É um sábado, o dia começou
nublado, o homem da limpeza não veio, ela olha o pano que está seco e confirma
que ele realmente não esteve no local. Pelo segundo dia consecutivo ele não vem e ela tem de
limpar tudo, na verdade não se importa muito, mas o que não gosta é
exatamente de ficar na expectativa Como tem de limpar mesmo, o faz. Molha as plantas porque a chuva está muito fina e não vai dar vencimento,
cata as folhas que caíram à noite, varre todo a varanda e o pátio, joga o lixo
fora, faz tudo automaticamente, parece um robô.
O dia cresce sem muito
entusiasmo. Ela limpa tudo, o quarto de cima, abre as portas, limpa escada,
desce limpa a sala. Toma banho no chuveirão do lado de fora da casa, sabe que
está sendo olhada, mas não se preocupa, está na sua casa, portanto quem está
olhando é que é o intruso.
Muda a roupa, vai na feira, nada
lhe agrada, a chuva começa a ficar mais forte, ela retorna.
Faz um mousse de limão, tudo
muito automático, parece que não quer estar ali naquele lugar, fica procurando
fazer coisas para não pensar muito no que está sendo a sua vida agora. O que
adiantou fazer tanta coisa? O que adiantou se afastar tanto tempo, se isto não
resolveu nada, muito pelo contrário, isto só fez aumentar as suas incertezas,
inseguranças, até mesmo a raiva. Não se controla, chora, xinga, blasfema. Deus não tá vendo esta merda?
Quer ir embora, não suporta esta coisa
que não sabe o que é, que não é definida. Ninguém vive de promessas e de
ausências. Ela quer viver, ser feliz, mas parece que outros não querem, ou
melhor, nunca quiseram isto.
Tenta se recuperar, está entrando
num parafuso e sabe aonde isto vai ar, então pega um disco de Kitaro e coloca,
por incrível que pareça o nome do disco é “Dream”, bem sugestivo para o momento
que está passando, então ela começa a pensar. “Vou vender tudo, vou pagar o que
devo e vou embora, para onde não sei, mas vou passar um bom período fora daqui; quem sabe quando voltar, se voltar, as pessoas tenham se resolvido, ou quiçá,
desaparecido”.
Pensa em ficar na rede, afinal é
uma coisa que ela realmente gosta, ficar ali meio deitada estudando, lendo
alguma coisa. Ai dela se não fossem os livros? Com certeza ela já não
suportaria tanta solidão, tanta ausência, tantas incertezas, tantas dúvidas.
Sabe que já não tem mais idade para tê-las, mas ela as tem.
A Chuva agora cai forte, mas
muito forte mesmo, e ela fica a olhar da varanda todo o esplendor que tem um dia
de chuva providencial, porque o calor estava mesmo insuportável. Ela pega o
computador e pensa em escrever um texto, não é a hora adequada e ela bem sabe
disto, mas ela tem de botar para fora alguma coisa, caso contrário ela não vai
suportar.
A natureza, entretanto, se lhe
mostra feliz, e ela tem de desviar pensamentos tão cruéis, e tenta entrar em
contato com ela, passar a fazer parte dela, do verde, da chuva, do cinza do céu.
É difícil, mas ela tenta. Procura se lembrar do sonho que teve hoje, sabe que
foi alguma coisa a ver com cabelos brancos, com sobrancelhas, com o contraste que
agora existe entre os seus cabelos, as suas sobrancelhas e a vida. Seus cabelos mostram a sua realidade hoje,
mas ela não quer se convencer dela, acha que ainda não está na hora de se
sentir assim, mais velha, no entanto decidiu que não vai mais pintar os
cabelos, vai deixar que eles se mostrem como realmente estão, brancos.
Não sabe dos acertos das suas
decisões, mas vai ter de tomar algumas, desde a casa, até a sua ida, de uma
vez, para fora do país. Tudo é melhor fora
daqui, ela bem o sabe, a distância é uma grande sua aliada. A liberdade, o não ter de dar satisfação a ninguém dos seus atos, a impresença de todos e dela, em relação a
eles, lhe faz bem. Se um dia chora, no outro está bem, ao contrário daqui que só
chora, nada lhe agrada, nem mesmo as migalhas que lhe dão e que dizem que é
amor.
Vai
mesmo pensar muito, hoje é um dia adequado para isto, vai se inspirar na natureza,
que se modifica a cada momento, nada é igual ao ontem e nem ao amanhã em
relação a ela. Mais galhas na
pitangueira, que amanhã pode estar com mais ou com menos folhas. Os frutos hoje
verdes, amanhã estarão vermelhos. Os
cocos hoje verdes, amanhã poderão não estar mais no cacho, a chuva e o vento
podem derrubá-los. Os pequenos embriões, que começam a se mostrar, podem morrer
antes mesmo de demostrarem as suas características.
O jasmim pode ter as suas
digressões interrompidas por uma quebra dos seus galhos. Enfim; a natureza
mestra mostra-lhe que tudo pode mudar de um dia para o outro, e é isto que ela espera: que as coisas mudem mesmo, mas para melhor, porque para pior ela já não suporta
mais, está, a cada dia, mais sozinha, mas velha, mais triste. O refúgio está em
seus livros, mas até eles começam a não gostar do seu toque, não querem ser abertos, manuseados, lidos. Ela está dispersa, e quando isto acontece eles não podem lhe oferecer os seus conhecimentos,
os seus conselhos.
E o notebook, também não satisfeito, não gosta quando ela lhe usa para
descarregar tristezas, ele, que também é o seu companheiro de
solidão, quer que ela viva, que ela seja
feliz, quer ver alegria no seu olhar refletido através do seu visor para ela
mesma, que tem de se convencer que ela bela, que é capaz, que tem obrigação de
ser feliz.