Depois do
cozido, e após algumas bagaceiras(aguardante portuguesa), sairia
andando pelas ruas de Lisboa. Talvez fosse para o lado de Alfama, quem sabe iria ao Bairro Alto, Santa Catarina, Estrela, tinha ainda a opção de seguir andando até o Cais do Sodré e de lá, dependendo do tempo, pegar um comboio e ir até Cascais olhar o mar. Sim, faria isto mesmo.
andando pelas ruas de Lisboa. Talvez fosse para o lado de Alfama, quem sabe iria ao Bairro Alto, Santa Catarina, Estrela, tinha ainda a opção de seguir andando até o Cais do Sodré e de lá, dependendo do tempo, pegar um comboio e ir até Cascais olhar o mar. Sim, faria isto mesmo.
Espreguiçando-se,
tentando esticar ao máximo o corpo que
amanhecera bem encolhido, deve ter tido algum sonho que a fez tremer, ou então
havia feito frio à noite, o certo é que
amanheceu toda encolhidinha.
A chuva
engrossara, o ruído era mais forte agora,
mas ela continuava no firme próposito de fazer o que planejara, mas sair da cama com aquela
zoadinha da chuva e o aconhego do quarto estava dificl. Olha o relogio e
levanta de sobressalto: 11 horas da manhã! Metade dos seus planos por água à baixo, agora teria de se apressar,
porque a camioneta a (7) passaria as
11:30 e se perdesse esta teria de pegar a (13) e quase uma hora para chegar no
centro de Lisboa.
Levantou-se
de um salto, resultado: quase quebra a cara, porque dormira no chão da sala,
literalmente no chão, deve ter pego no sono vendo algum programa de televisão
e pronto, a noite inteira no chão, em
cima, apenas de uma toalha, portanto o
corpo se apresentava dolorido pela dureza do chão. O pescoço doia
porque dormira com as almofadas, ao invés do travesseiro.
Que droga!
Brada ela, notando que todos os seus
planos anteriores estavam em um sonho, que
como todo sonho, se desfez. Quase chora ao ver a realidade que a
esperava naquele dia, igual a tantos
outros, com apenas uma diferença, estava um dia mais velha e não gostava nada
disto, a velhice chegara, inevitavelmente, mas não estava fácil aceitar as
rugas, as limitações, as taxas altas a cada exame.
Decidiu,
entretanto, que daria asas a sua imaginação e continuaria, acordada, o
sonho que tivera com a sua amada Lisboa,
e pôs-se a recordar de pessoas, lugares, cheiros, gostos. Colocou o disco da
Carminho e ouviu “Bom dia amor, dizem as rosas da janela ao ver o sol nascer”.
A música lhe alegrou, lembrou mesmo dos bons dias que dava ao tempo, sim ao
tempo, ao acordar e abrir o store do quarto da casa onde vivia em Carnaxide e
olhar, ao longe, mas completamente identificável o Tejo, ja se esvaindo no oceano. De sua janela via o marco
divisório de onde um termina e o outro começa. Tejo e Oceano Atlântico, águas
que marcaram, por longos oito anos, a sua vida. O Tejo dono da sua intimidade,
conselheiro amigo sempre atento e disposto a ajudar e dissipar as suas dúvidas,
aflições, tristezas. O Atlântico povoando os seus sonhos, estabelecendo
ligações, não deixando que as suas origens fossem esquecidas. Ela era de lá, de
onde o olho não podia alcançar, sim, de lá do outro lado do Atlântico, e mais
uma vez Carminho lhe faz recordar de tantos momentos bons passados ali, numa
solidão que ela gostava de ter e sentir, solidão que só dividia, exatamente,
com o Tejo e com o Atlântico. “O Sal das
minhas lágrimas de amor criou o mar que
existe entre nos dois para nos unir e separar[...] [..] meu bem sempre que ouvires um lamento crescer desolador na
voz do vento,sou eu em solidão pensando
em ti, chorando todo o tempo que perdi[..]”
A música é linda, a história de amor envolvente, e a saudade era a dela,
embora em ordem invertida e o ocenao
marcando a separação. Sim, a música da Carminho vai tomando conta de si, entrando
pelos poros e ela se vê à frente do Tejo, bem ali onde ele caminha mais rápido
para encontrar o seu amigo que o levará para outras paragens, onde ele se
mistura com outras águas para encontrar
o o mundo, conhecer lugares, revigorar terras, presenciar amores, consolar desamores e dissabores.
Lágrimas salgadas correm pelo seu rosto, ela não está triste,
está apenas saudosa, mas sabe,
perfeitamente, que esta saudade jamais terá cura, pois sempre, sempre mesmo, ainda
que alguns digam que nunca se deve dizer nunca e nem sempre, ela sentirá. O
Tejo lhe faz muita falta, e não só ele,
Lisboa com as suas
peculiaridades, tantos as boas quantos as ruins. Viveu uma liberdade naquela cidade que sabe
jamais retornará.
Limpa o
rosto e continua lembrando de detalhes:
Zara, Rua Augusta, Chiado, Fenac, El Corte inglês. Ajuda, Belém, Algés,
Carnaxide, Queluz. Sintra, Paço Darcos, Caxias, Carcavelos, Oeiras, Estoril,
Cascais.Mercado da Ribeira, tantos lugares, tantas sensações, tantas
descobertas. Como era bom sentir o trem ir parando no final da linha em Cascais, onde ela ja chegava feliz pelo que vinha vendo desde o Cais do Sodre, de
onde o comboio partia com destino a esta elegante e charmosa vila. Lembra da Vera a lhe dizer que a Zara lhe devia contratar como garota propaganda
Carminho lhe traz de volta à Lisboa, “ Lisboa
se amas o Tejo, como não amas ninguém, perdoa num longo beijo os caprichos que
ele tem, faço isto ao meu amor, quando aparece zangado[...) tu também és
rapariga, tu também es cantadeira, vale mais uma cantiga,cantada à sua
maneira”. Gosta da alusão que a letra
faz quando diz que o Tejo de dia veste o pijama do sol. Se vê sentada
no paredão do Cais Sodré, sozinha no meio de tantos, olhando
o Tejo e o outro lado dele, Cacilhas. O seu olhar se perde e com ele todas as dores do
dia, do tempo, da vida. Sim, o Tejo era assim para ela, uma mirada, e o brilho
do seu olhar retornava, e com ele a esperança do dia seguinte melhor com
grandes e agradáveis surpresas.
Pois é, vai ficar por aqui, porque a saudade é mesmo imensa e, no mais, como na
múscia, do resto sabe ela.