quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Você é assim? Se cuide...

-Sabe: Não sei como você me suporta! Estou velha, ficando muito chata, reclamando de tudo.
- Não, você não é chata, velha talvez, mas chata não, ta mesmo resmungona.
- Ué! Qual a diferença entre ser chata e resmungona?
- Todas. As pessoas podem resmungar e não se tornarem chatas.
- Mas eu reclamo de tudo; da vida, de você, dos amigos, do filho, enfim.
- Você não reclama: você fala da sua insatisfação.
-Porra, insatisfação é muito pouco para o que eu digo.
- Não, não se preocupe, eu agüento.
- É efetivamente eu não percebo como você quer ficar junto de alguém que só resmunga esta sempre zangada, aborrecida, mal humorada, e como vocês dizem: tem um mau feitio danado.
- Bom o fato é o seguinte: Se eu não estiver com você, vou estar sozinho, sem fazer nada.
-Puta que pariu!Realmente eu mereço ouvir isto. Sou mesmo uma opção miserável, a última delas, caso houvesse qualquer coisa melhor você não estaria aqui comigo.
- Não, espera aí. Não foi isto o que eu quis dizer.
- Você pode até não ter querido, mas disse, agora não tem jeito, nem tente reparar.
- Você entende tudo errado, parece que tem prazer em se aborrecer, em desvirtuar as palavras dos outros.
-Ah! É assim é? Alguém me diz que se não estiver comigo vai estar em casa sozinho, então prefere estar comigo, e você diz que não disse o que eu entendi.
-Claro, volto a repetir, eu disse que gosto de estar com você, e se não tivesse com você, estaria em casa e prefiro, pois, esta com você.
-Pô velho, você repetiu com todas as letras o que eu tinha entendido. Você só esta aqui e agora porque não tem mais o que fazer, portanto, eu sou uma opção porque você não tem opções; ou sou eu ou é nada.
-Fogo! Você realmente sabe trabalhar as palavras quando quer, aliás, como sempre, esta procurando problemas onde não existem. Eu estou aqui porque gosto da sua companhia, porque há alguns momentos que você fica sensacional, esquece as rabugices e fica normal e isto é muito bom.
-Bom, então você quer dizer mesmo que sou uma pessoa que tem duas fases, sou bipolar.
-Rapaz! Conversar com você é problemático. Não bote palavras na minha boca.  Todas as pessoas têm seus momentos, e nem sempre eles são os melhores.
-Bom ao que parece, eu só tenho momentos piores. É isto que você esta dizendo, porque os melhores, parecem que são bem poucos, tanto que você é capaz de lembrar-se deles.
-Como é que é? Quer dizer que você tá dizendo que eu falei que os seus bons momentos são poucos e que eu me lembro deles?´
-É claro que você disse isto. Se você se arrisca a estar comigo com todo o meu mau feitio, meu mau humor porque “de vez em quando” eu tenho alguns momentos bons, é porque você lembra-se deles. Se eles não fossem raros tudo passaria muito despercebido, os momentos bons seriam normais e você, talvez, lembrasse somente dos ruins.
- Deus do céu! Que mulher é esta! Desvirtua tudo, complica tudo, parece que gosta de andar aborrecida.
-Viu que você me acha mesmo chata!
- Carraio! Vamos começar tudo noutra vez?
- Não, não vamos. Eu vou é embora. Não quero chatear ninguém com os meus problemas e nem quero que ninguém esteja junto de mim porque não tem mais nenhuma opção.
- É você tem razão. Quando você tá assim o melhor mesmo é ir embora. Tchau. Passe bem.
E ela vê o rapaz atravessar a rua sem olhar para trás, segue ainda com o olhar o seu caminhar, ele vai firme, cabeça erguida, não tem problemas, realmente se convence que ela é mesmo, apenas, uma opção. Não faz falta nenhuma, muito pelo contrário, deve ser um alivio para as pessoas se livrarem da sua companhia. Anda lentamente, segue para a paragem do autocarro, agora vai se aborrecer com as pessoas que nem conhece: uma porque cheira mal, a outra porque falta alto, a seguinte porque fala muito, enfim,  dá asas a sua insatisfação até chegar à casa e  ver o que efetivamente é: Chata, só, infeliz, deixando escapar tudo o que lhe possa trazer felicidade, alegria. Talvez nunca se acostume a isto, não dá a chance de se vir de outra maneira.
Se em algum momento deste diálogo você se viu, se identificou com alguma passagem;  tome providências. Procure ser feliz, esqueça os problemas, ajude-se: saia, veja gente, fale dos defeitos seus e delas,  brinque, critique, mas não permita que a vida lhe faça ser como a personagem desta conversa.  


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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Tentando...

A sorte está lançada. Acabo de entregar a tese completa às orientadoras. Depois de longos três anos dou por finalizado um trabalho sistemático, cansativo, metódico.
Tejo-Lisboa
Para realizá-lo viajei para terras distantes, Lisboa, Moçambique. Tive em dois continentes, atravessei oceanos, descobri lugares e pessoas.
Alguns lugares me fizeram sonhar, a exemplo de Maputo, pois se dinheiro tivesse voltaria ali para passar, ao menos, seis meses. Não pela cidade, bem verdade, mas pelo saber. Ah como queria entrar naquele arquivo! Quantas descobertas faria manuseando aqueles documentos, quanta informação, quanto aprendizado! Quantas explicações!Quanta contribuição para o conhecimento!
Grelhados-Cacilhas-Pt
Lisboa! Meu Deus: ah se tivesse tempo e dinheiro não sei o que iria acontecer! Talvez procurasse um meio de dormir na Sociedade de Geografia, ou quiçá, no Arquivo Histórico do Ultramar. Iria estudar tudo o quanto possível. Tiraria dos documentos todas as informações que eles pudessem dar. E na faculdade de direito da Universidade de Lisboa? Nem quero pensar: ficaria ali deambulando pelas suas estantes, corredores, andares, manusearia livros que nunca pensei existir, encontraria obras que jamais pensaria ver de perto. Efetivamente seria a glória.
Camarão do Índico-Maputo
Sem dúvida que aproveitaria um pouco da beleza e das características de cada uma das cidades visitadas, afinal nem só de “conhecimento” vive o homem, mas, essencialmente, o que faria era exatamente isto, partilharia a solidão com os documentos, com os livros, com o saber, para depois partilhar com o universo tudo o que esta solidão voluntaria me deixou acumular. Não me importaria se ninguém lesse o que escrevi, ou o que vá escrever, que é o que acontece quase sempre com os trabalhos acadêmicos, mas a minha certeza de que estou contribuindo para o conhecimento já me faz mais de que feliz.
Se o saber tem de ser compartilhado, no momento da sua apreensão, entretanto, ele é completamente individualista. Antes de o compartilhamos precisamos, senão da certeza, mas da consciência de que não estamos dizendo disparates, todavia, e para chegarmos às conclusões, ainda que possam gerar polêmicas e sempre não definitivas, é necessária muita solidão e, por causa dela mesmo, muito querer, muita determinação.
Ìndico-Maputo
Alguns perguntarão: Para que acumular tanto se nada é divulgado? Para que se esforçar tanto se isto não vai trazer qualquer beneficio financeiro? Eu responderia: Não fiz o que fiz até o momento pensando em dinheiro. Claro que se isto der algum resultado financeiro vou achar sensacional, afinal investi muito dinheiro nisto, dinheiro dos meus pobres proventos que é dividido com muitos, que sem qualquer interesse no saber, gastam sem saber o sacrifício que faço para mantê-los, para lhes proporcionar o mínimo necessário, mas que para mim é muito.
Entretanto, com estes gastos todos desplanejados, posso me envaidecer de conhecer um pouco do utilitarismo de Bentham, Stuart Mill, Rawls. Posso falar do imperialismo, da Convenção de Berlim, da distribuição da África. Posso com firmeza assegurar que as potências colonizadoras criaram um status para o “africano”, que o faria diferente, e, como diferente, sujeito a leis outras que asseguravam o poder de gerir esta diferença. Posso, agora, recomendar leituras, aliás, o que faço neste momento, leiam:  Hannah Arendt –  As Origens do Totalitarismo, Imperialismo e Expansão do Poder;  Edward W Said – Orientalismo. Representações Ocidentais do Oriente; John Rawls - Uma Teoria da Justiça, O direito dos Povos; Justiça como Equidade Uma Reformulação; Amartya Sen - A Idéia de Justiça; Martin Channock – Law, Custom and Social Order. Antonio Hespanha – Cultura Jurídica EuropéiaSíntese de um Milênio; Os juristas como Couteiros, O Caleidoscópio do Direito, O Direito e a Justiça no mundo de hoje , Silvère Ngounds Idourah – Colonisation et confiscation de la Justice en Afrique. L´Administration de la justice au Gabon, Moyen-Congo, Oubngui-Chari et Tachad. Há muito mais, isto é só uma amostra.
Arquivo Histórico de Moçambique
 Em relação à África especificamente, não deixem de ter em suas bibliotecas os dois volumes de Elikia M`Bokolo- Afrique Noire Histoire et Civilisations Vol I e II, já há tradução dos dois para o português.  Isabel Castro Henriques – Percursos da Modernidade em Angola; Os Pilares da Diferença; Tomem conhecimento do que significa etnicidade, xenofobia, minorias. Procurem entender porque o estudo da etnicidade é tão importante para a sociedade, para evitar os guetos, para valorizar o indivíduo enquanto membro de um grupo. Reveja os seus conceitos de cidadania, de responsabilidade social.
Fiquei surpresa, não nego, em perceber e ficar decepcionada por percebê-lo, que literalmente o ocidente dividiu o mundo em duas cores; branco e preto e convencionou que o branco era lindo, significava paz, beleza, educação, cultura, eugenia; o negro, ao contrário, a insensatez, a selvageria, a incapacidade, a feiúra. No dia em que li Hegel, já com uma nova visão das coisas, me deparei com o racismo despudorado, quase desanimo, pois é complicado ver um filosofo estudado como quase um “Deus”, se referir aos negros como “selvagens”."[...] a principal caracteristica dos negros é que a sua consciência ainda não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com a propria vontade, e onde teria uma ideia geral da sua essência [...] O negro representa, como já foi dito o homem natural selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles nada evoca a idéia de caráter humano".(HEGEL, 1999-83-86. Pior ainda é ler KANT,1993:75-76"[...] "Os negros não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do rídiculo." Ver o tipo lombrosiano estampado na descrição das feições do “africano” feita pelos colonizadores me deixou completamente atordoada. Ver o olhar antropológico segregar pessoas foi mesmo, e continua sendo, deprimente; justificar o injustificável foi, e é, imperdoável.
Todavia e apesar de tudo, estaria eu mais tranqüila se tudo isto fosse mesmo um passado,e que ele não tivesse deixado seqüelas e nem que pudéssemos, em algum momento presente, revivê-lo com tanta intensidade. Presenciamos a todo o instante um imperialismo cruel, diferente do de outrora, bem verdade, mas com a mesma finalidade, a hegemonia, o enriquecimento, o individualismo, a exploração do mais fraco. Nações civilizadíssimas “mandam” em uma boa parte do mundo, explorando outras; lhes tirando a soberania, diminuindo os seus cidadãos, fazendo crescer a fome, a vergonha, o flagelo, descumprindo o contrato social apregoado pelo utilitarismo,guardando a felicidade apenas para os mesmos, aqueles que já a possuem e que não estão interessados em dividi-la com ninguém.
Bom, enfim, não vou massacrar vocês com coisas que ainda não percebo direito, afinal, como Sócrates, “só sei que nada sei” e que tal qual ele, não queria ser nem “brasileira e nem espanhola, e sim uma cidadã do mundo”. Não viverei o suficiente para tanto, mas quem sabe, se Alan Kardec estiver certo, reencarnarei muitas vezes, a cada uma delas procurando conhecer mais um pouco de fatos e de pessoas e se possível, ajudar com este conhecimento, ao menos, uma pessoa que seja.
Posso até mesmo não ser aprovada no doutorado, posso receber muitas críticas desfavoráveis, mas seguirei tranqüila, com a consciência daqueles que se determinam e alcançam as suas metas e que UMA JUSTIÇA ESPECIAL PARA AS COLÔNIAS – APLICAÇÃO DA JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE (1894-1930) traga algum contributo para o conhecimento de uma pequena parte do continente africano, este tão ilustre desconhecido.  

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Carta fora do baralho

Há três dias viu uma carta jogada no portão da sua casa: um três de espada. Achou interessante uma carta solitária, perdida do baralho de alguém; associou exatamente à expressão “carta fora do baralho”.
Os dias passaram, a carta continua ali, exatamente no portão da casa, parece que ninguém queria acolhe-la, nem mesmo o lixeiro. É porque ainda que o lixeiro varra a rua todos os dias, o que não é verdadeiro, porque se assim fosse, certamente, a carta não mais estaria ali. Vamos, entretanto, admitir que ele não limpa direito, ou então que a carta não está ali por acaso.
Intrigada com a insistência da permanência procura o significado da carta. Em principio, confusa, olha o que significa a carta três de paus, depois de ler muito sobre o três de paus, vê que a carta não é de paus, e sim de espada, como bem disse o site onde procurou o significado: o desenho do coração invertido identifica o naipe de “espada”. Realmente: é um coração invertido que esta na porta da sua casa, aliás, e dentro dela também, um coração que não está no lugar correto dentro do peito, ele está realmente invertido, por isso mesmo é que deve doer tanto e anda tão inquieto.
Mas o que significa um três de espada? Há de ter alguma coisa boa para ser associada àquela carta insistente, que, fora do baralho, se lhe apresenta todos os dias lembrando-lhe que ela também é uma carta fora do baralho, ao menos de alguns baralhos completos que estão sendo guardados por seus respectivos proprietários.
Vai procurando a significação da carta por etapas. Primeiro procura saber o que significa o numero três, e aí toma conhecimento de que o três é um número que significa “estabilização” em todas as culturas. Tem a ver com a formação da personalidade.
Deixa o três e vai procurar o que significa “espada”, e aí ela percebe perfeitamente qual o motivo que fez com que aquela carta ficasse ali depositada na frente do seu portão, sem sair do lugar; nem o vento, nem a poeira, nem os pés dos transeuntes fê-la movimentar-se. Ela continua no mesmo lugar. Um coração negro e invertido insistindo em lembrar-lhe o quão está descartada.  Surpreende-se, entretanto, com o que significa “espada” que é um naipe que significa “batalha e conquista”; batalhas que se travam no campo do emocional. A carta tem tudo a ver com emoção, dizem que quando ele aparece na cartomancia significa que o consulente precisa superar os medos, vencer as batalhas contra si mesmo, ultrapassar as barreiras emocionais.
Pronto! Depois de toda esta estória do significado da “espada”, ela entende perfeitamente por que a droga da carta perdida veio parar na sua porta. Realmente, ela só poderia ser uma carta fora do baralho, para voltar a participar do “baralho” ela tem de lutar muito, caso contrário, continuará “descartada”.
O três de espadas continua na porta. Como ela, não deve fazer qualquer falta, pois que ninguém veio reivindicá-lo. A esta altura, todo o baralho ao qual pertencia já deve ter sido jogado fora, porque, por mais que ela tenha sido descartada, é de extrema importância para o conjunto de cartas que forma o baralho. A sua ausência impede que qualquer jogo seja jogado. Pelo menos isto! ainda que com todo o desprezo demonstrado pelo seu antigo proprietário, ela sabe que sem ela ele já não pode divertir-se, jogar as cartas, terá de comprar um baralho novo, e ela se sente vingada com tamanha desatenção.
Reflete, sorri, percebe que aquela carta ali parada no portão da sua casa quer lhe dizer que o que ela merece é isto mesmo, um três de espada, um coração invertido, entretanto, consola-se, nem tudo esta perdido, o três pode ser a salvação de tudo, pode ser  que a carta seja o anúncio da estabilidade que tanto procura, seja emocional, seja financeira. Agradece, abre outra vez o portão, e, para seu espanto, a carta não está mais lá, foi-se, como tudo na sua vida; desapareceu deixando apenas a marca da sua efêmera passagem.