quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A Casa da Torre II - Continuação

Confesso que sai do Castelo de Garcia D´Ávila ainda sem perceber direito o que tivera acontecido, no caminho vinha dirigindo o carro e querendo acreditar que tudo não passara de um sonho. Sonho! Tá doida! Você está dirigindo o seu carro, está indo para casa, e acha que foi sonho, se tivesse sonhado, neste momento estavas mortinha, estão já se viu dirigir dormindo, ainda mais em uma estrada.
O racional me dizia que fora real, que existiu mesmo aquela conversa, mas eu, por mais real que tivesse sido tudo aquilo, continuava incrédula.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Um rio na minha vida

Da minha cama, exatamente dela, vejo o Tejo, não preciso fazer qualquer esforço.  O Tejo está acabando, quero dizer, de onde o vejo neste momento, ele está encontrando o oceano para se mostrar mais e mais. 

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Diga, simplesmente, Não

“Eu lhe disse que era melhor ficar calada, mas você, como sempre, nunca segue os meus conselhos, tampouco faz caso das minhas ponderações.”
Estava evidente que isto ia acontecer, tantos anos se passaram, mas parece que nada mudou, embora ela saiba, mudou e muito, mas no relacionamento deles é como se o tempo tivesse parado.
As mesmas rusgas, as mesmas queixas, os mesmos problemas, tudo igual. Neste final de semana, entretanto, o que ela mais temia aconteceu. Um ponto de divergência enorme. Aquilo não era para ser lembrado, nem discutido, nada enfim. Para ela estava pacificado aquele entendimento, mas depois de tantos anos, o filme passou e ela não gostou do enredo, nem antes e nem agora.  Um enredo traumático, ruim de se ver. Sem a lógica necessária para um bom entendimento. Parecia um filme sem roteirista, continuista, etc., etc., até mesmo sem figurinista.
Estava espantada ao ver a reação dos espectadores, bem como dos próprios personagens. No fim do filme só o desgaste emocional da espera de um final, que já sabe, não virá tão cedo, há muita divergência entre os personagens principais, eles não se entendem em relação aos coadjuvantes, ao seu ver, um  mar de pessoas completamente desnecessárias, que nada lhe acrescem, pelo contrário, já lhe sugaram demais, arrancaram muitos ais de seu peito, já lhe deixaram sem chão, sem voz, sem alma até, por um grande período, aquele período em que os atos que lhe decepcionavam costumavam  atolar a sua alma de tal maneira, que era difícil sair. Era preciso, ou melhor: foi preciso muita coragem, tempo, e uma boa dose de auto estima.
Sim, ela passara tudo isto e saíra daquela morbidez que se impusera, embora coativamente, pois nunca desejou isto.  Fizeram tudo para que ela assim ficasse, uma imposição mesmo. Ela, desnorteada até, deixou que as coisas, os acontecimentos, a dor entrasse em   si. Demorou muito tempo, chorou, sofreu, enfim, mas conseguiu sair daquele desespero, no entanto ficou, como sempre, marcada e as marcas deixam mesmo feridas cicatrizadas, quase incuráveis, que podem, com um só gesto, uma só palavra, serem reabertas e, de novo, não com a intensidade de antes, pois o tempo faz isto, diminui a intensidade de tudo, seja do amor, seja do ódio, mas não apaga nada por completo.
Por que será que as pessoas não entendem a dor do outro?  Não sou adepta da “a dor é minha e não é de mais ninguém”. Sim, sei perfeitamente que a dor é nossa, pessoal, ninguém sofre a nossa dor e nem a sente, mas ela precisa ser respeitada. Você pode não compartilhar a dor, mas quem estar por perto de você, precisa entender a sua dor e evitar que ela se renove.
Quão mórbido é o prazer de alguém que renova a dor do alheio. Será que nunca sentiu nenhuma dor? Não falo aqui, por óbvio da dor física, embora ela possa ser consequência de uma dor interior mesmo, que fragiliza tanto o eu,  que o  corpo pode reagir a isto; falo da dor  da alma, esta que machuca tanto, tanto  que faz você esquecer de si próprio, porque ela é que passa a ser você, entra em todos os seus poros, circula em toda a sua  teia sanguínea, lhe consome por dentro.
Já passou diversas situações assim, de ficar tão debilitada interiormente que não tinha qualquer reação durante algum tempo.  Não sabe se ama tanto algumas pessoas que,  quando a decepção vem delas,  é maior do que pode assimilar! O fato é que por elas e por causa delas, tem tentado mudar, mas é difícil: quando pensa que esta curada de tudo, vem uma palavrinha, uma lembrança e tudo perdido: e o peito retoma uma frequência anterior.

 É difícil, mas não é impossível. Não se deixem pegar por qualquer dor, não sofram, não chorem. Afastem da sua vida aquilo que lhes causa qualquer dor, até mesmo um pequeno desconforto, porque ele evoluiu e pode lhe causar grandes sofrimentos, que podem ser evitados apenas com uma decisão:  “Não quero

terça-feira, 7 de novembro de 2017

A casa da Torre

Saí de Arembepe e fui até praia do Forte, com o objetivo de visitar o Castelo Garcia D´Avila – Castelo da Torre. Já fiz isto outras vezes, no entanto, hoje estou indo com os meus olhos de ver, porque li muito sobre o clã, embora com leituras que trazem, apenas as glorias e conquistas desta família.
O fundador da casa da Torre chegou ao Brasil juntamente com Tomé de Sousa, o primeiro governador geral. Certamente não era um qualquer, tinha a sua origem, se não fidalga, bem próximo de quem a tinha, no caso o governador geral, que vinha com todos os poderes para nomeações para exercícios de cargos, doações de terras, afinal era o representante do rei nessas longínquas terras brasilienses.

Chego ao castelo que está em ruínas, dizem que o estão recuperando, mas a única coisa que vejo recuperada é a pequena igreja.  Sinto-me estranha ao adentrar às ruínas, parece-me que ouço pedidos de ajuda, gemidos, gritos, vozes alteradas. Ouço vozes de crianças, mulheres, homens que pedem clemência.
Me assusto, parece-me que estou num túnel o tempo, estou em um período distante do atual,  os calafrios  me deixam gelada, os pelos estão eriçados, vejo,  perplexa, um homem caminhando em minha direção.
Fixo meu olhar na figura que cada vez mais se aproxima, percebo que não é uma pessoa do nosso tempo, suas vestes, a barba, as armas, enfim, ninguém que estava por perto quando adentrei ao local estava assim trajado, e não poderia ser diferente, ninguém mais se vestia daquela maneira, parecia uma pessoa saída dos meus livros de história.
Olho para as pessoas que estão por perto, elas não parecem assustadas, continuam percorrendo as ruinas da casa da Torre como se nada estivesse acontecendo de diferente. A figura vem se chegando mais e mais, para diante de mim: quase tenho um ataque do coração quando com um português bem diferente e com as mãos para trás ouço: Que fazes aqui? Quem és?  Como adentrastes a esta casa? Susto após susto, congelada, não tenho como responder, até tento, mas a voz não sai e vejo as mãos do homem em minha direção, tento correr e não saio do lugar, tento gritar, mas nada, não sai som algum, as pessoas passam por detrás de mim, por trás do homem, e parecem não ver nada, vou dando de ré, até me encostar na parede de pedra, que ferve, pois o castelo em ruínas não tem teto e o sol  esquenta as pedras que chegam mesmo a queimar minhas costas. O homem continua a vim em minha direção.  Lembro-me então: É o Senhor Garcia D`Ávila, o homem mais rico da Bahia?  O Sr. Da casa da Torre?
“ Me conheces?”
Tomo as rédeas; parece que tenho uma iluminação divina e digo: Quem nesta terra Brasil não vos conhece senhor?  O Senhor dos sertões nordestinos, o criador de gado que alcançou terras longínquas, do curral de Itapoã às terras  dos quatro cantos do Brasil? O homem que criou um feudo por estas terras brazilis.
“Onde vives? Que fazes aqui? És muito diferente  das  mulheres e outras pessoas  que tem acesso à minha propriedade? És acaso filha de algum dos escravos? Não pareces, tens a pele clara, vestes-te de uma maneira muito diferente.
Senhor D´Avila: se eu explicasse o senhor não entenderia, mas conheço a si e a vossa família, posso contar a sua história e se tiver erros o senhor pode corrigir, tenhas a certeza que muito me ajudará.
O Sr. veio de Portugal em companhia de Tomé de Souza,  aliás, dizem as más línguas que o Sr é filho bastardo dele. É verdade?
Eu, filho Bastardo? Quem inventou uma história desta? Rapariga, queres a morte? Estas a brincar com fogo.
Não, longe de mim, mas o Sr sabe como são as futricas, pois o vulgo diz que o Sr é filho bastardo dele, e por isso mesmo é que veio junto com ele para estas terras, e que nunca se posicionou como filho porque, se assim fizesse, não poderia receber doações, sesmarias ou exercer cargos públicos, por ser isto proibido por lei. Os governadores não podiam colocar parentes em cargos e nem fazer doações de terras.
É isto mesmo a língua do povo é assim, apenas somos da mesma região do reino, uma terrinha perto de Póvoa do Varzim, chamada São Pedro de Rates, no norte de Portugal.
-Bom se o senhor está dizendo, devo acreditar, quem sou eu para duvidar das palavras do Senhor da Torre? Sim, mas como foi que o sr. Conseguiu vim para o Brasil com Tomé de Souza? E como conseguiu ficar tão rico e ter tantas terras?
-É facto: vim com Tomé de Souza como criado do governador[1], e aqui fui por ele nomeado, logo na chegada, como Feitor da cidade e Almoxarife da Alfândega.[2] Depois, com a chegada do gado vacum à Salvador, passei a cuidar do gado em 1551. Recebi de Tomé de Souza, da sesmaria que lhe cabia, 14 léguas de terra, que ia de Itapoa até o Rio Real. Conheces  estas terras?
Sim, conheço, aliás moro bem perto delas
-Como? Com autorização de quem moras nas minhas terras?
Começo outra vez a ficar com medo do homem, ficou possesso com esta resposta.
-Calma Sr. D´Avila, posso explicar. Mas como eu ia explicar isto, o homem estava enfurecido.
Tive um insight e perguntei sobre a sua mulher, onde ela estava neste momento>  Senhor, onde está a senhora Francisca Rodrigues? E como está a sua filha Isabel D´Avila?
O homem recua. - Como sabes os nomes da minha mulher e da minha filha.
- Ah Senhor, sei muita coisa a vosso respeito, não só de si, como de toda a vossa família.
-Famíia, que família, sou só eu aqui, só tenho a a minha mulher e filha, a que família te referes?
-A toda a sua descendência, seus netos, bisnetos, genros, enfim, conheço tudo.
-Se sabes de tudo isto, és uma bruxa, vou te mandar para a fogueira.
-Por favor Sr. Garcia, deixe-me falar, o senhor vai gostar do que vai ouvir.
O homem se acalma, olha para mim num misto de curiosidade e incerteza, e pede para acompanha-lo, convidando-me a entrar na  casa.
Sigo-o quieta, doida para que ele vá embora, para que desapareça, mas ele vai falando e me mostrando a casa. Eu não vejo nada do que ele me apresenta, mas sinto que ele tem um imenso orgulho de dizer como fez isto e aquilo, por que fez a capela? Como construiu aquilo ali, por que escolheu aquele lugar?
Ele tem toda razão, onde planejou a construção da casa forte, o fez estrategicamente, de onde ele estava podia avistar qualquer embarcação que se aproximasse, que navegasse seja em direção, a Salvador, seja em direção ao norte, mais ainda, o gado podia pastar a vontade, terras não faltavam, índios a aprisionar também não, o porto lá embaixo era seguro. Realmente o Sr D´Avila era um estrategista de primeira, um comerciante maior ainda, tudo contribuía para o seu sucesso.
A mulher com quem o Garcia D ávila teve uma filha era uma índia, a quem ele tirou da casa paterna para com ele conviver, dando-lhe o nome cristão de Francisca Rodrigues, ou seja, a sua filha Isabel era uma “mameluca”, filha de português com índio.
Bom, estava quase chegando a hora de ir embora, a tarde já ia finda, mas o homem parecia não querer se ausentar da casa, falava e falava, reclamava com um, ajeitava uma outra coisa, gritava a mulher, enfim, mostrava todo o seu poder.
Eu precisava sair, tentava me despedir, mas ele nada, agora estava interessado no que eu falava sobre a sua família, sobre as suas posses, enfim, estava entusiasmado ouvindo alguém falar das suas glorias e do seu poder, todavia eu tinha de ir embora, e foi exatamente o que aconteceu, porque os funcionários da fundação me pediram para retirar-me, não antes de eu prometer ao Sr. Garcia D Ávila que voltaria um outro dia para falar mais sobre ele e sua descendência.
Bem, como o deixei  interessado,  com a pulga trás da orelha e morrendo de curiosidade, deixo também vocês, esta história é longa, envolve muitos nomes e fatos históricos, é uma história viva, que passarei a contar por etapas. Aguardem..



[1] De acordo com os jesuítas, segundo Pedro Calmon, (1983: 23) “Criado de Tomé de Sousa, escreveram os jesuítas, ou seja pessoa de sua criação, que é ser como de sua família”
[2] CALMON, Pedro. História da Casa da Torre – Uma Dinastia de Pioneiros, 3ª, ed. Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1983, pg23.


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Podia ser bem diferente

O relógio da sala badalava. Ela, acordada, ouvia do quarto,: duas, três, quatro horas da manhã. Inútil tentar dormir, melhor levantar e ir fazer alguma coisa; ler por exemplo. Pegou o livro, mas não tinha qualquer concentração para a leitura. Uma leve dor no peito que ela não entendia. Da última vez que falou com um médico sobre isto, após ter feito exames de sangue, eletro e outras coisas mais, ele lhe disse que isto era angústia.
Angústia! Que tipo de angústia é esta que doe tanto, que é dor física mesmo? É como se dentro do seu peito tivesse uma madeira que quer entrar em algum lugar e encontra resistência, então ela aumenta a pressão. É assim que dói. Dor passageira? Sim, mas frequente.
Por que esta angústia?  Agora que tudo já deveria estar completamente apaziguado, controlado até, aparece esta angústia? Por que e para que?  Sexagenários não deveriam sentir mais nada, principalmente dor no peito. Não é bom para saúde nem física e nem mental.
O tempo inexorável passou. Alguns sonhos vão ficar no caminho, não serão mais realizados, não há tempo e nem mesmo força física para eles. Então você, beirando os setenta, vai sair do seu país e morar em outro? Evidentemente que não, mui principalmente quem ganha em reais. Vai para onde?
As limitações começam, as enfermidades também, por mais que se faça exercícios, tente a alimentação saudável (kkkkkkkkk esta é boa), o tempo é inexorável e não dá para esconder os seus efeitos, mesmo com as plásticas rejuvenescedoras. Triste, até porque ela está pensando nisto de madrugada. Evidente que sabe que muitas pessoas, como ela, estão curtindo uma insônia, mas, puta merda: precisa ser assim!
Nunca teve problemas para dormir, agora parece que tem um reloginho biológico que gosta das três horas da manhã, ou será para lembrá-la que tem de rezar! Sim rezar, porque a porcaria do relógio, um deles, porque ela não satisfeita com um, tem dois, a cada um quarto de hora, toca um quarto da Ave Maria. Acreditem, é verdade.
Bom, se era para lembrar que tem de rezar, continua a oração onde o relógio deixou, mas de nada adianta, a sua angústia continua, parece até crescente.
Pega o computador e tenta escrever. Sim, ela adora escrever da vida e sobre ela, mas não da sua, e agora tem de colocar no papel o que sente, porque não tem amigos, não pode falar com ninguém das suas dores; pior ainda, se falar as pessoa  vão fazer comentários tais como: Com uma casa desta! Com a vida que você tem! Você está procurando problemas onde não tem.  Sim, ´problemas onde não tem: esta expressão sempre é utilizada pelo seu companheiro. Problemas onde não tem! Ah se eles soubessem quantos: a vida de um complicada: a casa de alguém que está caindo, é uma tia doente que precisa de alguém para tomar conta de si, é uma amiga com câncer de mama, é um sonho de alguém que não se realiza, é a sua própria sorte indefinida no momento, definida só na idade, mas indefinida em tudo mais.
Ninguém venha para cá dizer que todos tem a sua vida e que você tem de viver a sua sem se preocupar com a do outro. Engano! Não pode ser assim, não há como a pessoa afastar o outro desta maneira, mui principalmente quando o outro, se não tem afinidade sanguínea, tem a do coração. Como alguém pode estar bem se não pode, nem mesmo, ajudar o outro seja materialmente seja espiritualmente. Não, não se pode ficar bem. E não é a história de tentar ser “espiritualista” que vai resolver. Não, não é isto! O outro precisa é de coisas materiais, coisas físicas e não de conforto espiritual. Alguns até precisam dele, mas, antes dele, você tem de resolver o problema material, porque ele é premente. 
É, parece que ela vai viver angustiada ainda durante muito tempo. Não se conforma de não poder ajudar, não entende porque as pessoas tem de passar por determinadas coisas. Não pode ser feliz com tantas coisas acontecendo com pessoas   de quem gosta. Ninguém pode ser feliz assim. Chora muito, aliás tem chorado muito por toda a sua vida, pois sempre se preocupou em demasia com os outros: irmãos, amigos, até mesmo desconhecidos.
Uma vez, uma pessoa que se diz muito espiritualizada, lhe disse que cada pessoa tem seu carma, tem de passar por isto e por aquilo, e que a gente não deve nem mesmo tentar interferir. Não acredita que seja assim, que porra de destino miserável é este, que traz ao mundo alguns que, desde o momento do nascimento sofrem, passam necessidades, alguns nunca alcançam seus sonhos?  Não é correto isto, não pode ser assim.
Depressão!, Não isto não é depressão. Angústia! Sim, ´pode ser. Vai passar? Não, não vai, porque ela vai morrer assim, está envelhecendo assim, pensando, tentando entender, querendo uma igualdade que sabe não é possível.


sábado, 16 de setembro de 2017

Quem encontrar, não deixe escapar

 Cada encontro uma festa, cada olhar uma emoção, cada toque um verdadeiro calafrio.
Sim, era assim que vivia aquele imenso amor. Não tinham vergonha de nada, nem mesmo de demonstrar o amor que sentiam um pelo outro. Bem verdade que ela não gostava de agarramentos em público, mas também nem precisava, todos que os olhavam sabiam que ali existia amor, cumplicidade, paixão.
A cada dia uma nova descoberta do outro, a cada momento um conhecer, seja de defeito seja de qualidades.
Qualidades! Sim, ambos as tinham: ele muito mais que ela, pois tinha uma virtude imensa, que era a paciência. Ela muito menos paciente, dir-se-ia até mesmo nervosa, mas ele classificava o nervosismo dela como ansiedade.
Brigavam, sim, brigavam, ou melhor, tinham desentendimentos, a maioria deles provocados  por ela, mas nada que um pedido de desculpa não resolvesse, as vezes nem necessitava a desculpa, um simples olhar e já estava tudo mais de que esquecido.
Nunca viveram juntos, é verdade, e talvez por isso mesmo é que as coisas funcionassem tão bem. Ambos ficavam saltitantes quando marcavam alguma coisa, uma festa, um show, um passeio, um café, enfim, só a perspectiva de estarem juntos já era suficiente para que a emoção estivesse á flor da  pele
Ela se arrumava para encontra-lo, embora ele a achasse linda de qualquer maneira, aliás ele tinha verdadeira tesão pela calça jeans, camisa, um cinto largo e as velhas botas de cano alto, complementados pelo casaco e cachecol.  Ele sempre dizia que ela ficava maravilhosa de saltos altos, parecia uma artista. Sim, ela bem o sabia, este tipo de roupa lhe caia bem, mas quando ela estava de saia, vestido, era a mesma coisa, o olhar dele brilhava do mesmo jeito.
Sabia quando ela estava com uma peça nova.   Percebia quando ela aparava, minimamente, os cabelos. Se mudava o tom da pintura dos cabelos ele não deixava passar desapercebido. Quando não gostava do que ela vestia, simplesmente nada dizia, tempos depois, comentava que aquela roupa não lhe favorecia muito.
Ela estava encantada, um homem como aquele nunca passara pela sua vida, parecia que ele adivinhava os seus pensamentos, aflições, tudo.
Se gripava, lá vinha um chazinho de limão quentinho. Dor de estomago, um chazinho de erva doce, uma dor de cabeça uma grande preocupação. Se estava deitada com algum problema, lá estava ele, juntinho dela, alisando a sua cabeça, ou apenas segurando a sua mão.
Adorava quando ele sabia que ela estava preocupada, chorosa por algum motivo, ele deitava e fazia com que ela deitasse e repousasse a cabeça sobre o seu peito e ficava ali lhe fazendo carinho horas a fio.
Sabia respeitar tudo, cansou de deixa-la sozinha porque ela precisava estar só naquele momento, ele percebia e não lhe questionava, pois entendia que era o melhor para ela fazer a sua introspecção.
Adoravam visitar lugarejos, lugares pequeninos, onde a vida parecia ter estacionado no século XVIII. Ruínas, muralhas, aquedutos, igrejas: quantas visitadas, ele até perguntava-lhe quando estavam chegando em algum lugarejo  pela primeira vez:  Primeiro a Igreja não é?  Sim, primeiro sempre a Igreja.
Gostavam de sentar em mesas  das tendas que eram armadas nos dias de feira destes pequenos lugarejos. Como se divertiam.
Qualquer programa estava bom para eles, de feiras aos domingos pela manhã, a discotecas. O que gostassem é que seria o programa do dia.
Divertiam-se muito, muito mesmo, mas tudo tem de ter um começo, um meio e um fim. E chegou o dia do fim deles. Tristes, chorosos, uma despedida que parecia tão remota, mas que tinha de acontecer. Ele teria que arrumar algo para fazer em outro lugar, pois onde residia as coisas estavam complicadas, e ele iria procurar novos horizontes. Ela, por sua vez, acabara tudo o que fora fazer naquelas paragens, não havia mais como continuar vivendo ali. Forçados a uma separação que não queriam, num triste dia de outono, cada um para o seu lado, e   pronto, tudo acabado, Resta, de tudo isto, ao menos para ela, uma lembrança boa: conheceu um homem com alma feminina, um homem que sabia dos sentimentos de uma mulher e da importância de um carinho, de uma palavra, de um gesto, de um olhar. Um homem que respeitou tudo, até mesmo os seus calundus.
Ela só pode agradecer e pedir que, onde ele estiver, esteja bem e distribuindo, se não amor, mas o seu olhar, o seu carinho, a sua atenção, seja para uma mulher, seja para quem precisar de um amigo, de um companheiro.

Saudades.