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terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Mito ou Realidade? As minas de Gabriel Soares


Estou em casa sozinha preparando, mais uma vez a ceia do final do ano.
 Lembro-me que, no ano passado, o senhor Garcia me apareceu sem mais nem aquela exatamente nessa mesma situação. Pensei comigo mesmo: Seria tão bom se aquele velho chato me aparecesse com alguma novidade da Bahia quinhentista! Sabia, entretanto, que isto seria quase impossível, até porque, da última vez que o senhor Garcia apareceu, foi quando me disse que ia reformar o seu testamento para me colocar nele como beneficiária. Lembram que ia me dar Arembepe? Penso que ele ficou muito aborrecido com a minha reação, ou então, ele se deu por morto mesmo, e se foi para o seu lugar no infinito e aceitou a sua morte e deixou o seu espírito descansar.
Continuei nos meus afazeres, mas, de repente, um calafrio imenso, os pelos eriçados e sentindo a presença de alguém ou alguma coisa estranha na casa.
- Bons dias! 
De imediato reconheci a voz do Senhor da Torre. Fiquei excitada e ao mesmo tempo apreensiva. Certamente o senhor Garcia não tinha qualquer problema em aparecer onde quer que fosse, bastava querer, mas fiquei inclinada a perguntar-lhe como me achou.
Eu tinha me mudado de casa e já estava mesmo achando que este era um dos motivos do desparecimento do Senhor Garcia. Olhe que tem horas que me acho louca mesmo, tenho de concordar com as pessoas que me acham assim e sem qualquer vergonha verbalizam este pensamento, e é bem assim eu me sinto em relação a esta estória com o Senhor da Torre.
=Bom dia Senhor Garcia, quanto tempo?
-Diga-me lá: por que não avisaste que mudaste de direção? Estivemos em tua casa em Arembepe algumas vezes e demos com os burros n´àgua.
Sorri com a expressão, e disse: Oh senhor Garcia eu não sei como encontrá-lo, aliás, da última vez que o senhor esteve comigo, disseste-me que estava no hospital da Misericórdia. Passei lá outro dia, no dia 04 de dezembro e até fiquei inclinada a entrar.
Pelourinho
Igreja da Misericórdia
Fiquei atônita, incrédula com o que acabei de falar, então eu iria entrar na Misericórdia para ver o senhor Garcia em pleno dia de Santa Bárbara e em pleno ano de 2019? Endoidei de vez, este homem conseguia me tirar do prumo mesmo.
- E ainda estou, disse-me ele, mas, como vês, vivo.
- Felizmente , felizmente. O que tem de novo para me contar? Antes, porém, esclareça-me em que ano estamos.
-Como em que ano estamos? Estas de borla comigo?
-Claro que não, mas preciso saber para tentar me localizar, inclusive no pedaço da madeira preta.
-Estamos em 1609. 
- 1609, quem é o governador?
Extas mesmo de borla comigo, então não sabes quem é o governador?
- Diogo Siqueira
E Francisco de Souza.?
- Também, é que mais uma vez o Rei dividiu o governo do Brasil, ficando aqui na Bahia o Diogo e, no Rio de Janeiro, o Francisco de Sousa
- Francisco de Sousa? Aquele que era um aficionado por minas?
Pelourinho
-Sim, ele mesmo, sabes que ele   tanto chafurdou na Corte, que terminou por ser nomeado para Governador do Sul, governo com sede no Rio e janeiro e ainda conseguiu a promessa de receber o título de nobreza ligado às Minas.
- No Rio de Janeiro?
-Sim, por que o espanto?
Ora, se ele tinha interesse em encontrar as minas que foram identificadas por João Coelho de Sousa, irmão de Gabriel Soares de Sousa deveria ficar perto do Nordeste, especificamente aqui em Salvador da Baia, ou em Sergipe, nunca no Rio de Janeiro.
- O importante para ele era estar aqui, não importa qual o lugar, até porque, também em São Paulo há perspectiva da existência de metais, não só lá como alderredor.
Sim, e ele em encontrou tais Minas?
Neste momento o Senhor Garcia deu uma larga risada. – Não ele não encontrou.
Agora quem ria era eu, mas ria por dentro, até porque o senhor Garcia não poderia saber se o Francisco tinha ou não encontrado tais minas, afinal ele falecera em maio de 1609. Francisco havia retornado ao Brasil em janeiro daquele ano e ido para o Rio de Janeiro, e pouco era o contato de ambos, bem como as notícias. Possivelmente, o Senhor da Torre não saberia do que acontecera entre janeiro e maio de 1609 com relação às minas.
- Mas diga-me lá Senhor da Torre, quem era mesmo João Coelho de Sousa
- Já disse-lhe: era irmão de Gabriel Soares de Sousa, este eu conheci muito bem, porque era um rico dono de engenho aqui mesmo na Bahia
“Gabriel Soares de Sousa, nascido em Portugal cerca de 1540 emigrara para a Bahia no fim da década de 1560. Durante uma permanência de dezoito anos na Bahia tornara-se um bem-sucedido plantador de cana e participou do conselho municipal em 1580. Seu irmão João Coelho de Sousa, descobriu depósitos minerais no interior da capitania, morreu antes de poder explorar essa mina, mas deixou a Gabriel um mapa que lhe indicava a localização. Em 1584 Gabriel foi à Corte com uma petição para a concessão dessa e quaisquer novas descobertas. Recebeu-a em 1590, ganhando a patente de Governador e Capitão-mor da Conquista e Minas do Rio São Francisco. Regressou à Bahia com 360 homens, comandou uma expedição ao vale superior do Rio Salitre na cabeceira do São Francisco. Morreu na viagem de regresso e foi enterrado no mosteiro beneditino da Bahia sob uma lápide com a inscrição “aqui jaz um pecador” (...) (RUSSEL WOOD 1939: 55-56).[1]
Como sempre, notei que o homem não estava gostando da conversa, que girava em torno de uma obra que não era dele. Ele adorava falar de si e das suas proezas. Gostava de endeusar-se, de falar da sua Tatuapara e da defesa que esta representava para a cidade do Salvador.  Falar de uma figura importante como era o Gabriel Soares[2] era muito para ele, acontece que não dava para mudar o assunto, e quando insisti mais um pouco, ele, como sempre, deu as costas e foi-se, sem saber o que eu tinha de falar para ele sobre estas minas e  da importância que teria o seu neto Francisco Dias D´Ávila para encontra-las.  Foi bom até, porque ele não iria acreditar mesmo que Francisco chegaria a tanto, todavia ele vai saber, porque eu tenho certeza que o Senhor Garcia, morrendo ou não efetivamente em maio de 1609, não deixará de aparecer para mim e eu terei a oportunidade de contar-lhe tudo o que o seu neto representou para a nossa Bahia, perenizando o nome dos GARCIA D´ÁVILA.[3]. 







[1] RUSSELL-WOOD, A.J.R. Fidalgos e Filantropos. A Santa Casa de Misericórdia da Bahia, 1550-1755(trad. De Sergio Duarte, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1981, Coleção Temas Brasileiros, 20.
[2] Gabriel Soares de Sousa escreveu o Tratado Descriptivo do Brasil, (1587) uma das grandes fontes para o conhecimento da Bahia Colonial, pode ser encontrado na Biblioteca Digital do Senado Federal.
[3]  Ver.  O feudo: a Casa da Torre de Garcia d'Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil. Bandeira, Luiz Alberto Moniz. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 2000: 

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A herdeira de Garcia D'Ávila



Parece brincadeira; uma semana após  publicar o texto falando sobre a ausência e a possível morte definitiva do Senhor Garcia,  estou sozinha aqui em casa e  ouço algumas batidas fortes na porta; me aborreço porque a porra da porta tem campainha, e não posso entender  por que não  a acionam ao invés de bater na porta naquela violência.
Saio da sala apressada para ver quem era. Abro a porta tão violentamente quanto as batidas que lhe deram.Acreditem: ninguém, nadica de nada, nem um pé de gente, nem um carro, nem cavalo.
Cavalo! Já sei, disse para mim mesmo,  é o Senhor Garcia, entretanto, logo o pensamento passa, porque ele não se daria ao luxo de bater na porta, apenas entraria e pronto.
Volto irritada para dentro, e o susto foi grande.  Estavam sentados no sofá:  o Senhor Garcia, um outro senhor, que identifiquei como sendo o núncio do outro dia, e um menino feio como todos os meninos feios que existem.
O Senhor Garcia deu a maior gargalhada quando viu a minha reação. Eu estava mesmo apavorada, então o desgraçado estava ali se sentando com mais duas pessoas e eu não vira passar por mim. Desta vez não tive qualquer reação física. Todas as vezes que o senhor Garcia aparecia eu ficava arrepiada, trêmula, na verdade: com medo, mas, desta vez, eu não sentira nada e ele estava ali, sentadinho. Só me assustei bastante.
- Por que não fostes ao hospital[1] como pedi?
- Senhor Garcia, o senhor não iria entender o motivo, mas não foi possível sair daqui:  a viagem, como o senhor sabe, é longa, eu não tenho cavalo, etc. Parei de falar, porque me dei conta que estava falando e justificando como se estivesse no tempo dele. Disse para mim mesmo: “estás ficando maluca mulher, tu nem andas a cavalo kkkkkkkk!”
- Não sabes o esforço que estou a fazer para estar aqui. Sinto que estou a morrer e preciso ter forças para modificar o testamento que fiz anteriormente  beneficiando  aos padres do São Bento, eles não me deixaram em paz, tive de sair da minha  casa e ir para o hospital[2] para ver se eles me deixavam mais tranquilo, mas,  agora tenho de refazer o testamento  e,  como quero deixar-te algo, precisas dar-me o teu nome completo, e outras informações que possam identificar-te com facilidade. 
Trouxe o meu amigo para testemunhar isto. Este menino é meu Este é meu neto, Francisco, ele é que será o herdeiro de tudo o quanto construí, este filho da mãe, feio como todos os feios, que parece ter sido cagado ao invés de parido, mas não tenho outro herdeiro, portanto, ele é que, de mão beijada, vai receber tudo, entretanto, quero dar-te algo.
-Oh seu Garcia deixa isto de lado! Não vos preocupeis com isto.
- Todavia eu quero, portanto....
Neste exato momento me transportei para Lisboa, e me vi questionando o “portanto” dos portugueses. Eles falam, falam falam, e no final dizem: portanto, e eu fico a esperar a complementação, que nunca vem. O portanto, pois, é justificado antes, eu digo tudo o que quero e depois falo, portanto, kkkkk, é uma maneira bem engraçada de finalizar uma oratória., todavia, eu achava que isto era uma coisa mais moderna, e vem ali o senhor Garcia a me dizer exatamente a  palavra ”portanto”, mas com uma finalização mesmo:  vais ser  minha “herdeira”,  porque quero, portanto.... (ou seja) não há mais questionamentos e pronto, é o que quero.
Fiquei imaginando o que o senhor Garcia poderia deixar para mim.
Quase lendo o meu pensamento, ele disse-me:
- Deixar-te-ei este local em que vives.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk . Como é que é Senhor Garcia, vai deixar-me a minha própria casa?
- Sim, para que não venhas a ter problemas. Construístes ilegalmente nas minhas terras, todos sabem que estas terras são minhas, e para que os demais herdeiros não te possam tirar-te daqui, vou deixar-te estas terras
Eu não conseguia parar de rir mesmo, então vou ter direito ao que já é meu. Puta merda, o homem era doido mesmo, e eu mais de que ele que ainda lhe dava ouvidos.
-Senhor Garcia o que significa estas terras, além desta casa?
- Tudo, de Arembepe até a margem direita do Jacuípe.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, realmente não pude conter o riso. Pensei nos Figueredo, donos de muitas terras em Arembepe, nas minhas vizinhas laterais, Solange e Eliana, nos vizinhos do fundo, nos da frente, no Mar Aberto, em Colo, em Vu, em Duinha, Chris:. Kkkkk, tudo meu. Eu iria despejar todos das minhas terras.  A aldeia dos hippies, hoje tombada, enfim tudo em Arembepe agora, por vontade do Senhor Garcia, era meu. Eu que tive tanto trabalho para conseguir escriturar minha casa. Hilário mesmo!
Então   vi que o Senhor Garcia começou a ficar muito vermelho e muito aborrecido com a minha risada, e sem mais delongas levantou-se e saiu, deixando-me, mais uma vez, abruptamente e com a certeza de que ele não voltaria mais nunca. Ele ia morrer mesmo de uma vez e pronto, e eu ficaria sem as novidades, ou melhor, eu já não poderia conversar com ele, agora na minha vez de contar-lhe os acontecimentos “post mortem”.

BIBLIOGRAFIA
CALMON, Pedro.  História da Casa da Torre. Uma Dinastia de Pioneiros. Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 3ª. Ed. 1983
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, O Feudo – A Casa da Torre de Garcia D’Ávila, da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil.  RJ, 19ª ed   2000 (recurso eletrônico) acesso em 25.10,2019
RUSSEL -WOOD, A.J.R, Fidalgos e Filantropos. A Santa Casa de Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Trad.  Sergio Duarte, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1981  



[1][1] A Santa Casa de Misericórdia foi fundada em Lisboa em 1498 e a “filial da Bahia era a mais importante do Brasil colonial (....)  A irmandade. Recrutava os seus membros dentre cidadãos eloquentes, fossem os aristocratas da terra, comerciantes ou artesãos proeminentes. RUSSEL-WOOD (1981:XIV-XV).  A Casa de Misericórdia de Lisboa em 1516 editou o Compromisso de Lisboa finalidades, espirituais e corporais, dentre os corporais estavam: resgatar cativos e visitar prisioneiros: tratar dos doentes; vestir os nus; alimentar famintos, dar de beber aos sedentos; abrigar os viajantes e pobres;  sepultar os mortos.(RUSSEL WOOD, 1981: 14-15). Obviamente o Senhor Garcia era membro da Santa Casa de Misericórdia, por seu um homem bom da cidade, rico, grande proprietário e poderia estar, como esteve internado na Instituição onde faleceu.   
[2] Segundo os autores que escreveram sobre Garcia D’Ávila, a exemplo de Pedro Calmon, Bandeira, dentre outros, Garcia D`Ávila foi tão incomodado pelos padres do São Bento, que para se livrar deste assédio foi para a Santa Casa de Misericórdia. “Envelhecera o grande lidador. Roçava os noventa anos, quando, importunado pelos frades bentos que queriam lhes deixasse parte dos bens, fugiu para a hospedaria do hospital da Misericórdia, e aí, a 18 de maio de 1609, ditou o testamento a Francisco de Oliveira, servindo de testemunhas o desembargador Baltazar Ferraz, o licenciado Gonçalo Homem de Almeida, irmão do lente de Coimbra, o cristão novo Antônio Homem, queimado pela Inquisição em 1624, o tabelião, ancestral( quem isso imaginaria na primeira década do século XVII!). da Casa que ombreará, em ambição e poder, com a Casa da Torre” (1983:34).   “Os monges que receberam de Catarina Álvares a doação da ermida de Nossa Senhora da Graça, bem como de uma vasta área ao redor e eram grandes proprietários de grandes extensões de terra na zona do rio Jaguaribe, nas imediações de Santo Amaro de Ipitanga e Itapoá, passaram, entretanto, a submeter Garcia D’Ávila já bastante enfermo nos últimos anos de sua vida, a crescente pressões a fim de força-lo a fazer mais  doações ao Mosteiro de São Bento (...) E o cerco dos beneditinos chegou a tal ponto que o poderoso Garcia D’Ávila, sentindo-se por eles coagido e impedido de dispor livremente dos seus bens, teve de ir “fugindo” de casa para  o hospital da Santa Casa de Misericórdia, a fim de que pudesse agir conforme sua consciência mandava. A indignação contra tal procedimento ele não escondeu. Manifestou-a, reiteradas vezes, ao ditar em 18 de maio de 1609 seu testamento(...) (2000:96-197)

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Psicografando! Será?

Monsarraz - Alentejo Pt.

Era muito estranho, desde a última vez em que o Núncio do senhor Garcia esteve aqui em casa, não mais tive qualquer notícia dele. Ficava me perguntando: Será que ele morreu de uma vez? Sim, porque ele  no tempo certo, e segundo a historia oficial, o senhor Garcia falecera no mês de maio; assim, como o Núncio aqui esteve em maio, me dizendo que o senhor Garcia queria falar comigo lá no hospital da Santa Casa,  penso eu definitivamente ele se foi e que  não mais vai aparecer.
Também, se apareceu não conseguiu me encontrar, estive viajando por quase um mês inteiro, e ele com exceção de só uma vez no trem em Lisboa indo para Cascais, ele só me aparecia lá m casa em Arembepe.
Em Portugal pensei muitas vezes nele, mas nada aconteceu. Um dia indo para a casa da Vera lá em Oeiras, vi uma loja com um anuncio de leitura de TARÔ. Me interessei e entrei na loja, e marquei a consulta com a taralóga para o dia seguinte; No dia  da consulta cheguei e lá havia uma senhora bem bonita, não sei porque, não entendo bem, estava ela toda de preto,  vestia uma roupa que eu não conseguia definir muito bem, parecia uma dama antiga  vestindo preto, um odelo de roupa de pessoas de outro século, no de saraus, de castelos, enfim, a mulher era bem diferente.
Pediu-me que dissesse a minha data de nascimento e a hora do meu nascimento, disse-lhe, daí ela já me falou uma série de coisas, inclusive que eu tinha uma mediunidade extraordinária e que eu tinha capacidade de cura pelas mãos.  Como é a quarta ou quinta vez que ouço isto, penso que daqui para frente vou tentar desenvolver isto. Entretanto, isto não foi o interessante da minha consulta.  Ela continuou e acabou de me dizer algumas coisas que via nas cartas, umas boas e outras más, e perguntou-me se eu queria saber alguma coisa especifica: falei-lhe que queria publicar um livro, e seu eu conseguir isto.
Antes de abrir o baralho ela me perguntou sobre o que seria o livro que eu queria publicar.  Falei que era sobre a história da Bahia no período colonial, bem lá nos primórdios do descobrimento e colonização.  Também falei mais ou menos como seria a metodologia que iria aplicar.  Dito isto ela jogou as cartas e me disse claramente: “sim você vai publicar o livro, mas quem será o autor?”  Obviamente que serei eu, respondi.  Aí ela argumentou: “Você!!!!! E o espirito que lhe informa  os fatos, os acontecimentos?”  Fiquei olhando para a mulher, devo ter feito uma cara completamente idiota, porque ela  falou:  “Se estás a psicografar O autor do livro é o espirito e não você”.
Minha cara deve ter piorado mais ainda: “Que espirito o que?  Ninguém me aparece não, eu criei este personagem(espiritual) embora ele realmente tivesse existido e sido tão importante na história da Bahia, mas nunca o vi, e os fatos que narro são frutos de pesquisa minuciosa, leituras, etc.”.
E ela insiste: “Estás enganada,  este homem sobre o qual escreve, é que lhe conta  a sua própria história, e portanto você é somente um conduto, um elo de ligação dele, entre o mundo dos espíritos  e a terra.”
Não pude deixar de rir, estava achando aquilo bem engraçado. Então eu faço força e o Senhor Garcia acha bonito. Imaginei a cara dele rindo de mim, e me provando que ele era o poderoso mesmo, mas eu tinha a certeza absoluta que a taróloga  entrou numa wiber  que  eu não entendia, ou não queria entender, até porque aquilo não era mesmo verdade.  O Senhor Garcia, apesar de um personagem que eu não posso dizer fictício, tivesse existido mesmo, eu não   me vejo vendo-o em sua forma etérea e a ouvir ele descrevendo os fatos.

Com a afirmação de que conseguiria publicar o livro, com grandes novidades que provocariam polemicas, pois  eu falaria de coisas que o Senhor Garcia sabia, e só ele sabia, e nada disso poderia ser comprovado através de documentos, o que significaria uma série de questionamentos e poucas respostas para eles, deixei o local  e saí  ladeira acima, voltando para casa da  Vera e pensando  em tudo aquilo que ouvira.
A esta altura eu já estava mesmo querendo que, o que a mulher falou, se tornasse realidade.  Já pensou eu falar diretamente com o senhor Garcia e ter informações de, minimamente, sessenta e poucos anos de história da Bahia, e não só dela? Saber de fatos e acontecimentos   que somente eu, euzinha, saberia, contados pelo próprio senhor da Torre.  Ah! Seria bom demais!
Voltei de Portugal e estou aqui, mas nada acontece, o Senhor Garcia não aparece, e acho que não vai mais aparecer, MORREU, literalmente morreu e levou o seu espirito que vagava  por suas  terras e invadindo o que ele achava ser ainda seu, a exemplo da minha casa, onde ele chegava sem qualquer cerimônia.
Estava realmente com saudade de exercitar a minha imaginação e conversar mais com o Senhor da Torre, mas parece que não vai ser ainda hoje, vou ter de aguardar às ordens do dito senhor, ou então, ir em alguma sessão espírita para ver se o trago de volta.
            

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Garcia D'Ávila XXII -Um núncio nada amistoso


Chovera a noite toda. A Rua da Gloria estava, mais uma vez, alagada. Olhei do portão e a rua parecia um rio, peixinhos passavam pela água barrenta, a água já estava a meio palmo do portão. Da minha casa   A rampa da garagem já estava toda coberta de água. Uma lástima. A rua estava deserta, evidentemente que ninguém podia sair das suas casas. Pensei na pobre da Christiani, certamente a casa dela já tinha alagado, fica na parte mais baixa da rua e a menor chuva enche tudo.  De repente pareceu-me ver alguns cavalos entrando na rua, digo para mim mesmo,” que coisa estranha. A rua toda alagada e gente andando (nadando) a cavalo !” Deduzi que os cavalos poderiam passar pela água, então alguém estava vindo ajudar os que não podiam sair de casa.
Fecho o portão e entro em casa, que continua toda fechada. Os vidros embaçados, pois a junção da chuva e do salitre não é boa.  Fico deitada na sala e pego um livro para ler. Não podia fazer absolutamente nada, nem mesmo ficar na varanda, pois a chuva forte de açoite molhava tudo. Mal começo a minha leitura, o tratado sobre o Brasil de  Frei Vicente do Salvador ouço batidas fortes no portão. Pensei logo em Christiani, e sequer lembrei da chuva e sai correndo para abrir o portão. Surpresa!  Três  homens montados em cavalos  estavam à minha porta. Tomo um baita susto. Até porque eles eram muito estranhos, vestidos com roupas diferentes, chapéus diferentes, e não pareciam estar molhados.
- Quem são vocês?
Um deles, tirando o chapéu responde:
-Sou Manoel Pereira Gago,  procurador da Casa da Torre e amigo  de Garcia D`Ávila.
- Quem?
Não acreditei no que ouvia. Outro  morto para me sacanear. Assim eu não aguento, falei para mim mesma. Esta casa vai virar um anexo de Tatuapara, ou da Igreja da Sé, onde Garcia DÁvila foi enterrado.
Pensei em fechar o portão dar meia volta e entrar em casa outra vez. Mas de que adiantaria? O tal do Manoel Pereira Gago entraria de qualquer forma, ele, os outros dois homens, seus cavalos,  todos  eram espíritos e passariam pelo muro, portão, enfim, entrariam de qualquer maneira, ai resolvi rapidamente  enfrentar a situação.  A chuva, entretanto, continuava, eu me molhando toda, tinha que voltar para a varanda. Os homens continuavam como se aquele temporal não estivesse acontecendo. Por outro lado, era muito interessante não tratar mal o Senhor  Gago, afinal ele poderia ser uma grande fonte de informações, caso o senhor Garcia não aparecesse mais. O homem era procurador da Casa da Torre e foi o tutor do neto do Garcia D´ávila, além de tutor virou sogro, enfim, aquele senhor era um poço sem fundo de conhecimento sobre os Garcia D´Ávila.
- Sim, Senhor Manoel. O sr disse que é amigo do Senhor Garcia D´Ávila. Onde ele está? Faz tempo que não aparece.
- Exatamente por este motivo que aqui estou. O Garcia está muito doente, está lá no Hospital da Misericórdia e pediu-me par te vim buscar.
- Me buscar? Para que? Para levar-me onde?
- Ah minha jovem, ainda não tenho o dom da adivinhação. Apenas sou amigo dele, e lhe quero fazer o que pode ser a sua última vontade.
-Senti um calafrio no corpo. Puta merda. O senhor Garcia não podia fazer isto comigo. Será mesmo que ele deixaria de me fazer visitas? Será que iria aceitar a sua morte mesmo, e não mais viria conversar comigo? Quem então iria me falar de coisas da Bahia colonial, de acontecimentos histórico importantes?  De coisas pitorescas? Acho que fiquei tão atônita, que o homem perguntou-me:
-Estas pálida, Sentes-te bem? E de um salto desceu do cavalo e eu senti sua mão forte a pegar no meu braço, para evitar que eu caísse.
-Estou bem sim. Mas o que aconteceu com o Se Garcia?
- O Garcia  está muito fraco e  para não ficar aqui em Tatuapara aguentando, inclusive a pressão dos padres beneditinos, foi ter à Misericórdia e  pede que a menina vá lá ter. consigo
- Como vou sair desta, penso eu? O Senhor não está a ver como está a rua, não posso sair daqui agora.
- Que tem a rua?
-Não vês que a rua está alagada?
-Alagada? Estás a brincar?
Meu Deus! O que faço agora.  Como me sair desta?
- Infelizmente não vos posso acompanhar. Diga ao senhor Garcia que assim que a água baixar vou ter com ele, todavia, hoje é impossível.
O Senhor Manoel Pereira Gago, que de gago não tinha nada, quase vociferou;   achei que ia me bater, mas  montou no cavalo e partiu com os seus dois acompanhantes. Acho que o Senhor Garcia mandou que ele me tratasse bem
Voltei para dentro de casa, e de imediato fui procurar ver no computador  quem era este homem que se dizia amigo de Garcia D´Ávila, e na verdade, o que estava acontecendo mesmo com o Senhor Garcia.
Coloco no google o nome – MANOEL PEREIRZ GAGO, descubro uma série de coisas: uma delas, a mais importante: é que fora escolhido pelo Garcia D´Ávila como tutor do seu neto. Fiquei realmente desesperada. Então o senhor Garcia, quase como uma despedida, mandava me avisar da sua morte e do seu desejo de falar comigo, talvez pela última vez? Entretanto, como as coisas estavam eu não podia sair de casa. Este último pensamento me deixou incrédula. Estás doida mulher? Então ias fazer o que? Ir na Santa Casa de Misericórdia? Ias lá procurar por GARCIA D’ÁVILA ? As pessoas iam te levar diretamente para uma casa de “loucos”. O pior é que pensei mesmo nisto. O que eu poderia fazer? Nada, então decidi ficar na sala lendo mais coisas sobre o Pereira Gago e a sua amizade com o Garcia D´Ávila.
Evidentemente que eu sabia que o Pereira Gago fora  nomeado tutor de Francisco  Garcia D´Ávila, só não sabia o seu nome completo, e fui para os livros de testamento  do São Bento e tentar tirar mais informações; por outro lado, já ia pensando na perspectiva de que o senhor Garcia me deixasse e também falasse do seu neto, Francisco Dias D´Ávila, o filho de Isabel com um dos filhos do velho Caramuru, o que uniu as duas famílias das mais poderosas da Bahia..
Intrigada mesmo com a aparição de outro personagem histórico, queria logo saber por que o homem fora escolhido e a ligação entre os dois, Garcia e o Gago. Também me fazia espécie que tudo isto estava acontecendo no dia 20 de maio, segundo historiadores, o dia da morte do Garcia D`Ávila há quatrocentos e setenta anos atrás.
Dizia para mim mesma: A minha ligação com este homem é mesmo muito forte. Será que ele era meu parente mesmo, afinal ele tinha Garcia, meu pai tinha Garcia, toda a minha família galega tinha Garcia, eu e meus irmãos não o tínhamos por erro de cartório.
Achei o testamento[1] e recomeço a lê-lo com toda a atenção possível, já o lera antes, mas agora com o recado da morte próxima do Senhor da Torre e da visita do seu amigo e tutor do neto, tinha de fazê-lo criteriosamente. Certamente as entrelinhas do documento ia me mostrar alguma coisa, que não percebera antes. O que mais me intrigava mesmo, era o fato do de que o que fora escolhido tutor era das bandas de Porto Seguro. 
Não, o testamento não acrescentara muita coisa, mas relembrei o quanto o senhor Garcia estava aborrecido com os Padres do São Bento. Segundo ele os padres fizeram com que ele assinasse  uma doação de muitas terras para eles, mas, em disposição de última vontade ele anulou todas as doações feitas, fez  o seu neto seu maior herdeiro.
Fiquei mesmo preocupada, o fato do Senhor Garcia morrer não me incomodava muito, ele já estava morto mesmo, mas a perspectiva de não vê-lo mais, pois se acaso ele aceitasse a morte nesse momento, todos os meus planos iam para o beléleu, entretanto, nisto tudo havia uma esperança, a de que, caso o Sr da Torre não aparecesse mais, o Sr Pereira Gago podia, muito bem substituí-lo, e aí seria ótimo, porque o a lacuna deixada pelo Senhor da Torre seria preenchida, e não só, agora eu saberia do Francisco Dias D’Ávila, o neto, sobre o qual o Senhor Garcia sempre se recusou a falar.
Com esta esperança fico aguardando  nova visita, seja de um, seja de outro. fico aguardando um peguei no sono.






[1] Livro II Tombo do Mosteiro de São Bento, p 284


segunda-feira, 1 de abril de 2019

Garcia D´Ávila XXI - Os Antunes do Matoim


Desde ontem que venho chamando pelo Senhor Garcia, afinal de contas queria parabeniza-lo pelos 470 anos de Salvador da Bahia de Todos os Santos, sim, é assim que a Salvador planejada em Portugal por Luís Dias, projeto aprovado pelo Rei, era identificada. Afinal de contas o homem ajudou a fundar a cidade, povoá -la, fazê-la crescer. Naturalmente que não o fez por amor ao Rei, evidentemente que não,  o que o Garcia D´Ávila sempre quis, aliás, morreu com o mesmo pensamento, era enriquecer, empoderar-se mesmo, ficar cheio de dinheiro. Ser, como foi, o Senhor da Torre, fundando uma das casas mais antigas, poderosas e ricas da Bahia,  A CASA DA TORRE.


Chamei muito, mas o miserável não aparecia de maneira alguma. Comecei a pensar na morte do Senhor Garcia, afinal de contas da última vez que ele apareceu estava bem alquebrado, chegou mesmo a cair.  Fiquei me perguntando: O homem vai morrer em 1609, se bem me lembro, da última vez que ele esteve aqui,  no dia que disse-me que ia me contar uma novidade, para ele já estávamos(ele claro) em 1604, ou seja  daquele momento ele só teria mais 5 anos de vida, muito pouco tempo, E o que iria acontecer quando chegasse o momento da sua morte?  Sei que vocês podem estar dizendo que eu to ficando doida, talvez até esteja, pois não é muito normal alguém ficar dialogando com um espirito que apareceu do nada e me conta coisas da nossa Bahia colonial. As vezes fico na dúvida: Será eu é ele mesmo que me conta ou eu leio estas coisas?  Bom, mas o certo é que andava mesmo preocupada com o ano de 1609. E se ele desaparecesse de vez?  Eu, pessoalmente, achava que isto iria acontecer. E digo isto porque, depois de 1609 o que teria o Senhor Garcia para me contar? Nada. Ele faleceu e ia se recolher na sua alcova da morte para sempre. Sua missão para comigo estava cumprida, me dera muitas dicas e me contara coisas que os livros de história não contam,

Bom, como o Senhor Garcia não me ouviu até este momento, resolvia, sozinha  falar de Salvador e da sua fundação, bem verdade que já fiz isto, acho que no primeiro texto e também quando  falei de Caramuru, mas a história se renova sempre, uma descoberta de um documento novo, um marco que é encontrado, uma nova evidencia de algum acontecimento, uma ruína aqui, enfim.
Desta vez calhou que passaram um documentário sobre Salvador, e não é que neste documentário apareceu uma novidade, novidade mesmo sobre a história de Salvador.  Um fazendeiro encontrou um marco da cidade em suas terras. A fazenda dele fica em Candeias, e o marco que mostram na televisão tinha a inscrição do Tombo. Fiquei entusiasmada, que maravilha de descoberta para a nossa história, que bom que este fazendeiro chamou as pessoas certas para entregar esta preciosidade. No mais, para mim, nada do que o repórter trouxe de informação foi novidade, mas isto é para mim, porque eu tenho certeza que muitos dos que viram este documentário não sabiam de alguns dos fatos trazidos pela reportagem.

Só um historiador, e assim mesmo que se dedique à investigação, sabe que existe o Arquivo Histórico do Ultramar o AHU. Uma preciosidade, espero que o governo português procure preservar este arquivo. Nele temos, não interessa que a história oficial contada apenas por uma das partes envolvidas, uma fonte inesgotável de conhecimento da história do Brasil, em particular da Bahia, aqui onde tudo começou. Somo, a Bahia, o berço da civilização brasileira. Sim, porque somos uma civilização, não adianta ninguém querer tirar este nosso lugar no mundo.
 
E lá vou eu escrevendo e nada do Senhor da Torre aparecer.

O documentário continua, e, aliás outro fato que eu não sabia, que o Tome de Souza está enterrado (restos mortais) estão em uma igreja, igreja esta que fica em uma propriedade privada, em um sitio chamado Vila Franca de Xira, que fica pertinho de Lisboa. Se tivesse eu sabido antes já tinha dado um jeito de pedir autorização ao proprietário para ir neste espaço.  Achava que os restos mortais do Tomé de Sousa estavam em Rates, lugar do seu nascimento e também do nascimento do Garcia D´Ávila.

Aqui tenho de fazer um aparte.  A importância de Tomé de Souza para a nossa cidade e para o nosso país como um todo merecia que os seus restos mortais estivessem aqui – NO BRASIL, - especificamente na cidade do Salvador, mais especificamente, ou na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, ou na Conceição da Praia ou na Catedral Basílica.  Seria o lógico, e não em uma Igreja caído aos pedaços, numa propriedade privada em Vila Franca de Xira, acho que vou escrever para o Ministro da Cultura a este respeito.

Enquanto escrevo sobre a informação que tive ontem, não percebi que o Senhor Garcia estava instalado no meu sofá. Ele olhava-me teclando as teclas da “madeira preta”, como ele denominava o meu computador e parecia intrigado com aquilo.

Levantei a vista e lá estava ele olhando-me e sua cara parecia mais um ponto de Interrogação

-Olá Senhor Garcia, não vi o senhor chegar.

-Claro que não, quando estas em frente a este pedaço de madeira preta, não vez ninguém, não falas com ninguém, parece que não existe mais nada além disto.

Sorri, mas, imediatamente, parei de teclar e olhei diretamente para o Senhor Garcia – Sabes que dia é hoje?

- Um dia como outro qualquer. Só não entendi até agora porque me chamavas tanto. Desde ontem que tenho a sensação que estás a me chamar.

-Chamei sim senhor Garcia, queria muito falar com o senhor e lhe dar parabéns.

-Parabéns! Por que Parabéns. Não é meu aniversário.

- Não é o do senhor, mas é aniversario da Cidade de Salvador da Bahia

- Que dia é hoje mesmo?

-Dia 29 de março

Me escusei de dizer o ano, se eu o fizesse as coisas começariam a desandar desde ali. O Senhor Garcia ia me chamar de louca, bruxa, qualquer coisa do gênero. Acho que desta vez ele me denunciava mesmo. Então eu ia dizer que estamos em 2019 a um homem que só viveu até 1609?

- E mesmo, há 60 anos chegamos nesta terra. Não tinha aqui absolutamente nada. Já fizemos tantas e tantas coisas, já temos hospitais, igrejas, mosteiros. Eu tenho lá minha Torre em Tatuapara, meus rebanhos, minhas terras. A terra produz açúcar, já temos o porto para escoar a produção de açúcar, há muitos ricos nesta cidade, homens de bem compõe a Câmara, conseguimos “civilizar” muitos indígenas.

Quando o senhor Garcia falou em “civilizar indígenas” não pude deixar de rir. O que seria para o Senhor da Torre “civilizar”?  Escravizar indígenas, fazer aldeamentos, obrigar os pobres coitados a seguir a fé católica, seria isto o sinônimo de civilizar do Senhor Garcia? Não questionei nada, somente ri e fiquei pensando no que ele estaria pensando.  Uma coisa é certa, se eu contestasse esta “civilização” ele por certo iria embora e eu ficaria sem informações e eu precisava saber a quem pertencia estas terras onde o tal marco fora encontrado. Por que em Candeias é que estava este marco?

Engenho Matoim - foto encontrada arquivo Iphan
- Senhor Garcia, a quem pertencia as terras do Recôncavo?

Terras do Recôncavo? Que terras, para que lado?

-Pros lados do Matoim

-Jorge Antunes. Tem um engenho muito bem montado por lá.  A propriedade “era composta de um engenho, casa grande e da Igreja de Nossa Senhora do Rosário;”[1]

É mesmo? Me fale mais deste senhor?

-Qual o seu interesse nele?

-Ora senhor Garcia, eu me interesso pela história da Bahia colonial, e se este homem foi  importante na  nossa história, quero saber de detalhes.

-Quem é importante nesta cidade é o Governador Geral, os Juízes, eu, os homens bons, os padres.

- Que é isto senhor Garcia, cada pessoa que contribuiu com a formação desta cidade é importante. Aliás, o Sr. Antunes é um senhor de engenho, é um homem respeitado, Vá lá e me fala deste Antunes.

- A família chegou nestas bandas com o governador Mem de Sá; aliás, vieram na mesma nau. O patriarca da família, HEITOR ANTUNES, era um cristão novo, que aproveitou a chance de se livrar da Inquisição, que e perseguia os judeus na Europa, para vim para o Brasil, ele era mercador e era casado com a Sra  Ana Rodrigues. Heitor Antunes morreu em 1576, mas já estava instalado no Engenho Matoim. O Engenho continuou sendo levado pelos sua esposa e filhos.

- Mas Matoim não fica perto de São Francisco do Conde?

- São Francisco do Conde! Não sei do que falas. Não estas a referir-se a Sergipe do Conde?

- Deve ser Senhor Garcia, deve ser.

- Se estas a falar  de Sergipe  do Conde, estas a falar do  Engenho de Mem de Sá- Bom quando chegamos  aqui tínhamos um plano para a fundação da cidade, que tinha limites pequenos, depois estes limites começaram a se expandir,  por ordem do Rei, expressa no regulamento trazido por nós, em que  Sua Majestade  mandava que o governador percorresse uma área de 6 léguas além da costa, a fim de encontrar um sitio para fundar a cidade. E isto foi realmente feito. O sitio escolhido era pequeno, mas como todo o percurso indicado foi feito, foram colocados marcos para indicar que a terra pertencia a Portugal. Um bem da coroa, mas não me consta que este marco tenha ficado em terras que depois pertenceria ao Mem de Sá.
- Mas não poderia ficar em Matoim: no Engenho dos Antunes?
- Não sei, nunca ouvi falar nada parecido.
Ao que parece o senhor Garcia não vai me contar qualquer coisa nova que mereça ser publicada, e não questionei mais nada, entretanto o Senhor Garcia parece não querer parar de falar dos Antunes e me disse:
- Sabes que o Heitor Antunes, mesmo morto foi denunciado à Inquisição?
-Não, não sabia.
- Admiras-me que não saiba, ficas a fuçar a vida de todos nesta madeira preta.
Pois é, Quando o Heitor Furtado foi para o Recôncavo em 1592 recebeu muitas denuncias a respeito das praticas judaicas pela família de Heitor Antunes, como ele estava morto, a sua família pagou o parto. A Ana, esposa  do Heitor fez a sua confissão em 1 de fevereiro de 1592, foi condenado por Heitor Furtado e mandada para Lisboa onde, apesar de “ condenada a ser  “relaxada ao braço secular” (morte na fogueira), após anos de cárcere morreu na prisão e foi queimada em efigie  por sentença de 09 de maio de 1604, a qual amaldiçoa  a sua memória e ordena que seus ossos sejam desenterrados e feitos em pó” ANTT, II. Proc. 11618[2].
- Pôxa Senhor Garcia esse Heitor Furtado era mesmo muito ruim
- Todavia não foi só a Sra Ana que foi condenada pela Inquisição. Também sua filha de nome Leonor, que também “foi enviada para Lisboa encarcerada e processada,  Sentenciada em 1603, a sair  no auto público, abjurar em forma e a cárcere e habito com fogos, perpetuamente, sem remissão. ANTT, II, proc.10716 “ [3] Além desta filha, também a outra de nome Beatriz que também, à semelhança de sua irmã, foi condenada a habito perpetuo desenhado com fogos sem remissão.[4]
- Quanta maldade deste homem! Dizimar uma família assim.
- Quem manda eles continuarem com a pratica judaizantes?  A função do visitador é realmente sta, condenar aqueles que não seguem a fé católica.
- Mas senhor Garcia, o marido e pai destas senhoras era um homem de respeito nesta cidade. Lembre-se que era tão importante que foi coletor do imposto do açúcar, o seu engenho foi objeto de muitas citações em diversos   livros sobre a Bahia, a exemplo do Tratado de Gabriel Soares,
O velho Garcia D´Ávila fechou a cara, eu bem sabia que ele ia se aborrecer, ele realmente não gostava que se desse  valor a quem merecia este valor, era prepotente mesmo e só ficava satisfeito se eu falasse exclusivamente dele, de suas posses, de sua importância. Como sempre, olhou-me com a cara feia e foi-se, sem, mais uma vez me contar a novidade que ele me disse, na outra visita, que tinha para me contar.   


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[1] Informações que podem ser encontradas no site do Iphan. De acordo com o mesmo site o Engenho  foi destruído pelos holandeses e reconstruído pela família Rocha Pita no século XVIII . Em 1973 o Estado da Bahia desapropriou  a propriedade para fazer parte do Centro Industrial de Aratu.
[2] VAINFAS, Ronaldo  Santo Oficio da Inquisição de Lisboa – Confissões da Bahia,São Paulo. Cia das Letras, 1997, pg281-282
[3] Idem, p 288
[4] Ibdem p 275.

sexta-feira, 22 de março de 2019

Garcia D´Ávila XIX - A volta do "DAS MANHAS'


O Senhor Garcia desaparecer completamente, fazia alguns meses que ele não dava qualquer sinal de vida (morte) kkkk. Eu estava preocupada, não porque gostasse do senhor Garcia, sb ia perfeitamente que ele não fora nada que prestasse em vida, além do mais tinha aquele ar de superioridade colonial que me irritava muito, todavia, para os meus propósitos, ele era fundamental,
Gosto de história, tanto que, após alguns anos de formada em direito resolvi fazer história, acreditem se quiserem: sem matricula especial. Fiz um novo vestibular e fui aprovada na Universidade Católica do Salvador, onde fiz dois dos primeiros semestres, os demais fiz na UNEB no campus de Santo Antonio de Jesus, para on de fui transferida por força do trabalho, entretanto,  isto não vem ao caso agora, a não ser para dar a exata noção da minha paixão póla história.
Como nem todos tem o mesmo interesse  por História como eu, tendo ouvido muitas vezes algumas pessoas dizerem que “odeiam” a matéria história, é que pensei em escrever, ao menos história da Bahia colonial, de uma maneira  lúdica, engraçada, que prendesse a atenção dessas pessoas que dizem odiar a história sem saberem  o quanto ela é fantástica, o quanto do saber  de outras disciplinas a ela está ligado e quão  mais fácil fica, quando  aprendemos a contextualizar os fatos nos seus devidos momentos e lugares. Mas também não quero  falar da história como ciência aqui, o que quero, e tinha e tenho em mente, é exatamente levar  o leitor a aprender história, entretanto ele só irá perceber que  está lendo um texto de história quando acaba de o ler  e apreender as informações ali contidas. A ideia é despertar o interesse para que ele, o leitor, se aprofunde mais naquelas informações que ele acabou de perceber e apreender, durante a leitura do texto. Isto seria e será uma grande realização pessoal.
Foi assim que o Garcia D´Ávila entrou na minha vida, como ele se fixou e como agora me faz falta quando deixa de aparecer por tanto tempo. O Senhor Garcia se fazendo presente, me presenteava com as informações que ele presenciara, vivera. Eu tinha uma fonte de informação privilegiada, mas o danado é voluntarioso e só aparece quando quer.
Este desaparecimento estava realmente me preocupando, e eu começava a achar que algo de ruim tinha acontecido.  Será que ele faleceu?  Pergunta idiota: vocês podem estar dizendo isto a mim, mas ela tem toda lógica dentro do contexto meu e do Senhor Garcia. Olhem bem, o homem pensava que estava vivo, não me aparecia como alma penada que era, e que alma penada!  Conversava comigo como se vivo fosse, me dava informações do seu tempo e da sua hora. Me contava fatos, alguns muito pouco conhecidos, do momento histórico que viveu nestas plagas. Assim, para mim tinha toda lógica o pensamento de seu falecimento. Se ele morresse e aceitasse esta morte ele poderia não mais aparecer e conversar comigo: isto me dava uma ansiedade e uma tristeza danada.
Sem dúvida que para mim era uma perda irreparável.]
Bom, e foi com estes pensamentos que ouvi um barulho na sala. Parecia que alguém tinha levado um tombo. Larguei o computador em cima do sofá e sai correndo para o local de onde teria vindo o ruído. “Que cena hilária”!  E não pude deixar de rir: Ali estava o senhor Garcia ainda sentado no chão e, o cavalo dele dera uma empenada e o derrubara, se apressando para levantar, mas a idade já não permitia tanta agilidade, e eu o peguei ali, no chão.
Kkkkkkkkkkkk, o que houve Senhor Garcia?
- Não me encha os pacova, não estas a ver?
Contendo o riso perguntei-lhe – quereis ajuda para levantar-se.
- Esmeralda!  Não sei para que ainda venho aqui e converso consigo: És insuportável e pensas que podes comigo.  Não podes não, não sei como ousas pensar em ajudar um homem como eu a levantar.
- Desculpe senhor Garcia eu só queria ser educada, mais nada.
- Guarde a sua educação, eu a dispenso e já estou arrependido de vim aqui.
Aquela última frase me deu um friozinho na espinha. Desgraçado; bulira no meu ponto fraco, ah se ele realmente resolvesse não voltar! Como, sem ele, eu continuaria com o meu projeto? Amenizei, então, a coisa.
Desculpe Senhor Garcia, é que esqueço o quão forte o senhor é. Então o senhor ia lá precisar de uma mulher para levantar?  Jamais, jamais mesmo. Sou mesmo uma abestada como pensaria e verbalizaria uma coisa desta.
Claro que isto   para aquele velho prepotente, fazia toda a diferença. O Senhor Garcia estava envelhecendo, aquela queda era uma constatação. Por mais que ele não admitisse, ele estava ficando frágil.
-  O que houve com o senhor? Pensei que tinha acontecido alguma coisa consigo? Desapareceu faz algum tempo.
- Tenho muitas coisas a fazer, além de estar vindo visitar-te., mas hoje, efetivamente fiquei com saudades tuas e vim aqui, além do mais tenho uma grande novidade para ti.
- Uma novidade? Chegou algum novo governador? Alguma coisa está para acontecer que eu não tenha conhecimento?  Ah como fiquei excitada com esta fala do Senhor Garcia.
-Calma!  Vou falar-te, mas antes quero uma coisa.
Uma esfriada; que diabos aquele homem ia querer? Sexo com ele, apesar de sabe-lo um espirito, seria impossível. Eu não gostava da aparência daquele velho, não gostava dele, não admitiria, nem mesmo a nível espiritual que aquele sacana me pegasse. O que seria?
- Quero que olhes na sua madeira preta uma coisa
- O que:  Quase tenho uma crise de riso: então o senhor Garcia queria que eu olhasse algo na minha madeira preta!  Ele realmente achava que eu era uma bruxa e que aquela madeira preta, como ele chamava meu computador, deveria ser uma bola de cristal.
- Sim, vai chegar mesmo um novo governador e eu quero saber como este homem ficará aqui, como ele vai se portar. Afinal o último governador deixou uma marca triste para nós, homens de bem que engrossamos tesouro real.
- Eu olho senhor Garcia, mas o senhor tem que me dizer algumas coisas?
- O que por exemplo?
-Em que ano estamos, ou quem foi o último governador que deixou tão grande nódoa. Enfim, alguma coisa que me permita encontrar o que que quer.
- Então não sabes, tu mesmo que me falaste das vergonhas e safadezas do Diogo Botelho.
-Ah, agora sim.  O Senhor quer saber quem virá agora? Vou olhar.
- Todavia gostaria muito de saber qual o motivo desta sua preocupação. O senhor é uma pessoa bem informada e sabe de tudo antes mesmo das coisas acontecerem.
- Agora é diferente, só quero mesmo confirmar uma coisa que estamos temendo. Há uma intenção da divisão do poder em dois governadores, um que terá sede no Rio de Janeiro e outro aqui na Bahia, e quero saber mesmo se El Rey vai fazer isto mesmo. Noutra ponta, tenho mais receio ainda de que o Francisco das M9nas volte.
- Senhor Garcia o senhor devia se afastar destas questões, devia é cuidar da sua saúde, dos seus bens, as mudanças administrativas   não vão interferir muito na vossa vida.
-Podes ver isto ou não?
- Claro que posso
Pequei o computador e coloquei no google – Quem foi o governador geral em 1908: Sem qualquer surpresa.  O Diogo Botelho seria substituído por um outro Diogo – o Diogo de Menezes Cerqueira, que ficaria na Bahia, e pelo Francisco das Manhas, o Francisco das Minas, como o senhor da torre havia falado.
- Maldição! Gritou o Senhor da Torre. Onde estes réis espanhóis estão com a cabeça. O Francisco só quer saber de encontrar minas de ouro, não irá governar nada, além do mais esta divisão de governo somente vai complicar as coisas.    Já não viram que não deu certo da primeira vez?
Fiquei intrigada com aquela reação do senhor Garcia, ele já estava para lá de Bagdá, e eu saia que ele não ia durar muito, então para que aquela reação? -  O que será que ele estava planejando ainda?
-Senhor Garcia, se eu soubesse que o senhor ia ficar tão zangado não lhe diria nada, Por que esta raiva. O Das Manhas fez alguma coisa contra o senhor? Ele não vai it referir no governo daqui, pois ele comandará o Sul, a partir do Rio de Janeiro, o senhor poderá, caso se interesse por minas de ouro, continuar com as suas buscas por aqui, pelo norte nordeste. ~-
- Não estou zangado não, estou mesmo é possesso. Então os reis não sabem que o das Manhas, quando estava à frente do governo geral, ao saber que fora encontrado outro em no “Jaraguá e em Voturana  decretou: “Hey por bem, e serviço de sua majestade, em nome de dito senhor, fazer mercê a Diogo Gonçalves Laço do cargo de Capitão das Minas de ouro e  prata e metais , que são descobertas cobrirem nesta vila de São Paulo”.[1]  Não contente com isto, ele “ foi pessoalmente  ver as minas com seus próprios olhos e colocar  uma parte do metal em seu próprio bolso”[2]  Francisco de Souza , o governador geral do Brasil era obcecado por ouro”.[3]
-Ora senhor Garcia, é óbvio que os reis espanhóis estão também atrás de ouro, e o Senhor das Manhas tinha informações preciosas a respeito do metal, portanto, não há o que se surpreender. A alcunha do Francisco (das Manhas) não lhe foi dada atoa.
- Ele não vai fazer nenhuma coisa pelo Brasil, pois estará simplesmente envolvido em encontrar ouro.
- Bom Senhor Garcia não há nada mais a ser feito, ele será o governador do Sul e pronto, simples assim.
Assim que eu disse isto, o Sr. Garcia ficou muito irritado e partiu para cima de mim, parecendo que iria me agredir, cheguei mesmo a sair do caminho, mas Graças a Deus ele simplesmente passou por mim e desapareceu como sempre. Deixando-me a me perguntar: Qual seria a novidade que ele queria me contar. Recorde-se que ele teria vindo para isto. Me contar uma novidade.


[1] CALDEIRA, Jorge. Padre Guilherme Pompeu de Almeida. O Banqueiro do Sertão, Vol. II, São Paulo, Mameluco, 2006.pg. 86
[2] Idem, pág. 87.
[3] Idem pág. 87.