O final do ano chega e o senhor
Garcia nada. O homem se aborreceu mesmo, parece que não gostou mesmo de eu estar
voltada para a história de Caramuru e esquecido um pouco dele. Eu queria falar sobre a fundação de Cachoeira
na Bahia e saber dele como foi esta história, mas ele resistia em falar disto. A situação piorou
quando, no último encontro, eu fiz ele ver a importância de Diogo Alvares
Correia, perguntando-lhe se algum dia ele, Garcia D`Ávila tinha recebido alguma
carta do Rei como aconteceu com Caramuru, aliás, eu lhe fiz ver que o Rei pediu
um favor ao Diogo. Realmente para o
Senhor da Torre, o narcisista de primeira, aquilo fora demais, quase uma
humilhação.
Estava realmente aflita, pois sei
que algumas pessoas gostariam de mais um texto este ano, e eu, pessoalmente,
queria terminar por completar vinte episódios, mas o miserável do homem
sumiu mesmo.
Paciência, dizia eu para mim mesmo. Por que não escreve sobre outra coisa? O
certo é que eu gostaria de continuar a escrever sobre Caramuru, para dar uma
sequência mais lógica aos textos, mas já que não era possível, vou tentar
escrever sobre qualquer acontecimento,
sem fazer ligações com o Senhor Garcia D’ Ávila, afinal de contas a história da
Bahia é mais de que rica e eu não posso ficar limitada ao que diz um
fantasma com ares superiores e metido a
besta.
Pensando nisto peguei o
computador e comecei a pensar no ano de 1603. Eu sabia que o senhor Garcia já
andava mesmo muito alquebrado, e talvez por isso, fantasma ou não, ele estava
se recusando a aparecer. Não se queria mostrar velho e cansado, talvez quisesse preservar a sua
imagem viril, como se ele fosse eternamente jovem. Também eu sabia que a hora
dele estava chegando.
Procurei nos livros quem era o
governador da época: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, o homem não ia aparecer de maneira
alguma, pois não é que o nome do governador era DIOGO BOTELHO. Se o Garcia
aparecesse e eu falasse em algum Diogo ele jamais me perdoaria, pois ia
associar o nome ao outro.
Diogo Botelho
chegou ao Brasil em 1602, já chegou com uma fama de retadão. O homem duro,
filho de uma nobreza portucalense, e como primeira missão: acabar com uma indisciplina de indígenas e negros pelos
lados do Ceará, Alagoas. Por este motivo, ao invés de vim para a Bahia, capital
do Brasil quedou-se em Pernambuco.
_ Gostas muito
de Diogos!
Me assustei,
tive a nítida impressão que ouvi voz do
Sr Garcia.
Não dei muita atenção, porquanto o Sr Garcia,
jamais chegaria até mim sem se materializar fisicamente (voz e violão).
Todavia, ao rir do pensamento e da situação em si, senti um forte empurrão.
- Que diabo é
isto?
- kkkkkk sou eu
minha querida, O Sr Da Torre, já esquecestes
de mim assim tão fácil?
- Quem poderia
esquecer do senhor?
-Diga-me lá.
Qual o seu interesse agora por mais este Diogo?
-Ora Senhor
Garcia, eu escrevo sobre a história da Bahia colonial, ou melhor sobre o
Brasil, e se houve um governador, o oitavo deles, preciso falar sobre ele e o período
do seu governo.
- Então já
esqueceste do Caramuru?
-Claro que não,
mas o senhor não quer falar mais dele, então tenho de estudar mais sobre ele
nos livros, assim resolvi falar do Diogo. O que o senhor pode dizer sobre este
senhor?
- Não tenho muito a falar sobre ele não, afinal
ele, ao invés de prestigiar a Bahia, ficou lá pelas bandas de Pernambuco, e se
não fossemos nós, os homens de bem desta terra, não sei o que teria
acontecido.
- Ora senhor
Garcia, o homem veio com ordens do Rei para conter a rebelião dos negros então deve ter procurado o lugar mais
próximo, de onde ele poderia comandar melhor a ação.
- Gostas de
justificar erros não é?
- Não, não
gosto, estou simplesmente explicando o
motivo dele ter ficado por lá.
- Então achas
que ele não poderia fazer isto daqui? Pergunte-me se ele foi para alguma frente
de batalha com aqueles negros, Claro que não, ele mandou o Pero Coelho de Sousa
e, contrariando ordens do Rey, fez cativos os indígenas.
-Como é Senhor
Garcia, o homem desobedeceu ordens Reais?
-Sim, tanto que
o Rey determinou em carta que enviou que fizessem todos retornarem às suas
aldeias, isto em 22 de setembro de 1605.
- É eu li esta
carta, achei interessante como o Rey saudava o Diogo Botelho, ele o chamava de
AMIGO.[1]
- Estas doida,
então o Rey ia lá se dirigir a um subordinado tratando-o como AMIGO.
-Estou a falar
sério Senhor Garcia, li duas ou três cartas do Rey para o Diogo, e em todas
elas a palavra amigo, estava sempre
colocada após o nome do Diogo Botelho.
- Se o rei
soubesse a realidade, como era o comportamento desse homem, certamente, não o
trataria assim.
- Então diga-me
qual o comportamento deste homem, que todos dizem muito honesto e enérgico.
- Honesto e
enérgico? Enérgico talvez, mas honesto ele não é não.
- O que ele fez
senhor Garcia, estas me deixando curiosíssima
- Devias saber,
não vives a fuçar a vida das pessoas na sua madeira preta. Vai lá e procura, eu
não vou dizer-te nada, não posso me comprometer.
- Como é senhor
Garcia, o senhor não vai me dizer nada mesmo.
-Não, não vou,
o homem é fidalgo, amigo do rei como tu mesmo dissestes, se ele sabe que ando a
falar das falcatruas dele, não sei o que pode acontecer.
Fiquei
realmente curiosa e já que o Senhor da Torre não ia me dizer, tinha mesmo
de procurar, mas para isto era preciso que ele fosse embora.
-Olhe bem, não
te vou dizer nada, mas procure saber por que foi ordenada uma devassa contra
este seu novo Dioguinho, devassa esta que foi conduzida pelo Belchior do
Amaral.
-O que? Então
houve uma devassa. Oh senhor Garcia, diga-me lá
qual o motivo que levou a ser feita esta devassa?
-Vou embora, já
falei demais, mas vá procurar saber e vais se surpreender com este senhor. Ele é muito ambicioso, e
certamente, por causa desta “ambição desmedida levantou suspeita sobre a sua
honestidade[....] suspeitas tão fortes
que justificaram a abertura de uma devassa geral conduzida por Belchior Amaral
em 1604.[2]
-O Senhor está
brincando Senhor Garcia, todos falam da
austeridade, da rigidez do Diogo Botelho:
-Bolas! Eu brincando!
Então no relatório do Belchior
ele informa ao Rei: “Vossa Majestade devia mandar outro governador
àquele Estado.[3]
-O que foi
apurado Senhor Garcia me diga, me poupe
o trabalho de pesquisar.
- De fato , “
as culpas do Diogo Botelho eram comprometedoras:
venda de cargos e ofícios, apropriação dos salários dos oficiais, confisco
ilegal de vinhos para vendê-los a preços extorsivos; apropriação da renda dos
defuntos para a compra de escravos: compra de escravos a preços irrisórios. A
isto se ajuntavam outros tantos delitos,
como a participação no negócio negreiro, pois ele pagava o que bem queria pelos
escravos vindos de Angola, costume de aceitar presentes por parte dos moradores;;
interferência nos despachos do ouvidor; além de permanecer em Pernambuco e não
na Bahia, contrariando ordens régias”[4].
Danou-se, isto
foi mesmo verdade.
-Claro que é
verdade. O homem enganou a todos direitinho. E ainda dizem, não posso afirmar, ?ue
ele pratica a sodomia.
-Póxa Senhor
Garcia o Senhor é cruel, quem disse isto.
-É o que falam
as más línguas.
Comecei a rir,
pois o Senhor da Torre tinha razão mesmo, mas como eu ia dizer a ele que o
Diogo Botelho foi denunciado à Inquisição, na segunda que ocorreu no Brasil,
cujo Inquisidor era Dom Marcos Texeira, pelo seu pajem Fernão Roiz de Souza,
que confessou ter cometido ambos o “pecado nefando da sodomia”, por inúmeras
vezes ao longo de dez anos”[5].
O homem era,
como se pode ver um retado, e há ainda muitas estórias sobre ele, estórias que
contarei da próxima vez que o senhor da Torre aparecer, e esteja tão falante
quanto hoje, embora tenha saído sem dar até logo.
[1]
Documentos do tempo de Diogo Botelho relativos ao Ceará, 1912.
[2]
ROMEIRO, Adriana, Corrupção e Poder no Brasil, Uma História, Séculos XVI a XVIII, 2017,https//playgoogle.com?books/reader,
acessado em 31/12/2018. .
[3]
Idem
[4]
Ibidem
[5]
Ibidem, Idem