De repente, os seus encontram
olhos diferentes dos que já havia visto
naquelas paragens. Sim, era um novo olhar, penetrante, ousado, sensual. Ela não
conseguiu desviar os seus olhos, ficou ali meio paralisada olhando fixamente
para aqueles olhos que nem piscavam, mas ela conseguiu sair dali, deu as costas e voltou para o salão de
danças onde estava, entretanto, sabia
que aquele olhar ia segui-la,
então resolveu que o melhor seria ir embora. Dirigiu-se para o maleteiro, mas, ai já era
tarde, o olhar estava de frente para si,
e a atração dele era tão forte que ela não conseguiu desviar
nem mesmo o seu corpo do do dono daquele olhar, que, num gesto a chamou para dançar. Ela, a principio, disse
que não, mas a sua mão já estava sendo guiada para a pista de dança. Não se lembra da música, mas era uma música
lenta e, ao que parecia, o dono do olhar não tinha o mesmo domínio do olhar
nos pés, lhe deu algumas pisadas nos apenas três minutos que dançaram, todavia, nos poucos três minutos, ela pode sentir que a
mão era forte, o corpo musculoso, e que o cidadão estava visivelmente nervoso.
Ele mesmo, que tinha feito o
convite para uma dança, agora desistia dela tremendo, e lhe disse: “Eu não sei
dançar, só lhe chamei porque percebi que ias embora e eu não poderia deixar que isto acontecesse.”
Ela sorriu e saiu da pista em direção ao
maleteiro.
“Posso lhe pagar uma bebida?”
“Não, já estou indo embora”,
respondeu sem sequer levantar os olhos, pois sabia que, se o fizesse, iria ficar
ali, tomar a bebida, conversar, rodopiar pelo salão mesmo com os pés pisados; pressentia
que aquela companhia lhe faria bem.
“Vá lá, é só uma bebida!”
Lá se foram os dois para o balcão do
improvisado bar que era armado nos dias de bailes.
“O que bebes?”
“O que você estava bebendo”?
“Uma imperial, mas notei que bebes whisky “
“É verdade, prefiro beber whisky”
Whisky servido e ele a convida
para sentar em uma das mesas do hall. Ela o segue sem falar nada.
Sentam-se e ela pergunta: “É a
primeira vez que você em aqui não é?”
“Sim, sim, é a primeira vez: vim
a Lisboa para encontrar uns amigos para a nossa comemoração anual natalina, e
como vai ser mais tarde, resolvi dar uma
andada para ver Lisboa e, de repente, passando
aqui pelo Cais Sodré, ouvi o som
da música e seguindo-o vim parar aqui.”
“É, notei que você nunca tinha vindo aqui antes, aqui as pessoas são quase
sempre as mesmas, e quando aparece uma cara diferente a gente nota.”
Um silêncio, e ele comenta: “Vi a si logo que entrei, estavas a dançar com uma menina, fiquei parado olhando por
algum tempo a sincronização dos passos e
gestos das duas.”
“Foi mesmo? Não notei.
Danço com ela sempre que venho aqui, ela gosta de dançar, dança bem, mas
parece que tem algum problema mental e
fica dançando sozinha; quando estou por perto ela sempre vem dançar
comigo e eu dou algumas rodadas com ela,
mas tenho de sair logo porque, caso contrário, ela se gruda em mim e eu tenho
de ficar todo o tempo ali, bem perto do palco e dos pais dela dançando”.
“Ah, ela não é sua filha? Achei
que era, embora sem entender como uma pessoa tão bonita podia ser mãe de uma menina tão diferente de si, e casada com um pessoa
tão estranha como o homem que estava por perto”
‘Kkkkkkkkkkkkk”! Ela não conteve
o riso, realmente, só um estranho
poderia ter uma ideia desta, não que não pudesse ter uma filha, mas ser
casada com o pai daquela menina era demais para ela, o homem pequeno, feio, mal
vestido, com cara de cigano, enfim, nunca
passaria pela sua cabeça tamanha temeridade.
Ele sorria, enquanto ela
gargalhava sem conseguir controlar-se. O
copo dele estava vazio e ele perguntou-lhe se queria beber mais, ela disse que
não, que iria embora, mas ele a convidou para tomar um copo em outro lugar. Ela
foi pegar as suas coisas e ambos saíram da Ribeira como se já se conhecessem há
anos, sorrindo, conversando, alegres.
Era um sábado pela tarde, Lisboa,
taciturna no seu inverno, estava toda
nublada, as pessoas agasalhadas passavam
por eles que caminhavam pelas ruas sem qualquer destino, apenas andavam. De repente ambos pararam, ali
na Praça do Paço Municipal, e sem nada dizerem um ao
outro estavam se olhando fixamente e o inevitável aconteceu; os dois estavam em plena praça beijando-se loucamente.
Aquilo era meio inusitado para
ela, mas ela não conseguia afastar-se dele, que mostrava toda a sua voracidade nos lábios úmidos que se
agigantaram quando encontraram os seus. Sim aquele homem sabia beijar, e estava
despertando nela reações há muito adormecidas.
Rua das Portas de Santo Antão-Lisboa |
Tomaram uma garrafa de vinho, e
foi assim que conheceu o "Cartuxa", vinho que recomenda a todos, até ao mais exigente enólogo.
A demora fez com que eles
desistissem do jantar e pagaram o vinho
e saíram dali, para se abancarem em outro restaurante, um mais moderno, logo depois do Valentino ali nos Restauradores. Beberam mais duas
garrafas de vinho e já estavam bem altos quando dali saíram e ela, visivelmente embriagada, lhe disse que iria
embora, que pegaria um táxi para ir para
casa, Ele, talvez achando que ia ser
convidado para acompanha-la, ficou
olhando-a, e ela concluiu: e você
vai encontrar seus amigos para a
comemoração.
Despediram-se, mas ela tinha certeza que aquilo não acabaria ali, como não acabou. Passaram-se muitos anos, desencontros, encontros, reencontros, para tudo terminar em uma tarde de domingo, há milhares de distância de Lisboa, em uma fria estação de trem em Hamburgo na Alemanha, quando ele virou-se de costa para si e entrou no trem enxugando uma lagrima que tentou esconder..
Agora restam as lembranças e a música de Calcanhoto: " Você entrou no trem, e eu na estação, vendo o ceu fugir, também não dava mais para ...."
Felicidade, é o que ela deseja-lhe, que tudo que ele conseguiu lhe proporcionar lhe seja dado em dobro, e que, com quem estiver e onde estiver, receba muito amor.
Agora restam as lembranças e a música de Calcanhoto: " Você entrou no trem, e eu na estação, vendo o ceu fugir, também não dava mais para ...."
Felicidade, é o que ela deseja-lhe, que tudo que ele conseguiu lhe proporcionar lhe seja dado em dobro, e que, com quem estiver e onde estiver, receba muito amor.