sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Garcia D´Ávila IV

Agora eu estava realmente preocupada: Então este homem ia aparecer aqui em casa a qualquer hora?  Pensei em muitas situações: Já pensou eu no banheiro tomando banho com a plateia olhando! E fazendo as minhas necessidades? E se eu arrumasse um namorado e tivesse  numa hora de intimidade, aí ia mesmo ser uma droga. Ah seu Garcia, por favor, desapareça!
O pensamento racional era este, desapareça o Garcia D´Ávila, mas, no íntimo o que eu queria, com todo o medo possível, era que ele me contasse toda a sua história mesmo, não só a dele, mas dos seus pares na época e de seus descendentes . A minha curiosidade  ia além do meu receio de tantas e tantas coisas que poderiam ocorrer, inclusive a de ser tachada de louca pelos meus vizinhos  quando  me ouvissem falando sozinha.
Eu estava sempre em sobressalto agora, acordava todos os dias pensando na possibilidade do Sr da Torre aparecer: tomava banho correndo, trocava de roupa agoniada, realmente preocupada com o que poderia acontecer se aquele garanhão me pegasse em uma situação favorável aos seus desejos sexuais. Já me via em momentos de Dona Flor e seus dois maridos.
Todavia, apesar de todas as preocupações, eu queria  continuar conversando  com ele, entretanto ele sumiu, passaram-se uns três meses sem que ele aparecesse. Evitei de ir no Castelo e depois de tanto tempo relaxei, parecia que o  Sr da Torre me esquecera.
Apesar disto eu continuava a ler sobre ele e seus descendentes.
Me enganei, ele não me esqueceu, muito pelo contrário, quando apareceu depois destes três meses, disse-me que todos os dias vinha aqui em casa, que ficava quieto escondido, pois queria saber da minha vida, dos meus hábitos, de como  eu sobrevivia, enfim, ele estava me vigiando.
Bom, fazer o que não é, já que ele apareceu, e eu cheia de curiosidade sobre a vida daquele homem, perguntei:
Igreja de Monte Serrat atualmente
Sr Garcia, tenho uma curiosidade, veja se podes me explicar: Qual o motivo do Sr. Construir a Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat?
Vista  da Baía de Todos os Santos da Ponta de Humaitá
- Sabes disto!  O Thomé de Souza ordenou-me a construção de um Igreja em Itapagipe. Conheces aquele sitio?
- Sim, senhor! Até morei lá em um período da minha vida.
- O que! Morastes lá? Tu invades as minhas terras sempre, não sei porque não faço nada contigo, porque moras na minha terra, aqui em Arembepe, pois estes terrenos são meus, até lá para as bandas de Sergipe Del Rey, tudo é meu, não pagas foro, e agora me diz que já morou  Itapagipe!
- É difícil explicar, mas se alguém tinha de te pagar foro, este alguém deveria ser o meu pai, seu xará.
-Xará, o que é isto, o que significa este nome?
- Significa que o meu pai também é Garcia, não D´Ávila, mas Martinez Garcia?
- Martinez Garcia, de onde ele veio, este nome é ibérico.
-Sim senhor, meu pai era espanhol. Bom, mas isto não tem a menor importância, mas me fale da Igreja.
  -Como sabes eu recebi uma sesmaria em Tapagipe, e foi lá que comecei a criação de gado, com as duas vacas que recebi do Governo, mas eu não fiquei somente nisto, porque comecei a visualizar o futuro. Os colonos precisavam de casas e precisavam de material para construí-las, então resolvi fazer olarias para vender tijolos para a construção, deu tudo certo, e fiz mais de três lá em Tapagipe[1]. Mas o Governo precisava de mais proteção para as naus e para proteger a própria entrada da baía, então tivemos de construir um forte.
- O forte de Monte Serrat
-Não, não foi este o nome dado a ele.
E qual foi então?
-São Felipe
E a Igreja, como ela surgiu?
- Á Igreja .
-Mandei construir e depois doei aos beneditinos.
- Dizem que não foi o senhor que construiu a igreja e que também não foi o senhor quem doou a Capela aos beneditinos, e sim um Governador de nome Francisco de Souza.
- Quem disse isto? então no meu testamento em 1609 eu fiz a doação aos beneditinos, como forma de recompensa, no acordo que fizemos para que fossem devolvidas as minhas terras doadas pela Mecia.[2] E quem é este Francisco de Souza, Não o conheci, em 1609 quem era o Governador era Diogo do Menezes.
- Notei que o Sr Garcia D´Ávila estava ficando muito irritado com esta conversa, tentei mudar de assunto rápido, mas ele estava indignado mesmo.
- Estes beneditinos são mesmo impossíveis, eles fizeram com que eu saísse da minha casa para me livrar deles, das constantes investidas para que eu doasse as minhas terras, me obrigaram de todas as maneiras a ceder diante das suas insistências, fui para a Misericórdia e lá refiz o testamento tirando deles o que eles me obrigaram a doar, mas tive de negociar muito, pois eles gostam muito de dinheiro e de terras e querem as minhas.
-Ah Sr Garcia, esqueci de vos dizer que estive em São Pedro de Rates.
- O que, como lá chegastes? Em que navio embarcastes? Como consegues estas coisas, vos que sois uma mulher?
-Oh Sr, Garcia, gostaria muito de poder explicar ao senhor, mas é co0pletamente impossível dizer ao senhor como lá estive, o senhor não acreditaria e, mais uma vez, me chamaria de bruxa e me entregaria à Inquisição, se isto fosse possível.
- Mas como estivestes em Rates?
- Fui para Portugal e de Lisboa fui até Póvoa do Varzim e, consequentemente, e por causa do senhor, fui até São Pedro de Rates, tirei até algumas fotos.
-Tirastes o que? Fotos? O que é isto?
Outra vez estou em apuros para explicar ao Sr Garcia  as coisas, e já estava me desesperando, quando, de repente, ele disse-me
- Tenho de ir-me, hoje tenho de estar na Câmara, pois sabes que sou Vereador não sabes?
- Sim senhor Garcia, eu sei, mas gostaria muito de saber dos vossos estaleiros em Tatuapara, o senhor era mesmo um grande empreendedor.
-Como eu era? Estou aqui, eu sou um grande isto ai que falastes
Meu Deus! Tenho de aprender z falar com este homem, mesmo sabendo  que ele é uma alma penada, tenho de tomar cuidado com as palavras, ele fica irritado muito facilmente e eu não sei qual seria sua reação.
De repente ele levanta-se e diz: Tenho de ir-me, outro dia falamos sobre os estaleiros. Vou à Câmara, tenho reunião hoje, e. como sempre, ele partiu como chegou: evaporando-se no ar.  




[1] Nesta ponta de Tapagipe estão umas olarias de Garcia D´Ávila e um curral de vacas do mesmo [...]  Gabriel Soares de  Souza. Tratado  Descritivo do Brasil , Segunda Parte Memorial e Declaração  das Grandezas da Bahia, pg 145.
[2] No testamento de Garcia D´Ávila, efetivamente há menção a esta doação, e ao acordo para a devolução das terras deixadas por Mecia, Livros Tombo do Mosteiro de São Bento, Livro II,.É mais verossímil a assertiva de que a Igreja foi construída mesmo pelo Garcia D´Ávila e também que ele fez a doação aos beneditinos, como se pode comprovar através do livro tombo II do Mosteiro de São Bento. 

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