Sim, a gente ia
entrando na casinha, digo casinha porque esta especifica casa de minha avó
Antonieta parecia uma casa de bonecas. Tinha, salvo engano, um quarto, uma sala
comprida, um banheiro a cozinha e uma área.
Do lado esquerdo da sala, onde ficava o quarto e o banheiro, entre um e
outro, havia um mínimo hall e ali, uma mesinha mínima com um pequeno nicho com
santos e a “lamparina”, que, diuturnamente, permanecia acesa, como para iluminar aquele
espaço e todos dentro daquela casa.
Feira da Ladra em Lisboa |
A da casa de minha vó
queimava mesmo muito lentamente, era bem pequenininha, ficava mesmo, acho eu,
num copo. Antigamente vendia-se um artefato de madeira ou de cortiça, não me
lembro bem; que era adequado para isto, para que o pavio fosse colocado e ficasse
a beira d`água.
Lembro-me perfeitamente
da claridade que era produzida pela lamparina, tinha a nítida impressão que ela
trocava de cores, as vezes apresentava-se bem amarela, outras vezes vermelha,
como sou louca, pode ser que tenha visto
algum raio azul saindo dali; lógico que tinha de ser assim, a lamparina parecia uma bailarina movimentando-se ao sabor do vento e deixando aparecer as cores
da sua bela saia., mas o fato é que aquele espaço da casa ficava sempre
iluminado, servia, inclusive, de guia para minha tia, que fazia muito xixi à noite, ir diretamente ao banheiro sem
se bater em nada e acordar os demais “dormidores” da habitação.
Candeeiro - Feira da Ladra em Lisboa |
Numa casa grande tinha
de ter vários candeeiros, até porque eram eles que iluminavam tudo mesmo, pois
não tínhamos, à época, energia. Em
determinado tempo, acho que por
quebramos as “mangas”, improvisávamos
candeeiros com frascos de vidro,
lembro-me que estes pequenos ornamentos
eram chamados de “fifó”, (lampiões, bibianos) não me
perguntem onde acharam este nome, mas
ele é tão feio quanto o próprio artefato. Metíamos o combustível, o tal do pano
(pavio) e improvisávamos uma tampa com um furo por onde o pano teria de passar;
algumas pessoas mais abastadas adquiriam este condutor (que parecia um barbante
bem grosso), nós, mais lenhados, tínhamos de improvisar tudo, e lá se iam os
panos velhos e mais grossos, que eram trançados para não se desmancharem e
colocados dentro do frasco.
O “fifó”, claro, não
tinha “manga” e, portanto, o deslocamento com ele era uma “fatalidade”;
fatalidade porque se estivéssemos em algum lugar perigoso, em que pudéssemos
cair, escorregar, etc., estávamos fudidos, porque ele se apagava e a pessoa
caia e se arrebentava toda. Tínhamos de andar com o "fifó" e
um fósforo para as emergências. Eu ficava muito puta da vida quando tinha de ir
ao banheiro da minha velha casa em Camaçari. A zorra do banheiro, se é que
aquilo se podia chamar disto, era um quartinho em que existia uma base e um
buraco e era ali que você satisfazia as suas necessidades, eu morria de medo,
sempre achei que daquele buraco ia sair algum bicho e entrar em mim, acho que até
hoje tenho prisão de ventre por isso, era uma questão de defesa. Rapaz quando
eu tava ali no meio da situação e a porra do “fifó” apagava, não nego não: era
mesmo um deus nos acuda, eu fazia um pequeno escândalo, já cheguei a sair
correndo do banheiro ainda com a porcaria pendurada, sem saber se entrava ou
saia, a merda tomava o mesmo susto que eu e ficava ali sem saber para onde ir,
se se recolhia novamente, ou se seguia o seu próprio destino que era abandonar o
meu corpo.
Não riam não! O caso
era sério mesmo, pensem aí, uma criatura de sete ou oito anos passando por uma
situação desta, quanto pior em um lugar onde diziam que tinha um rapaz que, em
noite de lua, virava lobisomem.
Feira da Ladra - Lisboa |
Pois é, preferia
eu a lamparina da casa de minha “vó nieta”,
penso que ela me dava uma paz imensa. É isso mesmo, acho que gostava tanto da
lamparina, apesar de não gostar do cheiro, por causa daquela luz que ela
produzia, da penumbra que muitas vezes presenciou
o meu choro, a minha alegria, a minha euforia
“alcoólica” ao lado dos meus adoráveis tios”. A lamparina da casa da
minha vó não era para iluminar a casa, e
sim a vida, por isso mesmo, ela foi atemporal,
tanto que já eu uma “advogada”, “mater familia”, “responsável”,
ainda muitas vêzes senti o cheiro do óleo e fui iluminada pela luz da lamparina da casa da
minha avó.
Minha avó se foi, com
ela a lamparina, mas a luz das duas ainda segue, em muitas oportunidades,
iluminando a todos que aprenderam a gostar da segunda por respeito à primeira,
que nunca deixou de “expandir” a luz,
mesmo quando, na cadeira de diretor de cinema, ficava sentadinha no seu canto
sossegada e calada expressando-se tão somente com o “olhar”, que soube
refletir, como as suas grandes mãos, o amor que ela não sabia dar com gestos de
carinho, embora eu fosse privilegiada em tudo, porque para mim e, especialmente
para mim, até enquanto ela pode, fez: “rim com batatinhas”, “lombo com graxa”; “quiabada”
“vatapá” e tantas outras coisas que ela sabia que eu adorava, e mais que tudo
isto; “a minha bela e exclusiva colcha de fuxico com barras verdes da cor de
esmeralda”.
Vó, onde você tiver,
obrigada por tudo, pela luz, pela colcha, pelos mimos.Você e eu sabemos o
quanto, no silêncio de ambas, nos amamos e nos respeitamos, sinto-me lisonjeada
por isto, porque sei o quanto, da sua maneira, você vibrou com cada vitória
desta sua neta, que era uma espécie de “ovelha
negra” mas na qual você sempre confiou e hoje sei, orgulhou-se. Um beijão e que
todas as lamparinas estejam acesas onde a senhora estiver.
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