terça-feira, 9 de agosto de 2011

" O trem va vai mãe"

Era assim que o meu irmão Luciano, com dois ou três anos, ao ouvir o apito do trem, dizia para minha mãe: “o trem va vai mãe”, isto em todos os dias, pela manhã, ao meio dia e no final da tarde.
Eu, por minha vez, quando pequena, gostava muito de andar de trem e de morar próximo a linha do trem, isto porque para mim era uma alegria ver o trem passando trazendo e levando pessoas. Gostava também de andar de trem, aliás, para mim, à época, um meio de transporte fantástico, porque com ele e através dele, eu conseguia deixar o colégio interno e ir para a minha casa que ficava no interior. Por ele também chegávamos, eu e a minha família, até Alagoinhas, outro interior da Bahia, onde moravam familiares da minha mãe e do meu avô materno, para passar alguns dias de férias na casa de tia Margarida.
Outra tia, que na verdade era casada com um primo do meu pai, mas a distância da idade era tamanha que a gente chamava a todos de tio, tinha uma casa em Dias D´Avila, aliás, era muito “chic” ter casa em Dias D´Avila, onde um rio do qual não me lembro o nome, acho que Imbassaí, era um grande balneário para famílias abastadas de Salvador, por incrível que pareça, alguns espanhóis parentes do meu pai tinham casa nesta região, e para onde íamos como parentes que éramos.
Tia Dalva e tio Celestino tinham uma casa próxima ao rio das pedrinhas e as terras da propriedade deles terminavam, exatamente, na linha do trem.  Eu achava o máximo ver o trem passar, seja se estivesse em casa, seja se estivesse no rio. Se estivéssemos no rio, tínhamos de sair de dentro da água enquanto o trem passava pela frágil ponte, nunca soube o motivo deste cuidado, se de medo da ponte cair ou se tinha algum reflexo mesmo na água em que nos banhávamos; sei lá, o certo é que quando ouvíamos o apito era uma correria da zorra, todos saindo da água correndo.
Lembro-me que já com uns dez ou onze anos, talvez menos, viajando para Alagoinhas com todos da família, minha mãe distribuiu comida para todos que estavam próximos aos nossos assentos, inclusive para um rapaz que os amigos chamavam de “La Barca”. Acho, hoje, que o apelido era por causa da música, “La Barca”. Adorava comprar milho assado, pamonha de milho, frutas, tudo pela janela do trem, onde os vendedores arriscavam-se a não receber o dinheiro pelo produto, porque o trem podia partir antes do pagamento
Já adulta, na faculdade e com uns dezoito anos, pegava o trem suburbano para chegar à casa de minha avó que morava em Praia Grande, adorava a viagem, embora o trem fosse por demais desconfortável: bancos de madeira que faziam doer a “bunda”, porque as tiras machucavam a carne, mas era fantástico ir margeando o mar. Ficava com um friozinho danado quando o trem passava pela ponte de ferro que fica em Plataforma, ficava olhando, nos espaços entre os dormentes, a água funda e suja pela janela, não nego que tinha um receio danado de cair naquela água, porque odeio água suja, pois ela não nos deixa ver a profundidade.
Agora, com 57 anos, mais uma vez, o trem me faz viajar, sonhar, me transportar para um mundo diferente. Quando tomo o comboio, como é chamado o trem em Portugal, no Cais Sodré, ou em Santa Apolônia, ou ainda, na Estação Oriente, parece que estou entrando num sonho, não que o comboio tenha nada a ver com o trem que tomava na minha infância e adolescência, mas pela sensação que ele me proporciona, parece que me transporto para um mundo outro, diferente, de sonhos mesmo, fico me imaginando a morar naquela via, pois uma grande parte dela fica, literalmente, defronte do mar, que passa pela janela do trem.
Estoril-Cascais
O comboio que sai do Cais Sodré para Cascais segue, na grande maioria do caminho, margeando o mar.  Quando sai do Cais do Sodré, a gente vê o Rio Tejo e vai passando por diversos lugares; Santos; Alcântara; Belém; Algés; Cruz Quebrada; Caxias, Paço d`Arcos, o Tejo vai encontrando o mar: Santo Amaro de Oeiras;  Oeiras; Carcavelos; Paredes; São João do Estoril;  São Pedro do Estoril;  Estoril; Monte Estoril  e Cascais, tudo isto passando e a gente vendo o mar à nossa esquerda. Uma maravilha, uma viagem que recomendo a tantos quantos visitarem Portugal. Não deixem de fazer este passeio, mesmo que só tenha tempo de ir e voltar, mas não deixem de ir.
Cascais
Se tiver um tempo, vá até o final da linha: Cascais. Desça e siga até a vila, veja o mar, olhe como é linda a Baía de Cascais. Desça a rua calçada à sua direta e coma um pastel de bacalhau.  Continue andando, passe pela frente do Hotel Baía, suba a ladeira até o forte, siga até o jardim, atravesse-o todo e saia pelo castelo. Veja que maravilha de paisagem que esta à sua frente. Agradeça a Deus por lhe permitir ver tanta beleza e agradeça ao homem por ter lhe dado este meio de transporte que lhe faz viver sonhos como este que agora esta vivendo. Não esqueça esta visão, não precisa, sequer, tirar fotos, tanta beleza fica na nossa memória e um só pedaço de mar azul, límpido, um horizonte é suficiente para reavivar a sua memória e fazer você, sem o trem, se transportar para esta beleza que a natureza criou para nosso deleite.
Boa viagem de volta, de trem, e de muito sonho.