segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Uma dolorosa despedida


São os últimos dias que estará com Portugal e com a sua querida esposa: tem estado triste a percorrer as ruelas e escadas de Lisboa. Continua, depois de oito anos, a descobrir tanta coisa nova, coisas que Portugal esconde muito bem aos olhos famintos dos turistas que procuram conhecê-lo,o que ele quer guardar para si e para os seus. É como se quisesse guardar algumas coisas só para ele, para, juntamente com a sua bela consorte, deleitar-se sem testemunhas.
Está mesmo com a alma doente, ela não se quer ir, mas tem de ir, não tem opções, tudo o que tinha de fazer aqui já está feito, não pode mais prolongar a sua estada. Portugal lhe deu os títulos que ela tanto almejou, mas lhe retirou muita coisa, a exemplo da alegria de retornar a casa. Ela não quer isto, quer ficar aqui, mas  não pode mesmo, não tem quaisquer condições, seja financeira, seja emocional, precisa voltar, ela bem sabe, até porque quer tentar outra vez uma nova vida ao lado de quem pode, ao menos, tentar lhe fazer feliz. 
Tem de retomar a sua vida sem a presença deste amigo. Mas como? Pergunta. Como vai fazer sozinha naquela vastidão que é a sua terra? Com quem vai partilhar as suas emoções?  Com quem se emocionará tanto?  O que irá fazer aos sábados pela manhã, aos domingos à tarde? E na semana? Em que biblioteca, em que centro de saber irá se esconder para crescer? Não, ela não terá mais oportunidades de ir até Cascais ver o mar, ir ao Estoril olhar as pessoas a tomar sol, aproveitando até o último raio possível; enquanto há luz, estão ali estirados ao sol, como se quisessem estocá-lo dentro de si.
Se antes sempre havia uma esperança de retorno, agora, infelizmente, um retorno poderá acontecer, mas jamais ela poderá quedar-se assim, tão perto e por tanto tempo junto do seu grande amigo.
Chora, olha o Rossio, a bela estação se apresenta aos seus olhos, tira foto, não quer nunca se esquecer desta maravilha arquitetônica, olha a Avenida da Liberdade e vê que a sua própria liberdade está fugindo do seu controle, já não pode decidir sozinha a sua vida, tem de esperar pelos outros, não tem mais de onde tirar o vil metal que a faria ficar aqui, vivendo condignamente, morando bem e procurando o saber.
Pensa nisto e olha a “montra” do restaurante “ Beira Gare”; olha as bifanas, os empanados, os”pastéis de bacalhau” os risoles, e tantas outras coisas. Vê as pessoas passarem, turistas, muitos mesmos. Segue o caminho, quer andar em tudo, olhar tudo, ver os detalhes, para não se esquecer de nada. Passa pelo Rossio; o teatro continua ali, imponente. Segue até o Largo de São Domingos, tira foto da Rua das Portas de Santo Antão, lembra: quantas e quantas vezes passou por ali para ir até à Sociedade de Geografia.  Sente uma dorzinha no peito, sabe que dificilmente voltará ali para passar manhãs e tardes procurando nos Boletins Oficiais das Colônias as informações para o seu trabalho. Sente lágrimas escorrendo pela face, quer esconder, mas não consegue, o sentimento é maior que o seu racional.
Olha em volta, o Largo de São Domingos, multicultural como é, está como sempre: bêbados falam sozinhos, discutem consigo próprio o esporte e concluem: "O melhor time do momento é mesmo o Barcelona”, este comentário lhe refaz um pouco, ela sorri e tira mais fotos, muitos negros estão ali; alguns demonstram a sua religião; são muçulmanos. As mulheres estão com as suas vestes típicas. O estampado é realmente bem escolhido, os modelos originalíssimos. Nas cabeças adornadas, mais panos brilhantes e coloridos. É uma festa. Ela tenta se concentrar nestas cores e na alegria que elas transmitem, mas é por pouco tempo, porque a nostalgia, de novo, lhe invade, exatamente pelo fato de que lembra que não mais verá isto.
Resolve andar mais um pouco, entra na rua onde se vende “ouro”, hoje não percebeu ciganos comprando ouro, há muitos negros e indianos, mas não vê ciganos. Pessoas mal cheirosas passam por si, ela hoje nem liga para isto, já não vai mesmo sentir mais estes cheiros, mas há um cheiro mais forte que ela sabe que não vai esquecer, embora saiba que dificilmente sentirá este aroma no Brasil, é o do “carril”, tem indianos que exalam carril do próprio corpo, deve ser de comer tanto com este condimento.
Chega à Praça Martim Moniz. A Praça ganhou beleza, e perdeu os seus habituais visitantes, agora, a praça esta valorizada, e as pessoas  de bem podem frequentá-la.  Acha louvável, mas a tipicidade da praça deixou de existir. Agora a tradicional família portuguesa pode visitá-la sem sustos. Não se sabe o que fizeram com os antigos “habitues” dali: drogados, prostitutas, bêbados.  
Há muitos quiosques na Praça, você pode escolher; petiscos e comidas: africana, brasileira, chinesa, indiana. Há artesanato na Praça,  sempre há música. Na sexta feira, dia 05 de outubro, a Mariza cantou na Praça terminando o show com “Gente da minha terra”, que só ela, mais ninguém, sabe cantar, foi efetivamente lindo.
Isto lhe faz recordar, exatamente, o show na semana anterior em que viu, “grátis
”, Ney Matogrosso em concerto ao ar livre em plena Praça do Comércio em Lisboa.  O cenário não poderia ser mais perfeito: a Praça fica em frente, completamente em frente, ao Tejo, que se fez calado para ouvir o cantor e se preparou para, no dia seguinte, domingo, ouvir e ver a sua encantadora compatriota, a Carminho, e depois Martinho da Vila, dentre outros que por ali passaram também. E ai, pensa ela: onde e como eu farei isto em Salvador da Bahia? De novo sente as lágrimas escorrerem pela sua face, disfarça e tenta enxugá-las por baixo dos óculos escuros com o qual tenta, sem qualquer sucesso, esconder o que lhe vai mesmo ao peito.
O dia seguinte esta lindo, parece que Lisboa não quer que ela vá embora mais triste e não recebe o outono, prolonga a estada do verão de qualquer maneira, está com temperatura de 30 graus e ela decide ir à feira da ladra, é sábado, e, portanto uma bela programação.   Vai ver coisas extraordinárias, adora ir ali. Se tivesse dinheiro e morasse em Portugal, certamente, muitas coisas da sua casa sairiam dali, daquela feira onde se encontra de tudo, do melhor ao pior, do novo ao velho, do antigo a velharias mesmo, do original ao falsificado, enfim.
Passa pela feira, vê relógios, pratarias, pratos que ela particularmente adora, panos indianos, máscaras africanas, fotos, livros, postais, muitas e muitas coisas lindas. Desta vez comprou apenas um elefante pequenino e dois panos indianos, que o homem lhe explica ser um “sári”, ela diz que compra não para usar como roupa, e sim como colcha de cama ou toalha de mesa; os panos são lindos e ela tem de sair apressada da barraca do indiano porque não tem dinheiro e nem espaço para levar estas coisas para o Brasil.
Sai da feira da ladra e entra por ruas nunca antes, por ela, percorridas. E uma nova Lisboa se apresenta nova por ser nunca antes visitada por ela: ruas, ruelas, escadinhas se apresentam, muitas novas Igrejas aparecem em muitos becos em que ela entra e pensa que não conseguirá sair, mas isto é impossível, há sempre uma alternativa.  Anda muito, anda muito mesmo pela Alfama, por seu becos e escadarias; não se perde porque sabe que, em descendo, vai dar sempre no Tejo, o seu guia, o seu companheiro de sempre, que não lhe falta nas horas tristes e de aflição, portanto não se preocupa mesmo, não quer, sequer, saber onde está, sabe que ele vai tá lá embaixo e que algum beco, alguma escadaria, alguma ladeira, vai fazê-la chegar á ele.

Desce tudo, sai em Santa Apolônia, decide que vai a Cascais, anda até o Cais Sodré, quando lá chega lembra que o comboio está em greve, hora de arrumar outra coisa a fazer, recorda, então, de Santa Catarina, e vai até o elevador da Bica. Sobe e pensa em comer um chouriço assado, e é o que faz, toma alguns chopes. Fica ali até mais tarde e resolve voltar, desce em direção ao Chiado, passa pela porta do Consulado Brasileiro na Praça Camões, e continua descendo em direção ao Rossio. É sempre um deleite quando chega à Praça. A vida está ali, a multiculturalidade, tudo enfim, e a sua vida também, só que ali vai ficar um pouco dela, que não retornará junto consigo para a sua terra.

No domingo, como sempre que tem oportunidade faz, vai a "feira do relógio", ela gosta,gosta de tudo, de ver tantas e tantas etnias juntas,  a multiculturalidade resplandece: brasileiros, russos, portugueses, africanos, ciganos, ucranianos,  ali ninguém é estrangeiro, todos comungam um mesmo sentimento e um mesmo objetivo, diversão e comprar  alimentos  mais baratos; roupas, sapatos, perfumes, bolsas de marca, o mundo da falsificação em uma realidade que reina absoluta mostrando a verdade nua e crua. Todos querem ter acesso a uma Lui Vuiton, Prada, Dolce Gabanna, Gucci, etc. Ela não compra, adora ver as "brasileiras" comprando. Vão levar para o Brasil e vão tentar enganar os trouxas, embora ela mesma já tenha  tido  uma encomenda de uma carteira Lui Vuiton, não comprou claro, tem vergonha, sempre achou que se não pode ter a original, certamente, não se falsificará usando uma "falsa".
Novamente ela  volta ao Rossio, é o seu ponto de referência, dali ela vai poder ir para onde quiser sempre, mas não pode ficar o tempo todo na rua e ela tem de voltar à casa.
É inevitável, a emoção toma conta de si e ela caminha lentamente em direção ao táxi, que a levará até Carnaxide, e no táxi, mais uma vez, ela lembra que terá muitas saudades, saudades mesmo, pois em muitos deles ouviu galanteios, não levados a sério mesmo, afinal. . Mas é sempre bom ouvir, embora de maneira não muito elegante, “que você ainda dá umas curvas” e coisas do tipo.
Chega a casa, fica pedindo que a dona da casa não esteja, não é por nada, é porque está mesmo soluçando, e não quer que ela participe desta tristeza.  Chega ao seu quarto e abre à janela, o Tejo está lá, quieto, hoje parece estar triste, não tem ondas, está calmo, fica de lá tentando lhe dar coragem e lhe confortar. Ela agradece, fecha a janela, deita, tenta dormir, afinal, amanhã é outro dia e, quem sabe o seu amigo e a sua esposa lhe façam outra surpresa!

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