sexta-feira, 21 de junho de 2024

O Tapete persa


E havia um tapete persa! Naquele minúsculo apartamento de um bairro 
pobre qualquer, havia um tapete persa; o mais interessante é que ele ficava pendurado na parede. Aquilo sempre a intrigou: por que pendurado na parede se tapete era para chão? Nunca ninguém lhe respondeu isto. Deduziu por si mesmo que a “alcatifa”[1] era tão bonita e possivelmente valiosa, que não deveria ser pisada pelos indignos pés que ali circulavam, ainda mais que a casa ficava numa rua de barro, e aqueles pés sujos do barro certamente ofenderia aquela obra de arte persa, que saíra de tão longe para povoar a parede da casa de uns pobres diabos que se julgaram com direito a ter um tapete persa em casa.

Lembra-se das cores dele: ele tinha uma cor predominante, que era o vermelho, mas não um vermelho encarnado, ele caía mais para o lado do grená de que propriamente vermelho. Talvez, além dos camelos que nele existiam, havia os “tuaregues”[2], aqueles homens árabes de turbante que andam em caravanas pelos desertos.  Alguns homens seguravam as rédeas dos camelos, outros pareciam conversar, embaixo dos pés deles uma cor bege, que nos reportava mesmo a areia dos desertos.

Ficava a olhar aquela tela pendurada na parede logo acima do sofá, e se perguntava: Que histórias seriam contadas através desse tapete? O que ele presenciou, o que ele viveu? Certamente o deportado, sim porque ele não veio de livre e espontânea vontade, Aladim não escolheria aquele lugar para viver, aportar para sempre, sem ter nenhuma chance de retorno: O pobre coitado não entendia porra nenhuma, pois vindo do oriente com se acostumar com hábitos tão diferentes ainda mais de pobres de periferia? Imagine ele que reinava em todos os países do Oriente como a peça mais importante da casa, pois ele serve de mesa, de embelezamento, de demonstração de riqueza, de cama para o descanso dos seus proprietários, enfim um participante efetivo da vida dos seus donos. Aqui, e apesar de não ter a importância que ele tem no Oriente,  presenciou muitas e muitas coisas da vida de todos que frequentavam aquela casa, desde os moradores, aos visitantes e vizinhos  Silencioso, pendurado na parede possivelmente  se inquietou algumas vezes presenciando fatos e atos as vezes inconfessáveis, mas ele resistiu; todavia, nem mesmo a sua origem lhe livrou do ciclo da vida, e um dia ele foi abandonado, um dia ele virou apenas um trambolho que deveria ser descartado, nunca mais ninguém o viu depois  da mudança dos seus donos para um bairro melhor, até mesmo chic, onde certamente seria cafona ter um tapete na parede. No chão, uso que seria adequado, talvez o tamanho não tenha sido compatível com o tamanho da sala da nova casa ,que era  muito grande e ele ficaria muito pequeno, sem qualquer estética: na parede agora seria impensável, os proprietários não se permitiriam demonstrar esta cafonice,” breguice” para uns. Aliás, o “brega” era tudo que os seus donos queriam esquecer: ter sido brega um dia, que dançavam tomando cachaça com limão nas tardes de sábados e domingos ao som das músicas de Altemar Dultra,, Ângela Maria, Frank Sinatra, Nat King Cole, e tantos outros que povoavam os sonhos e a imaginação  dos participantes, tudo ao som nasal da radiola e dos long plays ( vinil).

Tardes regadas a batidas e umas cervejinhas, quando o dinheiro dava. Época em que se  comia feijoada, mocotó, dobradinha no final da festa, com tira gosto de bacalhau socado, carne de sertão frita,  salsicha e tantas outras coisas que eram inventadas para que o dia fosse completo, que todos ficassem satisfeitos e felizes; sim, porque a alfombra[3] tapete presenciou momentos de felicidade, muita alegria e esperança, a esperança de que a vida melhoraria em termos materiais, o que realmente aconteceu, mas que em função disto, o  grande testemunho do tapete foi descartado e com ele a felicidade daqueles bêbados felizes, que terminavam os fins de semana cheios de energia para recomeçar a batalha da semana, esperando ansiosamente  a sexta feira da semana seguinte para  recomeçar tudo novamente, talvez dando a única felicidade que aquele tapete pendurado na parede  teve.  





[1] Alcatifa  tapete grande com desenhos e cores variadas, usado para cobrir pavimentos ou ser colocado nas janelas em dias festivos  -   pesquisa google dia 20.06,2024

[2] Tuaregues  povo berbere constituídos de pastores seminômades, agricultores e comerciantes .- pesquisa google dia 20,06.2024

[3] Alfombra  - tapete