E havia um tapete persa! Naquele minúsculo apartamento de um bairro pobre qualquer, havia um tapete persa; o mais interessante é que ele ficava pendurado na parede. Aquilo sempre a intrigou: por que pendurado na parede se tapete era para chão? Nunca ninguém lhe respondeu isto. Deduziu por si mesmo que a “alcatifa”[1] era tão bonita e possivelmente valiosa, que não deveria ser pisada pelos indignos pés que ali circulavam, ainda mais que a casa ficava numa rua de barro, e aqueles pés sujos do barro certamente ofenderia aquela obra de arte persa, que saíra de tão longe para povoar a parede da casa de uns pobres diabos que se julgaram com direito a ter um tapete persa em casa.
Lembra-se das cores dele: ele tinha
uma cor predominante, que era o vermelho, mas não um vermelho encarnado, ele
caía mais para o lado do grená de que propriamente vermelho. Talvez, além dos camelos
que nele existiam, havia os “tuaregues”[2], aqueles homens árabes de
turbante que andam em caravanas pelos desertos.
Alguns homens seguravam as rédeas dos camelos, outros pareciam
conversar, embaixo dos pés deles uma cor bege, que nos reportava mesmo a areia
dos desertos.
Ficava a olhar aquela tela pendurada
na parede logo acima do sofá, e se perguntava: Que histórias seriam contadas
através desse tapete? O que ele presenciou, o que ele viveu? Certamente o
deportado, sim porque ele não veio de livre e espontânea vontade, Aladim não
escolheria aquele lugar para viver, aportar para sempre, sem ter nenhuma chance
de retorno: O pobre coitado não entendia porra nenhuma, pois vindo do oriente
com se acostumar com hábitos tão diferentes ainda mais de pobres de periferia?
Imagine ele que reinava em todos os países do Oriente como a peça mais
importante da casa, pois ele serve de mesa, de embelezamento, de demonstração
de riqueza, de cama para o descanso dos seus proprietários, enfim um
participante efetivo da vida dos seus donos. Aqui, e apesar de não ter a importância
que ele tem no Oriente, presenciou
muitas e muitas coisas da vida de todos que frequentavam aquela casa, desde os
moradores, aos visitantes e vizinhos Silencioso, pendurado na parede possivelmente se inquietou algumas vezes presenciando fatos
e atos as vezes inconfessáveis, mas ele resistiu; todavia, nem mesmo a sua
origem lhe livrou do ciclo da vida, e um dia ele foi abandonado, um dia ele
virou apenas um trambolho que deveria ser descartado, nunca mais ninguém o viu
depois da mudança dos seus donos para um
bairro melhor, até mesmo chic, onde certamente seria cafona ter um tapete na
parede. No chão, uso que seria adequado, talvez o tamanho não tenha sido
compatível com o tamanho da sala da nova casa ,que era muito grande e ele ficaria muito pequeno, sem
qualquer estética: na parede agora seria impensável, os proprietários não se
permitiriam demonstrar esta cafonice,” breguice” para uns. Aliás, o “brega” era
tudo que os seus donos queriam esquecer: ter sido brega um dia, que dançavam tomando
cachaça com limão nas tardes de sábados e domingos ao som das músicas de Altemar
Dultra,, Ângela Maria, Frank Sinatra, Nat King Cole, e tantos outros que
povoavam os sonhos e a imaginação dos
participantes, tudo ao som nasal da radiola e dos long plays ( vinil).
Tardes regadas a batidas e umas
cervejinhas, quando o dinheiro dava. Época em que se comia feijoada, mocotó, dobradinha no final da
festa, com tira gosto de bacalhau socado, carne de sertão frita, salsicha e tantas outras coisas que eram
inventadas para que o dia fosse completo, que todos ficassem satisfeitos e
felizes; sim, porque a alfombra[3] tapete presenciou momentos
de felicidade, muita alegria e esperança, a esperança de que a vida melhoraria
em termos materiais, o que realmente aconteceu, mas que em função disto, o grande testemunho do tapete foi descartado e
com ele a felicidade daqueles bêbados felizes, que terminavam os fins de semana
cheios de energia para recomeçar a batalha da semana, esperando
ansiosamente a sexta feira da semana
seguinte para recomeçar tudo novamente,
talvez dando a única felicidade que aquele tapete pendurado na parede teve.
[1] Alcatifa
tapete grande com desenhos e cores
variadas, usado para cobrir pavimentos ou ser colocado nas janelas em dias
festivos - pesquisa google dia 20.06,2024
[2] Tuaregues
povo berbere constituídos de pastores seminômades,
agricultores e comerciantes .- pesquisa google dia 20,06.2024
[3] Alfombra
- tapete