vivendo o pão que o diabo amassou, como vocês verão nos próximos textos, ele era chamado para atender doentes:

Agora são os clientes de nôvo, numerosos como nunca, não obstante estar eu proibido de falar com qualquer pessoa. Cada sentinela sofre de algum mal, ou traz-me parente, vizinho, amigo enfermo, além de outras criaturas que tem permissão do comandante para este fim. Em resumo: multiplicaram-se tão rapidamente as consultas reduzindo o conteúdo da minha pobre caixa, que o Senhor Tomás**(nome que me dão), gostaria de nunca ter-se atribuído  o oficio de curar, ou pelo menos, havê-lo exercido de modo mais profissional, sendo bem pago pelos seus remédios(LINDLEY : 1805;44-45)

Efetivamente o homem tinha razão, ele que estava ali jogado às traças, sem dinheiro, preso, numa situação vexatória, ele com a sua mulher, poderia, ao menos, ganhar alguns trocados com esta habilidade que lhe fora atribuída pelos da terra.

Agora veja bem o contra senso. O homem era um criminoso, entretanto, era chamado para curar pessoas, o que não lhe deu qualquer regalia em relação ao lugar em que esteve aprisionado, seja em Porto Seguro, seja em Salvador, era convocado até mesmo pelas autoridades maiores:

O comandante pediu-me que fosse ver um doente, num vilarejo além da cidade. Lá segui eu, acompanhado de um soldado, e o paciente era o Sr. Rodrigues da Fonte, de quem eu já ouvira falar. Tinha ele na véspera sofrido um ataque de apoplexia; percebi que estava muito mal, com a respiração ofegante e difícil, o pulso fraco e irregular, por vezes parando de bater. A medicação tópica e interna que ousei aplicar não produziu o menor efeito, havendo a natureza perdido toda a sua força e energia (LINDLEY:1805 p. 45).

Não foram somente esses casos, muitos outros se sucederam e falaremos dele no decorrer das crônicas, entretanto, nesse caso específico, o cidadão faleceu, e Lindley fala das condições insalubres em que o paciente se encontrava, o que contribuía para a sua piora.

Estava o pobre homem num quarto fechado onde não penetrava o ar puro e a luz; apenas uma vela era mantida sobre sua cabeça, enquanto ele jazia imóvel numa grande cama, que ocupava um canto do aposento, a cabeceira e um lado encostados na parede. Entre esta e o doente havia um certo espaço onde sua mulher e outras criaturas do sexo feminino se acocoravam, passando por cima do corpo do homem, quando era preciso. Na parte superior da cama estavam colocadas diversas pequenas imagens, uma perna, um pé, um espadim e outras relíquias. Uma coroa de madeira trançada era sempre mantida suspensa sobre o pobre homem, e o conjunto formava a mais curiosa mistura de moléstia, estupidez e superstição. O aposento, cheio de parentes, visitas e criados, estava muitíssimo quente e abafado; senti-me feliz ao deixá-lo, pois, nas condições atuais do desgraçado, minha permanência ali não poderia ser de qualquer utilidade LINDELY:1805;45).

Deixemos, no entanto, de lado, temporariamente, esta habilidade imposta ao nosso inglês, e vamos ao local da prisão.

Lindley e sua esposa foram jogados no cárcere da Casa da Câmara e Prisão de Porto Seguro[3], nos subterrâneos da casa, segundo o seu relato, um lugar nojento, cheio de lixo, insalubre, e ali ele teve de ficar, até que que as autoridades resolvessem a sua situação.

Olhe bem como ele descreve o lugar que o deixaram juntamente com a sua esposa:

“...determinaram que embarcássemos, conduzindo-nos ao longo da praia e, depois, morro acima, até a prisão comum. Levaram-nos a um quarto no pavimento superior da cadeia, em cujo assoalho abriram um pequeno alçapão, arriaram uma escada e nos mandaram descer até certa profundidade (cerca de quarenta pés), o que fizemos, penetrando numa masmorra abaixo do nível do solo, da qual se exalava um fétido miserável. Estava inteiramente às escuras. Deus sabe quais os nossos sentimentos. (LINDLEY; 1805:36)

Agora pensem  como o inglês e a sua esposa se sentiram ali jogados, quanto pior, acusados de um crime que não cometeram, sem ter ainda qualquer oportunidade de defesa, sem julgamento  de qualquer juiz, por ordem apenas da Comissão que fora enviada da Bahia( Salvador) para a apuração do crime.

Imaginem o desespero da mulher do inglês, que continua descrevendo a vexatória situação em que se encontravam:

O guarda da prisão favoreceu-nos com uma luz, vimos então a nossa terrível situação! Em três cantos do aposento acumulavam-se montes de sujeira, lixo, cascas de laranja e legumes etc. tudo em estado de putrefação. O ouro canto tornara-se de uma repugnância horrível por causa dos vários e míseros ocupantes que a masmorra encerrara. E tôda ela parecia jamais ter sido limpa desde a sua construção. Quatro dos meus marinheiros haviam ai sido confinados durante os oito dias anteriores, e acabavam de ser removidos para o cárcere ao lado, para que fossemos admitidos. Um banco isolado e duas tábuas formavam uma cama e isso construía o único mobiliário da peça. (LINDLEY 1805;36-37)

Vejam bem a humilhação a que o Lindley e sua mulher foram submetidos.  Foram recolhidos a prisão comum, onde todo e qualquer marginal à época eram recolhidos, sem qualquer regalia, sem qualquer privilégio, sem quaisquer cuidados, seja com a própria condição humana, seja em relação a uma mulher está no meio de prisioneiros outros, sem qualquer privacidade.

O inglês realmente comeu o pão que o diabo amassou, e a sua saga continuará ao longo de muitos meses, e eu vos contarei em pequenos capítulos para que vocês não fiquem massacrados com a leitura.

 

 



[1] Revista Galileu, edição 330, janeiro /2019

[2] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil, Londres, 1805. Brasiliana, Vol. 343, Direção de Américo Jacobina Lacombe, trad. Thomaz Newlands Neto, São Paulo, Cia Editora Nacional 1969

[3] “As casas do Conselho (Câmara Municipal) e cadeia são de pedra e cal e muito suficientes. A Vila era cabeça de Comarca, nela havendo um Ouvidor, um juiz ordinário (presidente da Câmara), três vereadores e um procurador do Conselho, um capitão-mor de Ordenanças e um Vigário da Vara, Mas contava com poucos moradores. “o comum é serem pobres”. Luís dos Santos Vilhena, Recopilação de notícias metropolitanas e brasílicas, contidas em vinte cartas, edição anotada por H. Brás do Amaral, Salvador, 1922, Vol. II, p.547

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

PRISÃO DO INGLÊS -THOMAS LINDLEY - Capitulo II

 

Agora, em plena eleição “democrática”, tão democrática que temos a chance de ver “espíritos a votar”, volto ao Thomas Lindley e ao ano de 1802.

O Governador geral, naquela altura   Vice Rey, era o Fernando José de Portugal e Castro o Marquês de Aguiar – Vice rei e Capitao general de mar e terra do Brasil.

Lindley em Porto Seguro entra em contato direto com o Capitão Mor – Governador da Província, assim que ele chama, embora na verdade o homem fosse Ouvidor, Jose Dantas Coelho e com os seus filhos, aceita a proposta que lhe foi feita por Gaspar para trocar as suas mercadorias  por pau brasil. Ele aceita esclarecendo:

“à proposta pareceu-me tão vantajosa que não hesitei, exceto quanto à incerteza da permissão para exportar-se aquele produto. Mas como a oferta partia do próprio governador, considerei meramente nominal qualquer proibição que pudesse existir: assim, dissipadas todas as dúvidas concordei com a troca” LINDLEY 1805: 26)

Tudo acertado, artigos do brigue selecionados pelo filho do  Ouvidor em valor equivalente à carga de pau brasil que seria entregue ao nosso inglês, era só esperar o momento de seguir para pegar a mercadoria no Rio Grande.  Acontece que, uma semana após este acerto, é comunicado que o acordo não poderia ser cumprido porque Gaspar, talvez  por ter caído a ficha  declarou que :  “eles, os guardiões do  comércio, iriam  emprenhar-se em negócio ilícito”. LINDLEY  1805;26), caso o negocio fosse realizado.

Bom, mas o jeitinho brasileiro funcionou, àquela altura, o jeitinho português, e o Ouvidor e seu filho disseram ao inglês, que ele poderia arrumar esta mercadoria por outros meios,” e que não haveria qualquer embaraço ou posição da parte deles”, LINDLEY: 1805:26.

Vejam bem queridos leitores, olhe bem o que as autoridades, responsáveis pelo cumprimento da lei, disseram ao inglês: Não lhe vou criar qualquer embaraço.”   Ora, esta afirmação veio a calhar para as pretensões do inglês, que, na verdade, queria mesmo era obter lucro  e não hesitou em entrar de cabeça na empreitada, mesmo sabendo  da ilicitude do negócio.

Assim, o ainda comerciante inglês, já fez um negócio  ali mesmo em Porto Seguro, uma pequena quantidade a ser entregue em dez dias. Com o que ele não contava era com uma doença que lho infectou, pois “foi acometido de uma grave febre, que quase me vitimou” (LINDLEY;1805:26)

A doença do inglês não impediu que uma parte da madeira  estivesse pronta para ser entregue, e ele  deu esta informação ao Gaspar, o filho do Ouvidor, este, mais uma vez, sabendo  na merda que estaria se metendo,  falou com Lindley para que não recebesse tal mercadoria pois ele tinha” motivos secretos e  da mais imperiosa natureza para dar os seus conselhos”,( LINDLEY  18055:27.)

Este conselho fez LINDLEY desistir definitivamente do negócio, e fazer com que ele decidisse partir, assim  que o leme  da embarcação estivesse pronto, o que foi feito, embora, segundo ele, outros defeitos se apresentassem no brigue, o que levou a  deitar ferros[1] no Rio Caravelas logo  depois da sua partida, que ocorreu em  25 de junho  logo alcançado o Rio Caravela, porque  descobriu que a avaria era muito mais delicada do que ele  tinha pensando, e ali procurou  quem lhe  reparasse completamente a popa.

Grande azar o de Lindley, quando o brigue já estava quase reparado,  ele foi surpreendido, no dia 02 de julho, “com a visita de um oficial, acompanhado de alguns soldados que subiu a bordo munido de uma ordem de apreensão  do brigue, o qual deveria conduzir a Pôrto Seguro, sendo a tripulação enviada por terra ao mesmo lugar” (LINDLEY 1805:27.)

Não houve resistência por parte do inglês, e assim que o brigue ficou completamente pronto foi levado para Porto Seguro, onde  chegou a 11 de julho, onde já estava uma Comissão, que fora enviada pelo Governador da Bahia, para realizar a prisão do inglês, bem como de todas as pessoas com ele relacionadas.

De acordo com LINDLEY, foi a partir deste dia que ele resolveu fazer o diário.

Por que o inglês foi preso, se ele desistiu do negócio?

Diria eu: o inglês foi preso por força da inveja, do desejo de vingança, por querelas entre um particular e as autoridades locais:   O  Ouvidor , que parece ter sido um mal pagador, devia  a algum comerciante  em Porto Seguro, e  este  credor  foi  até a capital da província, ou seja, em Salvador

Deveu-se minha prisão a informações prestadas por um morador de Pôrto Seguro, que fora à Bahia com este propósito, vingando-se da falta de pagamento de uma dívida do governador civil, a quem acusava de comerciar  em pau-brasil, declarando, ainda, que o brigue estava carregado desse artigo. Acusou também os dois filhos do governador bem como o capitão mor, de haverem realizado uma expedição que subira o Rio Grande, acompanhados de empregados, índios e outros homens, a fim de explorarem certa mina de diamantes que existia às suas margens, e terem regressado  com  apreciável quantidade de pedras preciosas. E, finalmente, acusou o governador de extorsão e de ser opressor de todas as pessoas a ele imediatamente subordinadas”( LINDLEY 1805;28)

Com esta denúncia Lindley e sua pobre mulher foram jogados às enxovias[2], juntamente com a sua tripulação, sendo encarcerados, também, os dois filhos do ouvidor (Gaspar José e Antônio Luís Dantas Coelho, o Capitão- Mor Mariano Conceição, Antônio José Maranhão dono de um armazém e funcionários subalternos.

Imaginem em que merda o inglês se meteu, levando junto a sua mulher, pobre coitada!

UM ano depois dessas prisões, também o Ouvidor Jose Dantas Coelho foi preso juntamente com outros envolvidos no caso que o Príncipe Regente, Dom João VI denominou “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro” ( Carta Régia enviada ao Governador da Bahia  em 1803.[3]

Bom foi assim que o LIndley e a sua esposa foram parar na cadeia, e vocês não queiram saber que tipo de cadeia era a da época.

A saga do inglês e da sua família, prosseguirá num próximo capítulo, lembrando que o inglês não comprou a madeira, não havia nenhum pau brasil na embarcação, mas, ainda assim foi preso e jogado na prisão juntamente com a sua esposa e sua tripulação.



[1] Deitar ferros – ancorar, jogar a âncora  

[2] Enxovias – parte subterrânea das prisões. Geralmente úmida e escura, que, outrora abrigava os presos por crimes graves ou de alta periculosidade.

[3] Carta Règia – documento com o qíliaal  o rei dirigia-se aos administradores contendo determinações gerais e permanentes. A correspondência é diretamente do rei aos administradores.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Thomas Lindley - Um contrabandista na Bahia

 

Conheci o Lindley em plena pandemia.

 Tenho aqui em casa um livro cujo título é “Na Bahia de Dom João VI. [1] e ., tardiamente, pois já o tenho aqui há algum tempo e o fui deixando-o de lado por força da obrigação de outras leituras, comecei a lê-lo. Bom, todavia, o fato é que peguei o livro achando que  ele seria uma descrição da Bahia  no  tempo de Dom João VI.

Só para lembrar, Dom João VI[2] é aquele rei que todos aqui conhecem de uma maneira caricata, por ser muito porco, lembrem do seriado da Rede Globo, lembrem de Dona Carlota Joaquina e, do mais importante, Dom Pedro I.    Eu prefiro lembrar de Dom João VI como o Rei de Portugal que, fugindo de Napoleão Bonaparte, veio com a sua corte para o Brasil em 1808,  estabelecendo-se no Rio de Janeiro,  promovendo um desenvolvimento nunca  antes visto;  logo de inicio abriu os portos às nações amigas, lembram disto nas aulas de história no primário?  Isto não nos esqueceram de dizer!  autorizou a instalação de manufaturas no pais, autorizou a construção de faculdades de medicina, bibliotecas, museus, tipografias  e o banco do Brasil, dentre outras coisas.  

Bom, mas não estou aqui para falar de Dom João VI, até gostaria muito, porque um Rei que fez tanta coisa pelo Brasil e ainda conseguiu enganar o Napoleão Bonaparte, que é o que dizem os seus historiadores, tem mesmo muto ainda que dar em termos  de conhecimento da nossa história e da história mais imbricada à nossa, que é a Portuguesa, [3]  então vamos ao nosso personagem: LINDLEY

Era um “comerciante com idade de 30 anos, casado, homem de boas letras e suas tinturas de sciencias e medicina” TAUNAY;1926:5) Seu nome completo era Thomas LIndley

Mas por que diabos este senhor veio parar no Brasil? Segundo TAUNAY:   No ano de 1795 a Inglaterra tomou o Ceilão e a Colônia do Cabo à Holanda, que passava por dificuldades decorrentes da revolução francesa. Para o Cabo então, segundo o mesmo autor, afluíram muitos comerciantes britânicos, dentre eles estava o nosso personagem, entretanto, em 1801 começaram os boatos de que haveria paz entre a França e a Inglaterra, o que levaria à devolução da praça aos antigos donos, ou seja, à Holanda. O medo tomou conta dos comerciantes e eles passaram a procurar por novos mercados, e foi aí então que começa a nossa aventura com o nosso Lindley.

Lindley escreveu em seu diário: “

Em consequência disto procuraram-se outros mercados sendo logo despachados navios para as Ilhas Mauricias, bem como para o Rio da prata e várias outras praças, em todos os quadrantes

Foi por esse tempo que participei, entre os amantes da aventura, do financiamento de um brigue[4] com destino a Santa Helena e outro mercado e assumi o encargo de dirigir pessoalmente a viagem. Velejamos do Cabo no dia 25 de fevereiro de 1802, aportando em Santa Helena em princípios de março. Nossa estada foi aí de três semanas, aproximadamente, alguns dias após a partida, enfrentamos forte vendaval, que avariou consideravelmente o brigue, obrigando-nos a arribar no porto mais próximo do Brasil. Chegamos à Bahia (ou São Salvador) pelos meados de abril. [5]

 

Pronto, eis como o Lindley veio parar aqui, vejam só, coincidentemente, como Cabral, por culpa de tormentas marítimas.

Segundo ele, nenhum navio estrangeiro podia comerciar neste porto, e é verdade, lembrem-se que só com a chegada de Dom João VI ao Brasil é que os portos foram abertos às nações amigas, o que não impedia  o forte contrabando, mesmo com todo o rigor da fiscalização que só permitia a entrada no porto de embarcações estrangeiras que tivessem avarias, observando-se todo o aparato que ele mesmo descreve no seu diário. Apesar de toda a fiscalização ele diz:

Não obstante todo este rigor aparente, era costume haver apreciável contrabando frequentemente praticado pelo próprio tenente e pelos demais funcionários nomeados para impedi-lo, ou por indivíduos com eles acumpliciados. Agora, porém, dá-se o contrário, as leis que só existiam, até então, pró-forma tem sido rigorosamente aplicadas, foram infligidas severas punições.... (. LINDLEY, 1805:24)

Terminado o serviço no brique, isto após 1 mês   de estada, Lindley saiu do Porto  da Baía de Todos os Santos, isto já em maio, pretendendo rumar para o Rio de Janeiro, onde ele iria vender as suas mercadorias, entretanto, e mais uma vez, o vento trabalhou contra ele,  o que aconteceu durante 5 dias, quando foi avistado um barco de pescador e Lindely descobriu que estava  em Porto Seguro,  e guiado pelo mestre do pesqueiro resolveu que iria  parar e esperar o tempo melhorar, todavia o que não estava nos planos aconteceu:” na entrada do porto o brique foi  de encontro  a uns recifes que lhe arrancaram o leme.”( LINDELY, 1805: 25)

Segundo o então ainda comerciante, ele e a sua tripulação tiveram uma boa acolhida: O “Governador da Província, ou Juiz  e o capitão -mor, ou capitão militar, receberam-nos aparentemente  com a maior hospitalidade, dando-me permissão para comerciar, encomendando para mim  um novo leme e dispensando-me todo o conforto que o lugar podia oferecer” LINDLEY, 1808;25

Assim quedou-se Lindley em Porto Seguro, vindo a conhecer a família Dantas Coelho, família à recém chegada de Lisboa, ou seja, o Juiz estava em Porto Seguro há dois anos. “Um dos filhos desse senhor, Sr. Gaspar despachava os negócios oficiais imediatos do pai, ao passo que outro, Antônio tinha  sido enviado ao Rio Grande, lugar situado nos confins da Capitania, a fim de superintender a arrecadação proveniente do corte de madeira nas proximidades do rio. (LINDLEY; 1808:26)

Conta-nos Lindley que, logo no dia seguinte à sua chegada que em conversa com o Sr Dantas Coelho e o seu filho Gaspar sobre os produtos da terra, foi informado da grande quantidade de madeira – pau brasil – existente e do alto valor desta mercadoria na Europa e do interesse demonstrado pelo Senhor Gaspar, notem bem, o filho do Juiz, em trocar uma partida dessa madeira  com as minhas mercadorias.  Lindley, de cara aceitou, embora não tivesse a certeza de que era permitida esta negociação, mas, segundo ele, como a proposta partiu do filho do governador na presença do próprio, aceitou[6].

A partir daí o inglês começou uma saga, que certamente não estava nos seus planos, mas todas as consequências desta relação com o Governador, seus filhos, o pau brasil, virá numa próxima publicação, para que os senhores leitores não se enfadonhem, porque a história é longa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] TAUNAY, Afonso de E.  Na Bahia de Dom João VI, Imprensa Oficial do Estado da Bahia, Bahia, 1928, Edição fac- smile2012

[2] O nome de Dom João VI era João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança. (penso que a Vera é descendente dele, pois não é que a danada também tem o apelido Rafael, penso que herdou o gosto pelo frango no churrasco.

[3] Ler Ronaldo Vainfas, Jorge Pedreira, Oliveira Lima, Laurentino Gomes, Pedro Calmon, Evaldo Cabral de Melo Neto dentre tantos outros.

[4] Brigue – tipo de embarcação à vela, com dois mastros com velas quadradas transversais, embarcação de menor porte, por essa razão, mais veloz (Wikipedia)

[5] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil, Londres, 1805. Brasiliana, Vol. 343, Direção de Américo Jacobina Lacombe, trad. Thomaz Newlands Neto, São Paulo, Cia Editora Nacional 1969 pág. 24

[6] LINDLEY, Thomas, ob cit, pg.25