segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Garcia D`Ávila XX - Mais um Diogo


O final do ano chega e o senhor Garcia nada. O homem se aborreceu mesmo, parece que não gostou mesmo de eu estar voltada para a história de Caramuru e esquecido um pouco dele.  Eu queria falar sobre a fundação de Cachoeira na Bahia e saber dele como foi esta história, mas ele  resistia em falar disto. A situação piorou quando, no último encontro, eu fiz ele ver a importância de Diogo Alvares Correia, perguntando-lhe se algum dia ele, Garcia D`Ávila tinha recebido alguma carta do Rei como aconteceu com Caramuru, aliás, eu lhe fiz ver que o Rei pediu um favor ao Diogo.  Realmente para o Senhor da Torre, o narcisista de primeira, aquilo fora demais, quase uma humilhação.
Estava realmente aflita, pois sei que algumas pessoas gostariam de mais um texto este ano, e eu, pessoalmente, queria terminar  por completar  vinte episódios, mas o miserável do homem sumiu mesmo.
Paciência, dizia eu para mim mesmo.  Por que não escreve sobre outra coisa? O certo é que eu gostaria de continuar a escrever sobre Caramuru, para dar uma sequência mais lógica aos textos, mas já que não era possível, vou tentar escrever sobre qualquer  acontecimento, sem fazer ligações com o Senhor Garcia D’ Ávila, afinal de contas a história da Bahia é mais de que rica e eu não posso ficar limitada ao que diz um fantasma  com ares superiores e metido a besta.
Pensando nisto peguei o computador e comecei a pensar no ano de 1603. Eu sabia que o senhor Garcia já andava mesmo muito alquebrado, e talvez por isso, fantasma ou não, ele estava se recusando a aparecer. Não se queria mostrar velho  e cansado, talvez quisesse preservar a sua imagem viril, como se ele fosse eternamente jovem. Também eu sabia que a hora dele estava chegando.
Procurei nos livros quem era o governador da época: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, o homem não ia aparecer de maneira alguma, pois não é que o nome do governador era DIOGO BOTELHO. Se o Garcia aparecesse e eu falasse em algum Diogo ele jamais me perdoaria, pois ia associar o nome ao outro.
Diogo Botelho chegou ao Brasil em 1602, já chegou com uma fama de retadão. O homem duro, filho de uma nobreza portucalense, e como primeira missão: acabar com uma  indisciplina de indígenas e negros pelos lados do Ceará, Alagoas. Por este motivo, ao invés de vim para a Bahia, capital do  Brasil quedou-se em Pernambuco.
_ Gostas muito de Diogos!
Me assustei, tive a nítida impressão que ouvi  voz do Sr Garcia.
 Não dei muita atenção, porquanto o Sr Garcia, jamais chegaria até mim sem se materializar fisicamente (voz e violão). Todavia, ao rir do pensamento e da situação em si, senti um forte empurrão.
- Que diabo é isto?
- kkkkkk sou eu minha querida,  O Sr Da Torre, já esquecestes de mim assim tão fácil?
- Quem poderia esquecer do senhor?
-Diga-me lá. Qual o seu interesse agora por mais este Diogo?
-Ora Senhor Garcia, eu escrevo sobre a história da Bahia colonial, ou melhor sobre o Brasil, e se houve um governador, o oitavo deles, preciso falar sobre ele e o período do seu governo.
- Então já esqueceste do Caramuru?
-Claro que não, mas o senhor não quer falar mais dele, então tenho de estudar mais sobre ele nos livros, assim resolvi falar do Diogo. O que o senhor pode dizer sobre este senhor?
-  Não tenho muito a falar sobre ele não, afinal ele, ao invés de prestigiar a Bahia, ficou lá pelas bandas de Pernambuco, e se não fossemos nós, os homens de bem desta terra, não sei o que teria acontecido. 
- Ora senhor Garcia, o homem veio com ordens do Rei para conter a rebelião dos negros  então deve ter procurado o lugar mais próximo, de onde ele poderia comandar melhor a ação.
- Gostas de justificar erros não é?
- Não, não gosto, estou simplesmente explicando  o motivo dele ter ficado por lá.
- Então achas que ele não poderia fazer isto daqui? Pergunte-me se ele foi para alguma frente de batalha com aqueles negros, Claro que não, ele mandou o Pero Coelho de Sousa e, contrariando ordens do Rey, fez cativos os indígenas.
-Como é Senhor Garcia, o homem desobedeceu ordens Reais?
-Sim, tanto que o Rey determinou em carta que enviou que fizessem todos retornarem às suas aldeias, isto em 22 de setembro de 1605.
- É eu li esta carta, achei interessante como o Rey saudava o Diogo Botelho, ele o chamava de AMIGO.[1]
- Estas doida, então o Rey ia lá se dirigir a um subordinado tratando-o como AMIGO.
-Estou a falar sério Senhor Garcia, li duas ou três cartas do Rey para o Diogo, e em todas elas  a palavra amigo, estava sempre colocada após o nome do Diogo Botelho.
- Se o rei soubesse a realidade, como era o comportamento desse homem, certamente, não o trataria assim.
- Então diga-me qual o comportamento deste homem, que todos dizem muito honesto e enérgico.
- Honesto e enérgico? Enérgico talvez, mas honesto ele não é não.
- O que ele fez senhor Garcia, estas me deixando curiosíssima
- Devias saber, não vives a fuçar a vida das pessoas na sua madeira preta. Vai lá e procura, eu não vou dizer-te nada, não posso me comprometer.
- Como é senhor Garcia, o senhor não vai me dizer nada mesmo.
-Não, não vou, o homem é fidalgo, amigo do rei como tu mesmo dissestes, se ele sabe que ando a falar das falcatruas dele, não sei o que pode acontecer.
Fiquei realmente curiosa  e já que o  Senhor da Torre não ia me dizer, tinha mesmo de procurar, mas para isto era preciso que ele fosse embora.
-Olhe bem, não te vou dizer nada, mas procure saber por que foi ordenada uma devassa contra este seu novo Dioguinho, devassa esta que foi conduzida pelo Belchior do Amaral.
-O que? Então houve uma devassa. Oh senhor Garcia, diga-me lá  qual o motivo que levou a ser feita esta devassa?
-Vou embora, já falei demais, mas vá procurar saber e vais se surpreender  com este senhor. Ele é muito ambicioso, e certamente, por causa desta “ambição desmedida levantou suspeita sobre a sua honestidade[....]  suspeitas tão fortes que justificaram a abertura de uma devassa geral conduzida por Belchior Amaral em 1604.[2]
-O Senhor está brincando Senhor Garcia, todos falam da  austeridade, da rigidez do Diogo Botelho:
-Bolas!  Eu brincando!  Então no relatório do Belchior  ele informa ao Rei: “Vossa Majestade devia mandar outro governador àquele Estado.[3]
-O que foi apurado  Senhor Garcia me diga, me poupe o trabalho de pesquisar.
- De fato , “
as culpas do Diogo Botelho eram comprometedoras: venda de cargos e ofícios, apropriação dos salários dos oficiais, confisco ilegal de vinhos para vendê-los a preços extorsivos; apropriação da renda dos defuntos para a compra de escravos: compra de escravos a preços irrisórios. A isto se ajuntavam  outros tantos delitos, como a participação no negócio negreiro, pois ele pagava o que bem queria pelos escravos vindos de Angola, costume de aceitar presentes por parte dos moradores;; interferência nos despachos do ouvidor; além de permanecer em Pernambuco e não na Bahia, contrariando ordens régias”[4].
Danou-se, isto foi mesmo verdade.
-Claro que é verdade. O homem enganou a todos direitinho. E ainda dizem, não posso afirmar, ?ue ele pratica a sodomia.
-Póxa Senhor Garcia o Senhor é cruel, quem disse isto.
-É o que falam as más línguas.
Comecei a rir, pois o Senhor da Torre tinha razão mesmo, mas como eu ia dizer a ele que o Diogo Botelho foi denunciado à Inquisição, na segunda que ocorreu no Brasil, cujo Inquisidor era Dom Marcos Texeira, pelo seu pajem Fernão Roiz de Souza, que confessou ter cometido ambos o “pecado nefando da sodomia”, por inúmeras vezes ao longo de dez anos”[5].
O homem era, como se pode ver um retado, e há ainda muitas estórias sobre ele, estórias que contarei da próxima vez que o senhor da Torre aparecer, e esteja tão falante quanto hoje, embora tenha saído sem dar até logo.



[1] Documentos do tempo de Diogo Botelho relativos ao Ceará, 1912.
[2] ROMEIRO, Adriana, Corrupção e Poder no Brasil, Uma História, Séculos XVI a  XVIII, 2017,https//playgoogle.com?books/reader, acessado em 31/12/2018. .
[3] Idem
[4] Ibidem
[5] Ibidem, Idem

domingo, 23 de dezembro de 2018

Parabéns Senhor Aurentino


Por um dia você não nasceu no mesmo dia de Jesus. Será? Foi vinte e quatro ou vinte e cinco? Se foi vinte e quatro por que o natal é vinte e cinco, se foi vinte e cinco, por que temos que comemorar no dia vinte e quatro?  Questões idiotas, tenho certeza, ao menos para mim, mas o que quero mesmo e precisava de uma deixa, era falar e você e do seu aniversário.
´E engraçado, quando você estava vivo não podíamos nem abrir a boca, qualquer comentário meu era motivo de uma grande confusão. Ficava calada observando as merdas que você fazia, até porque o olhar de minha ´mãe era tão amedrontador que era melhor ficar quieta, mas, muitas vezes não resisti e tive de falar, e só escapei das cacetadas porque era ágil aos meus quinze ou dezesseis anos.
Bom, o fato é que hoje você, se vivo estivesse, faria apenas kkkkkki 98 anos. Porra, será aguentaríamos você? Certamente não, ao menos eu, com certeza não.
O tempo passa e há mais de trinta anos que você se foi, mas, nem mesmo todas as sacanagens que você fez, comigo, com minha mãe e toda a nossa família, foi capaz de deixar que nos lembremos que você foi o nosso pai.
Presente nas porradas, quero dizer, nas surras que levávamos, mas ausente sempre de amor. Não tivemos você nunca. Fico imaginando a sua dor, porque você foi criado sem amor e conseguiu, puta merda! transferir toda a sua dor e frustração para nós, seus filhos, que, de uma maneira ou de outra, te amavam.
Fico sempre pensando que você tinha vontade de fazer um carinho em todos nós, mas o seu ibérico sangue, tirado a retado, não permitiu nunca. Não recordo, e isto é real, de te ver alisando um cabelo de um de nós, os seus filhos. Também não me lembro de ver você e minha mãe em algum momento mais íntimo, de verdadeiro amor.
Lembro-me os gemidos de vez em quando, nossa casa era de parede meia, mas, além disto nada. Como você foi cruel conosco pai, queríamos tanto ter o seu carinho, o seu amor. Você conseguiu criar uma legião de pessoas que não gostam de demonstrar   sentimentos, Você  nos fez reproduções de você, mesmo sem querer somos  contidos no amor que temos por nós mesmos,  e por outrem. 
Estamos mudando, com certeza estamos, procuramos hoje demonstrar um pouco mais de amor por nós outros, mas é difícil. Coisa de sangue. Uns piores que outros. Temos sobrinhos que com a corda no pescoço preferem sucumbir a dizer alguma coisa. Não percebo, realmente não percebo, e quero sua ajuda para poder dissipar isto. Precisamos de nós, nós precisamos de nós, e é  necessário que o senhor, de onde estiver, interfira nisto. Queremos estar muito unidos, e você é essencial para isto agora, porque no seu plano espiritual pode nos ajudar muito, Estou ter pedindo pai, o que você não pode fazer antes, faça por favor agora. Não nos deixe mais á deriva. Você, melhor que eu, sabe o quanto estamos  desgarrados  na nossa família. Por favor, ajude-nos a nos unir, precisamos disto .Se isto não acontecer corremos o risco de nos perder para sempre. Tio Lino, Tio Mosqueira, Meu padrinho Augusto, Palmira, Amalia, Vó Regis, Tunieta, Natercia e tantos outros já se foram, só temos agora a sua descendência direta, e não queremos nos perder.
Você, que era igualzinho ao que somos hoje na grande maioria de nós,  precisa de nos dar um empurrão. Você pode, espiritualmente, nos ajudar. Ajude-nos pai., Se não fizestes isto em vida, faça agora, por favor.
O seu aniversário, 98 anos,  permite-nos que te peçamos algo: já estas bem maduro. Com certeza os filhos que se foram estão ai ao seu lado e lhe darão força suficiente par que você, agora no plano espiritual, nos ajude, nos mostre o caminho a seguir. Minha mãe, seus pais,   seus filhos, os meus avós maternos estão aí, no mesmo plano que você, portanto, aproveite  para resgatar tanto que nos deve em relação ao  amor. È um pedido pai, eu sei que você sabe o que alguns estão passando, e você bem sabe que precisamos de tua ajuda. Faça algo.
Mas, entretanto, e apesar de tantas queixas, é o seu aniversário. Espero que no etéreo plano em que estás, estejas comemorando com a  sua fiel e grande esposa, seus filhos apressados, que quiseram se unir a você antes  do tempo certo, talvez para poder usufruir do amor que você tanto escondeu de nós, de seus pais,  e tantos outros que você, no seu  silêncio, admirou e amou.
Feliz aniversário Pai.


domingo, 9 de dezembro de 2018

Nao desistam dos sonhos


Não desistam nunca. As metas só se alcançam pela persistência. Não estou dizendo para você insistir no que você sente que vai dar errado, ou em algo que é errado mesmo desde o seu começo, e sim que, se você quer conseguir algo, tem de persistir.
Por que resolvi escrever este texto? Por que sou o exemplo vivo de que tudo o que se quer se consegue, quando  este tudo depende somente de nós mesmos, Quando, para realizarmos algo, necessita-se de outrem, as coisas ficam mais complicadas, mas, mesmo assim, não devemos desistir.
Alcançar metas, realizar sonhos significa encontrar a felicidade, ou vermos os nossos desejos realizados, tudo em nossas mãos. Não importa a idade em que realizemos os nossos sonhos,porque o que importa e alcançarmos  as nossas metas e encontrar a felicidade, porque a felicidade é exatamente isto, o bem estar que sentimos quando realizamos os nossos sonho
Eu queria conhecer Veneza e a Grécia, só consegui aos 60 e na companhia de quem projetei para ir comigo.
Eu realizei muitos sonhos, e sempre digo que os realizei, porque sempre sonhei o que era possível. Não adianta fixar metas impossíveis de serem alcançadas: por exemplo: “quero ter uma casa na Vieira Souto”, sabe quando isto vai acontecer?  Nunca, porque, a não ser com a loteria (mega sena acumulada), isto jamais seria alcançado através dos meus ganhos pessoais. Assim, o melhor de tudo é sonhar o possível, o realizável.

domingo, 21 de outubro de 2018

Um conversa entre o vigilante e o lavador de carro


Ontem, pela manhã, como de costume em todos os dias, sai para  fazer a minha caminhada matinal. Como sempre, estou a andar em um mesmo espaço, já conheço quase todos que transitam no local naquele horário; a grande maioria de empregadas domésticas que chegam para o trabalho; os moradores locais, que levam os seus cães para fazerem as suas necessidades, outros que se dirigem à praia ou seguem para as academias próximas. Uma senhora que todos os dias me diz que tem inveja da minha disposição, inveja que julgo crescente, porque eu tenho, aproximadamente, uns dois anos que faço a caminhada no mesmo sítio e ela nada. Um vigilante que, chegando ou saindo do turno, carrega a sua gaiola com o seu pássaro de estimação.
Entretanto, tem duas pessoas que vejo religiosamente: o vigilante de um condomínio, que,às seis da manhã, já não fica dentro da portaria, e sim no outro lado da rua, de onde pode avistar as pessoas que entram nela vindo da orla, a espera de ver o colega, com quem vai trocar o turno, se aproximar, é visível a sua impaciência para que o companheiro chegue, mas isto não lhe tira a educação de dar o bom dia à madame: (a madame sou eu), e o lavador de carros dos proprietários que vivem naquele condomínio,
Pois bem: o vigilante que é um homem robusto, careca, deve passar dos quarenta e cinco anos, e o lavador de carros baixinho, moreno, não me lembro da sua fisionomia direito, mas deve ter de cinquenta pra lá, estavam conversando; pego apenas um ponto da conversa, como é evidente, pois não podia parar para ficar ouvindo o que conversavam, mas deu para perceber que tratavam de convivência com mulher:
O lavador de carro, justo na hora que passei fez o seguinte comentário:
- Agora não quero mais mulher nenhuma morando comigo: Depois do que a última fez, vou viver sozinho. Nunca mais boto uma mulher em casa.
O outro retrucou: Pois é o que vou fazer também: Daqui há uns dois anos isto acaba, e também não vou querer mais nenhuma lá em casa:
Segui andando e querendo entender esta colocação do vigilante: Daqui há dois anos isto acaba. Pensei comigo: então a relação dele tem prazo de validade fixado? Por que será que ele vai precisar esperar ainda dois anos? E tentando adivinhar o que a do lavador tinha feito: Será que deu um corno nele? 
“Esmeralda, o que você tem com isto? Preste atenção a sua caminhada e deixe de pensar  na vida dos homens” 
Todavia, o pensamento não se afastava, e eu fiquei retada porque tinha de me afastar e não poderia ouvir o fim da conversa. Voltando no caminho, peguei outro trecho:
-Agora pego a mulher e levo para casa e pronto e no outro dia ela vai embora, diz o lavador de carro.
- Tá doido! Retruca o vigilante:  Leve para qualquer lugar, menos para sua casa, nem deixe ela saber onde você mora: estas porras  são assim: Vai um dia, dois, três: com uma semana já começa a levar uma roupa aqui outra ali, tudo treita, em um mês ela já levou as roupinhas todas e já está instalada e querendo mandar e mudar as coisas da sua casa, e o pior, comandar a sua vida.
Não pude deixar de rir: pois vi mesmo o filme, É assim mesmo: tanto homem quanto mulher agem da mesma maneira: chegam de mansinho como quem não quer nada e vão se apossando de você, da sua casa. Mulher! ainda pior, porque modificam tudo, à título de agradar, claro que a si própria, mudam posição dos móveis, arrumam gavetas tirando as coisas do lugar, fazem comida, mexem nas coisas para descobrir a vida do homem. Bom, o homem, entra também da mesma maneira: uma roupa hoje, uma cueca amanhã, mais não sei o que no outro dia, e de repente querem comandar a vida da mulher, querem que elas se separem de algumas amigas, de amigos, deixe de ir a lugares, enfim, começa o inferno.
Quero dizer a vocês que nada disto aconteceu comigo, entretanto, tenho presenciado coisas do tipo com algumas pessoas que conheço e conheci ao longo da vida. Vi relacionamentos que começaram assim, com uma calcinha hoje e uma cueca amanhã, darem certo, mas, também, vi relacionamentos muito errados, tão errados que foi necessária a intervenção de terceiros: família, policia, juiz, para que o intruso saísse da casa do outro.
Mais ainda, vi pessoas que conviveram apenas por meses, questionarem bens do outro. Dá para acreditar? Acreditem porque é verdade mesmo, há pessoas inescrupulosas, que se sentem realmente prejudicadas.
E quando um deles já tem filhos! Merda total; pois o intruso quer tomar as rédeas, lhe dizer como você deve criar o seu filho, disputam espaço, dinheiro, carinho, enfim
Bom, mas não comecei o texto para discutir este tipo de comportamento, Só ´fiz o texto porque achei interessante e engraçada a conversa dos dois personagens, e é uma pena que não a tenha ouvido toda, pois deve ter saído muitas outras pérolas dali.  A realidade, o cotidiano daquelas pessoas, a crônica da vida.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Caramuru II - Garcia D' Ávila XVIII


Eu estava muito apreensiva em relação ao próximo encontro com o Sr. da Torre. Não podia sequer imaginar qual seria a sua reação quando me encontrasse outra vez depois do acidente do barco, aliás, nem sei mesmo se ele vai aparecer outra vez, o que seria uma pena, porque se isto acontecesse eu não saberia mais nada sobre o Caramuru e nem sobre outras coisas, fatos acontecidos na época.(1550-1609).
Estávamos exatamente na parte em que ele ia me dizer porque ele ganhou a alcunha de Caramuru. Eu estava tão incrédula de uma nova visita que resolvi fazer, eu mesmo, minha pesquisa e esquecer a contribuição do Sr. da Torre.
Entretanto o homem era imprevisível, e logo que comecei a fazer o texto com as       descobertas que fiz através dos muitos autores que escreveram sobre Caramuru, o homem apareceu:
- Quer dizer que você e o seu marido queriam me matar?
-O que é isto Sr. Garcia, quem poderia adivinhar que a outra lancha ia passar e fazer uma marola tão intensa? O Senhor viu que todo mundo se desequilibrou, mas o senhor estava muito próximo da lateral  e o resultado foi o que ocorreu.
-Se eu não fosse um exímio nadador, agora estava sendo comido por peixes.
- O Que é isto Senhor Garcia! O Sr é imortal
Acho que ele não entendeu bem o que eu disse, ou então fingiu que não entendeu. Não sei, este homem é dissimulado, e a gente não pode confiar muito nele.  Quanto pior, quando estava mesmo com cara de poucos amigos e sem esquecer o que tinha acontecido. Continuei falando que ele era imortal, que o seu nome até hoje era lembrado como um dos grandes e poderosos homens da Bahia Colonial, enfim, queria dar corda ao narcisismo do Sr. Garcia. Falei muito, falei do quão ele era importante, do quanto sua Tatuapara foi determinante nas tentativas de invasões, como ele construiu o seu grande latifúndio. Não falei em momento algum das derrotas, só queria encher a bola dele. Ele, olhando fixamente para mim, parecia entender o meu jogo, mas o narciso falou mais alto e ele começou a rir e a fazer questionamentos e argumentações.
-Não sei quem são estas pessoas de quem fala! Parece que falas comigo como seu eu já tivesse morrido.
Ri por dentro, mas fiquei caladinha, hoje eu não contrariava este homem de maneira alguma.  De que falávamos mesmo senhor Garcia no nosso último encontro.
- Não te recordas, andavas tão interessada no assunto.
Sorri, o homem era um jogador e deixei que ele pensasse que estava vencendo aquela partida.
- Sei lá Senhor Garcia, quando o senhor está por perto a variedade de assuntos é muito grande, o Senhor pode falar-me de tantas coisas relacionadas com a Salvador, com a governança, com a Igreja, usos e costumes da época, que não posso me fixar em um só assunto.
- É, conheço mesmo muita coisa desta terra
-Pois então, qualquer coisa que o senhor me fale é de uma importância extrema, assim, como não me lembro do que falávamos mesmo, o senhor pode falar o que quiser, eu fico aqui sentadinha à sua disposição e toda ouvidos.
- Quantos anos tens?
A pergunta me pegou desprevenida e falei: 65
O senhor Garcia deu uma bela risada. Estás de borla comigo? Tu es muito jovem para ter esta idade. Não tens nem mesmo 30.
Fiquei a olhar o homem meio incrédula. E comecei a perguntar-me: - Como será que ele me vê? Será que ele me vê mesmo assim tão nova?  Senhor Garcia, qual a cor da roupa que estou a vestir?
- Que pergunta é esta? Não sabes a roupa que vestes?
- Anda lá Senhor Garcia, diga-me qual a cor da minha roupa, quero apenas tirar uma dúvida.
- Estás com alguma problema na vista? Então não reconheces mais as cores,: Estas com um vestido  de cor azul, aliás, um vestido que deixa-te muito atraente, e nem sei como aquele homem que dizes que é o teu esposo deixa vestir-te assim.
- Ora senhor Garcia, as  vezes ele nem nota o que que visto e dizendo isto encaminhei-me para o espelho que ficava na sala e vi que estava de shorts e uma camiseta. Kkkkkk, ri mais ainda. e descobri que o Garcia D’ Ávila me via da maneira que ele queria me ver, com a roupa que ele queria e com as maneiras que ele queria, isto me deixou intrigada e fascinada ao mesmo tempo, tanto que  falei para mim mesmo: vou estudar o espiritismo para ver se descubro algo que possa me explicar isto.
Por que está a rir? Falei alguma bobagem?
- Claro que não, o senhor não fala bobagens Sr Garcia, o senhor é um homem sério, responsável, cheio de atividades e não teria como falar bobagens, mas o senhor ainda não me disse do que falávamos no nosso último encontro.
Claro que eu sabia que falávamos de Caramuru, mas eu queria mesmo era mexer com os brios do Senhor da Torre, e fiquei dando-lhe muita corda, mas eu tinha de dar um jeito de entrar no assunto que me interessava.
- Senhor Garcia, o Senhor sabe que estive em Viana do Castelo?
- Estivestes onde?
- Em Viana do Castelo Senhor Garcia, lá no Norte de Portugal. E sabe o que descobri lá?
-O que descobristes lá?
Uma estátua do Diogo Alvares Correia e de sua Mulher:  a Catarina Paraguaçu.
- Estás a brincar comigo? O que pensas e onde estás que inventas uma asneira desta. Então o Caramuru iria ter uma estatua em Viana do Castelo?  
- Sr da Torre, eu não costumo brincar, quanto pior com o senhor. Estou a falar sério, se quiseres posso vos mostrar uma gravura desta estátua.
-De onde tiraste isto?
- Ora senhor Garcia eu não estou a dizer que fui a Viana, eu vi a estátua, e se não tivesse ido poderia saber de tudo na minha madeira preta, como o senhor chama o meu computador.
-Es mesmo uma bruxa, não sei porque ainda procuro-te para conversar, o que devia fazer mesmo era entregar-te ao Visitador.
-Tenho certeza que nunca faria isto comigo. E fui pegar o computador: Será que ele vai conseguir ver a fotografia da estátua? Será que ele consegue ver isto? Muita modernidade para um homem do século XVI.
- Não, não quero ver nada, agora se esta estátua existe mesmo, existe a troco de que?
Senti logo a facada, o homem desdenhava da história, porque era por demais convencido.  Imagine o Caramuru, aquele  homem que vivia entre indígenas, casou-se com uma delas, teve vários filhos, tinha costumes indígenas, ia lá ter uma estátua em Viana: e ele não tinha nada, nenhuma homenagem, ele o rei do gado da época colonial, o desbravador de sertão, o homem dos currais, um homem bom da cidade: Hum, isto era mesmo demais para ele aguentar.
- Senhor Garcia, Caramuru, tal qual o senhor, foi um personagem muito importante na nossa história.  Poderíamos dizer que Caramuru foi responsável pelo surgimento de uma “raça” brasileira, um povoador. Aliás o senhor bem sabe como ele ajudou o Tomé de Souza e tantos outros que aqui estiveram antes dele.
-  Um português que se esqueceu dos seus costumes e virou um indígena, foi isso que ele foi.
-É Senhor Garcia, mas foi este português que recebeu uma carta do Rei Dom João III, carta do qual o senhor deveria ter conhecimento, porque nesta missiva o Rei apresentava Tome de Sousa ao Diogo Alvares e solicitava a sua ajuda em tudo o que fosse necessário.
O Senhor Garcia me olhou com muita raiva, e eu quis sacanear um pouquinho.
- O Senhor alguma vez recebeu uma carta diretamente do Rei?
Fuzilando-me ele respondeu que ele recebia ordens diretamente de Thomé de Sousa, não necessitando falar com o Rei, até porque o Thomé de Souza e os demais governadores em os representantes do Rei na colônia. Por outro lado, a esta altura, ele um homem poderoso, não recebia ordens de absolutamente ninguém,
- Sim senhor Garcia, mas a importância de Caramuru é mesmo enorme para a nossa história e o senhor não deveria desdenhar disto, afinal a sua filha casou-se com um neto dele, e o sangue  dele corre nas veias do seu neto. As filhas dele casaram com pessoas importantes a exemplo do Dias Adorno
- Não me lembro de ter visto esta carta e nem a sua entrega por Thomé de Sousa.
Ah Senhor Garcia, preste atenção ao que El Rey escreveu:
Diogo Alvares
Eu, El Rey vos envio muito saudar. Eu ora mando Thomè de Souza, fidalgo da minha casa a essa Bahia de Todos os Santos por capitão governador d’ella, e para na dita capitania e mais outras d’esse Estado do Brasil prover de justiça d’ella, e do mais que ao meu serviço cumprir e mando, que na dita Bahia faça uma povoação, e assente grande e outras coisas de meu serviço. E porque sou informado pela muita prática e experiência, que tendes d’essas terras , e da gente. E costumes d’ellas, e sabereis bem ajudar  e conciliar, vos mando, que o dito Thomé de Souza lá chegar, e sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que o dito Thomé de Souza lá chegar, vos vades para elle, e o ajudeis no que lhe deveis cumprir, e vos elle encarregar, porque fareis nisso muito serviço: e porque o cumprimento, e tempo de sua chegada a ela abastada de mantimentos da terra para provimento da gente, que com ele vai, escrevo sobre isso a Paulo Dias, vosso genro, procure por se haverem, e os vá buscar pelos portos d’essa capitania de Jorge Figueredo. Sendo necessária vossa companhia e ajuda, encomendo-vos que o ajudeis no que virdes que cumpre, que o fareis. Bartolomeu Fernandes a fez em Lisboa a 19 de novembro de 1548 – Rei
Subescrito – por El Rey a Diogo Álvares, cavaleiro da minha casa na Bahia de Todos os Santos.[1]
- Nunca ouvi falar dessa carta, e não lembro de ter visto o Thomé de Souza entregar qualquer documento ao Caramuru.
-Sem dúvida Senhor Garcia, o senhor não viu esta entrega porque a carta não foi trazida por Thomé de Sousa, ela chegou antes dele, trazida por um cavaleiro do Rei – Gramatão Telles, que aqui chegou em 1548, portanto, antes  do senhor e do Thomé de Souza, a carta era uma espécie de apresentação do Thomé de Sousa e a solicitação para que o Caramuru ajudasse em tudo o que necessário.
Senti que o senhor da Torre estava ficando muito aborrecido, ele não conseguia esconder a inveja, e eu resolvi parar por ali, pois ainda tinha muita coisa par falar sobre o Caramuru, e sei que ele não ia gostar nem um pouquinho.
Não precisei de fazer nada, para mudar o assunto e nem desagrada-lo, pois de repente ele desapareceu da minha frente, sem sequer dizer até logo. Como sempre, fiquei com a cara de boba e a espera que ele, no dia que quiser, retorne. Não tem jeito, o homem é voluntarioso e temos de ficar à sua disposição.
Me lembro, entretanto, de uma noticia que li em um jornal de Viana do Castelo, numa grande coincidência. Lá, neste momento, existe uma polemica a respeito da estátua de Caramuru e da sua índia Paraguacu, pois ela vai ser retirada do local onde se encontra há longos anos, para um outro local que está sendo construído para esta finalidade. Gostei desta coincidência!
 





[1] JABOATÃO, Frei Antonio de S. Maria. Catalago Genealogico das Principais famílias que procederam de Albuquerques e Cavalcantis em Pernambuco e Caramurus na Bahia. In Revista Trimensal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, Tomo LII, Parte I, pp7,8. Rio de Janeiro. Typographia, Lithographia e Encadernação a Vapor de Lacmmart,  de C, 1889.  A revista pode ser acessada em  .https://upload.wikmidia.org/wikpedia/Commons/5/5b/IGHB_revista_1889..

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Garcia D´Ávila XVII -Diogo Alvares Correa - Caramuru



Estava na lancha do amigo Juarez e, na volta do passeio pela Baía de Todos os Santos, para mim a mais linda de todas, pois é nela que posso passear de lancha e ver lugares maravilhosos em companhias agradáveis, paramos para um estimulante banho no Porto da Barra. ´É fantástico ver aquele pedacinho lindo de Salvador do mar.   Lindo de viver! Pena que nem todos possam admirar e ter esta sensação que tenho agora.  Fico olhando aquela beleza toda e penso nos portugueses. Porra! Num momento deste por que tenho de pensar nos portugueses? O racional responde imediatamente: Porque eles é que descobriram, povoaram e viveram neste espaço por muito tempo.
É tem lógica o meu pensamento, tenho de lembrar deles mesmo e da sorte que eles tiveram de encontrar um lugar tão maravilhoso como este. Deixo-me levar pelos pensamentos e lembro de quando pequena na escola primária ouvia falar de Caramuru. Sim, Caramuru – Diogo Alvares Correa, o naufrago que conseguiu dominar os indígenas com o fogo. Será isso mesmo, pergunto-me?  Já nem lembro direito, mas seis que ele fez fogo e os índios acharam que ele era um feiticeiro.
Fico tentando me lembrar qual foi mesmo a história que me contaram no primário, e, de repente: O Senhor da Torre! Sim, ele, ele poderá me contar muito sobre o Caramuru, afinal ele conviveu com ele e sua filha desposou um de seus netos, portanto eles eram quase parentes, faiam parte de uma família.
Disse para mim mesmo: Amanhã vou chamar o Sr. Garcia, e se ele não aparecer, eu vou no Castelo da Torre para ver se encontro com ele. Sei que ele é de veneta, só aparece quando quer, mas estou muito curiosa, e então vou insistir.
Nem bem tinha acabado de pensar nisto quando vejo o Sr Garcia refestelado no banco da lancha, quase sentado no colo de Carlos: tomei um susto da zorra, embora soubesse que só eu poderia vê-lo, todavia, o senhor Garcia me deixava para lá de inquieta, e naquele espaço, mais ainda.
Ele, de onde estava, quase à minha frente me olhava de uma maneira bem estranha certamente porque eu estava de biquíni e com uma saída de praia completamente transparente que deixava ver as minhas formas, embora não esplendorosas, mas ainda com formas.
-Não tens vergonha de andar nua assim?
Como responder ao senhor Garcia, as pessoas ali iam achar que eu estava maluca. O certo era fingir que não o estava vendo, muito menos o excitando.
-Não estas a ouvir-me? Já gritou o senhor Garcia, visivelmente aborrecido. Fiquei olhando fixamente para o lugar onde ele estava; Fiquei tão séria, que Carlos achou que eu estava olhando para ele e também perguntou? -O que é? Por que está olhando fixamente assim para mim?
Puta merda! Que situação. Se eu respondesse a Carlos, certamente o senhor Garcia ia achar que eu estava respondendo a ele, se eu respondesse ao senhor Garcia, Carlos ia achar que a resposta era para ele, que dilema miserável. Resolvi não responder a ninguém.
O Senhor Garcia levantou-se e veio sentar junto de mim. Agora é que a porra vai pegar, pensei eu, ele vai querer me sacanear e eu vou ter de ficar aqui quietinha, sem qualquer reação.
-Vocês sabiam que isto aqui chamava-se Vila do Pereira?
-Todos olharam para mim. Pois é, aqui, viveu Caramuru com as suas mulheres indígenas.
-Vila do Pereira! alguém perguntou. Não seria Vila Velha?
- Sim, mas antes era a Vila do Pereira, e assim era chamada porque o primeiro donatário da capitania  Francisco Pereira Coutinho criou a Vila que tomou o seu nome- Vila do Pereira, bem aqui na ladeira da Barra.
O senhor Garcia olhava-me atento, parecia querer dizer-me alguma coisa, mas ficava só a me olhar. Talvez porque não visse as outras pessoas, ou talvez porque estivesse mais interessado pelo que estava vendo por baixo da minha saída de praia, sei lá, mas ele estava quieto, mas isto durou muito pouco, porque de repente ele levanta-se fica bem em frente a mim e diz:
Não sabes de nada sobre o Diogo. Sabes como ele chegou aqui?
- Dei risada e disse, certamente chegou em uma nau: não tenho a menor dúvida. O  Senhor Garcia não gostou muito da brincadeira e chegando perto de mim sussurrou:
-Se vais brincar e procurar graça vou embora e não digo-te mais nada.
 Eu, sinceramente, estava curiosíssima, mas naquele momento preferia que ele fosse embora mesmo. Mas não podia perder aquela oportunidade e aí fiquei séria e quieta, procurando ser o mais natural possível para os demais que estavam na lancha.
- [...] foi este Diogo Álvares Correa, natural de Vianna pessoa nobre, e de linhagem conhecida na Provincia de Entre Douro, e Minho. Era moço, e o desejo que levava a outros muitos sujeitos da sua qualidade naquele tempo a sahir de suas pátrias, e buscar nas novas Capitanias do Reyno alguma aventura, o arrastando para a Índia em companhia de um tio seu, que em certa Náo fazia para la a sua derrota. Outros dizem , que esta viagem era para a Capitania de S.Vicente no mesmo Brasil [...].[...] mas ou fosse para esta ou aquella, a sua Náo se veyo meter na grande boca da Enseada da Bahia, afastada de ventos contrários, onde sobrevindo-lhe outra tempestade, deo com ella, quebrados os mastros e perdido o rumo nos baixos, que ficão a Leste da sua barra, a que  o  Gentio chamava Mairaguiguig; em fronte donde se mete no mar o Rio Vermelho, humma lagoa distante da ponta que dizer do Padrão[1] . Aqui tiveram todos com a perda da Náo, lastimoso naufrágio, do qual os que se livrarão com vida não escaparão de serem presos do bárbaro Gentio Tupynambá, que habitava aquela Costa, e ali acudiu fazendo pilhagem, não só no que a despedaçada Náo lançava às prayas muito melhor dos miseráveis naufragados, que recolhidos ás suas estocadas, lhes foram servindo de gostoso manjar por repetido dias[...][2]
Impaciente perguntei: Sr Garcia, onde o Caramuru entra nesta história.
O Senhor da Torre me deu uma olhada que me fez gelar! O homem tinha mesmo o poder de me deixar trêmula. O pior é que eu tinha de falar com ele sem que ninguém percebesse, pois ninguém acreditaria que estava falando com um morto ali na lancha, o fato é que todos estavam estranhando o meu comportamento. Carlos chegou a me perguntar:  O que foi que você disse, não entendi.
- Quem é este que ousa interromper-me e desviar a tua atenção de mim?
- Meu marido senhor Garcia! meu marido.
-Como é? ´
É isto mesmo Sr Garcia, o Senhor sempre disse que não acreditava que fosse casada, mas, efetivamente sou, e é este o meu esposo.
Tive a impressão que ele ia desaparecer depois da cara que fez, mas ao contrário, ficou ali a me olhar de uma maneira muito especial e a se chegar mais e mais a mim. A impressão que tive é que ele ia atravessar o meu corpo, passar por dentro de mim, tal a proximidade que ele impôs. 
--Se quiser continuo a história.
A voz do Senhor Garcia soou diferente, parecia querer seduzir-me, estava macia, sem qualquer conotação de agressividade. Uma luz se acendeu e eu entendi a jogada daquele malandro: Se ele continuasse a falar sobre Caramuru eu iria dar atenção total a ele e Carlos ia ficar lá entretido com os amigos e me deixaria quieta, e efetivamente foi o que ocorreu. Vi o riso cínico do Senhor Garcia ao recomeçar a narrativa.
- [...] Menos Diogo Alvares Correa, que com a sua sorte, ou a sua viveza, ou tudo junto, com superior destino, lhe administrou para uso meyos oportunos. Era moço, esperto, ágil e de entendimento claro, e vendo aquella gente muy ocupada na colleta dos vários despojos da perdida Náo, introduzido com elles os ajudava a comboyar para onde via eles as hião acomodando e assim começou a fortuna a traçar a sorte de Diogo Alvares[...] (JABOATAM: 1858; 37)
- Sim senhor Garcia, mas onde está o momento em que os indígenas começaram a respeitar o Diogo e o alcunharam de Caramuru?
-Estás muito apressada: calma, chegaremos lá. Eu não estou com nenhuma pressa de sair daqui, e tenho muita coisa a dizer-te sobre o Caramuru.
Esta última frase me deixou apreensiva e só confirmou o pensamento que tive antes: o Sr. Garcia estava jogando e sabia que sairia vencedor, porquanto tinha certeza que a minha curiosidade histórica era maior que qualquer coisa.
- Bom, dentre as coisas que foram resgatadas do naufrágio, estavam armas e pólvora e o Diogo [...] já mais alentado do primeiro susto, teve advertência para recolher entre os despojos algumas armas de fogo, barriz de pólvora e cunhetes de balas, tudo prevençoens já de sua astúcia e já de humm presagioso e  vindouro futuro. Havendo já recolhido o Gentio ás suas Estâncias, tudo o que do naufrágio entendeo lhes poder servir, e eles também  mais  sossegados nas suas cabanas, tratou Diogo Alvares de preparar algumas daquelas armas, carrega humma, faz tiro com ella e acerta presa(seria uma ave ), dá com ella em terra, que meninos e mulheres se punhão a fugir, e os  mayores em espanto e admiração de verem e ouvirem humma tal coisa, e especialmente  o damno, o estrago que causarão as balas sem serem vistas. (JABOATAM; 1858:37).
A história era bem interessante mesmo, eu estava ansiosa para chegar  ao CARAMURU, mas o senhor Garcia parecia mesmo não ter nenhuma pressa, ficava contando  detalhes do naufrágio, dos indígenas, das pedras do Rio Vermelho, coisas que naquela momento não me interessavam muito, o que eu queria mesmo saber como foi que os indígenas, depois desta história começaram a chamar o Diogo de Caramuru.
O diabo do homem estava me sacaneando, fazendo suspense. Olhava para Carlos cinicamente, postava-se a minha frente galantemente, parecia querer que eu fizesse alguma comparação entre ele e Carlos; como se isto fosse possível. Ele todo cheio de roupas esquisitas, estatura não muito alta, bigode grosso, barba. Carlos de sunga, nu da cintura para cima. Kkkkkkk ri interiormente, pois até isto me fazia temer a reação do velho senhor da Torre.
Neste exato momento deu-se um movimento brusco na lancha causado por uma marola feita por outra lancha que passava muito próximo e  velozmente, todos se desequilibraram inclusive o Senhor Garcia que, desequilibrado, teve o seu corpo projetado pra fora da lancha; cheguei a dar um grito, que ninguém entendeu, e, embora soubesse que nada aconteceria ao Sr. da Torre, fiquei olhando ele nadar até  a praia, de onde gesticulava,  possivelmente dizendo impropérios, tenho certeza.  Uma pena, embora providencial, o que aconteceu. O que resta é esperar que o homem esqueça o que aconteceu e retorne para acabar de me contar a história de Diogo Alvares  Correa, como ele se tornou  o CARAMURU,  e toda a sua importância para o  Brasil e para o povo brasileiro.







[1] Ponta do Padrão onde localiza-se o Farol da Barra
[2]  JABOATAM, Frei Antonio de Santa Maria, Novo Orbe Serafico brasílico ou Crhonica dos Frades Menores da Provincia da Bahia, Lisboa 1761, Reimpresso por Ordem do Instituto Histórico e Geográfico brasileiro, Rio de Janeiro, Typographia Maximiliano Gomes Ribeiro 1858. O português é original. Segundo o que consta da introdução, o Frei Jaboatam escreveu sobre Caramuru, com base em manuscrito que encontrou no Convento de São Francisco.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Garcia D´Ávila XVI -Conversado sobre TOMACAÚNA - O garanhão do sertão.


Estava doida para ver o Sr. Garcia, Chamei-lhe algumas vezes, mas o desgraçado so aparece quando quer mesmo. Fiz concentração, pedi ajuda aos espíritos de luz, enfim, mas nada de nada. O miserável debochava de mim mesmo, porque tenho certeza que ele estava vendo a minha aflição para entrar em contato com ele, bem ali, juntinho de mim, e sem se fazer perceber, ria de mim.
Estudando, como sempre, o período  colonial na Bahia, logo no seu inicio e exatamente num de extrema importância, que foi a época da visitação do Santo Officio ao Brasil, o que ocorreu entre 1591 – 159, deparei com um nome que me chamou muito a atenção: TOMACAUNA e eu queria muito saber do senhor Garcia quem realmente foi o Sr. DOMINGOS FERNANDES NOBRE.
Dito senhor era um  mameluco nascido em Pernambuco, filho de índia com um branco. Casou-se com uma branca, viveu muito tempo entre os índios, e por isso mesmo, recebeu a alcunha de Tomacaúna, de acordo com (VAINFAS.1995;76) era um homem corpulento, predador de índios e homem  de confiança de Fernão  Cabral.[1]

terça-feira, 31 de julho de 2018

Um encontro em Humaitá - Garcia D´Ávila XV


Saí cedo, tinha de pagar a promessa: Ir andando ao Bonfim. De onde? Querem mesmo saber? Daqui de casa, Jaquaribe, na orla. Todos me diziam e dizem que sou maluca, mas se eu prometo, tenho de cumprir. Pior é que, que muitas vezes, paguei a promessa antes de saber se alcaçaria, ou não, êxito no pedido, mas pago logo para ver livre da obrigação.  Nesse dia não fora diferente, havia prometido ao Sr. do Bonfim esta ida a pé, e lá se ia eu, sozinha, toda de branco: Patamares, Boca do Rio, Imbuí, Luís Eduardo, San Martin, Largo do Tanque, Viaduto dos Motoristas, Uruguai, Baixa do Bonfim, e finalmente: Igreja do Bonfim.
Lateral da Igreja do Bonfim
Entro na Igreja, agradeço, e está na hora de voltar. Como sempre, entretanto, apesar do cansaço, desço o Monte Serrat todinho e vou até a Igrejinha de Humaitá, adoro a vista, acho aquele lugar uma coisa linda. Fico ali sentada na balaustrada. A Igreja, como sempre, está fechada, o que é uma pena, porque adoro ver os azulejos que a decoram.  Estou completamente embevecida; de onde estou posso ver a cidade, os seus prédios imensos da Vitória e, lá, bem na curvinha, o farol da Barra, que só sei que e ele porque sei da sua localização desde sempre.
É tão lindo aquilo ali, que choro emocionada.  Nas pedras que circundam a balaustrada na lateral da igreja, resto dos presentes ou ebós colocados no mar, é a crendice  baiana, gosto até disto, embora suje bastante a área. Estou tão absorvida que nem percebo alguém se aproxima:
-Bons dias!
Igreja N.Sra Monte Serrat
Vista de Salvador da Ponta de Humaitá
Tomo um baita susto, pois de imediato reconheço a voz.
-Bom dia Sr Garcia, que faz aqui?
-Não achas que quem devia fazer esta pergunta era eu?
O Sr. Garcia como sempre, pedante, senhor de si, orgulhosos, cabeça altiva, olhando-me com uma expressão de desdém.
-Não, não acho senhor Garcia! Quero mesmo saber o que o senhor faz aqui. Será que agora não tenho mais paz?  O senhor está em todos os lugares. Já não tenho qualquer momento de privacidade.
-Acordas-te com a macaca hoje foi? Não fiz a pergunta para ofender-te, mas, para variar, estás nos meus domínios e eu quero saber o que te trouxe aqui, tão longe de tua casa?
-Vim na Igreja do Bonfim e aproveitei e vim aqui na Ponta de Humaitá, que é um dos mais belos lugares da Baia de Todos os Santos.
-  Igreja do Bonfim? Onde fica, nunca ouvi falar, aqui em Itapagipe eu só conheço esta aqui, que, como sabes,  fui eu que mandei  erigir.
-Sei sim senhor Garcia, como sei.
-Mas agora ela já não mais te pertence senhor Garcia, o senhor doou aos beneditinos.
-Eu o que?
Isto mesmo que o senhor ouviu, no seu testamento o senhor deu a Igreja aos padres do São Bento.
-De onde tirastes esta ideia, que testamento? Não vês que estou vivo aqui conversando contigo.
-Quantas vezes mais vou dizer ao senhor que és um desencarnado, que, para sorte ou azar meu, me escolheu para falar de coisas do seu tempo.
-Desencarnado, o que significa isto?
Não quis me atrever a falar de morte, e fiquei ali com o desencarnado, com espirito de luz, etc., mas não dava para ficar falando disto com o Garcia D´Avila, ele realmente era grosseiro e podia me fazer alguma coisa. Era muito engraçado, quando eu estava em frente a este homem sempre me dava uma sensação de insegurança, de medo, as vezes até mesmo pavor.
- Sabes que eu tinha varias olarias aqui por esta região.
-Sei sim Senhor Garcia o senhor já me falou disto, mas agora o senhor só tem olhos para Tatuapara e para norte. Soube que o senhor contratou gente para descer índios.
-Como sabes disto?
-
 
Descendo o Plano Inclinado do Pilar
Já te falei que pelos livros. Também soube que o senhor anda de rusga com os jesuítas exatamente pela quantidade de indígenas que o senhor possui.
-Eles tem é inveja, porque com esta história de tornar os índios cristãos, eles tem mão de obra para tudo. Os aldeamentos[1] nada mais são de que deposito de índios para servir aos jesuítas, e para fornecer mão de obra para os colonos portugueses.
Como assim Sr. Garcia, fornecer mão de obra para Portugal?
-Ora, não te faças de boba.  Há um projeto do governo português e sabes disto, que é a de utilizar a mão de obra indígena indispensável ao desenvolvimento econômico da colônia, afinal não há quantidade de mão de obra suficiente vinda de Portugal, temos mesmo é que aproveitar a mão de obra nativa e os recursos nativos .
Realmente, ficar ali na Ponta de Humaitá me fazia muito bem, e eu estava muito desligada do que o senhor Garcia falava, mas era impossível ficar assim muito tempo, o homem gostava de atenção, e falava,  falava, falou tanto que tive de escutá-lo.
-Eu não disse-te que esta história de dividir o Brasil em dois governos não ia dar certo? O Rei determinou que fosse restaurado o governo geral com sede aqui, tudo como era antes.
Vista Forte São Marcelo
- Eu sei sim, isto aconteceu no ano de 1577, acho eu, e a determinação foi dada  Governo Português e foi nomeado o Governador Geral do Brasil, o Sr. Lourenço da Veiga. Como foi o governo dele Sr. Garcia?
- Como posso saber, o homem mal acabou de chegar, mas ao que parece que é um homem enérgico e de coragem.
- Pelo que li, é sim e ele vai ter muitos problemas na Paraíba.
-Paraiba?
-Sim senhor Garcia na Paraíba
-Ele vai de expulsar franceses e dominar os potiguares, que o senhor sabe, são guerreiros e a maior nação indígena do Brasil no nordeste, além de aliados dos franceses.
-Já se foram muitas expedições e ninguém consegue detê-los.
-Pois é, mas o Lourenço da Veiga vai enviar uma nova expedição, que será organizada por Chistovão Barros[2] e Cosme  Rangel[3], mas também esta expedição não teve grande êxito.
- O Senhor não vai fornecer homens para esta expedição Sr. Garcia?
Igreja da Misericórdia -
dia da festa de Santa Barbara
-Ainda não fui solicitado, o governador acabou de chegar, e tú és que estás a informar que esta expedição sairá daqui, tu e tuas bruxarias e adivinhações.
-Tá bom senhor Garcia, um dia falaremos mais sobre isto. Todavia, o senhor deve saber que a qualidade do pau brasil[4] da Paraíba é reconhecida pelos estrangeiros, e é por isto mesmo que os franceses e holandeses insistem em visitar o nosso litoral e se juntarem aos índios. [5]
De repente o Sr. Garcia disse-me: Vou embora, tenho de visitar as olarias e ver o gado que ainda se encontra aqui, mas quero saber mais a respeito deste novo governador. Ele já está bem velho e não sei quanto tempo vai aguentar, portanto, quero saber  antes de todos o que vai acontecer nesse período que ele vai governar, e tu podes informar-me. Dizendo isto virou-se de costa e desapareceu atrás da Igreja, deixando-me, mais uma vez, atônita com a dúvida se tudo isto ocorrera mesmo, ou era fruto da minha imaginação e da minha grande vontade de saber a história deste meu imenso Brasil e, principalmente, da minha terra - a Bahia.  



[1] Aldeamento- eram os ajuntamentos indígenas que eram organizados coordenadamente, em lugares  escolhidos pelas autoridades coloniais, para onde vinham  os índios de diversas povoações, após o descimento, que era a retirada dos índios da sua própria aldeia para se reunirem nas comandadas pelos missionários, para que se convertessem ao cristianismo. Esta estratégia fazia parte da política colonial portuguesa em relação aos gentios, que deveriam se converter ao  cristianismo, abandonar a  sua própria cultura, enfim, deixarem de ser bárbaros para adentrarem ao mundo civilizado, embora, na realidade, este foi o caminho encontrado pelos portugueses para a utilização de mão de obra barata, completamente dócil. A contribuição da Companhia de Jesus foi fundamental nesta estratégia, e embora o pretexto da conversão dos adultos e a educação das crianças tenha sido observado, não afastou a utilização da mão de obra indígena, sem quaisquer ônus, pelos próprios missionários jesuítas, proprietários de grandes extensões de terra. Sobre os indígenas do Brasil ler: HEMMING John , Ouro Vermelho,.São Paulo, Edusp2007, (tradução Carlos Eugenio Marcondes de Moura).
[2] Chistovão de Barros -  Provedor Mor da Fazenda  e foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia em1587
[3] Cosme Rangel de Macedo veio para o Brasil como Ouvidor Geral, com a doença do  governador Lourenço da Veiga, fez parte da Junta que governou o Brasil até a chegada do novo governador Manoel Telles Barreto,
[4] Pau Brasil – denominado pelos indígenas  – ibirapitanga.
[5]  Segundo os historiadores,” desde 1570, os índios, insuflados pelos franceses, com quem conviviam nas terras da Paraíba e Rio Grande, incursionavam em Itamaracá e Olinda, ameaçando a florescente Capitania.e em 1574 ocorreu o massacre e Tracunhaém, resultante do ato do cristão-novo Diogo Dias, senhor de engenho em Goiana, a 60 Km da futura capital paraibana e a 40 Km de Itamaracá, reter uma cunhã potiguara, filha do principal Iniguaçu, que havia se casado com um mameluco. O principal da tribo não gostou desse seqüestro e, instigado pelos franceses,  assaltou o engenho, matando todos os seus moradores. Da família de Diogo Dias escaparam dois filhos, porque não se encontravam no engenho. Envaidecidos dos seus feitos, passaram os índios a fustigarem a ilha de Itamaracá, preocupando os habitantes de Olinda, os quais temiam a qualquer momento um ataque indígena.” Luiz Hugo Guimarães, Historia da Paraíba – www..ihgp.net/luizhugo/a_conquista da paraiba.htm. acessado em 31/07/2018.