Estava
diante do computador tentando começar um novo texto sobre O Senhor da Torre.
Agora eu tinha, de qualquer maneira, de falar sobre o seu neto, Francisco
D´Ávila, mas sabendo da intransigência do Sr. Da Torre, não só em relação ao
neto, como, também, por ele não admitir
que já não estava mais entre nós.
Eu
começaria a escrever sim sobre os descendentes do Sr. Da Torre, quisesse ele ou
não, do contrário a estória ia acabar no próprio senhor da Torre, o que não era
correto, porque a dinastia Torre se perpetuou na Bahia, através dos seus
descendentes, portanto, eles não poderiam ser excluídos.
Abstraída
nestes pensamentos e no que deveria escrever, não notei a chegada do próprio, que já estava
completamente instalado no meu sofá, quando dei por conta dele.
-Sr.
Garcia! Que susto! O senhor ainda me mata com estas suas chegadas
-
Que queres que eu faça? Tua porta está sempre fechada, então tenho de entrar
por algum lugar. Que fazes em frente a esta madeira preta.?
Procurei
em volta pela tal madeira preta, sem entender que ele estava a referir-se ao
meu computador.
-Ah
isto aqui, não senhor Garcia, isto não é uma madeira preta, isto é um
computador.
-Computador?
Que diabo é isto? Deve ser mais uma das
suas bruxarias. Estou perdendo é tempo ao não denunciar-te ao Santo Oficio.
Fiquei
quieta, argumentar com o Sr. Da Torre era difícil, e esta ameaça da Inquisição
chegava mesmo a me dar calafrios, embora sabendo da impossibilidade total, mas
uma coisa era certa: ele ainda estava em 1591-1593.
-
Para que serve este negócio aí?
-
Para muitas coisas, para ler sobre o senhor, para saber informações gerais,
escrever sobre o senhor, enfim, é um instrumento de pesquisa sensacional, uma
base de dados excelente para tudo, hoje em dia não se faz mais nada que não
seja através do computador.
-
Hum, vou deixar mais uma vez para lá, não te vou levar a sério, mas diga-me lá,
o que mais falaram sobre mim.
-Sabe
senhor Garcia o senhor e a sua família são famosos mesmo, há muitas pessoas que
escreveram e escrevem sobre os senhores. Imagine que até mesmo eu, esta que vos
fala, escreve sobre sua dinastia. Bem, mas nem sempre falam coisas boas a seu
respeito, vou ler para o senhor uma carta que foi enviada ao Thomé de Sousa.
-Ao
Thomé de Sousa? Quem enviou?
-Deixa
eu ler para ver se o senhor advinha:
“agora entro nos queixumes que tenho de Garcia
D´Ávila: hé ele um homem com quem eu mais me alegrava e consolava nesta terra
porque achava nelle um resto do espírito e
bondade de V.M de que eu sempre muyto me contentei e com ho ter quá me
alegrava parecendo-me estar aynda Thomé de Sousa nesta terra. Tinha ele huns yndios perto de
sua fazenda. Quando o governador os ajuntava, pedia-me lhe alcançasse do
governador que lhos deixassem, prometendo ele de os meninos yrem a escola a Sant Paulo, que estará a meia legoa
dele, e os mais yrão aos domingos e festas à missa e a pregação.
Concedera-lho, mas elle teve não cuydado de cumprir,
sendo de my muytas vezes amoestado, antes deixava viver e morrer a todos como
gentios e tinha aly um homem que lhe
dava pouco por ele nem os escravos e muyto menos o gentio yerem a missa. Polo
qual fuy forçado de minha consciência a pedir que os ajuntassem com os outros
em Sant Paul e posto que aynda não lhos tirasse, contudo ele muyto se escandalizou de my asy que nem a ele
nem a outro nenhuma já tenho e nem quero mais que a Deus N S. e a razão e justiça se há eu tiver.”(SERAFIM LEITE
1955:313 )[1].
-O
que? Quem foi este filho da mãe? Só pode
ser o Nobrega. Estefilha de uma mãe escreveu ao Thomé de Sousa falando mal de
mim? Não acredito. Onde conseguistes isto.? Quando ele fez isto?
-Foi
em 5 de janeiro de 1559.
-
Desgraçado, ele me paga. Conhece-o?
-
Pessoalmente não, claro, nasci séculos depois que ele morreu, conheço-o, como a
si, de livros e de documentos que tenho acesso em diversos arquivos.
- Vou procura-lo para ele me dizer qual o motivo
que o levou a queixar-se ao Thomé.
-
Eu se fosse o senhor não perderia meu tempo, Thomé de Sousa não deve ter dado
muito ouvidos às queixas do Padre Nobrega, afinal ele lhe deixou toda a sua
herança no Brasil. Se ele tivesse restrições ao senhor por culpa desta queixa o
senhor não acha que seria diferente?
-
Claro que sim, tens bem razão, não vou procurar tirar satisfação dele não, vou
continuar é tendo os meus escravos índios e pronto, pois não sei como se poderá
fazer alguma coisa nesta imensidão de terra sem a escravização dos índios, além
do mais o que os jesuítas e os demais querem é pegar para si os próprios
indígenas com esta estória de que vão catequisar, torna-los cristãos, o que
eles querem, como nós, são braços para trabalharem nas terras que possuem, e
que não são poucas, o Nobrega mesmo
recebeu de Thomé de Souza para fundar o colégio, para sustenta-lo recebeu a
sesmaria de Água de Meninos que ele explorava através de escravos, para,
segundo ele, poder suprir o colégio: também recebeu outras terras que explora
através dos aldeamentos, assim como eu, fazia as mesmas coisas em relação ao
gentios, que eram explorados, também, por todos as ordens que aqui existiam.
Notei
que o senhor da Torre ficara mordido, e que não cumpriria o que me dissera, ele
ia procurar tirar satisfação sim, e eu tentei mudar o assunto, tentando, mais
uma vez colocar o filho dele na história; eu não entendia aquela resistência do
senhor da Torre em relação ao Francisco, mas era mesmo muito difícil entrar
naquele assunto. Eu pensava, se eu não entrar
na família dele, o fim das minhas conversas com ele está próximo, afinal
ele morreu em 1609 e ai eu não teria mais o que comentar com ele, dele próprio,
da vida dele em si, embora, em sendo ele um espirito, tinha quase certeza que
ele sabia de tudo, pois espíritos podem
estar aqui e ali e saber o que acontece muito tempo após a morte física, pelo
menos é assim que acho.
-Sr.
Garcia, o senhor sabe que o senhor teve um bisneto que teve o seu nome – Garcia
D´Ávila.
-Por
que insistes em falar de coisas que eu não presenciei, eu só tenho um filho,
que chama Francisco e que ainda é muito novo para que eu possa ter a ilusão de
que terei um neto, aliás, com a cara que tem, acho muito difícil mesmo ele
arrumar uma mulher que tenha a coragem de ter um filho com ele
.
Sr.
Garcia o senhor é muito atroz, ele é sangue do seu sangue.
-
Queria eu não fora, mas vamos parar de falar dele. Que mais tens de novidades a
meu respeito, se forem iguais ao do Nóbrega por favor não fales. Todavia tenho
algumas coisas para falar de Nóbrega, que não era tão santinho como se passava, então não foi ele mesmo que,
quando o os caetés mataram e comeram
o Bispo do Brasil o do Brasil, com toda a raiva referiu-se aos indígenas:
“Não sei como se sofre a geração
portuguesa, que entre todas as nações é
a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase
sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo”. [2] Pois é, quem defende índios não devia falar
deles assim. E o que ele me diz quando fez com que o Governador Mem de Sá usasse[3] a força para fazer com que
os índios se ajuntassem em aldeias grandes e igrejas para ouvirem a palavra de
Deus? Que disse ele quando o Governador, ao saber que os índios continuavam a
fazer os seus rituais, quando estavam afastados das missões, que ele ia mandar
queimar as suas habitações? Enfim, onde
estava Nóbrega quando tantas e tantas aldeias foram dizimadas no Governo de
Duarte da Costa? Ora faça-me uma garapa!
É
o Sr Garcia estava mesmo irritado!,E então eu falei: melhor ficarmos por aqui
hoje Sr. Garcia, as coisas estão acontecendo rapidamente no Brasil, e se eu não
me atualizar a história passa por cima de mim, agora vou ver o noticiário para
saber quantos serão presos por corrupção agora, quantos ainda exploram a mão de
obra (escrava), quantos ainda invadem as reservas indígenas na atualidade. Pelo
que o Sr pode ver herdamos uma infinidade de defeitos dos colonizadores, os
piores deles: a corrupção, os desvios de
verbas, o alto custo dos impostos, a exploração de mão de obra, enfim. Até mais
ver.
Embora
insatisfeito o Senhor da Torre foi-se, e eu fui ver o noticiário informando que
o Ministério Público solicitou trezentos e não sei quantos anos de prisão para
Eduardo Cunha e oitenta e poucos para o outro antigo presidente da Câmara.
Será?
[1]
Acta Universitatis Conimbrigensis - Cartas
do Brasil e Mais escritos do Padre Manoel da Nóbrega(opera omnia) com
introdução e notas históricas e críticas de Serafim Leite, Coimbra, por
ordem da Universidade, 1955.
[2]
HEMMING Jonh, Ouro Vermelho, A Conquista dos Índios brasileiros, tradução
Carlos Eugenio Marcondes de Moura, SP, Editora da Universidade de São Paulo,
2007, pg 172. Para quem quiser se aprofundar no estudo da vida dos indígenas no
período colonial, este livro é de extrema importância.
[3]
Idem pg 173.
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