Agora eu estava realmente
preocupada: Então este homem ia aparecer aqui em casa a qualquer hora? Pensei em muitas situações: Já pensou eu no
banheiro tomando banho com a plateia olhando! E fazendo as minhas necessidades?
E se eu arrumasse um namorado e tivesse
numa hora de intimidade, aí ia mesmo ser uma droga. Ah seu Garcia, por
favor, desapareça!
O pensamento racional era este,
desapareça o Garcia D´Ávila, mas, no íntimo o que eu queria, com todo o medo
possível, era que ele me contasse toda a sua história mesmo, não só a dele, mas
dos seus pares na época e de seus descendentes . A minha curiosidade ia além do meu receio de tantas e tantas
coisas que poderiam ocorrer, inclusive a de ser tachada de louca pelos meus
vizinhos quando me ouvissem falando sozinha.
Eu estava sempre em sobressalto
agora, acordava todos os dias pensando na possibilidade do Sr da Torre
aparecer: tomava banho correndo, trocava de roupa agoniada, realmente preocupada
com o que poderia acontecer se aquele garanhão me pegasse em uma situação
favorável aos seus desejos sexuais. Já me via em momentos de Dona Flor e seus
dois maridos.
Todavia, apesar de todas as
preocupações, eu queria continuar
conversando com ele, entretanto ele
sumiu, passaram-se uns três meses sem que ele aparecesse. Evitei de ir no
Castelo e depois de tanto tempo relaxei, parecia que o Sr da Torre me esquecera.
Apesar disto eu continuava a ler
sobre ele e seus descendentes.
Me enganei, ele não me esqueceu,
muito pelo contrário, quando apareceu depois destes três meses, disse-me que
todos os dias vinha aqui em casa, que ficava quieto escondido, pois queria
saber da minha vida, dos meus hábitos, de como
eu sobrevivia, enfim, ele estava me vigiando.
Bom, fazer o que não é, já que
ele apareceu, e eu cheia de curiosidade sobre a vida daquele homem, perguntei:
Igreja de Monte Serrat atualmente |
Vista da Baía de Todos os Santos da Ponta de Humaitá |
- Sim, senhor! Até morei lá em um
período da minha vida.
- O que! Morastes lá? Tu invades
as minhas terras sempre, não sei porque não faço nada contigo, porque moras na
minha terra, aqui em Arembepe, pois estes terrenos são meus, até lá para as
bandas de Sergipe Del Rey, tudo é meu, não pagas foro, e agora me diz que já
morou Itapagipe!
- É difícil explicar, mas se
alguém tinha de te pagar foro, este alguém deveria ser o meu pai, seu xará.
-Xará, o que é isto, o que
significa este nome?
- Significa que o meu pai também
é Garcia, não D´Ávila, mas Martinez Garcia?
- Martinez Garcia, de onde ele
veio, este nome é ibérico.
-Sim senhor, meu pai era
espanhol. Bom, mas isto não tem a menor importância, mas me fale da Igreja.
-Como sabes eu recebi uma sesmaria em Tapagipe, e foi lá que comecei a
criação de gado, com as duas vacas que recebi do Governo, mas eu não fiquei
somente nisto, porque comecei a visualizar o futuro. Os colonos precisavam de
casas e precisavam de material para construí-las, então resolvi fazer olarias
para vender tijolos para a construção, deu tudo certo, e fiz mais de três lá em
Tapagipe[1].
Mas o Governo precisava de mais proteção para as naus e para proteger a própria
entrada da baía, então tivemos de construir um forte.
- O forte de Monte Serrat
-Não, não foi este o nome dado a
ele.
E qual foi então?
-São Felipe
E a Igreja, como ela surgiu?
- Á Igreja .
-Mandei construir e depois doei
aos beneditinos.
- Dizem que não foi o senhor que
construiu a igreja e que também não foi o senhor quem doou a Capela aos
beneditinos, e sim um Governador de nome Francisco de Souza.
- Quem disse isto? então no meu
testamento em 1609 eu fiz a doação aos beneditinos, como forma de recompensa,
no acordo que fizemos para que fossem devolvidas as minhas terras doadas pela
Mecia.[2]
E quem é este Francisco de Souza, Não o conheci, em 1609 quem era o Governador era
Diogo do Menezes.
- Notei que o Sr Garcia D´Ávila
estava ficando muito irritado com esta conversa, tentei mudar de assunto
rápido, mas ele estava indignado mesmo.
- Estes beneditinos são mesmo
impossíveis, eles fizeram com que eu saísse da minha casa para me livrar deles,
das constantes investidas para que eu doasse as minhas terras, me obrigaram de
todas as maneiras a ceder diante das suas insistências, fui para a Misericórdia
e lá refiz o testamento tirando deles o que eles me obrigaram a doar, mas tive
de negociar muito, pois eles gostam muito de dinheiro e de terras e querem as
minhas.
-Ah Sr Garcia, esqueci de vos
dizer que estive em São Pedro de Rates.
- O que, como lá chegastes? Em
que navio embarcastes? Como consegues estas coisas, vos que sois uma mulher?
-Oh Sr, Garcia, gostaria muito de
poder explicar ao senhor, mas é co0pletamente impossível dizer ao senhor como
lá estive, o senhor não acreditaria e, mais uma vez, me chamaria de bruxa e me
entregaria à Inquisição, se isto fosse possível.
- Mas como estivestes em Rates?
- Fui para Portugal e de Lisboa
fui até Póvoa do Varzim e, consequentemente, e por causa do senhor, fui até São
Pedro de Rates, tirei até algumas fotos.
-Tirastes o que? Fotos? O que é
isto?
Outra vez estou em apuros para
explicar ao Sr Garcia as coisas, e já
estava me desesperando, quando, de repente, ele disse-me
- Tenho de ir-me, hoje tenho de estar
na Câmara, pois sabes que sou Vereador não sabes?
- Sim senhor Garcia, eu sei, mas
gostaria muito de saber dos vossos estaleiros em Tatuapara, o senhor era mesmo
um grande empreendedor.
-Como eu era? Estou aqui, eu sou
um grande isto ai que falastes
Meu Deus! Tenho de aprender z
falar com este homem, mesmo sabendo que
ele é uma alma penada, tenho de tomar cuidado com as palavras, ele fica
irritado muito facilmente e eu não sei qual seria sua reação.
De repente ele levanta-se e diz:
Tenho de ir-me, outro dia falamos sobre os estaleiros. Vou à Câmara, tenho
reunião hoje, e. como sempre, ele partiu como chegou: evaporando-se no ar.
[1]
Nesta ponta de Tapagipe estão umas olarias de Garcia D´Ávila e um curral de
vacas do mesmo [...] Gabriel Soares
de Souza. Tratado Descritivo do Brasil , Segunda Parte Memorial
e Declaração das Grandezas da Bahia, pg
145.
[2]
No testamento de Garcia D´Ávila, efetivamente há menção a esta doação, e ao
acordo para a devolução das terras deixadas por Mecia, Livros Tombo do Mosteiro
de São Bento, Livro II,.É mais verossímil a assertiva de que a Igreja foi
construída mesmo pelo Garcia D´Ávila e também que ele fez a doação aos
beneditinos, como se pode comprovar através do livro tombo II do Mosteiro de
São Bento.
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