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sábado, 16 de setembro de 2017

Quem encontrar, não deixe escapar

 Cada encontro uma festa, cada olhar uma emoção, cada toque um verdadeiro calafrio.
Sim, era assim que vivia aquele imenso amor. Não tinham vergonha de nada, nem mesmo de demonstrar o amor que sentiam um pelo outro. Bem verdade que ela não gostava de agarramentos em público, mas também nem precisava, todos que os olhavam sabiam que ali existia amor, cumplicidade, paixão.
A cada dia uma nova descoberta do outro, a cada momento um conhecer, seja de defeito seja de qualidades.
Qualidades! Sim, ambos as tinham: ele muito mais que ela, pois tinha uma virtude imensa, que era a paciência. Ela muito menos paciente, dir-se-ia até mesmo nervosa, mas ele classificava o nervosismo dela como ansiedade.
Brigavam, sim, brigavam, ou melhor, tinham desentendimentos, a maioria deles provocados  por ela, mas nada que um pedido de desculpa não resolvesse, as vezes nem necessitava a desculpa, um simples olhar e já estava tudo mais de que esquecido.
Nunca viveram juntos, é verdade, e talvez por isso mesmo é que as coisas funcionassem tão bem. Ambos ficavam saltitantes quando marcavam alguma coisa, uma festa, um show, um passeio, um café, enfim, só a perspectiva de estarem juntos já era suficiente para que a emoção estivesse á flor da  pele
Ela se arrumava para encontra-lo, embora ele a achasse linda de qualquer maneira, aliás ele tinha verdadeira tesão pela calça jeans, camisa, um cinto largo e as velhas botas de cano alto, complementados pelo casaco e cachecol.  Ele sempre dizia que ela ficava maravilhosa de saltos altos, parecia uma artista. Sim, ela bem o sabia, este tipo de roupa lhe caia bem, mas quando ela estava de saia, vestido, era a mesma coisa, o olhar dele brilhava do mesmo jeito.
Sabia quando ela estava com uma peça nova.   Percebia quando ela aparava, minimamente, os cabelos. Se mudava o tom da pintura dos cabelos ele não deixava passar desapercebido. Quando não gostava do que ela vestia, simplesmente nada dizia, tempos depois, comentava que aquela roupa não lhe favorecia muito.
Ela estava encantada, um homem como aquele nunca passara pela sua vida, parecia que ele adivinhava os seus pensamentos, aflições, tudo.
Se gripava, lá vinha um chazinho de limão quentinho. Dor de estomago, um chazinho de erva doce, uma dor de cabeça uma grande preocupação. Se estava deitada com algum problema, lá estava ele, juntinho dela, alisando a sua cabeça, ou apenas segurando a sua mão.
Adorava quando ele sabia que ela estava preocupada, chorosa por algum motivo, ele deitava e fazia com que ela deitasse e repousasse a cabeça sobre o seu peito e ficava ali lhe fazendo carinho horas a fio.
Sabia respeitar tudo, cansou de deixa-la sozinha porque ela precisava estar só naquele momento, ele percebia e não lhe questionava, pois entendia que era o melhor para ela fazer a sua introspecção.
Adoravam visitar lugarejos, lugares pequeninos, onde a vida parecia ter estacionado no século XVIII. Ruínas, muralhas, aquedutos, igrejas: quantas visitadas, ele até perguntava-lhe quando estavam chegando em algum lugarejo  pela primeira vez:  Primeiro a Igreja não é?  Sim, primeiro sempre a Igreja.
Gostavam de sentar em mesas  das tendas que eram armadas nos dias de feira destes pequenos lugarejos. Como se divertiam.
Qualquer programa estava bom para eles, de feiras aos domingos pela manhã, a discotecas. O que gostassem é que seria o programa do dia.
Divertiam-se muito, muito mesmo, mas tudo tem de ter um começo, um meio e um fim. E chegou o dia do fim deles. Tristes, chorosos, uma despedida que parecia tão remota, mas que tinha de acontecer. Ele teria que arrumar algo para fazer em outro lugar, pois onde residia as coisas estavam complicadas, e ele iria procurar novos horizontes. Ela, por sua vez, acabara tudo o que fora fazer naquelas paragens, não havia mais como continuar vivendo ali. Forçados a uma separação que não queriam, num triste dia de outono, cada um para o seu lado, e   pronto, tudo acabado, Resta, de tudo isto, ao menos para ela, uma lembrança boa: conheceu um homem com alma feminina, um homem que sabia dos sentimentos de uma mulher e da importância de um carinho, de uma palavra, de um gesto, de um olhar. Um homem que respeitou tudo, até mesmo os seus calundus.
Ela só pode agradecer e pedir que, onde ele estiver, esteja bem e distribuindo, se não amor, mas o seu olhar, o seu carinho, a sua atenção, seja para uma mulher, seja para quem precisar de um amigo, de um companheiro.

Saudades. 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Era só para para olhar o rio


Rio Jacuipe  Ba
A tarde seguia calma o seu rumo, a preguiça dominava o espaço, na mesa ao lado um casal de amantes, amantes mesmo, tudo levava a crer que esta era uma verdade incontestável. Um homem mais velho e uma mulher jovem, bem mais jovem de que ele, embora não fosse nenhuma menina.  A sua postura demonstrava um pouco do seu estilo: estava sentada de pernas abertas com um minúsculo biquíni que lhe deixava a mostra as ancas celuliticas, o contorno do púbis e mais outros detalhes, também sórdidos, do seu corpo. O cabelo pintado de claro, mais para o ruivo, completava um quadro nada recomendável, mas o homem, um mulato alto de bigode olhava para aquilo tudo, aquela massa de carne espalhada com um tesão imenso, horripilante para a observadora, que tinha ido ali para espairecer, esquecer os seus problemas, ver a natureza e pedir ajuda para a solução de alguns entraves, um olhar que só os amantes têm, pois com a mulher do dia a dia, de há muito aquele tesão já tinha acabado, quando muito, despertava em notívagos e solitários encontros.
A observadora fora olhar o rio, diferente do que estava acostumada a olhar, diferente em tudo, mas as águas correntes tinham um dom de apaziguar sua alma e foi o que fora fazer independente do nome que o rio tomasse. 
Um cheiro forte de mato tirou a sua atenção do casal que se preparava para ir-se embora. Conhecia aquele cheiro, demorou alguns segundos para identificá-lo, mas finalmente – Marijuana - sim alguém, muito próximo estava fumando um charo, com certeza; aquele cheiro era inconfundível. Olhou para os lados, para baixo do local onde estava, mas não conseguiu localizar de onde vinha o cheiro, mas estava muito próximo.
Na casa ao lado, um espanhol galego, o “x” na pronúncia denunciava a região de onde vinha, falava muito e alto, por isso mesmo, apesar da distância onde se encontrava, percebeu que o homem queria comprar um imóvel nas proximidades e discutia os tramites com um brasileiro, possivelmente quem se encarregaria da compra aqui no Brasil. Olhou para o lado, o espanhol estava deitado numa rede, curtindo a preguiça à brasileira, para eles, com certeza, a “siesta” necessária para o físico. Sorriu do pensamento que teve: se fosse um brasileiro, baiano então, que ali estivesse naquele horário, fazendo nada, deitado na rede e pitando um cigarrinho, que poderia ser de maconha até, era simplesmente um “preguiçoso”, mas tratava-se de um estrangeiro, provavelmente em férias, que, no seu país, àquele horário, estaria, não numa rede, mas numa poltrona, num sofá, ou até mesmo em uma cama, tirando uma “siesta”. O mundo é mesmo engraçado, sorriu e voltou a concentrar-se no rio.
O casal  já está de pé  e ela pode ver a mulher por inteiro, ao vivo e a cores.  O biquíni minúsculo para aquele avantajado corpo deixava a mostra as duas bandas da bunda, porque era do tipo fio dental, também, ainda que não fosse com todo aquele volume ele iria recolher-se de qualquer maneira, até mesmo por pura vergonha; não se pode mostrar tanta coisa feia, e ele talvez não quisesse ser parte daquilo. A mulher coloca um ridículo chapéu e uma saída de praia, um daqueles vestidinhos brancos que estão bem na moda, pelo menos para alguns, vende-se em todos os lugares praianos pendurados em portas de loja de baixa categoria em cabides desbotados pelo sol.   Pensando ela que estava bem, segue junto ao seu “macho”, que “orgulhosamente” lhe segura a sua mão, demonstrando que aquele monte de carne lhe pertence e que, agora ia devorar pedaço por pedaço daquilo que, para a observadora, poderia causar a maior indigestão possível, mas gosto é gosto, vai se fazer o que!
O outro lado rio Jacuipe
Com a saída do casal fica sozinha no espaço, a mesa onde está sentada é realmente em frente ao rio. Na margem a água é muito clara, pode identificar pedras, pedrinhas, peixinhos até, é realmente lindo. O rio não é largo, e quando a maré está seca você pode até atravessá-lo e alcançar o outro la do, onde ainda existe uma mata e a natureza mostra os seus dotes Já esteve do outro lado, não atravessou nem a pé e nem nadando, passou de canoa.  É lindo e maravilhoso, mas não gosta de pisar em lama: e do outro lado há lama, não gosta mesmo, e por isso mesmo, numa mais o atravessou, consola-se em olhar de cá, donde está, para lá.
Pensa, vê peixes que querem voar, saltando até onde conseguem para fora d’água, um cardume grande encrespa a água calma, que denuncia, apesar disto, correntezas. Em  alguns  lugares do rio há redemoinhos, olha aquilo  e pensa em furacão, associa  o cone que o furacão forma com aquilo, e fica imaginando o que aconteceria de  realmente fosse assim, se   um redemoinho daquele tivesse a mesma força do furacão sugando alguém para as profundezas.  Que droga, pensa! Por que este pensamento? Quero apenas curtir esta paz. De repente, entretanto, um som de um motor afasta tudo, até os peixes correm para se esconder. Um “Jet Ski” (deve ser assim que escreve) potente se aproxima.   O homem que está pilotando é careca, gordo, de cabeça achatada. Está sem colete, passa muito rápido e faz piruetas. Quer se amostrar. Vai até a foz do rio que é bem próxima do lugar onde ela se encontra, e desaparece. Outro “Jet” se aproxima, este é todo pretão, enorme, novamente a paz é quebrada, e o veículo vai juntar-se ao que passara antes.
Rio Jacuipe
Agora o ronco é mais poderoso e ela vê uma lancha aproximar-se ela vem a uma velocidade bem alta para o local Há pessoas nela, e bem em frente ao local onde ela se encontra a lancha para. Há o condutor e mais dois homens e três mulheres. Estão bebendo.  Pela aparência de todos, ela deduz: ou são jogadores de football em dia de folga, ou são “traficantes” em diversão.  Os relógios dourados nos pulsos de, ao menos dois deles, lhe convencem. Os cabelos dos dois que saem da lancha são do estilo “moicano”, agora todo mundo usa ele, o Neymar conseguiu.  O homem que guia a lancha tem a cor clara, está visivelmente orgulhoso de poder estar ali com aquelas donzelas, que sentadas no fundo da lancha seguram as suas latinhas de cerveja. Os cabelos, e talvez por causa dele mesmo elas permaneceram na lancha,  são completamente “lisos”, cortados na moda, meio desfiados; a observadora não gosta, mas a sua opinião não interessa: “as gatas” estão na moda, aliás, todos ali estão na moda:  os cabelos os adereços, enfim.
Ficam ali parados, o som que vem da lancha é horrível, um daqueles arrochas que falam em “vou comer você todinha” coisas assim. As moças se remexem dentro do barco, o homem de cor clara pega uma delas pela cintura, traz o seu corpo para o dele, que já está na posição certa, ele enfia-se atrás dela, ela parece não se importar. Os outros dois que desceram da lancha retornam, levam mais cerveja para o barco. Felizmente, para a observadora, a lancha se afasta e vai para o mesmo lugar onde os “jets” estão parados.  Ancora ali e ela vê uma das moças sair do barco e saltar para um dos "jets", o primeiro que passou. Evidente que o condutor tinha de se amostrar e com a mulher agarrada á sua cintura, passa pela frente da observadora a todo vapor para demonstrar a sua habilidade 
Fica imaginando qual será o comentário que aquelas “moças” farão quando chegarem a casa, se é que têm casa; esnobarão os vizinhos, dirão que passearam de lancha e andaram de "Jet", alguns acreditarão, outros, com certeza, não; uns expressarão o que pensam das moças: “piranhas”, aliás nome apropriado: estavam no rio pois não? 
Igreja Sto. Antonio   Jacuipe
Que merda! Pensa ela: Queria tanto estar aqui em paz, mas parece ser impossível. Resolve então sair dali, voltar para a sua casa, tentar encontrar a paz para resolver as suas dúvidas literalmente sozinha, ao menos sem o barulho dos "jets", de barcos e é o que faz.
Chega a casa: livrou-se do barulho da lancha e dos "jets", mas não do arrocha, ao menos hoje aliviado, porque é Silvano Sales, acha ela, que canta "Este cara sou eu".
Pensa: Melhor é voltar para o lugar de onde veio, há alguns dias atrás, lá, ao menos, consegue, mesmo numa solidão compartilhada com muitos, olhar o rio e, muitas vezes, mesmo chorando, encontrar paz. Lá ela tem a cumplicidade da distância, que lhe faz, ao menos, alienar-se de muitas coisas e a do seu querido amigo Tejo.   

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Uma dolorosa despedida


São os últimos dias que estará com Portugal e com a sua querida esposa: tem estado triste a percorrer as ruelas e escadas de Lisboa. Continua, depois de oito anos, a descobrir tanta coisa nova, coisas que Portugal esconde muito bem aos olhos famintos dos turistas que procuram conhecê-lo,o que ele quer guardar para si e para os seus. É como se quisesse guardar algumas coisas só para ele, para, juntamente com a sua bela consorte, deleitar-se sem testemunhas.
Está mesmo com a alma doente, ela não se quer ir, mas tem de ir, não tem opções, tudo o que tinha de fazer aqui já está feito, não pode mais prolongar a sua estada. Portugal lhe deu os títulos que ela tanto almejou, mas lhe retirou muita coisa, a exemplo da alegria de retornar a casa. Ela não quer isto, quer ficar aqui, mas  não pode mesmo, não tem quaisquer condições, seja financeira, seja emocional, precisa voltar, ela bem sabe, até porque quer tentar outra vez uma nova vida ao lado de quem pode, ao menos, tentar lhe fazer feliz. 
Tem de retomar a sua vida sem a presença deste amigo. Mas como? Pergunta. Como vai fazer sozinha naquela vastidão que é a sua terra? Com quem vai partilhar as suas emoções?  Com quem se emocionará tanto?  O que irá fazer aos sábados pela manhã, aos domingos à tarde? E na semana? Em que biblioteca, em que centro de saber irá se esconder para crescer? Não, ela não terá mais oportunidades de ir até Cascais ver o mar, ir ao Estoril olhar as pessoas a tomar sol, aproveitando até o último raio possível; enquanto há luz, estão ali estirados ao sol, como se quisessem estocá-lo dentro de si.
Se antes sempre havia uma esperança de retorno, agora, infelizmente, um retorno poderá acontecer, mas jamais ela poderá quedar-se assim, tão perto e por tanto tempo junto do seu grande amigo.
Chora, olha o Rossio, a bela estação se apresenta aos seus olhos, tira foto, não quer nunca se esquecer desta maravilha arquitetônica, olha a Avenida da Liberdade e vê que a sua própria liberdade está fugindo do seu controle, já não pode decidir sozinha a sua vida, tem de esperar pelos outros, não tem mais de onde tirar o vil metal que a faria ficar aqui, vivendo condignamente, morando bem e procurando o saber.
Pensa nisto e olha a “montra” do restaurante “ Beira Gare”; olha as bifanas, os empanados, os”pastéis de bacalhau” os risoles, e tantas outras coisas. Vê as pessoas passarem, turistas, muitos mesmos. Segue o caminho, quer andar em tudo, olhar tudo, ver os detalhes, para não se esquecer de nada. Passa pelo Rossio; o teatro continua ali, imponente. Segue até o Largo de São Domingos, tira foto da Rua das Portas de Santo Antão, lembra: quantas e quantas vezes passou por ali para ir até à Sociedade de Geografia.  Sente uma dorzinha no peito, sabe que dificilmente voltará ali para passar manhãs e tardes procurando nos Boletins Oficiais das Colônias as informações para o seu trabalho. Sente lágrimas escorrendo pela face, quer esconder, mas não consegue, o sentimento é maior que o seu racional.
Olha em volta, o Largo de São Domingos, multicultural como é, está como sempre: bêbados falam sozinhos, discutem consigo próprio o esporte e concluem: "O melhor time do momento é mesmo o Barcelona”, este comentário lhe refaz um pouco, ela sorri e tira mais fotos, muitos negros estão ali; alguns demonstram a sua religião; são muçulmanos. As mulheres estão com as suas vestes típicas. O estampado é realmente bem escolhido, os modelos originalíssimos. Nas cabeças adornadas, mais panos brilhantes e coloridos. É uma festa. Ela tenta se concentrar nestas cores e na alegria que elas transmitem, mas é por pouco tempo, porque a nostalgia, de novo, lhe invade, exatamente pelo fato de que lembra que não mais verá isto.
Resolve andar mais um pouco, entra na rua onde se vende “ouro”, hoje não percebeu ciganos comprando ouro, há muitos negros e indianos, mas não vê ciganos. Pessoas mal cheirosas passam por si, ela hoje nem liga para isto, já não vai mesmo sentir mais estes cheiros, mas há um cheiro mais forte que ela sabe que não vai esquecer, embora saiba que dificilmente sentirá este aroma no Brasil, é o do “carril”, tem indianos que exalam carril do próprio corpo, deve ser de comer tanto com este condimento.
Chega à Praça Martim Moniz. A Praça ganhou beleza, e perdeu os seus habituais visitantes, agora, a praça esta valorizada, e as pessoas  de bem podem frequentá-la.  Acha louvável, mas a tipicidade da praça deixou de existir. Agora a tradicional família portuguesa pode visitá-la sem sustos. Não se sabe o que fizeram com os antigos “habitues” dali: drogados, prostitutas, bêbados.  
Há muitos quiosques na Praça, você pode escolher; petiscos e comidas: africana, brasileira, chinesa, indiana. Há artesanato na Praça,  sempre há música. Na sexta feira, dia 05 de outubro, a Mariza cantou na Praça terminando o show com “Gente da minha terra”, que só ela, mais ninguém, sabe cantar, foi efetivamente lindo.
Isto lhe faz recordar, exatamente, o show na semana anterior em que viu, “grátis
”, Ney Matogrosso em concerto ao ar livre em plena Praça do Comércio em Lisboa.  O cenário não poderia ser mais perfeito: a Praça fica em frente, completamente em frente, ao Tejo, que se fez calado para ouvir o cantor e se preparou para, no dia seguinte, domingo, ouvir e ver a sua encantadora compatriota, a Carminho, e depois Martinho da Vila, dentre outros que por ali passaram também. E ai, pensa ela: onde e como eu farei isto em Salvador da Bahia? De novo sente as lágrimas escorrerem pela sua face, disfarça e tenta enxugá-las por baixo dos óculos escuros com o qual tenta, sem qualquer sucesso, esconder o que lhe vai mesmo ao peito.
O dia seguinte esta lindo, parece que Lisboa não quer que ela vá embora mais triste e não recebe o outono, prolonga a estada do verão de qualquer maneira, está com temperatura de 30 graus e ela decide ir à feira da ladra, é sábado, e, portanto uma bela programação.   Vai ver coisas extraordinárias, adora ir ali. Se tivesse dinheiro e morasse em Portugal, certamente, muitas coisas da sua casa sairiam dali, daquela feira onde se encontra de tudo, do melhor ao pior, do novo ao velho, do antigo a velharias mesmo, do original ao falsificado, enfim.
Passa pela feira, vê relógios, pratarias, pratos que ela particularmente adora, panos indianos, máscaras africanas, fotos, livros, postais, muitas e muitas coisas lindas. Desta vez comprou apenas um elefante pequenino e dois panos indianos, que o homem lhe explica ser um “sári”, ela diz que compra não para usar como roupa, e sim como colcha de cama ou toalha de mesa; os panos são lindos e ela tem de sair apressada da barraca do indiano porque não tem dinheiro e nem espaço para levar estas coisas para o Brasil.
Sai da feira da ladra e entra por ruas nunca antes, por ela, percorridas. E uma nova Lisboa se apresenta nova por ser nunca antes visitada por ela: ruas, ruelas, escadinhas se apresentam, muitas novas Igrejas aparecem em muitos becos em que ela entra e pensa que não conseguirá sair, mas isto é impossível, há sempre uma alternativa.  Anda muito, anda muito mesmo pela Alfama, por seu becos e escadarias; não se perde porque sabe que, em descendo, vai dar sempre no Tejo, o seu guia, o seu companheiro de sempre, que não lhe falta nas horas tristes e de aflição, portanto não se preocupa mesmo, não quer, sequer, saber onde está, sabe que ele vai tá lá embaixo e que algum beco, alguma escadaria, alguma ladeira, vai fazê-la chegar á ele.

Desce tudo, sai em Santa Apolônia, decide que vai a Cascais, anda até o Cais Sodré, quando lá chega lembra que o comboio está em greve, hora de arrumar outra coisa a fazer, recorda, então, de Santa Catarina, e vai até o elevador da Bica. Sobe e pensa em comer um chouriço assado, e é o que faz, toma alguns chopes. Fica ali até mais tarde e resolve voltar, desce em direção ao Chiado, passa pela porta do Consulado Brasileiro na Praça Camões, e continua descendo em direção ao Rossio. É sempre um deleite quando chega à Praça. A vida está ali, a multiculturalidade, tudo enfim, e a sua vida também, só que ali vai ficar um pouco dela, que não retornará junto consigo para a sua terra.

No domingo, como sempre que tem oportunidade faz, vai a "feira do relógio", ela gosta,gosta de tudo, de ver tantas e tantas etnias juntas,  a multiculturalidade resplandece: brasileiros, russos, portugueses, africanos, ciganos, ucranianos,  ali ninguém é estrangeiro, todos comungam um mesmo sentimento e um mesmo objetivo, diversão e comprar  alimentos  mais baratos; roupas, sapatos, perfumes, bolsas de marca, o mundo da falsificação em uma realidade que reina absoluta mostrando a verdade nua e crua. Todos querem ter acesso a uma Lui Vuiton, Prada, Dolce Gabanna, Gucci, etc. Ela não compra, adora ver as "brasileiras" comprando. Vão levar para o Brasil e vão tentar enganar os trouxas, embora ela mesma já tenha  tido  uma encomenda de uma carteira Lui Vuiton, não comprou claro, tem vergonha, sempre achou que se não pode ter a original, certamente, não se falsificará usando uma "falsa".
Novamente ela  volta ao Rossio, é o seu ponto de referência, dali ela vai poder ir para onde quiser sempre, mas não pode ficar o tempo todo na rua e ela tem de voltar à casa.
É inevitável, a emoção toma conta de si e ela caminha lentamente em direção ao táxi, que a levará até Carnaxide, e no táxi, mais uma vez, ela lembra que terá muitas saudades, saudades mesmo, pois em muitos deles ouviu galanteios, não levados a sério mesmo, afinal. . Mas é sempre bom ouvir, embora de maneira não muito elegante, “que você ainda dá umas curvas” e coisas do tipo.
Chega a casa, fica pedindo que a dona da casa não esteja, não é por nada, é porque está mesmo soluçando, e não quer que ela participe desta tristeza.  Chega ao seu quarto e abre à janela, o Tejo está lá, quieto, hoje parece estar triste, não tem ondas, está calmo, fica de lá tentando lhe dar coragem e lhe confortar. Ela agradece, fecha a janela, deita, tenta dormir, afinal, amanhã é outro dia e, quem sabe o seu amigo e a sua esposa lhe façam outra surpresa!