O tempo, este inexorável divisor
de momentos, é cruel para algumas coisas. Dois anos! Lá já se foram dois anos sem a sua presença
física. Você faria noventa anos hoje, dia 26 de junho. Não, não posso dizer que
você faz falta. Não, você não faz falta porque sua presença está em todos os
lugares, desde a fotografia em cima da mesinha de canto da sala, até onde os
olhos não podem ver, interiorizada na alma. O que sinto são saudades. Saudades
do tempo em que você guerreava consigo própria, pois, tenho certeza que a luta
interior que você travou durante muito tempo foi enorme.
Também sei o motivo de tanta luta
e tanta vitória/derrota. Seus seis filhos. Sim, você nunca desistiu de nós.
Talvez nem merecêssemos tanto, mas você decidiu que criaria seus filhos e que todos eles seriam,
se não o que você projetou, o mais próximo possível. Também não se intimidou
quando apareceram os seus outros filhos, aqueles que, com o seu coração enorme,
e com a diminuição das nossas bocas filiais, você adotou,
Com exceção do Cosme, todos nós
estamos aqui, e você estaria muito orgulhosa de todos nós, aliás, você se foi orgulhosa, pois lembro do brilho
do seu olhar a cada momento que você me apresentava aos seus amigos: “Esta é a
minha filha Juíza”, Eu não gostava muito desta apresentação, mas confesso hoje
que, eu mesma ficava orgulhosa de ter lhe podido dar este orgulho. Sim, sei que
é apenas um título, mas nem todos o conseguem, quanto pior quando ele é cavado
à força mesmo, pois tenho certeza que você lembra o quanto me esforcei para
consegui-lo. Uma pena que não consegui lhe retribuir mais um pouco do muito que
você me deu para que eu conseguisse, chegasse lá.
Eu tinha um sonho, este não mais
posso realizar, porque ele inclua você, aliás, você e seu companheiro: Queria levar
os dois à Espanha. Queria muito mesmo, mas quando poderia ter realizado este sonho, meu pai já se tinha
ido, aliás, foi antes de ter me tornado a “doutora” que ele jamais pensou que eu
conseguiria. As fotos quase falam por si só
demonstrando o quão orgulhosos e felizes vocês dois estavam quando colei grau; neste particular, tenho que fazer justiça: vocês só não,
todos nós: eu, vocês, meus irmãos, Gloria e Marcos, Carlos todos estavam para
lá de felizes, afinal um membro do clã estava colando grau em Direito e pela
UFBA, mas, voltando ao meu sonho: Meu
pai se foi e você ficou doente e não podia se locomover e tive de desistir dele.
Lembra que ele dizia que eu não ia dar para nada! Coisas de
espanhol brabo, mas também lembro do orgulho de vocês dois quando recebi o diploma.
Ficava tão triste quando te
olhava naquela cadeira de rodas! Muitas vezes controlava o choro para que você
não me visse chorar, outras vezes não aparecia, ficava muito tempo sem te ver;
não porque não quisesse, é que me fazia muito mal, pois a lembrança que tinha
de você como uma lutadora, uma vencedora não me permitia entender o motivo de
você estar ali, tão frágil, tão dependente, tão
solitária no seu eu, com o olhar, que não enxergava quase nada, vago, distante.
Era como se você estivesse em outro
lugar olhando da distância nós aqui.
Tem uma coisa que gosto muito de
lembrar: Os natais e os seus envelopes. Você lembra? Você me fazia trocar
dinheiro para que tivessem notas suficientes para colocar nos envelopes para
dar aos netos e filhos. Eu ria, era tão pouco, mas não ficava ninguém sem uma
notinha. Fabio, Vinicio e Quico já adolescentes, recebiam o envelope com dez
reais. Sempre falei para eles que não desprezassem este gesto, porque era puro
amor, apesar da nota não dar para quase nada.
Também lembro que, muitas vezes,
você me tomava dinheiro para fazer isto e guardava o seu, lógico que não para
si, você já não tinha como gastar, mas para dar a outrem. Você não me dizia, entretanto,
sei que virou uma caixa para o vizinho, que sacanamente se aproveitava disto,
mas a gente não podia falar nada e eu, especialmente eu, fazia vista grossa.
É realmente uma pena que não
tenha podido levar vocês a Espanha. Não sei qual seria a sua reação ao chegar
na velha casa de pedras de meus avós, igualzinha a que você me descreveu um
dia, sem lá nunca ter ido, isto porque você sonhou com ela. Quando lá cheguei
pela primeira vez, não tive dúvidas de qual era, se bem que ficaria difícil
errar: a aldeia é mínima, pouquíssimas casas.
Esta semana sonhei com você. Você
estava viva e sadia ainda andava e vendo a minha aflição para pagar contas me
dizia sorrindo: Eu não tenho dinheiro,
mas Alfonso com certeza tem e vou pedir a ele. Espero que no céu tenha moeda corrente, de preferência
“libra”, e que, de alguma maneira você possa colocar no correio daí para que chegue até a mim, mas foi interessante saber que
você continua atenta aos meus, e aos “nossos”, problemas terrenos.
Sei que você sabe do que acontece
com todos nós, mas é bom atualizar as coisas. Thiago de Elisa é pai, uma
meninona gorda e bonita. David foi morar em Toronto – Canadá. Leticia cada dia
mais fica parecida com você, corpo e
mente: uma lutadora que faz qualquer coisa pelos filhos. Elisa continua
lá em Aracaju, precisando da atenção de todos nós, mas ela se sairá bem com
certeza, afinal tem uma protetora da sua estirpe intermediando uma solução com
Deus diretamente: Tininho vai levando o sonho dele em frente, você ia se
orgulhar imenso dele, sozinho e conquistando os espaços que sonhou junto com a mulher e filha, a união dos três
superara qualquer dificuldade. Luciano,
bonachão como sempre, esta orgulhoso
dos filhos: Lucas formou em direito e
Mariana segue na odontologia (você já não ia precisar tanto dela) mas certamente
ela orientaria alguém a lhe fazer uma prótese mais bonita. Rafael de Leticia,
coisas do destino, quer perpetuar a minha vinculação com ”Valdir”, pois não é
que o sacana arrumou um namoro com uma das irmãs de Fabio? Você teria uma explicação para isto, tenho
certeza. Rodrigo emagreceu com a bariátrica, mas não segue a dieta alimentar
que teria e está engordando. Saulo e
Yuri estão bem, Yuri forma este ano e Saulo está .no seu silêncio para nós,
vivendo a vida dele, ambos se recompondo da ausência de Du Carmo, que está ai
junto a você. Jessé está pensando em morar na Espanha, tentou o Canadá mais não deu certo, vou torcer pela Espanha.
Fabio! Ah Fábio! Você não vai
acreditar, abriu um restaurante onde ele é o “chef” nome chic para quem faz
comida. Sempre ele diz que você é a musa inspiradora dele. Que ele lembra de
você cozinhando, fazendo o nhoque para ele, e não só nhoque, tudo que você
sempre fez pelo seu primeiro e adorado neto: aquele pão sapecado na boca do fogão, ele hoje faz para a filha.
O pequeno de Leticia, o que
parece ser o mais murrinha, esta orgulhosamente no Colégio Militar.
As filhas de Fabio, a Giulia e a
Agatha são bonitas e tem os cabelos cacheados como os meus e os seus. Victor,
já agora com dezoito anos, é um estudante de medicina.
Enfim, todos sobrevivendo e
sentindo saudades dos bons momentos em que estávamos, todos, juntos e sorrindo,
para comemorar o seu aniversário /cantando a nossa música tema “ “Nêga, seu “U”
tem manteiga. Nega chega o “u” para cá”.
Feliz aniversário mãe.