Estava muito cansada;
saíra da Faculdade de Direito onde estava pesquisando leis coloniais, um
trabalho chato, desgastante, insípido para ela e para o seu nariz que odeia
poeira. Saia dos arquivos
completamente entupida, com dificuldade de respirar, nariz escorrendo e, muitas
vezes, com dor de cabeça. Nesse dia resolveu não ir direto para casa, foi
espairecer um pouco, mesmo com o peso das cópias de documentos que havia tirado
na biblioteca.
Pegou o Metro na Cidade
Universitária, saiu na estação do Marques de Pombal e desceu a Avenida da
Liberdade, já eram quase 7 horas da noite, mas o dia, apesar de frio, ainda
estava claro em Lisboa, veio descendo e procurando um espaço para comer, até
àquela hora não havia comido nada.
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Praça do Comércio-Lisboa |
Alcançou o Rossio e
continuou em direção à Praça do Comércio. Nesse momento lembrou-se que ia haver
a inauguração da árvore de natal da cidade de Lisboa, pensou que isso ia ser
cedo e se dirigiu para o local, ficou embaixo das arcadas, do prédio secular
de um dos muitos Ministérios que se abrigam no Terreiro do Paço. Estavam
testando a iluminação e ela ainda viu algumas luzes da árvore formando renas,
sinos, anjos, os símbolos do natal, em cores lindas, mas, de repente: tudo se
apaga de vez. Uma pane no equipamento. Ainda bem que estava errada, porquanto
não era o dia da inauguração, que ocorreria no dia seguinte.
Com a cabeça ainda
doendo, desta vez já era mesmo por causa da fome, ela continuou andando. Pegou
a rua que leva ao cais Sodré, tentou entrar em vários restaurantes, mas
desistiu, estavam todos cheios de homens, ficou com vergonha, pois estava
sozinha e sabia o que a sua entrada ia provocar. No Irish, então, um bar de
irlandeses, pior ainda! Gringo para danar e ela seguiu, depois veio, a saber,
qual era o motivo daquela invasão: O Benfica jogava com um time da Inglaterra.
Chegou até o Mercado da
Ribeira pela parte dos fundos, e viu uns três homens saírem comentando que
aquilo ali era um museu, que a pessoa menos velha ali já passava dos cinqüenta
e muitos. Ouviu som de música e pensou em entrar, foi o que fez. Atravessou
todo o mercado, que estava a fechar, e ainda tinha um forte cheiro de peixe e
alcançou o hall de entrada onde ficam as escadas que dão acesso ao primeiro
andar. O prédio do Mercado da Ribeira é lindo, visto pelo lado de fora chega a
ser suntuoso, há uma cúpula maravilhosa. No hall de entrada há duas escadas bem
largas e você pode subir por qualquer dos lados. Se subir pelo lado direito vai
dar no espaço em que fica a loja de artesanato, livros e vinhos, e que vinhos!
Do outro lado você dá no salão que tem um restaurante com comidas portuguesas,
que não é típico, porque apesar de ser vir comida portuguesa, o faz no sistema
"self service". No centro há um outro salão, e ali, naquele dia,
havia uma festa, era dali que vinha o som. Chegou, olhou, mas não entrou,
precisava comer alguma coisa mesmo.
Dirigiu-se, então, para
a lanchonete que fica do lado direito e sentou-se ao balcão onde já estava uma
senhora. Pediu uma água e um vinho do porto enquanto escolhia a sandie que ia
comer, quando ouviu a senhora que estava ao seu lado dizer: "É muito
grande, não vou conseguir comer sozinha!" Olhou para o lado e viu qual
motivo do comentário. A sandie era mesmo enorme, nem mesmo a sua própria fome
daria conta daquele pão imenso. Então, sem pensar muito, virou-se para a
senhora e perguntou se queria dividir com ela que pagaria a metade. A senhora
concordou e então começaram a conversar.
Ficou sabendo que aquela
festa acontecia três ou quatro vezes na semana, eram bailes, segundo a senhora.
As mulheres pagavam 2 euros para entrar e os homens pagavam 3. Que aos domingos
o preço era maior. Que, normalmente, na quarta e quinta feiras, começava as 15
e acaba as 19 e, nos demais dias, começava as 16 e acabava as 20. Era uma sexta
feira, portanto, naquele dia ainda podia ver alguma coisa, foi o que fez,
acabou de comer a sandie no momento em que a música, que havia parado,
recomeçou.
Levantou-se e pagou a
entrada. Surpreendeu-se: Muitas cadeiras de plástico branco enfileiradas.
Deveria ter umas vinte filas de cadeiras. Nas laterais da sala também,
circundando quase toda ela, e em fila única, havia cadeiras encostadas á
parede. No espaço entre as cadeiras enfileiradas e um palco, um bom espaço para
dançar. No palco havia três
homens cantando e tocando: órgão e violão, um deles só fazia mesmo cantar.
Alguns casais dançavam. Ela então se sentou na última fila de cadeiras, aquela
mais próxima da entrada. Na verdade só queria ver aquilo. Algumas pessoas já
lhe haviam falado dos bailes da Ribeira, mas ela não sabia, não tinha noção
mesmo do que era.
Colocou a sacola com os
livros em uma cadeira e sentou-se na outra e começou a olhar bem para tudo. Era
uma observadora naquele momento, queria entender tudo, ver tudo. E era
efetivamente uma surpresa mesmo. Casais de senhores dançavam ali, dançavam
muito e bem. Afinidades nos pés e no corpo, rodopiavam, faziam passos
diferentes, de quem aprendeu a dançar mesmo, embora ela não gostasse daquele tipo
de dança, que parece que tem os passos contados, programados, apreciava quem
sabia trabalhá-los. Outras pessoas, tanto mulheres como homens, estavam
sentados nas cadeiras laterais e nas das filas. Ficou observando tudo e
entendeu que as senhoras ficavam sentadas nas cadeiras a espera que um daqueles
senhores a tirassem para dançar. Os senhores, por sua vez, ficavam ali olhando,
escolhendo quem seria a próxima parceira. Aquilo tudo lhe recordou os bailes da
adolescência. Achou engraçado, hilariante até, porque estava vendo isto em
pleno século XXI, numa cidade europeia e entre pessoas com idade avançada, como
se diz hoje, a terceira ou quarta idade.
Ficou ali quieta
admirando tudo aquilo. A música tornou a parar e ela pensou que tudo já estava
acabado, viu alguns casais saindo e outros a se dirigirem para o fundo do
palco. Permaneceu no mesmo lugar até que a música voltou a tocar, mas notou que
o baile estava terminando mesmo, porque muitas pessoas estavam deixando o
local.
Como percebeu que se
ficasse olhando na direção dos homens podia ser chamada para dançar, e não
sendo este o seu objetivo, estava de cabeça baixa, mas não o suficiente para
não ver um senhor caminhando para o final da sala em direção à saída. Um homem
alto, moreno, de bigodes, com um casaco preto até os joelhos. Viu, achou-o
diferente, porque não tinha a idade dos demais que já haviam passado por ela e
saído. Baixou a vista, mas foi tarde demais, o homem parou na sua frente e lhe
chamou para dançar, ela recusou, dizendo que estava cheia de coisas, mostrando
a sacola cheia de cópias e livros. Ele não fez por menos: Isto não é problema,
tirou o casaco e colocou por cima das coisas, inclusive da sua bolsa e disse:
Vamos! Ninguém vai bulir em nada. Relutou um pouco, mas foi dançar.
O cidadão dançava bem e
ela percebendo, disse logo: Olhe, eu gosto de dançar, mas não sou nenhuma
dançarina, ao que o homem respondeu: eu ensino-te. Estranhou a colocação do
pronome, mas estava em Lisboa, era assim mesmo.
Procurava dar a
distância regulamentar entre ela e o cidadão, mas este cada vez mais a puxava
para junto do corpo. A cada puxada para frente ela colocava mais e mais a bunda
para trás, por algum tempo foi uma guerra de vai e vem. Ela queria que o homem
notasse que não queria qualquer avanço, qualquer intimidade.
O cidadão, puxando-a
mais uma vez para si, disse-lhe que a primeira coisa que ela tinha de aprender
era colocar os braços, que deveriam ficar em volta do seu pescoço. Ela sorriu e
continuou como estava dançando, da forma tradicional, uma mão no ombro do
parceiro e a outra entrelaçada com a dele e com os braços esticados á direita
do corpo. Todavia, ele colocou os braços dela em volta do pescoço dele e
continuou dançando, era realmente um bom dançarino e tinha uma pegada
diferente, sua mão direita ficava no meio das costas dela e a mão esquerda na
cintura, de maneira tal que o movimento era controlado exatamente naquele
sitio.
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Lisboa vista do Tejo |
Gostando de dançar como
gostava foi deixando aquele desconhecido lhe levar, dançou uns vinte minutos e
de repente o cara pergunta: Quer namorar comigo? A pergunta lhe pegou de
surpresa e ela, afastando-se do homem, começou a rir muito, nem conseguia
dançar, estava parada no meio do salão numa crise de riso incontrolável.
A pessoa, também
sorrindo, ficava tentando pegar outra vez o seu corpo, mas não dava, ela
desandava a rir de novo. Quando ela conseguiu se refazer e recomeçar a dançar a
sério, já permitiu que o homem se achegasse mais, já não evitou as tentativas
de aproximação do corpo. De repente ela começa a sentir um volume esquisito na
altura certa, ali onde todos vocês estão pensando. Afastou-se, queria ter uma
noção melhor, mas não dava para ser tão indiscreta.
Desacostumada de tudo,
pois só dançava com o ex-companheiro, que de há muito, dançando com ela, não
tinha mais este tipo de excitação. Queria se aproximar para sentir mesmo a
novidade antiga, mas, ao mesmo tempo, queria evitar qualquer contato, ou
melhor, que o cidadão achasse que ela estava a gostar. Todavia o português era
um sacana mesmo, e em um dado momento da música que estavam a dançar, que por
incrível que pareça era uma musica do Bruno e Marroni, "Quer casar
comigo", o cidadão fez um passo diferente e no refrão da música, que
repete umas quatro vezes o quer "quer, quer, quer, quer casar comigo, ser
mais que bons amigos"...: ele dava uma parada, colocava a sua perna quase
no meio da dela e fazia um movimento que era como se fosse uma ida e vinda
ritmada ao som da música, fazia isto tanto do lado direito quanto do lado es
querdo dando uma pancadinha com o seu corpo no dela na região que vocês sabem
qual. Aí é que ela se assustou! O mesmo volume que ela tinha sentido de um
lado, agora, com este movimento, ela sentiu do outro lado. Pirou! O que
aconteceu? Que homem é este? A imaginação foi lá para casa do cacete, isto
mesmo, do cacete, porque ela tava querendo entender mesmo como é que a pessoa
colocava o cacete daquela maneira, em que se podia sentir de um lado e de
outro.
Ficou intrigada e,
discretamente, permitia-se uma esfregadinha mais intensa do parceiro dançarino,
embora tentando ser bem discreta. O volume de um lado era mais duro e maior que
do outro lado. Entendeu menos ainda!
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Terminal ônibus no Parque Eduardo VII |
A música parou novamente
e ele a convidou para beber alguma coisa. Seguiram até o bar que ficava atrás
do palco. Tentou olhar direito o cidadão, mas o casaco grande, que ele já tinha
vestido outra vez, porque as coisas dela já estavam mais próximas, em uma das
cadeiras laterais que permitiam a vigilância constante, impedia qualquer
constatação.
Pediu licença, pegou a
bolsa e foi até o banheiro: Abriu a bolsa, pegou o tele móvel
"celular" e ligou:
- Alô, tudo bem: Só
quero saber de uma coisa, e rápido: Em que lado você bota o pau?
- A pergunta pegou o
irmão de surpresa: O que? Onde eu boto o que?
- Ela responde
tranquilamente: É isto mesmo! Responda rápido, de que lado você bota o pau?
- Ele, a rir muito,
responde: Do lado esquerdo doida!
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O Tejo e Lisboa |
È bom que se diga que a
ligação foi de Portugal para o Brasil
Saiu da casa de banho e
foi ter com o cidadão que estava a conversar com outras pessoas, aproximou-se e
disse-lhe que iria embora, ele pediu para ela ficar mais um pouco, pois o baile
já estava a acabar e que aquele era o último intervalo.
Concordou e foi dançar
outra vez, até porque, agora, ela iria tirar tudo a limpo, saber mesmo onde
estava se encostando. Recomeçaram a dança, e de novo, as tentativas de
aproximação se sucederam. Ela deixava uma hora, outra não, no jogo safado da
sedução que todos conhecem, estava a gostar daquilo, relembrava-lhe a sua
adolescência, quando nos bailes, os rapazes, quando acabavam de dançar, se
afastavam com a mão no bolso para disfarçar o indisfarçável. Deu o espaço
suficiente para sentir toda a movimentação corporal do senhor. De novo sentiu
volumes em todos os dois lados, o do lado direito mais rijo. Aí não entendeu
nada mesmo, mas ficou ali, permitindo a aproximação, aquela intimidade que não
era para acontecer, todavia ela estava gostando mesmo daquilo. Havia ali um
começo de um jogo de sedução ao qual ela já tinha se desacostumado e, naquele
momento, percebeu que nem tudo acabara com o fim da sua relação. As sensações
se renovam, o desejo aparece, a vontade volta, enfim, se redescobre a vida e a
vontade de vivê-la intensamente. Teve esta certeza mesmo, aquele ilustre
desconhecido estava lhe devolvendo a vontade de estar com alguém, de ser feliz,
de partilhar amor.
O fato é que dançou mais
algumas músicas com o português bigodudo e, quando finalmente acabou o baile,
quando ele parou de dançar e se afastou dela para ir embora, ela o
viu colocar a mão no bolso direito e de lá tirar a chave do carro, que
tinha um chaveiro de corda roliço, com mais ou menos uns 10 cm. Desatou a rir.
Ria e ria mais e o cara a olhar para ela sem nada entender e a lhe perguntar o
que houve? Não dava para dizer.
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Cais do Sodré -Lisboa |
Saiu dali e foi para casa,
ria todo o tempo, e, no dia seguinte, resolveu voltar à Ribeira, afinal era
sábado e tinha baile e poderia com sorte encontrar o português bigodudo. Não
deu outra, ele estava lá, mesmo casaco e, parecia que estava a sua espera, pois
estava bem na porta de entrada e, antecipando-se, pagou a sua entrada. Entrou e
ele já lhe pegou pela mão e se dirigiram a pista de dança, não antes de colocar
a bolsa dela numa das cadeiras. Começaram a dançar e ela não se conteve: ria
tanto que chegava a soluçar de tanto rir. Para amenizar a situação encostou-se
bem nele e colocou o rosto no seu pescoço, como se para evitar que os outros
percebessem que ela estava rindo tanto, como se o balanço do corpo não
denunciasse isto.
O cidadão lhe perguntava
o que ela tava sentindo e ela disse que lhe falaria quando parassem de dançar.
Curioso, pediu ele que parassem logo, ela assentiu e foram até o bar. O
problema agora era dizer, contar a história, o motivo do riso.
Tomou coragem e disse:
Não sei como você vai perceber isto, mas é melhor contar logo e tirar qualquer
dúvida a respeito do motivo do meu riso:
-Você se lembra que
ontem deixei você aqui no bar e fui até o banheiro?
-Ele diz que sim.
-Pois é, continua ela:
Naquela hora eu fui perguntar a meu irmão em que posição ele colocava o pênis
no dia a dia.
O homem, pego de
surpresa, olhou para ela com uma cara
indescritível: O que? De que estás a falare?
-É isto mesmo que você
ouviu. Perguntei a meu irmão isto porque você estava fazendo uma "propaganda
enganosa".
-Ele, entendendo menos
ainda: - Eu estava a fazere o que?
- Ela repete: Propaganda
enganosa, porque você colocou a chave do carro no bolso direito da calça e ela
faz um volume imenso; só que você também tinha um volume do outro lado, e eu
fui perguntar para saber mesmo, dos dois lados, qual era a "propaganda
enganosa".
Agora foi a vez de ele
rir! Ria tanto que muitos dos seus amigos chegaram junto de si para saber qual
o motivo de tanta alegria e ele, quase a chorar de tanto rir, dizia que foi a
piada que ela contara sobre a "propaganda enganosa".