sexta-feira, 25 de maio de 2018

Assédio Sexual; Será!!!!!!!!!!!!


                                                                   
Sei o quanto vou ser criticada, não compreendida, etc. etc, mas não posso deixar de expressar a minha indignação sobre o assunto.
Vi hoje, aliás, como vem acontecendo nos últimos tempos, mais um diretor de hollywood sendo acusado de assédio sexual. Este estava sendo conduzido para prestar esclarecimentos.  Logo embaixo da imagem, estava uma manchete  passado, dizendo que o Freeman, aquele ator negro metido a besta, aquele que faz um programa humanitário, também sendo a acusado de assédio sexual por oito mulheres.
Não posso, evidentemente,  concordar com o assédio sexual, mas sou terminantemente contra  estas atuais denúncias. Vejamos bem:

terça-feira, 15 de maio de 2018

- Noticia da divisão - Garcia D´Ávila XIII


Rio Jacuípe - Ba
Eu não acreditava no que via! O que vou fazer? A casa cheia de gente e ele ali, circulando no meio do povo, se batendo em um, empurrando outro, gritando com  alguns, até mesmo mandando embora as pessoas. Atônita  via a cena toda, logico que sabia  que ninguém o via,  nem sentia qualquer das suas agressões, mas, ainda assim, ficava preocupada: E se tivesse alguém ali que tivesse a mesma capacidade que eu, esta de ver almas do outro mundo, aliás, com o Sr. Garcia era do outro mundo literalmente.
Empurrando gente e se batendo em todos ele chega cerca de mim:
-Que diabos de tanta gente é esta nesta casa hoje?
-São meus amigos Sr. Garcia, estou comemorando o meu nascimento.
-Atreve-te a fazer uma festa nas minhas terras e não me pedes autorização, ou melhor, nem convidou-me !
-Sr. Garcia não tenho tempo agora para estar discutindo com o senhor, são meus amigos e familiares e quero que o senhor os respeite, por favor, melhor: vá embora porque não tenho como vos dar qualquer atenção.
-Mera o que está acontecendo? Você está lívida. Tá se sentindo bem? Pergunta-me a minha irmã.
- Tá tudo bem sim! Estou apenas preocupada que tudo corra bem, veio muito gente e sabes bem que sempre acho que a comida e a bebida não vão var, mas qualquer coisa mando alguém comprar mais bebida e dou um jeito de fazer mais alguma coisa rápida, tenho camarão já tratado na frezzer e tem macarrão, faço uma massa com molho de camarão.
-Claro que vai dar, mas não me parece que seja isto, estás pálida e parece que andas a falar sozinha.
Kkkkkkk, eu falando sozinha. O riso era puro nervoso, porque realmente estava a falar com o Sr. Garcia, o meu querido e indiscreto visitante invisível.
De repente, no meio deste papo com a minha irmã, olho para o outro lado da sala e vejo o Sr Garcia quase batendo em um amigo meu, um negro. Saio correndo e chego a tempo de segurar o braço do Sr Garcia no ar. O meu gesto não passou desapercebido e todos estavam a olhar na minha direção, eu  com a mão no ar tentando segurar algo que ninguém via.
- O que há com você Esmeralda, tá doida? O que você viu?
- Tive a impressão que o relógio da parede ia cair em sua cabeça, respondi meio sem graça ao Mario.
- Mulher! O relógio está tão longe de mim, precisaria  sair dali voando para me alcançar.
-Me desculpe, mas tive mesmo esta impressão, acho que lhe assustei.
O desgraçado do Garcia D´Àvila olhava para mim e fazia muitos gestos e gritava querendo saber como um negro estava ali na minha casa circulando daquela maneira, como se tivesse alma, fosse realmente gente. Como eu poderia naquele momento dizer ao Sr. Garcia que o meu amigo era livre, que não havia, ao menos, aparentemente, escravidão, que ela havia acabado em quase todo o mundo, inclusive na África portuguesa.
-Bote ele para fora daqui, falava o Sr. Garcia aos berros no meu ouvido, onde já se viu uma coisa desta, você consegue transgredir todas as normas e recomendações.
-Sr. Garcia, por favor, vá embora, volte outra hora, não estás a ver que não posso vos dar qualquer atenção?
- Pois, vim disposto a conversar consigo a respeito dos primeiros dias da fundação de Salvador, mas parece que isto não é mais importante, mas não vou sair daqui não, estas terras são minhas, estas pessoas que aqui estão são invasores, e o que vou fazer é chamar meus homens e botar todos para fora daqui.
-Sr D Ávila vou vos fazer uma proposta, o Sr. fica aqui ao pé de mim e vai falando, mas eu não posso parar e ficar dando atenção só a si.
- Não, não e não. Vou botar todos para fora, quem não sair por bem sai na força.
Tinha que arrumar um fato para contar a ele a fim de que  se aborrecesse e fosse  embora, mas o que poderia eu fazer? Lembrar de que fato que ele não gostaria que fosse lembrado?  Fiquei monitorando o Sr. da Torre e pensando num fato que realmente chamasse tanto a atenção dele, que ele tivesse que tomar uma atitude longe dali de casa, mas teria que ser uma coisa bem relevante.
- Sr. Garcia o senhor sabe o que está acontecendo em Salvador? O Governador que fora nomeado para substituir Mem de Sá foi aprisionado e morto por hungenotes a caminho do Brasil.[1]
- O que me dizes?  Como sabes disto?
Como sei ou como soube não vem ao caso, mas a sua presença em Salvador é mais de que necessária, e ao invés do senhor estar lá para ajudar no que for preciso, está aqui perturbando  a minha festa.
O Sr. Garcia não era nenhum idiota, e percebeu perfeitamente qual a minha intenção, ao invés de ir embora deu uma grande  gargalhada e disse-me:  O gaja, estas a pensar que sou parvo! Então se uma coisa desta tivesse acontecido eu já não saberia? O governador já teria mandado algum emissário a Tatuapara.
Pensei comigo mesma: esta não colou mesmo, até porque, realmente, não haveria como  o próprio governo geral saber disto, afinal as coisas estavam acontecendo, ou acabaram de acontecer para eles, que só ficariam sabendo tempos depois, quando uma nova frota chegasse ao  Brasil.  Esqueci completamente  da época, quanto pior, como ele sempre se colocava em 1591, era capaz de ele me chamar de doidivanas mesmo e até me dar uma coça, ele era bem capaz disto, mas, para minha surpresa, apesar dele não cair na estória, caiu no ano, o que já foi um alivio.
- Senhor Garcia, o senhor não esta achando estranho que o novo governador geral esteja demorando de chegar. O Mem de Sá já pediu há muito um substituto, e pelo que sei o Rei nomeou (1570) o Sr.  Luis Fernando de Vasconcelos, que saiu de Lisboa com “sete ou oito navios, trazendo consigo  o padre Ignacio e Azevedo e mais sessenta e tantos jesuítas”[2]   
- Quando digo-te que és uma bruxa! Como podes saber disto? O Mem de Sá está lá, estamos  em 1571 e não há qualquer notícia  de nada. Sabemos da nomeação e da saída da frota em dezembro do ano passado, estamos aguardando.
- Ah Sr. Garcia, vais aguardar bem, porque eles foram mesmo aprisionados pelos hungenotes[3], nesta altura, já viraram comida de peixe.
- Como ousas falar assim?
- Porra! Vi que o plano não ia funcionar, a raiva dele estava, como sempre, virando para meu lado, eu tinha de agir rápido pois não ia ficar nada engraçado eu andar correndo na casa fugindo do miserável, com todas aquelas pessoas a me chamar de louca, pois ninguém entenderia nada. Decidi então que ia ao banheiro, iria na parte superior da casa e, com certeza, ele me seguiria, lá tentaria ouvir ele falar alguma estória que ele disse que viera para contar e  também, pedir, implorar até, para que ele fosse embora, e foi o que fiz. Subindo as escadas, ouvia, perfeitamente, as botas do Sr. da Torre fazendo barulho na madeira, cheguei no quarto e ouvi ele falar:


O Beijo - Roberto Abeleira
- Por que nunca me trouxestes aqui? Por que fico sempre no andar debaixo?
Ora Senhor D´Ávila o senhor entra aqui e vai a qualquer lugar sem me pedir qualquer licença, por que eu iria me preocupar em traze-lo aqui?
-Bem bonito este aposento, quem é o pintor deste quadro, não conheço.
-AH senhor Garcia este quadro foi pintado por um grande amigo, Roberto Abeleira?
-´E um pintor espanhol?
-Raízes espanholas, filho de espanhóis radicados na Bahia?
-Onde ele mora? Nunca ouvi falar dele.
-Não se preocupe senhor Garcia, vamos conversar a respeito da fundação de Salvador. Não era disto que o senhor queria falar?
- Não, não quero mais. Quero que me digas como sabes da morte do sucessor de Mem de Sá?
-Já vos disse que através dos meus livros.
- Bom se sabes tanto, diga-me lá; Se o Luís de Vasconcelos morreu, quem virá suceder o Mem de Sá, ele não está nada bem.
Quem virá é o Luiz de Brito e Almeida, e vai chegar em 1572.
- O Mem de Sá vai continuar aqui como governador? Ele não vai suportar. Está muito mais preocupado em tomar conta das suas posses e deixar os seus herdeiros bem, ele está rico, tem um Engenho mais bonito da Bahia,  que fica no Recôncavo, passou a ser conhecido como  “Sergipe do Conde”, dizem que era o maior do Brasil com 250 pessoas de serviço, além deste possuía um outro em Ilhéus, muitas cabeças de gado no Rio Joanes.[4]
- É isto mesmo que o senhor ouviu. E tenho mais uma novidade que o senhor não vai gostar.  Vamos ter, a partir do próximo ano, 1572 dois governos gerais.
- Estás doida, jamais o rei faria isto.
- Vai fazer sim.  Um  governo do Norte e um Governo do Sul  este com sede no Rio de Janeiro 
- Digo mais, o que terá sede no Rio de Janeiro vai ter como governador o Antonio de Salema?
-Antonio de que?  Nunca ouvi falar deste senhor
_ Pois é, mas será ele que virá e vai ficar sediado no Rio de Janeiro, enquanto o Luís de Brito ficara aqui na Bahia responsável pelo Governo do Norte, que abrangerá a Bahia e as capitanias além de Pernambuco.
- O Rei não fará isto
Vai fazer sim Sr. Garcia, e no preâmbulo da Carta Régia de 17 de dezembro 1572, Dom Sebastião, justifica que esta divisão é necessária porque as terras da Costa do Brasil são tão grandes e tão distantes umas das outras, e já tendo muitas povoações, não poderiam ser governadas por um único governador.
-Diabos! Se o Rei fizer isto retira-nos muito poder, introduz outros governantes, aumenta as despesas, será que não pensou nisto?
Disse para mim mesma: acertei na mosca, ele tá ficando irritado e vai se picar e me deixar em paz, mas, ainda assim, arrisquei:-Sr Garcia, o Rei tem razão, como é que o Mem de Sá, ou qualquer outro que o venha substituir, pode comandar  uma terra deste tamanho? É quase impossível, O Sr. bem sabe que a capitania de São Vicente[5] está prosperando, sabes o Sr. que Bras Cubas está sertão adentro procurando ouro, já tendo algum sucesso, a de Pernambuco  também prospera; O Rio de Janeiró está se organizando após  a expulsão dos franceses. A cada dia é mais necessária a presença de mais e mais pessoas para povoar estas novas terras e povoações,  precisa-se de gente para adentrar aos sertões à procura e ouro, portanto, nada mais correto de que  haver esta divisão para que a coroa possa controlar melhor as suas terras, cobrar os seus impostos, descobrir riquezas, procurar e achar o ouro que tanto quer.
- Não, não gosto disto, isto retira de nós, que fundamos esta cidade, e que temos todo direito de explorar e descobrir o ouro que almejamos,  o direito de livremente fazê-lo. Não são estes almofadinhas[6] do reino que virão para cá tomar o que é nosso.
-kkkkkkkkk, não pude deixar de rir. O que deixou o senhor Garcia furioso, e ele partiu para cima de mim. Preparei-me para outra pera, mas ele parece que lembrou da merda que fizera anteriormente e parou bem junto a mim e disse-me: Ai de si se nada disto for verdade! Aí de si! E com esta ameaça desceu as escadas batendo a bota fazendo um barulho infernal.
Aff! sentei na cama e me recompus, pensei: O que o Sr. Garcia faria se eu dissesse a ele que o Luís de Brito
[...] iria distinguir-se no exercício do cargo, dentre outras coisas, dedicar esforços em atacar  e submeter os índios das terras do Rio Real, localizadas ao norte da baía e em fundar nessa região a Vila de Santa Luzia. Porque o abastado proprietário Garcia de Ávila, que possuía vastas extensões de terras na região, não conseguisse pelos seus próprios meios levar a cabo tal iniciativa, decidiu Luís de Brito ocupar aquela parte do Brasil muito rica em madeira de tinta[...][7]
Apesar do calafrio, me recompus e voltei à minha festa, felizmente as pessoas não notaram a minha breve ausência, que para mim, tinha sido uma eternidade.



[1] FLEIUSS, Max,  História Administrativa do Brasil,  2ª. Ed.  SP, Melhoramentos, 1922,  pp28
[2] Idem, pg 38.
[3] Hungenotes: nome dado aos protestantes franceses que seguiam o calvinismo, secs. XVI e XVII
[4] RICUPERO, Rodrigo, “Governo Geral e a formação da elite colonial baiana no século XVI”  in Modos de Governar, Ideias e Práticas Políticas no Império Português Séculos XVI à XIX, BICALHO, Maria Fernanda e FERLINI, Vera Lúcia Amaral,  SP, Alameda, 2005, p.123
[5] São Vicente  atual São Paulo.
[6] O Sr. Antonio Salema e Luís de Brito, ambos prestaram serviços a Coroa Portuguesa, o primeiro era Conselheiro na  Santa Casa de Misericórdia, o segundo como Desembargador  na Casa de Suplicação, bem como na capitania de Pernambuco( Ver. Felipe Nunes de Carvalho -  Do  Descobrimento  à União Ibérica  in O Império Luso Brasileiro 1500-1620) in Nova História da Expansão Portuguesa, Vol VI   Coord. Harold Johson e Maria Beatriz Nizza da Silva pg. 166-169.
[7] Idem, p 168

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Garcia D`Ávila XII - Continuação da chegada


Estava em casa. Chovia muito e eu, que adoro ver a chuva caindo, estava deitada na rede olhando os pingos grossos acabarem na grama, que estava verdinha, linda. O flamboyant acumulava gotinhas d`agua nas suas flores grená, que contrastavam com o verde das folhas; o coqueiro deixava que a água escorresse pelas suas palhas, engrossando mais o pingo da água. Sim, apesar de estar calma e naquele ambiente bucólico, não deixava de pensar no sr. Garcia. “Se aquele murro realmente tivesse acontecido, não sei como estaria o meu rosto: deformado com certeza!
Olhe que algumas vezes me olhei no espelho, pois a sensação é que tinha mesmo tomado aquela “pera” que o Sr.  Garcia me desferiu.  Bom, mas uma coisa era certa, acho que ele iria desaparecer completamente da minha vida, pois para ele, ele havia mesmo me batido e o estrago ele bem sabia, era terrível.
Continuei na rede, na realidade não tinha vontade de fazer nada, a não ser olhar a chuva caindo e limpando, não só o telhado da casa, como também a minha alma, sim porque era muito bom o devaneio que aquela cena tão natural me proporcionava. Ficava ali pensando em tanta coisa boa, que me esquecia das mazelas e até mesmo do “soco” do Sr. Garcia.
Entretanto, um som de casco de cavalo nas pedras me tirou daquele gostoso “far niente”.  Bom alguém com coragem está andando a cavalo na chuva. Algum louco, certamente, mas de súbito o som para, pareceu-me que o cavalo parou lá na porta de casa. Da rede me estiquei toda para olhar na fresta entre o portão e o chão. Não vi nada, não havia qualquer sombra, mas não gostei daquilo, pois, tinha a certeza absoluta que o som do casco do cavalo nas pedras da rua parou ali. De repente: Ai meu Deus! Será que é aquele filho de uma mãe? Ele tem coragem de vim aqui depois da merda que aprontou?
Fiquei hiperagoniada, sabia que estava completamente vulnerável, o fato de estar chovendo não tinha qualquer problema se fosse o Sr. da Torre que estivesse ali na frente de casa.  Droga! Este homem não me deixa em paz? O que devo fazer para me livrar deste encosto?
Todavia, ao mesmo tempo que queria que ele se afastasse de uma vez por todas, eu também queria continuar com estas conversas com ele, pois era muito interessante mesmo, falar de coisas do passado com alguém que, efetivamente, viveu aquele momento.
Quando olhei novamente para o portão: Lá vem ele, estava muito arrumado e trazia uma capa por cima da roupa, que parecia limpíssima, até as botas estavam impecáveis e ele vinha na direção da rede com uma das mãos para trás.
Quis levantar correndo, mas ele foi mais rápido de que eu, e já estava ao pé da rede me impedindo de levantar.
- O Sr. não tem vergonha não? Faz a merda que fez e ainda tem coragem de vim aqui?
- Vim para pedir-te desculpas; estou estes dias todos agoniado, pensando como tu estarias, como estava o teu rosto, mas vejo que me preocupei atoa, porque não vejo nenhuma marca de nada.
Não sabia se ria ou se chorava, sinceramente.  Ver o espanto do Sr. Garcia ao ver o meu rosto era mesmo uma graça, mas sabe-lo ali mais uma vez, sem a perspectiva de livrar-me dele era um transtorno. Não adiantava nada dizer impropérios, manda-lo embora; ele simplesmente ficava ali o tempo que quisesse, entrando e saindo na hora que bem lhe entendesse.,
- Vamos lá, tenho uma coisa para ti.
E dizendo isto estendeu a mão que estava escondida e eu vi algo brilhando.
-Vamos levanta-te, quero eu mesmo colocar isto no teu pescoço.
-Sr. Garcia eu não quero nada, faça o favor de ir-se da minha casa, o senhor me ofendeu bastante.
-Anda cá, desculpa-me vai lá. Vamos conversar, pergunte o que quiser, faço qualquer coisa para que me perdoes.
Era mesmo ridículo ver aquele pequeno homem todo enfatiotado e muito atabalhoadamente pedindo desculpas.  Tive que rir da situação e levantei-me da rede sem pegar na mão que ele estendia.
Vira-te de costas para que eu possa colocar a gargantilha.
Ri e virei-me, não ia ter mesmo saída. Senti um ligeiro calafrio, parecia que algo de metal gelado estava em volta do meu pescoço, comecei mesmo a tremer pensando   de como ficara vulnerável. E se o diabo do homem tentasse garguelar-me.
-Vira-te. Ficou lindo! Tens um belo colo, es, efetivamente, uma bela mulher.
Caminhei até a cozinha e olhei-me no vidro do armário. Não vi nada, mas aquela sensação de que algo frio estava em volta do meu pescoço continuava.
-Gostas? Estou perdoado!
Sim, gosto.
-Vamos para a sala, quero sentar-me naquela cadeira confortável e lá perguntas o que quiseres.
-Bom, vamos continuar aquela nossa conversa sobre a fundação de Salvador.
-Onde ficamos?
-No segundo dia, após a chegada.
-Bem no segundo dia após a nossa chegada, depois da recepção que nos foi feita pelo Caramuru, lá na Vila do Pereira, era hora de procurar, como nos foi ordenado, um lugar para começar a cidade.
- Sr. Garcia, me satisfaça uma curiosidade: Onde os senhores dormiram? Aliás onde dormiu todo mundo?
Na nau minha querida, onde poderíamos mais dormir?
-Sei lá, na casa do Caramuru?
Casa?  Que casa? O Caramuru e a sua família moravam, como todos os demais índios do local, em choupanas cobertas de palha, nós não estávamos acostumados com aquilo e não poderíamos dormir ali, até porque não tinha lugar suficiente.  
- Levaram alguma índia para a nau?
-Estas doidas ou o que? O Capitão Thomé de Sousa é um homem sério e jamais iria permitir uma coisa desta.
-Não foi isto que soube Sr. Garcia, tenho informações que os índios costumam oferecer mulheres aos seus visitantes, inclusive a própria.
-Tens muita coisa nesta cabeça, estamos falando de Diogo Alvares, que era português, por mais que ele convivesse com os índios não iria, de maneira alguma, acatar alguns dos costumes bárbaros deles. Então lá ia ele oferecer a mulher ao Capitão, ou a qualquer um de nós?
-Está bem Sr Garcia, mas me diga, o que foi mesmo que foi ordenado ao Thomé de Sousa.
- O Thomé de Souza trouxe Regimento consigo, aliás além do Regimento de Thomé de Sousa, foram a regimentos ao Antônio Cardoso de Barros – o que foi nomeado como Provedor-Mor  e ao Pero Borges de Sousa  o de ouvidor geral e ainda a Pero de Góes o de capitão mor da costa. Todos estes regimentos foram assinados em Almerim em dezembro de 1548.[1]
-Almeirim? Por que Almeirim e não Lisboa?
- Então não sabes, Tu que sabes de tudo.  Foi assinado lá porque o Rei estava no local onde passava a temporada de inverno.
-Ah!  Não sabia disto Sr. Garcia, mas qual a diferença climática? Almeirim fica tão perto de Lisboa..
- Aquilo lá era uma falta de vergonha. Todos os anos a mesma coisa, a corte se transferia para lá nesse período e  se  fazia caçadas, saraus, festas,  flertes   De acordo co, Julio Castilho, em  Lisboa Antiga “ à fresca Almeirim afluia todo que tinha moradia e assentamento e todo o que desejava ter: o cavaleiro ocioso recém chegado da Índia, o taful que buscava mulher nos estrados do Paço, todos os estalajadeiros, “mariposas do palácio”namorados dos encantos de Portugal.” [2]
.  Sim, mas vamos voltar à chegada e aos regimentos:  E o senhor? Veio com que instrução
- Nenhuma, mas eu sabia que o Thomé de Sousa me daria um bom cargo quando aqui chegasse, e foi efetivamente o que aconteceu, fui nomeado almoxarife.
Sim Sr. Garcia, mas o que dizia o Regimento de Thomé de Sousa a respeito da fundação da cidade?
- Muita coisa, não tenho condição de dizer-te tudo que estava naquele regimento. Mais uma coisa sei, o Rei determinava que Thomé de Sousa se apossasse da fortificação que fora do donatário Coutinho em Vila Velha, também conhecida como Vila do Pereira e ali ficasse até que encontrasse um local de melhor conformidade com a os interesses da coroa em relação à fundação e defesa da cidade a ser estabelecida, que seria a cabeça de todas as demais capitanias.[3]  
-E O Coutinho, o que aconteceu com ele?
O Coutinho foi devorado pelos Tupinambás em Itaparica, ele esteve sempre em guerra com os indígenas, a quem odiava, Quando em 1547 foi morto pelos indígenas, Dom João VI comprou a capitania de volta à viúva. Na verdade eu não o conhecia, sei destas informações por ouvir dizer, de certo mesmo só sei o que estava no regimento, que deveríamos nos apossar das fortificação existente e procurar um novo local para estabelecer a sede principal do governo.
Sr. Garcia, me diga por que foi escolhida a Bahia, e não outra capitania?  Por que não São Vicente? Que era prospera, ou ainda Recife?
- Posso lhe garantir que não sei, entretanto, logo no início do Regimento  podíamos ver:

Eu, ElRei, faço saber a vós, Tomé de Sousa, fidalgo de minha casa, que vendo eu quanto serviço de Deus e meu é conservar e enobreceras Capitanias e povoações das terras do Brasil e dar ordem e maneira com que melhor e mais seguramente se possam ir povoando, para exalçamento da nossa Santa Fé e proveito de meus Reinos e Senhorios, e dos naturais deles, ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande e forte, em um lugar conveniente, para daí se dar favor e ajuda às outras povoações e se ministrar justiça e prover nas cousas que cumprirem a meu serviço e aos negócios de minha Fazenda e a bem das partes; e por ser informado que a Bahia de todos os Santos é o lugar mais conveniente da costa do Brasil para se poder fazer a dita povoação e assento, assim pela disposição do porto e rios que nela entram, como pela bondade, abastança e saúde da terra, e por outros respeitos, hei por meu serviço que na dita Bahia se faça a dita povoação e assento, e para isso vá uma armada com gente, artilharia, armas e munições e todo o mais que for necessário. E pela muita confiança que tenho em vós, que em caso de tal qualidade e de tanta importância me sabereis servir com aquela fidelidade e diligência, que se para isso requer, hei por bem de vos enviar por Governador às ditas terras do Brasil, no qual cargo e assim no fazer da dita fortaleza tereis a maneira seguinte, da qual fortaleza e
terra da Bahia vós haveis de ser Capitão:

1 – Ireis por Capitão-mor da dita armada e fareis vosso caminho direitamente à dita Bahia de todos os Santos, e na dita viagem tereis a maneira que levais por outro Regimento.
2 – Tanto que chegardes à dita Bahia, tomareis posse da cerca que nela está, que fez Francisco Pereira Coutinho, a qual sou informado que está povoada de meus vassalos e que é favorecida de alguns gentios da terra e está de maneira que pacificamente, sem resistência, podereis desembarcar e aposentar-vos nela com a gente que convosco vai;
sendo caso que a não acheis assim e que está povoada de gente da terra, trabalhareis po-la tomar o mais a vosso salvo e sem perigo da gente que puder ser; fazendo guerra a quem quer que vos resistir, e o tomardes posse da dita cerca será em chegando ou depois, em qualquer tempo que vos parecer mais meu serviço.
3 – Tanto que estiverdes na posse da dita cerca, mandareis reparar o que nela está feito e fazer outra cerca junto dela, de valos e madeira ou taipal, como melhor parecer, em que a gente possa estar agasalhada e segura, e como assim estiver agasalhado, dareis ordem como vos provejais de mantimenos da terra, mandando-os plantar, assim pela
gente que levais como pela da terra, e por qualquer outra maneira por que se melhor puderem haver, e, porém, se vos parecer que será mais meu serviço desembarcardes no lugar onde se houver de fazer a fortaleza, fá-lo-eis assim.
4 – Ao tempo que chegardes à dita Bahia, fareis saber, por todas as vias que puderdes, aos Capitães das Capitanias das ditas costas do Brasil, de vossa chegada, e eu lhes tenho escrito que tanto que souberem vos enviem toda ajuda que puderem de gente e
mantimentos e as mais cousas que na terra tiverem; das que vos podem ser necessárias, e que notifiquem a todas as pessoas que estiverem nas ditas Capitanias e tiverem terra na dita Bahia de todos os Santos, que as vão povoar e aproveitar nas primeiras embarcações que o forem para a dita Bahia, com a declaração de que não indo nas ditas primeiras embarcações perderão o direito que nelas tiverem e se darão a outras pessoas que as aproveitem, e que da dita notificação façam autos e vo-los enviem.
5 – Eu sou informado que a gente que possui a dita terra da Bahia é.uma pequena parte da linhagem dos Tupinambás, e que poderá haver deles nela, de cinco até seis mil homens de peleja, os quais ocupam ao longo da costa, para a parte do Norte., até Totuapara, que são seis léguas, e pelo sertão até entrada do Peraçuu, que serão cinco
léguas, e que tem dentro da dita Bahia a Ilha de Taparica e outras três mais pequenas, povoadas da dita nação, (...)[4] (grifo nosso)

- Tatuapara?

-Sim, Tatuapara já se sabia existir Don Esmeralda, qual o espanto? Cansei, este Regimento é enorme, e ele é que era mesmo a nossa Carta Administrativa, tudo que se teria de fazer nestas plagas estava ali, o Rei Dom João III foi muito cuidadoso e especificou bem qual seria o trabalho do Thomé de Sousa, os seus poderes e deveres.

OH seu Garcia não vá embora agora não, quero saber mais.

- Vou sim, está ficando tarde, continua chovendo e tenho de ir para o  Tatuapara, estamos organizando um  ataque aos índios que estão invadindo algumas fazendas na  região, e não podemos deixar isto acontecer,  temos que mostrar quem é que manda, portanto  tenho de ir, porque todos estão me esperando, afinal, sou um líder, o maior fornecedor de braços desta terra, sem mim nada acontece.

 E dizendo isto desapareceu.

Fiquei ali algum tempo pensando naquela figura tão prepotente, e esta prepotência me fez lembrar alguns políticos atuais, que parecem ter o Rei na barriga, Sarney, Collor de Melo, Lula da Silva, e tantos outros; todavia não só os políticos são assim, e recordo-me  dos senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, deuses na terra, cada um querendo aparecer mais de que outro. Louvo o saber de muitos deles, mas odeio a prepotência de todos,  

Até o próximo encontro.







[1] FLEIUSS, Max. História Administrativa do Brasil, 2ª ed. Melhoramentos, São Paulo, 1925
[2] Ver o site da Câmara Municipal de Almeirim. Distrito de Santarém, que dista uns 100 Km de Lisboa.
[3] FLEIUSS, Mx. ob cite pg 14-15
[4] Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548,
Lisboa, AHU, códice 112, fls. 1-9. ( Arquivo Histórico do Ultramar)