Foi até a costureira para fazer
uma barra de uma calça que havia comprado na Zara, que até tinha este serviço,
entretanto, demorava em demasia para entregar.
Para sua surpresa, a dona do estabelecimento era uma brasileira, que, salvo
engano, era do Pará. Entregou a calça, pagou, como sempre por estes serviços,
antecipadamente, e depois de cinco dias, o que também achava um absurdo, foi
buscá-la.
Neste dia a senhora estava mais desafogada,
e, ao que parecia, gostava muito de conversar, porque, com a curiosidade adquirida
ao longo dos anos em que estava em Portugal, lhe fez muitas perguntas; algumas
normais, tipo de onde você é no Brasil, tá fazendo que aqui, se era casada,
enfim. A mulher não era feia, também não era nenhuma miss, mas era arrumada; pequenina,
um corpo bem feito, um rosto ainda sem rugas. As roupas, Ah as roupas! Não
adequadas nem para a idade, nem para o local, nem para profissão, mas já estava
acostumada a isto. Ela própria chamava atenção pelas suas roupas, não que
fossem parecidas com a da costureira e com a de muitas brasileiras que viviam
naquelas paragens (Lisboa e adjacências), mas porque eram coloridas, saias
longas, vestidos longos, calças pantalonas, enfim, vestia-se diferentemente das
portuguesas e chamava bem atenção por isto, mas não vestia roupas inadequadas à
sua idade e nem, tampouco, as usadas pelas “periguetes!
Suas roupas eram elogiadas pelos
portugueses, tanto mulheres quanto homens.
Chegou mesmo a ouvir de um senhor que trabalhava no AHU que ele achava interessante
a maneira dela vestir-se, também presenteou uma funcionaria da secretaria da
faculdade com uma pantalona estampada, vez que a mulher falou tanto da beleza
do traje que, no dia seguinte, colocou a calça em uma sacola e lha entregou. A funcionária, entre surpresa e maravilhada com o presente, lhe agradecia, o que
lhe valeu um reconhecimento que muito lhe ajudou quando necessário. Também deu vestidos e sapatos levados do Brasil, que foram muito cobiçados pelas amigas da senhora da casa onde morava.
Bom, mas não foi para falar das
suas roupas que começou este texto, e sim para contar uma história real, que, com muita freqüência, acontece em Portugal, com mulheres que aparentam ter uma melhor condição financeira de que as demais e que se deparam com portugueses cafajestes – O golpe da máquina
que “engole cartão”.
Na terceira ou quarta vez que
esteve com a costureira do Pará ela começou a falar de portugueses homens,
especialmente daqueles com os quais teve relacionamentos e sai com uma desta: segundo
ela, conheceu um Martinho, um homem com aparente cinqüenta e poucos anos, em uma
discoteca em Lisboa, ficou com ele naquela noite e marcaram para encontrar-se
no final de semana, pois o homem, segundo informações dele próprio, trabalhava
muito e só tinha tempo de sair nos finais de semana; ela, por sua vez, também não
tinha uma vida fácil e não estranhou nada.
No encontro da discoteca o Martinho fora muito gentil e atencioso e lhe
pagara uns dois drinks.
Ansiosa, aguardava o final de
semana, porque efetivamente o rapaz, segundo ela, era interessante e ela estava
há muito tempo sozinha, pois acabara um “caso” que teve com um outro portuga. No final de semana, arrumou-s toda, pegou o
carro e foi encontrar-se com o cidadão, que marcou o encontro em Belém,
antecipando que eles iam almoçar na cervejaria
Portugália.
Não que a Portugália seja o
melhor restaurante de Lisboa, mas não é um restaurante dos mais acessíveis, por
exemplo: brasileiros que trabalham com serviços domésticos, em cafeterias,
mercados, ou que trabalhem com os famosos recibos verdes não têm dinheiro sobrando
e lá não vão, tampouco portugueses que não tenham um salário razoável. Ela já se empolgou com isto, porque como
dizia: já estava cansada de bancar tudo sozinha, inclusive para amigas que, sem
a mesma sorte que ela, não ganhavam para nada, quanto pior, para freqüentar
restaurantes.
Uns beijinhos trocados no local
marcado, e eles marcham para o restaurante. Ela pediu um bife, que é a
especialidade da casa, ele também o fez. Ele tomou vinho e ela cerveja.
Conversaram sobre banalidades e sobre a vida de ambos, afinal estavam se
conhecendo, embora ela tenha estranhado muito o fato dele sempre querer saber se
ela tinha outras rendas, se tinha bens no Brasil, se dividia a renda da casa
com alguém, se o negócio era só dela, no entanto, atribuiu o questionário à
curiosidade portuguesa mesmo.
Lá se vem à conta, que não foi
das mais baratas, pelo menos para ela: oitenta euros. A conta foi entregue a
ele, evidentemente, e ele deixou ali em cima da mesa, parecia estar esperando
algo, mas ela não ligou muito, passada uns 20 minutos ele tira a carteira do
bolso e faz uma expressão terrível: ela
olha para ele entre angustiada, parecia que o homem estava se sentindo mal. “ O
que aconteceu, você está pálido, está com uma expressão estranha”? E ele, entre nervoso e envergonhado diz: “O cartão não
está na carteira e eu só tenho parte do dinheiro
da conta”.Ela, evidentemente, não iria passar vexame e, tirando o seu próprio
cartão da bolsa, e para que ele não ficasse sem dinheiro algum na mão, pagou a
conta toda. Não o fez satisfeita, mas o fez.
Saíram do restaurante e ele ainda
queria dar umas voltas, mas ela ficou chateada com a história do dinheiro e disse
que ia para casa, até porque tinha algumas encomendas para entregar no dia seguinte;
segunda feira. Despediram-se com a promessa de que ele iria, na terça, no atelier, para lhe dar o dinheiro
Bem verdade que isto realmente
aconteceu. Na terça ele estava lá e lhe deu metade do dinheiro da conta. Ela
com vergonha recebeu sem nada
dizer, mas não ficou nem um pouco
satisfeita, embora tenha entendido que a metade da conta era de sua
responsabilidade, esta foi a mensagem.
Passados alguns dias o Martinho lhe liga outra vez, convidando-a para um “baile” lá pelas bandas
de Santa Iria, ela já conhecia o local,
era bom mesmo, música ao vivo, portugueses dançando, local familiar. E lá se vai ela na sexta feira toda arrumada,
perfumada e com algum dinheiro na bolsa. Como sempre, fora no seu
carro e se encontraram na entrada da casa de festas.
Neste dia a conta foi pequena e
ele fez questão de pagar toda, uns 20 euros já contando com a entrada, que tem de ser paga. Como ia trabalhar no sábado, ela tomou pouca cerveja, e ele
também. Lá pelas duas da manhã despediram-se e ela voltou para casa sozinha.
Os dias se passaram e o Martinho telefona, muito aflito, numa quinta feira ao final da tarde. Pede que ela vá
encontrá-lo em tal lugar as sete com urgência, ela fecha o atelier e nem passa
em casa, pois se fosse lá chegaria atrasada. Marcaram, mais uma vez, em Belém,
na frente do Centro Cultural. Ela fez o caminho mais rápido, foi por Algés e
estacionou o carro na primeira vaga que achou, fazendo restante do caminho, uns
duzentos metros, quase correndo e se perguntando o que teria acontecido para o
cara tá tão nervoso.
Visualizou a figura de longe: ele
caminhava de um lado para outro, com as mãos nos bolsos do casaco. Era
efetivamente um homem bonito, cabelos prateados, uma boa estatura, bem
arrumado. Dizia ele que era trabalhava com vendas. Aproxima-se e ele lhe dá um
forte abraço e lhe diz que precisa de um grande favor dela. Ela o olha e
pergunta-lhe: “o que aconteceu”? E ele,
com a voz trêmula, diz: “fui tirar um dinheiro
naquela máquina e ela prendeu o meu
cartão e estou sem nenhum dinheiro na mão e preciso fazer um pagamento ainda hoje”.
Ela toma um susto e pergunta: “você
já tentou falar com o Banco?”. Ele diz que não tem condição devido ao
horário, que no dia seguinte vai resolver o assunto. E ela, ainda bem surpresa,
incrédula e assustada pergunta-lhe quanto precisa, e ele, cinicamente, lhe diz,
que precisa de uns trezentos e cinqüenta euros. Ela diz que não tem, e ele, quase chorando, pergunta quanto ela
pode dispor naquele momento, pois era mesmo uma emergência: ele tinha de fazer, senão o pagamento total,
mas uma parte dele, à pessoa a quem
tinha prometido e que já estava chegando para receber o dinheiro. E ela,
idiotamente, diz que tem duzentos euros
na sua bolsa, dinheiro que iria
depositar no banco no dia seguinte, porque tinha pagamentos a fazer. Ele lhe
diz que na manhã seguinte lhe levaria, sem falta, o dinheiro, e ela, com cara
de idiota, tira da bolsa, tomando cuidado para que o seu cartão do “multibanco”
não fosse visualizado por ele, o dinheiro e lhe dá os duzentos euros. Ele lhe
agradece muito, lhe dá muitos beijos, e sai em disparada, dizendo que na manhã
seguinte, assim que conseguisse resolver o problema do cartão no Banco, iria
ter com ela, lá ao atelier para lhe devolver o dinheiro aproveitando para
almoçarem juntos.
Ela vai embora com a sensação de
que fora enganada, que caíra, idiotamente, num conto. Na manhã seguinte espera o cidadão. A manhã
passa, o dia passa, outro dia, a semana, e ele nada, nem mesmo o telefone
atende. Ela pensa em dar uma queixa, mas
como dar queixa: então ela ia numa esquadra dizer que conheceu um cara chamado Martinho e que este, depois da terceira ou quarta vez que saíram, lhe aplicou o
golpe da máquina engolidora de cartão! Não, não ia fazer isto; os policiais iam dar
risada da sua cara, quanto pior, não iam acreditar na estória. Então uma
brasileira ia ter dinheiro para dar a algum português! Qual o que?
Ficou meio cabreira com a estória
da mulher, não levou muito a sério a questão, mas ficou atenta, porque nada é
impossível de acontecer, ainda mais quando existe uma porção de desocupados em
Lisboa e muitos a procura de alguém que lhes dê boa vida.
Passados alguns dias desse episódio,
ouvia uma portuguesa, na televisão, a contar uma estória bem parecida com a que
a brasileira tinha contado, e recentemente, uma reportagem, também na televisão
portuguesa, falava do assunto alertando as senhoras para este tipo de golpe. O cara se aproxima, começa a assediar a
mulher, convida-lhe algumas vezes, e quando esta já está envolvida, aplica o
golpe do cartão. Portanto, um aviso: onde quer que você esteja, fique atenta,
não caia no golpe da “máquina devoradora de cartão”