segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Aconteceu em um Natal

Estava sozinha em terra desconhecida e, apesar de ter sido convidada para passar o Natal com a família da sua senhoria, recusou o convite, por achar que o natal é uma festa tão familiar e íntima que ela ficaria deslocada, quis, entretanto, a providência divina que, bem próximo do natal, recebesse um telefonema de uma amiga, colega de trabalho, comunicando-lhe que chegaria a Lisboa e que passaria o natal com a família do seu esposo e convidava-lhe para participar da festa com a família. Ela foi pega de surpresa mesmo, nunca pensou em receber um convite assim, até porque, apesar de colegas de trabalho e de uma maior aproximação com o cônjuge feminino, a família em Portugal era da parte do cônjuge masculino, com o qual a intimidade era bem menor, entretanto, lisonjeada com o convite tão gentil, aceitou.
Os dias se passaram o casal chegou ela  foi encontra-lo no hotel, na Avenida de Roma, em Lisboa e acertaram os detalhes de tudo. Ela teria que seguir até o Porto e eles a pegariam na estação. Ficariam um dia em Vila do Conde e depois seguiriam para Amarante.
Chegado o dia, foi o que ela fez, Ela já conhecia o Porto, bem como Vila do Conde, mas naquele momento tudo era uma novidade, pela situação claro. Chegou à estação ferroviária do Porto e lá estavam eles. Ainda no trem ela ia pensando: meu Deus como será isto? Ela e a colega eram tão diferentes. Ela irreverente, a outra pacata, senhorial, séria, mãe, esposa, doutora. De comum com a outra, apenas a profissão.  Naturezas completamente diversas. Ela bebia, e muito, a outra sequer tomava vinho, vejam vocês, que problema.  Mas a gentileza do convite era irrecusável, portanto, agora tinha mesmo e a que se comportar, afinal ela era um Dra. que tinha sido convidada para passar natal na casa de uma família portuguesa, que ela jugava cheia de melindres, de não me toques, de sobriedade.  Outra coisa, ela estava em Lisboa fazendo o mestrado em Direito, portanto, tinha a sua bagagem intelectual e cultural e toda a pretensa liturgia do cargo que ocupava.
Muito bem recebida na estação pelo casal e um primo deles, um senhor muito gentil que, logo que ela adentrou ao carro começou a colocar músicas brasileiras a tocar, começando logo com Maria Bethânia; ela de logo, já ficou sensibilizada com a estória.
Lá se vão eles em direção à Vila do Conde onde o hotel já havia sido reservado. Colocou a bagagem no quarto e foi para a portaria, onde eles ficaram esperando para levá-la para uma maratona que teve, ali o seu começo. Foi recebida por todos os familiares do casal com pompas de rainha, melhor vinho, melhor comida, queijos, tudo enfim. Ela estava encantada. Soube, pela amiga, que ela tinha de comprar um presente para o seu amigo secreto, pois ela fora incluída na lista. Aí é que ia ser duro, imagina: como comprar presente para quem não se conhece? Resultado: o seu amigo secreto não foi tão secreto assim, porque teve de perguntar a amiga quem era a pessoa, como ela era, enfim, os detalhes, para que o presente não ficasse tão dispare da pessoa.
Para sua sorte, todavia, eles foram almoçar, ou jantar, já não se lembra bem, na casa da sua amiga oculta, que era uma menina de uns 14 anos, uma adolescente com todos os pormenores da sua fase de vida.  Coincidentemente a menina tinha cabelos encaracolados, não iguais aos seus, aliás, ninguém tem um cabelo igual ao seu, rebelde tal qual a sua dona em tempos idos, o desgraçado desfaz os seus cachos, fica em pé, revolta-se com o vento e se põe em pé de guerra com ele, resultado, o vento sempre vence e eis uma verdadeira catástrofe. O da amiga oculta era lindo, cachos bem mais soltos, nuances de louro, tudo aliado ao frescor da juventude.  Notou que a menina usava uns brincos bem grandes e então decidiu: “vou comprar brincos” e lá se foi ela à procura dos brincos, no entanto, não achou nada que interessasse e resolveu comprar um conjunto de, se bem lembra, lápis, canetas, estojo, etc. da Ágata alguma coisa. Estava bem na moda, e era realmente interessante e estava dentro do valor fixado para os presentes. 
Dia da festa todos seguiram para Amarante. Ela preocupada, realmente estava tentando conscientizar-se que era uma Dra. e tinha de se comportar como tal, afinal, não podia decepcionar os seus anfitriões.  Chegaram a Amarante lá pelo meio dia e foram direito para a casa da família que estava preparando a ceia de natal.  Ela apesentada a todos estava meio inibida, sabia que, de uma maneira ou de outra, era o centro das atenções, ela que era tão diferente da colega que a levou. Eles estavam acostumados com a sobriedade, com a educação, com a delicadeza e aparece ela: nada sóbria, nada delicada, com apenas educação. Bom mas ao que parece, depois do primeiro impacto, tudo bem. E aí começou a sua derrocada, ou melhor, a do casal que a levou.
Vinho, bacalhau, azeitonas, etc. etc. Ela tomando todas, queria ajudar na cozinha, mas era impossível, assim ficou entre os homens e estes não lhe pouparam os copos. Resultado que, no final do dia, ainda sem a ceia, ela já estava para lá de Bagdá, tirou até foto chupando, pasmem vocês: espinha de bacalhau.
Tudo corria as mil maravilhas, ela já à vontade ouvindo piadas, brincando, mas aí veio o momento em que teve de ir ao banheiro!!!!!!!!!
Mostram-lhe onde ficava a casa de banho e lá se vai ela. Entra, fecha a porta, tira a calça, senta-se no vaso. De repente, quase dá um grito: Tinha outra pessoa no banheiro. Quase se levanta do vaso, por alguns segundos ficou ali sem saber bem o que fazer e aí, entre o real e o fictício do álcool, percebeu que era o seu próprio reflexo no espelho da porta e, infelizmente, notou que aquilo ali que estava sendo refletido era a sua “dita cuja”. Coisa mais feia, se a bicha já é feia totalmente fechadinha, guardada, imagine toda a vontade vertendo água. Bem verdade que tem gosto para tudo, os homens, em geral, e até mesmo algumas mulheres, gostam desta coisa, mas ela não tinha qualquer motivo para admirar uma coisa daquela, pior ainda, naquela situação.  Diante da desagradável surpresa de ser literalmente apresentada à sua própria “coisa”, na casa do alheio e por um espelho maldito colocado, para ela, indevidamente, na porta do banheiro, acabou o serviço, enxugou-se e saiu da casa de banho decidida a falar do mau gosto do idealizador daquela indignidade.
Saiu do banheiro e dirigiu-se diretamente à dona da casa, que estava na cozinha e bem perto dela disse: Quem foi que teve a brilhante ideia de colocar espelhos na porta da casa de banho? Isto é uma afronta, pois não é que eu fui apresentada à minha coisa assim, tão desagradavelmente? A senhora olhou para ela e ela pensou: É agora, vou ser é expulsa desta casa. Mas, ao contrário do que pensou, a mulher olhou para ela e disse:
Como é? Não entendi direito.
E ela repetiu om todas as letras o que dissera antes.
 A senhora quase tem um ataque de riso, ria e ria, e chegava mesmo a se embalançar de rir, e todos olhando para as duas sem entender porra nenhuma.
Ela, não satisfeita, ainda fez outro comentário. Por que merda não botou espelho também na parede atrás do vaso? Assim as coisas seriam mais justas e igualitárias, porque o homem quando fosse utilizar a casa de banho também poderia ver o seu instrumento pelo espelho. A mulher não parava de rir, e o povo com mais curiosidade ainda. A colega atônita olhava para ela com uma grande interrogação, embora já estivesse rindo de ouvir a gostosa gargalhada da dona da casa.
Refeita, e agora ela é que não sabia o que fazer, a senhora passa a contar a estória para os demais. Evidentemente que mesmo em tamanho estado etílico, ela ficou ruborizada, mas todos se escangalharam de rir daquilo tudo, o que, decididamente quebrou todo o gelo entre ela e os familiares da amiga, que, apesar de ruborizada, sorria e dizia: “Só você mesmo para fazer uma coisa desta”.
Passou a noite em família, com pessoas agradáveis e que se mostraram realmente como eram, apenas e tão somente, porque a irreverente Dra. que eles abrigavam era uma pessoa “normal” que podia até mesmo, dizer sacanagens, ser engraçada, enfim, ser ela mesma.
Agradece a todos pelo que lhe proporcionaram, mui principalmente ao casal “cítrico”. Tenham um bom Natal.   

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Era só para para olhar o rio


Rio Jacuipe  Ba
A tarde seguia calma o seu rumo, a preguiça dominava o espaço, na mesa ao lado um casal de amantes, amantes mesmo, tudo levava a crer que esta era uma verdade incontestável. Um homem mais velho e uma mulher jovem, bem mais jovem de que ele, embora não fosse nenhuma menina.  A sua postura demonstrava um pouco do seu estilo: estava sentada de pernas abertas com um minúsculo biquíni que lhe deixava a mostra as ancas celuliticas, o contorno do púbis e mais outros detalhes, também sórdidos, do seu corpo. O cabelo pintado de claro, mais para o ruivo, completava um quadro nada recomendável, mas o homem, um mulato alto de bigode olhava para aquilo tudo, aquela massa de carne espalhada com um tesão imenso, horripilante para a observadora, que tinha ido ali para espairecer, esquecer os seus problemas, ver a natureza e pedir ajuda para a solução de alguns entraves, um olhar que só os amantes têm, pois com a mulher do dia a dia, de há muito aquele tesão já tinha acabado, quando muito, despertava em notívagos e solitários encontros.
A observadora fora olhar o rio, diferente do que estava acostumada a olhar, diferente em tudo, mas as águas correntes tinham um dom de apaziguar sua alma e foi o que fora fazer independente do nome que o rio tomasse. 
Um cheiro forte de mato tirou a sua atenção do casal que se preparava para ir-se embora. Conhecia aquele cheiro, demorou alguns segundos para identificá-lo, mas finalmente – Marijuana - sim alguém, muito próximo estava fumando um charo, com certeza; aquele cheiro era inconfundível. Olhou para os lados, para baixo do local onde estava, mas não conseguiu localizar de onde vinha o cheiro, mas estava muito próximo.
Na casa ao lado, um espanhol galego, o “x” na pronúncia denunciava a região de onde vinha, falava muito e alto, por isso mesmo, apesar da distância onde se encontrava, percebeu que o homem queria comprar um imóvel nas proximidades e discutia os tramites com um brasileiro, possivelmente quem se encarregaria da compra aqui no Brasil. Olhou para o lado, o espanhol estava deitado numa rede, curtindo a preguiça à brasileira, para eles, com certeza, a “siesta” necessária para o físico. Sorriu do pensamento que teve: se fosse um brasileiro, baiano então, que ali estivesse naquele horário, fazendo nada, deitado na rede e pitando um cigarrinho, que poderia ser de maconha até, era simplesmente um “preguiçoso”, mas tratava-se de um estrangeiro, provavelmente em férias, que, no seu país, àquele horário, estaria, não numa rede, mas numa poltrona, num sofá, ou até mesmo em uma cama, tirando uma “siesta”. O mundo é mesmo engraçado, sorriu e voltou a concentrar-se no rio.
O casal  já está de pé  e ela pode ver a mulher por inteiro, ao vivo e a cores.  O biquíni minúsculo para aquele avantajado corpo deixava a mostra as duas bandas da bunda, porque era do tipo fio dental, também, ainda que não fosse com todo aquele volume ele iria recolher-se de qualquer maneira, até mesmo por pura vergonha; não se pode mostrar tanta coisa feia, e ele talvez não quisesse ser parte daquilo. A mulher coloca um ridículo chapéu e uma saída de praia, um daqueles vestidinhos brancos que estão bem na moda, pelo menos para alguns, vende-se em todos os lugares praianos pendurados em portas de loja de baixa categoria em cabides desbotados pelo sol.   Pensando ela que estava bem, segue junto ao seu “macho”, que “orgulhosamente” lhe segura a sua mão, demonstrando que aquele monte de carne lhe pertence e que, agora ia devorar pedaço por pedaço daquilo que, para a observadora, poderia causar a maior indigestão possível, mas gosto é gosto, vai se fazer o que!
O outro lado rio Jacuipe
Com a saída do casal fica sozinha no espaço, a mesa onde está sentada é realmente em frente ao rio. Na margem a água é muito clara, pode identificar pedras, pedrinhas, peixinhos até, é realmente lindo. O rio não é largo, e quando a maré está seca você pode até atravessá-lo e alcançar o outro la do, onde ainda existe uma mata e a natureza mostra os seus dotes Já esteve do outro lado, não atravessou nem a pé e nem nadando, passou de canoa.  É lindo e maravilhoso, mas não gosta de pisar em lama: e do outro lado há lama, não gosta mesmo, e por isso mesmo, numa mais o atravessou, consola-se em olhar de cá, donde está, para lá.
Pensa, vê peixes que querem voar, saltando até onde conseguem para fora d’água, um cardume grande encrespa a água calma, que denuncia, apesar disto, correntezas. Em  alguns  lugares do rio há redemoinhos, olha aquilo  e pensa em furacão, associa  o cone que o furacão forma com aquilo, e fica imaginando o que aconteceria de  realmente fosse assim, se   um redemoinho daquele tivesse a mesma força do furacão sugando alguém para as profundezas.  Que droga, pensa! Por que este pensamento? Quero apenas curtir esta paz. De repente, entretanto, um som de um motor afasta tudo, até os peixes correm para se esconder. Um “Jet Ski” (deve ser assim que escreve) potente se aproxima.   O homem que está pilotando é careca, gordo, de cabeça achatada. Está sem colete, passa muito rápido e faz piruetas. Quer se amostrar. Vai até a foz do rio que é bem próxima do lugar onde ela se encontra, e desaparece. Outro “Jet” se aproxima, este é todo pretão, enorme, novamente a paz é quebrada, e o veículo vai juntar-se ao que passara antes.
Rio Jacuipe
Agora o ronco é mais poderoso e ela vê uma lancha aproximar-se ela vem a uma velocidade bem alta para o local Há pessoas nela, e bem em frente ao local onde ela se encontra a lancha para. Há o condutor e mais dois homens e três mulheres. Estão bebendo.  Pela aparência de todos, ela deduz: ou são jogadores de football em dia de folga, ou são “traficantes” em diversão.  Os relógios dourados nos pulsos de, ao menos dois deles, lhe convencem. Os cabelos dos dois que saem da lancha são do estilo “moicano”, agora todo mundo usa ele, o Neymar conseguiu.  O homem que guia a lancha tem a cor clara, está visivelmente orgulhoso de poder estar ali com aquelas donzelas, que sentadas no fundo da lancha seguram as suas latinhas de cerveja. Os cabelos, e talvez por causa dele mesmo elas permaneceram na lancha,  são completamente “lisos”, cortados na moda, meio desfiados; a observadora não gosta, mas a sua opinião não interessa: “as gatas” estão na moda, aliás, todos ali estão na moda:  os cabelos os adereços, enfim.
Ficam ali parados, o som que vem da lancha é horrível, um daqueles arrochas que falam em “vou comer você todinha” coisas assim. As moças se remexem dentro do barco, o homem de cor clara pega uma delas pela cintura, traz o seu corpo para o dele, que já está na posição certa, ele enfia-se atrás dela, ela parece não se importar. Os outros dois que desceram da lancha retornam, levam mais cerveja para o barco. Felizmente, para a observadora, a lancha se afasta e vai para o mesmo lugar onde os “jets” estão parados.  Ancora ali e ela vê uma das moças sair do barco e saltar para um dos "jets", o primeiro que passou. Evidente que o condutor tinha de se amostrar e com a mulher agarrada á sua cintura, passa pela frente da observadora a todo vapor para demonstrar a sua habilidade 
Fica imaginando qual será o comentário que aquelas “moças” farão quando chegarem a casa, se é que têm casa; esnobarão os vizinhos, dirão que passearam de lancha e andaram de "Jet", alguns acreditarão, outros, com certeza, não; uns expressarão o que pensam das moças: “piranhas”, aliás nome apropriado: estavam no rio pois não? 
Igreja Sto. Antonio   Jacuipe
Que merda! Pensa ela: Queria tanto estar aqui em paz, mas parece ser impossível. Resolve então sair dali, voltar para a sua casa, tentar encontrar a paz para resolver as suas dúvidas literalmente sozinha, ao menos sem o barulho dos "jets", de barcos e é o que faz.
Chega a casa: livrou-se do barulho da lancha e dos "jets", mas não do arrocha, ao menos hoje aliviado, porque é Silvano Sales, acha ela, que canta "Este cara sou eu".
Pensa: Melhor é voltar para o lugar de onde veio, há alguns dias atrás, lá, ao menos, consegue, mesmo numa solidão compartilhada com muitos, olhar o rio e, muitas vezes, mesmo chorando, encontrar paz. Lá ela tem a cumplicidade da distância, que lhe faz, ao menos, alienar-se de muitas coisas e a do seu querido amigo Tejo.   

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

As latas amarelinhas do LEITE NINHO


Minha mãe aproveitava todas, fossem elas pequenas, médias ou grandes. Antigamente não existia leite em caixas; estou falando de leite líquido, era vendido em garrafas. Ainda sou da época em que o leiteiro vendia de porta em porta, embora a nossa porta não fosse muito visitada por este profissional, mesmo quando morávamos em Camaçari e o leiteiro passava com as suas garrafas de leite em uma espécie de garrafa gigante de metal, acho eu, que eram carregadas por um burro.
O leite em pó era vendido em latas de metal, o que era distribuído pelo programa Aliança para o Progresso, acho que era este o nome,  para as instituições de caridade, lembro-me que tomei muito deste leite, que precisava ser reidratado, vinha em caixa. No colégio interno onde estive,  este leite  chegava  aos montes, era para ser distribuído para os pobres, inclusive nós, do internato, e não me lembro dele ser reidratado. Era uma caixa de papelão e, salvo engano, tinha as cores da bandeira dos Estados Unidos, ou era a própria bandeira, a caixa era caque e as letras, se bem me lembro, eram azuis.  Dentro da caixa o leite vinha em um saco, lembro-me do seu gosto ácido, tinha um gosto diferente, a gente colocava uma colher dele na boca e o bicho grudava tanto no seu da boca quanto nas laterais e tinha um gosto muito forte, quando a gente o colocava puro na boca fazia muita saliva.
Bom mas eu não quero falar do leite ruim, quero falar do melhor de todos os tempos, o querido LEITE NINHO INTEGRAL, aquele da latinha amarela que era inconfundível.  Havia, também, o leite Mococa (a vaquinha Mococa está dizendo moooooom) lembram? A vaquinha que vinha no rótulo era preta com manchas brancas, linda, mas nem assim conseguia desbancar o NINHO.
No tempo de fartura o leite escolhido por minha mãe sempre foi este, o da latinha amarela. Ele podia, dependendo da fase, entrar lá em casa na embalagem gigante, uma lata grande que acho que tinha 5 Kg, ou a de 2 kg. e a mais comum, a de 1 kg. Ah como era bom meu Deus! Parece que estou sentindo o leite colado no meu céu da boca. Uma sensação inesquecível.
Como ele era integral, afinal ainda não tinha ninho instantâneo, nem tampouco enriquecido com tanta zorra, que fez com que ele perdesse o gosto e as bolinhas que se formavam no café, quando a mísera colher de sopa bem rasa era colocada, por minha mãe claro, porque se fosse a gente que colocasse o leite a latinha não durava sequer um dia. Ah estas bolinhas, elas ficavam boiando no líquido dentro da xícara, e a gente pescava cada uma com uma colher de chá, que coisa mais maravilhosa, fico retada hoje em dia porque  o “integral” atual nada tem a ver com aquele de antigamente.
Quando passamos ao tempo das vacas magras, ou melhor; inexistentes, o Ninho ficou mesmo raro lá em casa, até os meus irmãos menores sofreram, porque tomaram muito mingau apenas de água e “arrozina” ou “maisena”, coitados, e quando, por algum motivo, o leite aparecia, era um total controle, minha mãe pegava uma colher (medidor) que vinha dentro da própria lata e colocava duas delas dentro de um copo e mandava a gente dissolver em um pouco de água, quando o mingau estava fervendo a gente misturava o leite  e pronto, estava apto a ser consumido. Confesso que muitas vezes meus irmãos menores tiveram o gosto do leite bem diminuído, pois eu me encarregava de tomar uma das colheres do leite. O grude ficava transparente e minha mãe descobria que  eu tinha comido metade do leite e me batia muito, mas nada que me fizesse desistir da empreitada, aquele castigo não conseguia retirar o gosto daquele manjar que era o leite ninho coladinho no céu da boca, sendo, aos poucos, retirado pela língua, que, sofregamente, fazia o seu trabalho; era mesmo delicioso!
Depois que o conteúdo das latas acabava, a embalagem virava muitas coisas: as maiores, quando entravam lá em casa estavam destinadas a se tornarem vasos de plantas, ou quiça, tinham uma melhor destinação, passavam a servir como recipientes para armazenagem de feijão, arroz, farinhas, açúcar, bolachas, enfim, orgulhosamente, tornavam-se latas de mantimentos.
Quando elas não se destinavam a guardar alimentos serviam de baldes para tirar água de poço; era o tamanho ideal, para mim claro, que era muito pequena e não tinha força para puxar um balde grande; assim, apesar de ter que puxar muitas vezes a lata, transformada em balde, para encher o recipiente que eu ia carregar na minha cabeça, que era outra lata, de tinta, aquelas grandes e quadradas, ainda hoje continuam iguais, elas cumpriam bem a sua finalidade.
As médias e menores podiam ter muitas finalidades: guardar coisas, servir de cuia para banho, caqueiros, fifós, incensador. Mil e uma utilidades.
Minha mãe adorava guardar estas latas. Quando viajamos para algum lugar ela enchia as latas com comidas diversas, de sequilhos e pastéis à farofia, frango, arroz.  Quando íamos para Alagoinhas de trem, uma viagem demorada de mais de 4 horas, eu acho, não me lembro direito, ela levava a comida pronta nas latas e distribuía com os filhos e com os demais passageiros que assim quisesse, lembro-me de uma viagem em que havia um grupo de rapazes com quem ela dividiu o nosso frango assado com farofia, resultado, o nosso pedaço diminuiu bem, mas não tinha jeito mesmo, ela era assim, Ah! Lembro-me que o nome de um destes caras era “La Barca”. Hoje entendo perfeitamente o motivo de tal apelido.
Minha mãe continuou fiel às latas; as marcas podiam mudar, mas as latas eram inseparáveis dela. Ela fazia salgadinhos, doces, etc., para festas, aliás, a mulher fez tudo na vida: costurou, deu aulas, foi parteira, catequista, doceira.
Quando um irmão meu casou em uma cidade do interior, minha mãe e meus irmãos e mais alguns convidados foram de ônibus, eu não pude ir com eles, ela arrumou-se toda para o evento.  Observem que todos nós já éramos adultos, pois não é que me disseram que, no meio da noite, dentro do ônibus, minha mãe pegou uma lata de leite grande e abriu, distribuindo o seu conteúdo a tantos quanto quiseram dentro do ônibus, até com o motorista. Cardápio – frango assado com farofia. É mole ou quer mais?
As latas fizeram parte da minha vida e da minha família, muitas marcas surgiram, mas fui sempre fiel ao NINHO, embora hoje em dia me aborreça bastante, porque o leite, mesmo o integral, não faz bolinhas que boiam no café e que, quando colocadas na boca, desmanchavam-se, e o pó do leite, vitoriosamente, fazia o seu trabalho: colar no céu da boca para a gente ficar passando a língua e sentindo aquele gostinho maravilhoso. Na Europa o nome é NIDO, mas, como aqui, também não faz bolinhas e agora, tanto lá quanto aqui, já é vendido em sacos.
Não tomo mais leite, dificilmente tomo um copo de leite, quando o faço, tenho de tomar o desnatado, uma merda, mas não consigo deixar de pensar e torcer para encontrar um leite em pó que faça bolinhas e fiquem boiando no café, como o velho e delicioso Leite NINHO que conheci.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Queria, apenas, um "ventilador de pé"


Já tinha estado na primeira loja: havia muitos, mas não havia o de pé, exatamente o que eu queria, e não só eu, havia um senhor que também estava à procura de ventilador de pé. Ele, mais inteligente que eu, apesar da negativa do vendedor em relação à existência do produto, procurou saber detalhes do que, um dia, existiu na loja, o que o vendedor forneceu. 
Continuei na loja porque havia um ventilador, que embora não fosse de pé, me tinha interessado. A marca era “Mondial” e tinha 40 cm de circunferência. Achei que ele ajudaria a espantar o insuportável calor da minha casa, principalmente à tarde, e fiz a compra, penso que custou R$94,00, mas não desisti do tal ventilador de pé.
Saí da loja e fui à outra mais adiante.  Logo que cheguei e me dirigi ao balcão em que os ventiladores estavam expostos, que, por serem mesmo coisas de vento, e, portanto do universo, deveriam estar em lugar destacado, como estavam, vi o homem que estava na loja anterior. Já estava ele em nos tramites finais da compra; havia adquirido dois ventiladores de pé, o que ele efetivamente queria: não era volúvel como eu que comprei ao menos um, só de mão, acho eu, acho que se diz de console, mas isto não interessa. Se o mais alto é de pé (tem coluna), o menor e mais baixo, pela lógica, é de mão.
O homem era bem falante e penso que chegou a me dar uma cantada, não garanto para, inclusive, não parecer soberba, ou, quiça, pretensiosa, mas tanto eu quanto a vendedora entendemos assim. O homem concluiu a compra e seguiu para o caixa para fazer o pagamento, eu fico ali esperando que a vendedora procure saber se ainda há o tal de ventilador de pé no estoque.
Havia um detalhe muito importante neste ventilador que escolhemos, o desgraçado tinha um controle.  Olhe só, pensar em um controle de um ventilador já me dava uma grande satisfação, eu já me imaginava no meio da noite, se o bicho estivesse fazendo zoada, desligando o desgraçado sem ter de me levantar. Também pensei, ora, se a noite esfriar posso, também, comodamente, desligar o infeliz.
Ora com tantos predicados escolhi mesmo o desgraçado, aliás, uma quase imposição, porque não havia outro modelo “de pé”.
A moça volta do estoque e diz que tem o produto, estão acertamos tudo, inclusive uma porra de um seguro estendido, que até hoje não vi a eficácia, mas continuo, idiotamente, fazendo, e o bichão que custava 199,00 passa a 211,00, com a vendedora a me dizer que fez um desconto.  Não entendi a conta, mas vá lá, se o ventilador era 199 e o seguro original 30,00, então efetivamente houve uma redução, não no valor do elemento, mas no valor do seguro, que, como sempre, não vale de nada, a não ser acrescer à garantia uma série de papéis.
Em dado momento, e ainda antes de finalizar a minha compra, o homem que também comprava ventilador e que já virou meu velho conhecido, retorna ao balcão e diz à vendedora que mandaram voltar porque o PCA estava fechado, bloqueado, já não lembro bem a expressão.  Ficamos os dois, idiotamente, querendo saber o que significava o PCA fechado, aberto, sei lá o que. Ele, preocupado, achando que poderia ser problema do cartão, eu dizendo que isto devia ser uma questão da rede “internet”, sistema fechado, qualquer coisa assim. Ha ha! Nada disto: era o pedido que não tinha sido fechado.
Dei muita risada, tanto eu quanto o meu, a esta altura, companheiro, quase cúmplice de um crime contra um não consumidor, lógico que éramos sujeitos passivos dele.
A vendedora olha a tela do computador à sua frente e diz que não há nada disto, que o PCA está correto, mas, para adiantar e não fazer o cliente perder tempo, ia fechar o pedido e reabrir outro e é o que faz, descobrimos, pois, naquele momento, que PCA era o PEDIDO. Eu fico ali esperando toda esta operação, que não é rápida, enquanto aguardo continuo conversando com o meu concorrente, já que estava comprando o mesmo ventilador que eu.
Problema do homem resolvido, mas o meu ainda não: eu tô ali aguardando o procedimento, que deve ser muito complicado, pois a vendedora olha fixamente para a tela à sua frente atentamente.
De repente ela diz: “tudo concluído agora a senhora vai ao caixa fazer o pagamento” e dá um papelzinho. Tô falando sério: um papelzinho com uma porção de números, que acredito seja um código, para que eu me dirija ao caixa.
Quando estou me aproximando do caixa, que fica muito mal colocado no final da loja, já visualizo o meu concorrente em um deles. Havia quatro guichês, acho eu, embora somente um estivesse, naquele momento, funcionando, exatamente onde ele estava.
Pergunto para onde me dirijo e uma moça, que estava fechando o seu caixa resolve me atender.  Tiro corajosamente o meu cartão de crédito MASTERCARD  da caixa econômica federal,  digo corajosamente, porque além dos problemas que vem ocorrendo com o dito miserável, o saldo devedor já está muito aquém do que deveria.
Bom, os bancos ainda creem em minha capacidade de liquidação, eu é que não creio neles, principalmente na caixa econômica federal que, nos últimos três meses me fez penar um bocado, dado as operações que não foram devidamente observadas, resultando em que transações já devidamente liquidadas continuassem a ser cobradas, descontando-se os valores no meu saldo de conta corrente durante três meses após a devida quitação.
O certo é que a compra foi aprovada e eu me dirijo ao local em que o objeto vai ser entregue. Quem lá encontro? Logicamente o meu concorrente.
O rapaz que atende o departamento traz as duas caixas do meu concorrente cúmplice. Abre à primeira, e nota que o controle remoto não esta junto com as demais peças que estavam dentro da caixa; de imediato diz que vai pegar o controle pertencente ao aparelho que está no mostruário. Olho a cara do meu cúmplice, que apesar de tentar disfarçar, começa a ficar mal humorado e falar do tempo que esta perdendo.  O responsável pelo departamento de entrega, que, aliás, no dia 13 de novembro, só havia um para atender a todos, começa a operação de fechamento da caixa. Acabada esta, a outra caixa é aberta, novamente a decepção, não existe controle. O rapaz vai para dentro do depósito e volta dizendo que é para chamar a vendedora. O meu cúmplice diz, que ele não vai fazer isto, que quem deve chamar é ele, pois o problema quem tem de resolver são eles. Falo para o cidadão: 
- “Pegue a minha mercadoria que é igual à dele, para ver se está tudo correto”.
O rapaz apressa-se em dizer, que nenhuma caixa tem o controle.  Digo então: “já que é assim vou desfazer a compra, porque compramos, eu e ele, este ventilador exatamente porque ele tinha o tal controle”.
Um pequeno alvoroço e alguém me diz:
- “Por que a senhora não leva o que tem controle?”.
 Solidária com o meu cúmplice, digo que não, que o controle é do aparelho dele, e não do meu, além do mais, ele já está usado e eu prefiro anular a compra.
Falando sobre o desrespeito ao cidadão, ao consumidor, e desfazendo um pouco da resistência do meu cúmplice, dirijo-me ao balcão onde a compra começou, ou seja, nós é que temos de procurar, novamente, a vendedora.
Meu cúmplice adverte-me que não devo dizer qualquer coisa à vendedora porque ela nãoo tem culpa.  O engraçado é que eu não pretendia mesmo fazer isto, não iria adiantar, se falasse com alguém iria fazê-lo com o gerente, que é acionado assim que chegamos junto à vendedora, coitada, que perdeu a comissão. O tal gerente é chamado, é um jovem mal vestido, com as calças tronchas e sem nenhuma pinta de gerente. Aliás, o despreparo demonstrou-se no momento em que tentamos dizer o motivo pelo qual estávamos desfazendo a compra, falando da falta do controle. Tive que falar pausadamente. “Meu filho, é o seguinte: Compramos três ventiladores, ele dois e eu um, o fizemos porque a marca oferecia algumas vantagens sobre outros, inclusive a existência de um controle remoto, acontece que o controle não existe em nenhuma das caixas abertas no depósito”. Ah sim,  apressando-se em dizer que a culpa não era da loja, que isto já vem de fábrica. Ah a marca é MAILORY, ou MALORY alguma coisa assim!
- “Bom não se quer saber de quem é a culpa, depois vocês resolvem isto com o fabricante, mas queremos resolver agora o nosso problema que é desfazer a compra, inclusive com o estorno do pagamento no cartão de crédito”.
 A palavra estorno no cartão de crédito já me dá um frio na espinha, tinha pago com o cartão mastercard da caixa econômica federal, com o qual tenho tido uma série de problemas, e já começava a vislumbrar outro, mas não tinha opção, agora a compra tinha mesmo de ser desfeita e a operação tem mesmo este nome.
Enquanto tudo acontece, eu e o meu cúmplice ficamos conversando, efetivamente se não estivéssemos fazendo isto não sei bem o que poderia acontecer. Já tínhamos mais de uma hora na loja e só não nos estressamos mais exatamente porque, de uma maneira ou de outra, estávamos falando coisas divertidas, gozando o nosso próprio infortúnio, mesclando as brincadeiras com frases sérias a respeito da situação, do desrespeito ao cidadão, etc. Meu cúmplice fala com o gerente, que é mesmo um menino, soubemos que ele tem apenas 21 anos. O meu cúmplice que, soube no momento, é professor de geografia, comenta alguma coisa sobre as mulheres baianas, o jovem, que está preenchendo vários papéis, assinando a nossa sentença, para e concorda com o que ele comentou. Eu não concordei, porque não acho mesmo, eles dizem que as baianas são difíceis, eu até dou risada e falo:
“-”,  Como é que  é isto! Com tantas moças  se oferecendo por aí, tão doidas é?”
  Ambos apressam-se em explicar que isto faz parte do show, do primeiro contacto, depois as coisas ficam mais fáceis.
O processo continua, muitos papéis e o rapaz preenche-os e nos dá par assinar. Ficamos preocupados, tanto eu quanto o meu cúmplice, com a troca de informações dos dados das compras, e ele pergunta se aquele papel refere-se mesmo à sua própria compra. O rapaz diz que sim: ele assina e espero a minha vez. Continuamos a conversar com o gerente que ri muito das coisas que o meu cúmplice fala; parece que o rapaz gosta muito de “moças”. De repente, e eu não sei bem porque, o gerente diz que não gosta mesmo de advogado, e eu digo:
- “Não diga isto, não fale mal de advogado porque eu sou um”. O rapaz toma um susto; não só ele, o meu cúmplice também. O gerente tenta se explicar, e eu termino aquele papo dizendo que ”em todas as profissões existem os bons e os maus profissionais”. De repente, uma outra conversa, e fala-se de Juiz, e eu digo a mesma coisa: “Não fale mal de juiz porque eu também sou juíza”.
O que! Atônitos os dois: ato contínuo o gerente que estava, até àquele momento, a me chamar de senhora, já passa a me chamar de Doutora.  O meu cúmplice olha-me seriamente e diz: - “Você não deveria ter dito o que era, porque agora a espontaneidade do papo foi perdida”.
 Dou risada e digo que não posso alterar as coisas, e que não falei por nenhum outro motivo a não ser a defesa da classe.
Já lá se vão quase uma hora e meia dentro da loja. Assinados o s papéis que o gerente nos deu é hora de desfazer o tal pagamento (o desgraçado do estorno) e vamos ao caixa. Lembramo-nos, eu e ele, que tivemos de desfazer PCA e que, se tivéssemos, ao menos ele, no momento em que disseram que ele estava aberto, ou bloqueado, já não lembro, desistido da compra, nada disto teria acontecido. Que não atentamos para o aviso que o universo nos tinha dado.
Vamos para os caixas:
- “Senhores, sentem-se porque vão ter que aguardar um pouquinho porque o gerente não preencheu um papel relativo e agora vou ter de fazê-lo”.
- “Mais papéis? Em uníssono questionamos”.
-“Sim os referentes ao seguro extendido” aquele pelo qual pagamos, com o desconto, 11 reais por cada aparelho.
Sentamos, não havia mais nada a fazer, o processo agora tinha de chegar ao seu fim. O professor de geografia estava controlando-se, dava realmente para notar, eu estava puta, mas continuava a conversar com ele a respeito de muitas coisas, inclusive da sua profissão, Ele me explica que é professor de base, e que era uma vida muito difícil, dado que os jovens hoje não respeitam mais ninguém, me contado casos em que os alunos extrapolam de uma maneira estúpida, tendo um dia em sala de aula falado alguma coisa que o aluno rimou grosseiramente. Que ele tinha aprendido, com o passar dos anos, que colocar um aluno para fora da sala, gritar, etc. etc. não resolve, enfim me dá uma aula do que é ser educador.
Digo-lhe então da minha pretensão de ensinar, e ele me pergunta o que. Falo que pretendo ensinar história, mas que primeiro tenho de validar meus diplomas no Brasil. Ele me olha meio intrigado, e eu lhe digo que fiz o mestrado e o doutorado em história em Portugal.  O cara me olha mesmo com uma cara de surpresa e me diz: - “você é um poço de conhecimento”, e outras coisas mais.
Depois de quase duas horas dentro da loja, os caixas nos chamam. O meu caixa foi exatamente o mesmo. A mesma moça que cobrou; ela pede o meu cartão para desfazer o tal pagamento, vejo a operação confiro o papel e vejo a palavra estorno, No outro caixa, meu cúmplice parece, também, ter terminado o seu processo.
o comprado
Tudo acabado, indignados, mas polidos, nos dirigimos à saída, eu lhe digo, vou fazer um texto sobre isto e digo-lhe, naquele momento, que tenho um blog. Ele pede-me o endereço e eu lhe dou, anotando o e-mail dele vamos saindo, cada um para o seu lado, com apenas uma certeza: Neste fim de dia e esta noite ainda dormiremos com calor, que será maior de que nos demais dias, não só pela falta do próprio aparelho, bem como pela constatação do desrespeito ao cidadão brasileiro, ao consumidor e pela constatação, ao vivo e a cores, a do despreparo de tantos quanto, durante duas horas tentaram resolver o nosso problema, que só vai mesmo ser solucionado quando, ao recebermos a fatura do cartão de crédito, não constar a tal compra que foi anulada.
Oxalá isto aconteça.    

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Sabedoria Popular Aplicada


Para quebrar a rudeza do texto
Duas amigas
Pois é; hoje, por causa de um episódio presenciado, ou melhor, vivido, percebi perfeitamente a mensagem que o dito popular “não tem merda no cú para cagar” quer transmitir, qual o ensinamento que está contido neste provérbio. Já o ouvi muitas vezes, minha mãe e minha avó, dentre outros mais velhos, diziam isto sempre ao se referir a alguém que pensava ser poderoso. O ditado é pesado, para alguns claro, peço até desculpas aos leitores, não quero que fiquem melindrados, mas não poderia deixar de usá-lo para a situação em que ele tem inteira aplicação.
Então um sujeito que “não tem onde cair morto” porquanto se morrer neste exato momento terá de ser enterrado como indigente, embora esteja praticamente com o "pé na cova” devido à proximidade da sua morada, se arvora a ser dono da verdade, dono do mundo?
A pessoa de quem falo é jovem, e talvez por isso mesmo e por ter sido muito mal educado e orientado, não sabe, ou melhor; não quer entender, que só se alcança a sabedoria com o passar dos tempos e com a humildade de sempre achar que nada sabe, aliás, não deve saber quem foi Sócrates que dizia “só sei que nada sei”.
Um sábio jamais dirá que sabe, quando muito ele dirá que tem conhecimento sobre isto ou sobre aquilo, exatamente pelo simples fato de que, uma nova descoberta, uma nova interpretação, um novo achado, enfim, uma novidade cientifica faz cair por terra todo o seu saber acumulado. Sem dúvida que todo aquele conhecimento anterior servirá de base para o futuro, até porque é através da contestação dele, da negação dele, que o novo vai se sobrepor. A certeza do sábio é a de saber apenas a mínima parte de um todo em movimento e, portanto, modificável.
Bom, mas deixa para lá está história de saber e voltemos a esta parte que parece ser a mais indigna do corpo humano, embora deva ser tratada com a maior dignidade possível, exatamente porque quando se tem “merda no cú para cagar”, como no meu caso, que tenho o meu dinheiro, que ganhei e ganho por conta do meu esforço, do meu trabalho, do meu estudo, da minha aprovação em um concurso público e que, por isso mesmo, posso fazer o que quero; como quero e quando quero sem dar satisfação a ninguém, porque lutei para conseguir tudo o que tenho e terei ainda, para inveja e despeito de muitos que, caso não mudem com o tempo, que faz efetivamente milagres, vão sempre estar no “cú do mundo”, ou em qualquer outro lugar a este semelhante.
Uma pessoa, seja ela qual for, jovem, velho, adulto, deve lembrar-se sempre que “quem tem cú tem medo”  . A vida tem revezes, aquele que hoje  pensa estar por cima, amanhã pode estar mesmo  na ralé; aquele que se julga o poderoso, amanhã pode estar “abaixo do cú do cachorro” , que “escada não é so feita para subir”, e de nada vai adiantar tanto orgulho, tanta empáfia, tanto desprezo pelo outro, quanto pior, quando se  “cospe no prato em que comeu”.
Não devemos dizer, nem fazer coisas, que podem ofender o outro de uma maneira tal que ele fique condicionado: parodiando alguém que já me disse um dia  “as cicatrizes deixam marcas indeléveis, os bálsamos nela colocados condicionam, para sempre, todo um  ser”, O engraçado é que quem me disse isto já passou por umas tantas, e se, como no dito popular “cobra tem cú, a pessoa já  esteve no cú da cobra”.
“Quem com ferro fere, com ferro será ferido” é um dito muito certo,  e o tempo é um grande aliado e a ele cabe mostrar, a qualquer um, que os reflexos dos atos que praticamos, das palavras que dizemos, um dia estará sob as nossas cabeças, e não poderemos questionar por que tudo aquilo está acontecendo, é só “dar tempo ao tempo”  e veremos todos os nossos atos errados, equivocados, passando pela nossa frente, sem que possamos fazer mais nada para  afastar os efeitos, que, em muitos casos, são morais e deixam mesmo muito marcas irrecuperáveis.
Transforma-se nisto
Ela surge assim
Mais voltemos. àquela parte indigna do nosso corpo, que está aqui em causa. Ela que é responsável por colocar o nosso organismo em dia; se ele se fecha, se esta obstruído se para de funcionar, ai de nós! Morreremos, sim morreremos todos entupidos; morte estúpida, entretanto, adequadas àqueles que realmente cospem onde comeram, daqueles que com o espírito jovem ou não, querem apodrecer antes mesmo de amadurecerem, àqueles que não sabem o sentido da “humildade”, da “solidariedade” “do respeito”,  enfim, da "dignidade”. Pessoas que vão passar pela vida, ou melhor; vão permitir com  palavras e ações, que a vida passe por cima delas, sem conseguir qualquer coisa boa, sem saber aproveitar as chances que a vida deu e continua dando, mas que, por ignorância, orgulho, ruindade mesmo, fraqueza moral e espiritual, a pessoa não vê.
Pois é, termino como comecei; tais pessoas, que “não tem merda no cú para cagar”, que sigam o seu caminho “orgulhosos”, “prepotentes”, “idiota”. O final, entretanto, será igual ao de todos, embora alguns, até neste momento, possam diferenciar-se dos demais, aqueles que por esforço próprio, que através do conhecimento, da humildade, conseguiram “ter bala na agulha” possam ser “cremados” e terão suas cinzas distribuídas pelos oceanos: Atlântico, Pacífico, Índico, Mar mediterrâneo e outros mares e rios. Suas cinzas farão parte do Universo abençoado por Deus, porque souberam aprender com a vida, e com o tempo que a administra, que não vale a pena ter o que o dito popular tenta, com a sabedoria que lhe é peculiar ensinar.
De qualquer maneira espera-se, realmente, que a vida seja generosa, se for possível, com a pessoa, mas isto só acontecerá se ela permitir que a ela não se aplique o dito: “não tem merda no cú para cagar” e que aprenda que“aquele que goza não pensa que há de sofrer”   e tente refletir, na situação atual, sobre o mais importante, isto é; se tiver capacidade para tanto, de perceber que “gato escaldado, de água fria tem medo” e que “todo burro come palha; a questão é saber lhe dar”.
Sim, antes que esqueça,  ESTÁ PERDOADO, mas não esquecido.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Será premonição?


Para variar, sonhei com você. Estávamos em uma rua de pedrinhas portuguesas, uma mera coincidência claro; a rua tinha um declive e as pedras faziam desenhos diversos, flores, copas, setas.  Não chovia, mas o tempo estava frio, mas nós estávamos bem e de mãos dadas, felizes descíamos, descalços, a rua, por onde corria uma espécie de córrego, com uma água muito límpida.
Sorríamos como crianças que adoram andar na água contrariando os pais que sempre dizem que vão ficar constipadas. O engraçado é que estávamos vestidos como se fossemos a uma festa. Você, como sempre, estava muito bem vestido; eu levava um vestido de caça branca, que me pareceu já o ter vestido há muito tempo atrás, quando ainda muito jovem. O vestido tinha três fitinhas fazendo uma alça: uma rosa, outra amarela e outra azul, tudo muito discreto, clores bem clarinhas, harmônicas. O vestido era todo branco e a única coloração era exatamente o detalhe nas alças. Levava alguma coisa no cabelo, parecia uma tiara de flores.  Você tinha uma roupa toda branca e um blazer azul celeste. As calças estavam arregaçadas até o joelho, exatamente para que não molhassem. De mãos dadas descíamos a rua estreita e de pedrinhas chutando a água que salpicava em nós mesmos e nas pessoas que passavam.
Engraçado que não falávamos nada, apenas ríamos muito, muito mesmo, era como se estivéssemos celebrando alguma coisa muito boa, as mãos entrelaçadas e o riso nos uniam, aliás, este sonho realmente não precisava de legenda, estava muito claro.
Acordei e fiquei pensando que mensagem é que este sonho trazia. O que ele queria mostrar? Procurei na internet o significado de sonhar com água transparente, com caminhos, com mãos entrelaçadas.
O sonhar com água límpida e corrente é muito bom, significa coisas boas, novidades boas, vida sem problemas. Vou ter esperanças que isto seja mesmo verdade, porque a minha vida, como você bem sabe, não está nada bem e nem tranquila, mas não quero falar disto, quero falar da simbologia deste sonho.
Será que de pensar tanto em você fico idealizando um caminho juntos que chego a sonhar com ele? Será que isto é uma premonição? Será mesmo que vamos seguir esta estrada que nos falta percorrer juntos e felizes?
Ah meu amor! Como queria isto.  Como queria que o sonho fosse verdade, como queria estar andando com as mão entrelaçada na sua, percorrendo o caminho da felicidade que merecemos. Já sofremos tanto, já fizemos tantas coisas erradas, já dividimos este tão imenso amor com tantos que não o mereceram e só fizeram adiar o nosso grande momento. Talvez precisássemos de tudo isto para saber bem o que somos um para o outro e entendermos que não adianta querermos ou quererem nos separar, nós não conseguimos estar sem o outro, não adianta. Se não estamos presentes em “presença”, estamos em pensamento. Se não nos vemos, não significa que não estejamos juntos, que não nos preocupemos um com o outro, que caminhemos sós. Não meu amor, não caminhamos sós e você bem sabe disto, aliás, não precisamos nem verbalizar isto: é visível! Todos notam; até mesmo aqueles que não devem e não poderiam notar. Os seus grandes gestos, as suas preocupações comigo e com os meus demonstram isto. Quem nos rodeia percebe, até torce, mas sempre há alguma coisa para atrapalhar. Uma nova aventura, uma nova viagem, uma nova experiência, um novo desejo de conhecer e saber e aí abdicamos do que é mais importante, que somos nós.
Olhe, não vou mais dizer nada, não quero desfazer a imagem do sonho, vou continuar trilhando este caminho, vou permitir que a água purifique-nos e nos mostre mesmo que a vida, a nossa claro, somente será plena quando entendermos perfeitamente que só vale a pena se estivermos unidos, juntos e felizes.
Todavia, os sonhos que temos dormindo podem mesmo ser um grande sinal e não custa nada atentarmos para os detalhes:
Água límpida e corrente – significa prosperidade, momento bom na área sentimental, financeira e profissional, boas novas; 
cor azul claro - fortuna;
branco – pureza, inocência;
cores claras – acontecimentos felizes;
mãos entrelaçadas – se com alguém que conhece, esta pessoa é importante para você.  
Sonhem, pois!


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Ouçam a voz da experiência


"Quem tudo quer tudo perde"
“Em terra de cego quem tem um olho é rei”;
“Quem tem telhado de vidro não joga pedra no do vizinho”;
“Macaco não olha para o rabo”;
“Pé que não anda não dá topada”;
“Casa de ferreiro, espeto de pau”;
“Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”;
“Quem boa romaria faz em sua casa tá em paz”;
“Boca falou cú pagou”.
Estes ditos eram muitos comuns na minha casa; cresci ouvindo isto em muitas situações. Minha mãe tinha, e ainda tem, mania de provérbios, não só ela, minha avó Nieta também se expressava muito com os provérbios. Com o uso deles elas  tentavam educar, a mim e aos meus tios e irmãos; tentavam  mostrar determinadas coisas que à época não entendia direito, porque  sempre achava que quando elas estavam  aplicando algum provérbio em alguma situação  eu estava errada, alguma coisa eu fizera mal feito, ou tencionava fazer malfeito e lá vinha o desgraçado do provérbio a me fazer voltar  à situação anterior,  à realidade, enfim,  desfazia-me as ilusões e colocava-me, outra vez, na minha própria vida, na minha realidade, no caminho, para  as “proverbistas”, certo.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Uma pequena reflexão sobre pluralismo jurídico no período colonial

Indígenas - Álbuns Santos Rufino
O objetivo da reflexão é questionar se existiu um pluralismo jurídico, em relação a aplicação da justiça aos indígenas, nas colônias portuguesas em África, levando  em conta os meios legais utilizadas para a resolução dos conflitos existentes entre eles, provenientes das suas relações quotidianas e das diversas situações estabelecidas por essas, o que passava pela observação dos  seus usos e costumes.
Esses usos e costumes, desde quando o Código Civil Português de 1867 autorizou a sua observação, apesar da imposição dos limites ali, também, fixados, derivados dos princípios da moralidade e da humanidade nos moldes ocidentais, passaram  a ser fonte legal, autorizada pelo ordenamento jurídico português, de resolução dos conflitos.  Dessa maneira o ordenamento jurídico português reconheceu a norma costumeira, sem, entretanto, institucionalizá-la, ou seja; reconheceu a existência do direito costumeiro, mas não lhe acatou os princípios. Certificou a sua existência, facultando a sua aplicação pelos juízes na resolução dos conflitos envolvendo os indígenas nas suas colônias.
Por que isto foi levado a efeito? Porque verificou-se a ineficácia do ordenamento jurídico português diante das relações sociais envolvendo os indígenas, sujeitos sociais não alcançados pelas leis metropolitanas. O conjunto de leis, tanto materiais, quanto formais, era insuficiente  para resolver  os conflitos resultantes daquelas relações sociais, produzidos pelos desvios de conduta exigidos pelas tradições desconhecidas pelo ocidente, e se conhecidas, não mais utilizadas na atualidade, porque contrárias ao que era tido como civilizado. 
Essa autorização legal para a observação do direito consuetudinário dos indígenas gerou uma ordem plural, imposta pelas circunstâncias e reconhecida legalmente. Um pluralidade legal criada artificialmente pela legislação, a fim de que os colonizadores retirassem das autoridades tradicionais o poder de resolver os  seus  próprios conflitos e pudessem manipular estas tradições, amoldando-as de acordo com os princípios da moralidade e da civilização nos moldes ocidentais.Um processo de aceitação das tradições como forma de enfraquecimento delas e de meio de subordinação dos africanos.
Por que não podemos considerar, como  hoje, esta aceitação da ordem jurídica “costumeira” como um pluralismo jurídico nos termos em que este é, atualmente, considerado, estudado, justificado? Porque o pluralismo hoje está assente na idéia de justiça social, de aproximar a justiça ao cidadão e de concretizar a sua maior característica que é ser, efetivamente,  “justa”. É a aceitação de soluções derivadas do convívio social, que não estão estratificadas dentro do ordenamento jurídico estatal, mas que fazem parte do Estado social como um todo, como meio de resolução dos conflitos  que são gerados no dia a dia e dentro das comunidades.  São condutas que não estão, na realidade, abrangidos pela lei, exatamente por surgirem do quotidiano de situações novas que não estão previstas nas hipóteses legais e que necessitam de uma resposta urgente, não só para que a ordem seja reestabelecida, mas para que a justiça se faça de imediato, de forma democrática, e, por isso mesmo acatada pelos participes dos conflitos. É a certificação da existência de um “direito vivo”, crescente, não estratificado pela lei. Um direito que regula condutas que fogem das hipóteses previstas, e, por isso mesmo, exige soluções outras, que, também, não estão previstas na lei. Observe-se bem, são regulações de conduta sem regulações anteriores, é uma distribuição da justiça em que as  partes interessadas é que criam as suas próprias soluções, acatando-as e colocando  um fim aos conflitos, uma aplicação da justiça que independe, inclusive, do judiciário .
Arquivo Histórico de Moçambique
O que acontecia no período colonial? Primeiramente, o direito consuetudinário, tradicional,  existia  munido da sua própria coercibilidade, compreendida como o medo reverencial ao sobrenatural: quem errava era punido pelas forças ocultas da natureza.  Sempre houve a sanção e os conflitos eram resolvidos no sentido de reestabelecer a ordem e satisfazer o ofendido, por isso mesmo que uma das grandes características da justiça consuetudinária era a sua natureza conciliatória, aliada ao viez indenizatório e à reciprocidade (equivalência entre o  ato e a sanção) das suas decisões. Junte-se a tudo isto o motivo maior da distribuição da justiça, que era a apaziguação das forças da natureza, dos espíritos, que tinham de ficar satisfeitos e demonstrarem esta satisfação através  daqueles que eram os seus intermediários.        
Existindo, anteriormente ao direito  trazido de fora, o direito consuetudinário não foi criado, surgiu e se desenvolveu e adaptou-se  exatamente  pelo convívio social no espaço da comunidade em que ele era observado. Era pronto e acabado, no sentido de existência, quando os colonizadores  chegaram e  era, como todo o conjunto de normas, um instrumento de dominação, de exercício de poder, porque havia a subalternidade entre o detentor do poder, aquele que podia julgar os conflitos e estabelecer as sanções em nome dos antepassados, dos espíritos, enfim, das forças sobrenaturais e os demais membros da comunidade. A sua força era tão grande, que o Estado português se viu forçado a reconhecer a existência  dele e autorizar a sua aplicação, não como forma de distribuição da justiça e nem de resolução dos conflitos de uma forma “justa”, mas como forma de domínio e de manutenção da ordem e da diferença entre  os europeus e os “nativos”, aqui entendidos como os habitantes originários da África lusófona; tanto que o Estado não  acata os princípios do direito consuetudinário, não reconhece, na realidade, as suas “normas”, reconhece simplesmente  a sua existência como forma de resolução de litígios, mas impondo  limites, seja no que se refere às sanções, aos meios de prova, seja em relação às autoridades judicantes. O Estado Português jurisdicionalizou a ordem social indígena para ter um maior controle sobre esta.
Na atualidade o pluralismo é entendido como uma abertura da ordem estatal  no sentido de recepcionar outras ordens normativas surgidas da convivência, das reivindicações dos interesses da coletividade; ele proporciona o surgimento de novas tipificações jurídicas resultantes da pratica reiterada de determinadas ações.
A concepção de uma justiça mais democrática, mas aproximada do cidadão, da comunidade faz parte do próprio conceito do pluralismo jurídico, portanto, nestes termos, não há como assegurar a existência de um pluralismo jurídico no “estado colonial”. Houve sim, uma pluralidade de normas, mas não um pluralismo jurídico como forma democrática de resolução de conflitos.
O monopólio da criação estatal do direito do período colonial foi responsável pelo reconhecimento do direito consuetudinário dos indígenas como fonte de direito, embora sujeita aos limites impostos por esta mesma ordem, e a sua aplicação por todos os agentes  responsáveis, também, era autorizada pela lei, positivando assim a existência  de uma ordem extra jurídica, no sentido de que não fazia parte do ordenamento jurídico português.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Uma dolorosa despedida


São os últimos dias que estará com Portugal e com a sua querida esposa: tem estado triste a percorrer as ruelas e escadas de Lisboa. Continua, depois de oito anos, a descobrir tanta coisa nova, coisas que Portugal esconde muito bem aos olhos famintos dos turistas que procuram conhecê-lo,o que ele quer guardar para si e para os seus. É como se quisesse guardar algumas coisas só para ele, para, juntamente com a sua bela consorte, deleitar-se sem testemunhas.
Está mesmo com a alma doente, ela não se quer ir, mas tem de ir, não tem opções, tudo o que tinha de fazer aqui já está feito, não pode mais prolongar a sua estada. Portugal lhe deu os títulos que ela tanto almejou, mas lhe retirou muita coisa, a exemplo da alegria de retornar a casa. Ela não quer isto, quer ficar aqui, mas  não pode mesmo, não tem quaisquer condições, seja financeira, seja emocional, precisa voltar, ela bem sabe, até porque quer tentar outra vez uma nova vida ao lado de quem pode, ao menos, tentar lhe fazer feliz. 
Tem de retomar a sua vida sem a presença deste amigo. Mas como? Pergunta. Como vai fazer sozinha naquela vastidão que é a sua terra? Com quem vai partilhar as suas emoções?  Com quem se emocionará tanto?  O que irá fazer aos sábados pela manhã, aos domingos à tarde? E na semana? Em que biblioteca, em que centro de saber irá se esconder para crescer? Não, ela não terá mais oportunidades de ir até Cascais ver o mar, ir ao Estoril olhar as pessoas a tomar sol, aproveitando até o último raio possível; enquanto há luz, estão ali estirados ao sol, como se quisessem estocá-lo dentro de si.
Se antes sempre havia uma esperança de retorno, agora, infelizmente, um retorno poderá acontecer, mas jamais ela poderá quedar-se assim, tão perto e por tanto tempo junto do seu grande amigo.
Chora, olha o Rossio, a bela estação se apresenta aos seus olhos, tira foto, não quer nunca se esquecer desta maravilha arquitetônica, olha a Avenida da Liberdade e vê que a sua própria liberdade está fugindo do seu controle, já não pode decidir sozinha a sua vida, tem de esperar pelos outros, não tem mais de onde tirar o vil metal que a faria ficar aqui, vivendo condignamente, morando bem e procurando o saber.
Pensa nisto e olha a “montra” do restaurante “ Beira Gare”; olha as bifanas, os empanados, os”pastéis de bacalhau” os risoles, e tantas outras coisas. Vê as pessoas passarem, turistas, muitos mesmos. Segue o caminho, quer andar em tudo, olhar tudo, ver os detalhes, para não se esquecer de nada. Passa pelo Rossio; o teatro continua ali, imponente. Segue até o Largo de São Domingos, tira foto da Rua das Portas de Santo Antão, lembra: quantas e quantas vezes passou por ali para ir até à Sociedade de Geografia.  Sente uma dorzinha no peito, sabe que dificilmente voltará ali para passar manhãs e tardes procurando nos Boletins Oficiais das Colônias as informações para o seu trabalho. Sente lágrimas escorrendo pela face, quer esconder, mas não consegue, o sentimento é maior que o seu racional.
Olha em volta, o Largo de São Domingos, multicultural como é, está como sempre: bêbados falam sozinhos, discutem consigo próprio o esporte e concluem: "O melhor time do momento é mesmo o Barcelona”, este comentário lhe refaz um pouco, ela sorri e tira mais fotos, muitos negros estão ali; alguns demonstram a sua religião; são muçulmanos. As mulheres estão com as suas vestes típicas. O estampado é realmente bem escolhido, os modelos originalíssimos. Nas cabeças adornadas, mais panos brilhantes e coloridos. É uma festa. Ela tenta se concentrar nestas cores e na alegria que elas transmitem, mas é por pouco tempo, porque a nostalgia, de novo, lhe invade, exatamente pelo fato de que lembra que não mais verá isto.
Resolve andar mais um pouco, entra na rua onde se vende “ouro”, hoje não percebeu ciganos comprando ouro, há muitos negros e indianos, mas não vê ciganos. Pessoas mal cheirosas passam por si, ela hoje nem liga para isto, já não vai mesmo sentir mais estes cheiros, mas há um cheiro mais forte que ela sabe que não vai esquecer, embora saiba que dificilmente sentirá este aroma no Brasil, é o do “carril”, tem indianos que exalam carril do próprio corpo, deve ser de comer tanto com este condimento.
Chega à Praça Martim Moniz. A Praça ganhou beleza, e perdeu os seus habituais visitantes, agora, a praça esta valorizada, e as pessoas  de bem podem frequentá-la.  Acha louvável, mas a tipicidade da praça deixou de existir. Agora a tradicional família portuguesa pode visitá-la sem sustos. Não se sabe o que fizeram com os antigos “habitues” dali: drogados, prostitutas, bêbados.  
Há muitos quiosques na Praça, você pode escolher; petiscos e comidas: africana, brasileira, chinesa, indiana. Há artesanato na Praça,  sempre há música. Na sexta feira, dia 05 de outubro, a Mariza cantou na Praça terminando o show com “Gente da minha terra”, que só ela, mais ninguém, sabe cantar, foi efetivamente lindo.
Isto lhe faz recordar, exatamente, o show na semana anterior em que viu, “grátis
”, Ney Matogrosso em concerto ao ar livre em plena Praça do Comércio em Lisboa.  O cenário não poderia ser mais perfeito: a Praça fica em frente, completamente em frente, ao Tejo, que se fez calado para ouvir o cantor e se preparou para, no dia seguinte, domingo, ouvir e ver a sua encantadora compatriota, a Carminho, e depois Martinho da Vila, dentre outros que por ali passaram também. E ai, pensa ela: onde e como eu farei isto em Salvador da Bahia? De novo sente as lágrimas escorrerem pela sua face, disfarça e tenta enxugá-las por baixo dos óculos escuros com o qual tenta, sem qualquer sucesso, esconder o que lhe vai mesmo ao peito.
O dia seguinte esta lindo, parece que Lisboa não quer que ela vá embora mais triste e não recebe o outono, prolonga a estada do verão de qualquer maneira, está com temperatura de 30 graus e ela decide ir à feira da ladra, é sábado, e, portanto uma bela programação.   Vai ver coisas extraordinárias, adora ir ali. Se tivesse dinheiro e morasse em Portugal, certamente, muitas coisas da sua casa sairiam dali, daquela feira onde se encontra de tudo, do melhor ao pior, do novo ao velho, do antigo a velharias mesmo, do original ao falsificado, enfim.
Passa pela feira, vê relógios, pratarias, pratos que ela particularmente adora, panos indianos, máscaras africanas, fotos, livros, postais, muitas e muitas coisas lindas. Desta vez comprou apenas um elefante pequenino e dois panos indianos, que o homem lhe explica ser um “sári”, ela diz que compra não para usar como roupa, e sim como colcha de cama ou toalha de mesa; os panos são lindos e ela tem de sair apressada da barraca do indiano porque não tem dinheiro e nem espaço para levar estas coisas para o Brasil.
Sai da feira da ladra e entra por ruas nunca antes, por ela, percorridas. E uma nova Lisboa se apresenta nova por ser nunca antes visitada por ela: ruas, ruelas, escadinhas se apresentam, muitas novas Igrejas aparecem em muitos becos em que ela entra e pensa que não conseguirá sair, mas isto é impossível, há sempre uma alternativa.  Anda muito, anda muito mesmo pela Alfama, por seu becos e escadarias; não se perde porque sabe que, em descendo, vai dar sempre no Tejo, o seu guia, o seu companheiro de sempre, que não lhe falta nas horas tristes e de aflição, portanto não se preocupa mesmo, não quer, sequer, saber onde está, sabe que ele vai tá lá embaixo e que algum beco, alguma escadaria, alguma ladeira, vai fazê-la chegar á ele.

Desce tudo, sai em Santa Apolônia, decide que vai a Cascais, anda até o Cais Sodré, quando lá chega lembra que o comboio está em greve, hora de arrumar outra coisa a fazer, recorda, então, de Santa Catarina, e vai até o elevador da Bica. Sobe e pensa em comer um chouriço assado, e é o que faz, toma alguns chopes. Fica ali até mais tarde e resolve voltar, desce em direção ao Chiado, passa pela porta do Consulado Brasileiro na Praça Camões, e continua descendo em direção ao Rossio. É sempre um deleite quando chega à Praça. A vida está ali, a multiculturalidade, tudo enfim, e a sua vida também, só que ali vai ficar um pouco dela, que não retornará junto consigo para a sua terra.

No domingo, como sempre que tem oportunidade faz, vai a "feira do relógio", ela gosta,gosta de tudo, de ver tantas e tantas etnias juntas,  a multiculturalidade resplandece: brasileiros, russos, portugueses, africanos, ciganos, ucranianos,  ali ninguém é estrangeiro, todos comungam um mesmo sentimento e um mesmo objetivo, diversão e comprar  alimentos  mais baratos; roupas, sapatos, perfumes, bolsas de marca, o mundo da falsificação em uma realidade que reina absoluta mostrando a verdade nua e crua. Todos querem ter acesso a uma Lui Vuiton, Prada, Dolce Gabanna, Gucci, etc. Ela não compra, adora ver as "brasileiras" comprando. Vão levar para o Brasil e vão tentar enganar os trouxas, embora ela mesma já tenha  tido  uma encomenda de uma carteira Lui Vuiton, não comprou claro, tem vergonha, sempre achou que se não pode ter a original, certamente, não se falsificará usando uma "falsa".
Novamente ela  volta ao Rossio, é o seu ponto de referência, dali ela vai poder ir para onde quiser sempre, mas não pode ficar o tempo todo na rua e ela tem de voltar à casa.
É inevitável, a emoção toma conta de si e ela caminha lentamente em direção ao táxi, que a levará até Carnaxide, e no táxi, mais uma vez, ela lembra que terá muitas saudades, saudades mesmo, pois em muitos deles ouviu galanteios, não levados a sério mesmo, afinal. . Mas é sempre bom ouvir, embora de maneira não muito elegante, “que você ainda dá umas curvas” e coisas do tipo.
Chega a casa, fica pedindo que a dona da casa não esteja, não é por nada, é porque está mesmo soluçando, e não quer que ela participe desta tristeza.  Chega ao seu quarto e abre à janela, o Tejo está lá, quieto, hoje parece estar triste, não tem ondas, está calmo, fica de lá tentando lhe dar coragem e lhe confortar. Ela agradece, fecha a janela, deita, tenta dormir, afinal, amanhã é outro dia e, quem sabe o seu amigo e a sua esposa lhe façam outra surpresa!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Lamparinas


Sim, a gente ia entrando na casinha, digo casinha porque esta especifica casa de minha avó Antonieta parecia uma casa de bonecas. Tinha, salvo engano, um quarto, uma sala comprida, um banheiro a cozinha e uma área.  Do lado esquerdo da sala, onde ficava o quarto e o banheiro, entre um e outro, havia um mínimo hall e ali, uma mesinha mínima com um pequeno nicho com santos e a “lamparina”, que, diuturnamente, permanecia acesa, como para iluminar aquele espaço e todos dentro daquela casa.