domingo, 11 de abril de 2010

Casa com rodinhas


Quando era pequena e morava no interior, Camaçari- que era mesmo, à época, interior, a minha família tinha uma casa nos padrões do que se pode entender por uma boa casa: sala de visitas com duas portas laterais que davam para o nosso quintal-pomar, dois quartos grandes com janelas que também davam para o quintal, sala de jantar, que embora tivesse este nome e tudo o que deve estar numa sala de jantar, era muito pouco usada, porque quase nunca tínhamos o que jantar; uma copa, uma cozinha com fogão a lenha; um “quartinho”, era assim que os sanitários eram conhecidos, que ficava do lado de fora da casa, certamente para separar do corpo da casa o local em que a indignidade da satisfação das nossas necessidades fisiológicas ficasse bem afastado, como se contaminassem os outros cômodos, todavia depois de algum tempo minha mãe tenha conseguido reunir os órgãos que compunham o corpo da casa trazendo o “quartinho” para o interior, fazendo-o, entretanto, da pior maneira possível, porque o colocou junto da copa-cozinha, certamente para que o percurso da “mesa” para o “vaso” ficasse menor, embora isto funcionasse muito pouco lá em casa devido, exatamente, à falta de conteúdo na mesa para abastecer o vaso.
Com fome ou não, adorava a minha casa e a pouca liberdade que tinha nela, digo pouca liberdade porque, ao contrário das demais crianças da redondeza, que podiam pular, cantar, jogar gude, pular macaco, jogar capitão, subir em árvores a qualquer hora do dia, comer frutas verdes, eu trabalhava na casa para ajudar a minha mãe, que dava aulas durante todo o dia para conseguir botar o mínimo necessário para a nossa sobrevivência à mesa, quero dizer, cadeira, porque a porção adequava-se mais a este móvel.
O fato é que, apesar de tudo isto, eu realmente amava a minha casa, porque nos poucos momentos de alforria que me eram concedidos, conseguia fazer o que qualquer criança entre 7 a 10 anos fazia.
Um dia, entretanto, internaram-me em um colégio de freiras, de onde saí aos 14 anos. Minha mãe, que muitas vezes me deixou passar as férias na própria escola, me foi buscar. Fui levada para uma casa, que minha mãe, talvez para diminuir o impacto que ela sabia isto teria sobre mim, disse-me que era de uma amiga.
Tristeza! Quando entrei naquilo que chamavam de casa, que eu não tenho coragem de descrever, reconheci nossos móveis, agora amontoados, uma coisa em cima da outra, porque não havia espaço. O cubículo chamado de sala estava tão cheio de nossas coisas, que quase não podíamos nos mexer, ganhei muitas manchas roxas por conta disto.
O quarto, que diziam ser dois, quando na verdade era um espaço dividido em dois por uma cortina de pano, como se ela fosse capaz de separar a intimidade do casal(meus pais) da desintimidade dos filhos tinha dois beliches e para que entrássemos nele tínhamos de passar pelo quarto do casal, que coube, tão somente a cama grande encostada no guarda-roupa, que por sua vez não abria.
A cozinha tinha até uma cama de solteiro armada e não tínhamos geladeira. O banheiro voltou a ser um “quartinho” do lado de fora da casa, com um vaso branco e uma torneira diretamente do tanque, um buraco grande que chamavam de esgoto, mas que ao invés de sugar a água, expelia baratas. Um prego grande enferrujado na parede completava o cenário e servia para que os pedaços recortados de jornais ficassem pendurados, para servirem nos momentos necessários. Acho que por isto gosto tanto de ler, de uma maneira ou de outra, fiquei letrada usando tais recortes em todas as suas utilidades.
Chorei, chorei muito, embora isto não resolvesse nada e fiquei pensando porque as casas não tinham rodinhas para que pudéssemos transportá-las para onde quiséssemos? Este pensamento sempre esteve presente e hoje, embora já tivesse visto isto num programa da Tv. americana, vi uma casa de madeira sendo transportada aqui no Brasil, não lembro em que estado, penso que em Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, então revivi aquele péssimo momento em que a minha família me dava uma casa que não era a minha, uma casa sem qualquer identidade, uma casa não casa, que me fazia dormir e acordar com o sonho de colocar rodinhas na minha CASA de Camaçari.

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