Saí de Arembepe e fui até praia
do Forte, com o objetivo de visitar o Castelo Garcia D´Avila – Castelo da
Torre. Já fiz isto outras vezes, no entanto, hoje estou indo com os meus olhos
de ver, porque li muito sobre o clã, embora com leituras que trazem, apenas as
glorias e conquistas desta família.
O fundador da casa da Torre chegou
ao Brasil juntamente com Tomé de Sousa, o primeiro governador geral. Certamente
não era um qualquer, tinha a sua origem, se não fidalga, bem próximo de quem a
tinha, no caso o governador geral, que vinha com todos os poderes para
nomeações para exercícios de cargos, doações de terras, afinal era o
representante do rei nessas longínquas terras brasilienses.
Chego ao castelo que está em
ruínas, dizem que o estão recuperando, mas a única coisa que vejo recuperada é
a pequena igreja. Sinto-me estranha ao
adentrar às ruínas, parece-me que ouço pedidos de ajuda, gemidos, gritos, vozes
alteradas. Ouço vozes de crianças, mulheres, homens que pedem clemência.
Me assusto, parece-me que estou num
túnel o tempo, estou em um período distante do atual, os calafrios
me deixam gelada, os pelos estão eriçados, vejo, perplexa, um homem caminhando em minha
direção.
Fixo meu olhar na figura que cada
vez mais se aproxima, percebo que não é uma pessoa do nosso tempo, suas vestes,
a barba, as armas, enfim, ninguém que estava por perto quando adentrei ao local
estava assim trajado, e não poderia ser diferente, ninguém mais se vestia
daquela maneira, parecia uma pessoa saída dos meus livros de história.
Olho para as pessoas que estão
por perto, elas não parecem assustadas, continuam percorrendo as ruinas da casa
da Torre como se nada estivesse acontecendo de diferente. A figura vem se
chegando mais e mais, para diante de mim: quase tenho um ataque do coração
quando com um português bem diferente e com as mãos para trás ouço: Que fazes
aqui? Quem és? Como adentrastes a esta
casa? Susto após susto, congelada, não tenho como responder, até tento, mas a
voz não sai e vejo as mãos do homem em minha direção, tento correr e não saio
do lugar, tento gritar, mas nada, não sai som algum, as pessoas passam por detrás
de mim, por trás do homem, e parecem não ver nada, vou dando de ré, até me encostar
na parede de pedra, que ferve, pois o castelo em ruínas não tem teto e o
sol esquenta as pedras que chegam mesmo
a queimar minhas costas. O homem continua a vim em minha direção. Lembro-me então: É o Senhor Garcia D`Ávila, o
homem mais rico da Bahia? O Sr. Da casa
da Torre?
“ Me conheces?”
Tomo as rédeas; parece que tenho
uma iluminação divina e digo: Quem nesta terra Brasil não vos conhece
senhor? O Senhor dos sertões
nordestinos, o criador de gado que alcançou terras longínquas, do curral de
Itapoã às terras dos quatro cantos do
Brasil? O homem que criou um feudo por estas terras brazilis.
“Onde vives? Que fazes aqui? És
muito diferente das mulheres e outras pessoas que tem acesso à minha propriedade? És acaso
filha de algum dos escravos? Não pareces, tens a pele clara, vestes-te de uma
maneira muito diferente.
Senhor D´Avila: se eu explicasse
o senhor não entenderia, mas conheço a si e a vossa família, posso contar a sua
história e se tiver erros o senhor pode corrigir, tenhas a certeza que muito me
ajudará.
O Sr. veio de Portugal em
companhia de Tomé de Souza, aliás, dizem
as más línguas que o Sr é filho bastardo dele. É verdade?
Eu, filho Bastardo? Quem inventou
uma história desta? Rapariga, queres a morte? Estas a brincar com fogo.
Não, longe de mim, mas o Sr sabe
como são as futricas, pois o vulgo diz que o Sr é filho bastardo dele, e por
isso mesmo é que veio junto com ele para estas terras, e que nunca se
posicionou como filho porque, se assim fizesse, não poderia receber doações,
sesmarias ou exercer cargos públicos, por ser isto proibido por lei. Os
governadores não podiam colocar parentes em cargos e nem fazer doações de
terras.
É isto mesmo a língua do povo é
assim, apenas somos da mesma região do reino, uma terrinha perto de Póvoa do
Varzim, chamada São Pedro de Rates, no norte de Portugal.
-Bom se o senhor está dizendo,
devo acreditar, quem sou eu para duvidar das palavras do Senhor da Torre? Sim,
mas como foi que o sr. Conseguiu vim para o Brasil com Tomé de Souza? E como
conseguiu ficar tão rico e ter tantas terras?
-É facto: vim com Tomé de Souza
como criado do governador[1],
e aqui fui por ele nomeado, logo na chegada, como Feitor da cidade e Almoxarife
da Alfândega.[2]
Depois, com a chegada do gado vacum à Salvador, passei a cuidar do gado em
1551. Recebi de Tomé de Souza, da sesmaria que lhe cabia, 14 léguas de terra, que
ia de Itapoa até o Rio Real. Conheces
estas terras?
Sim, conheço, aliás moro bem
perto delas
-Como? Com autorização de quem
moras nas minhas terras?
Começo outra vez a ficar com medo
do homem, ficou possesso com esta resposta.
-Calma Sr. D´Avila, posso
explicar. Mas como eu ia explicar isto, o homem estava enfurecido.
Tive um insight e perguntei sobre
a sua mulher, onde ela estava neste momento>
Senhor, onde está a senhora Francisca Rodrigues? E como está a sua filha
Isabel D´Avila?
- Ah Senhor, sei muita coisa a
vosso respeito, não só de si, como de toda a vossa família.
-Famíia, que família, sou só eu
aqui, só tenho a a minha mulher e filha, a que família te referes?
-A toda a sua descendência, seus
netos, bisnetos, genros, enfim, conheço tudo.
-Se sabes de tudo isto, és uma
bruxa, vou te mandar para a fogueira.
-Por favor Sr. Garcia, deixe-me
falar, o senhor vai gostar do que vai ouvir.
O homem se acalma, olha para mim
num misto de curiosidade e incerteza, e pede para acompanha-lo, convidando-me a
entrar na casa.
Sigo-o quieta, doida para que ele
vá embora, para que desapareça, mas ele vai falando e me mostrando a casa. Eu
não vejo nada do que ele me apresenta, mas sinto que ele tem um imenso orgulho
de dizer como fez isto e aquilo, por que fez a capela? Como construiu aquilo
ali, por que escolheu aquele lugar?
Ele tem toda razão, onde planejou
a construção da casa forte, o fez estrategicamente, de onde ele estava podia
avistar qualquer embarcação que se aproximasse, que navegasse seja em direção,
a Salvador, seja em direção ao norte, mais ainda, o gado podia pastar a
vontade, terras não faltavam, índios a aprisionar também não, o porto lá
embaixo era seguro. Realmente o Sr D´Avila era um estrategista de primeira, um
comerciante maior ainda, tudo contribuía para o seu sucesso.
A mulher com quem o Garcia D ávila
teve uma filha era uma índia, a quem ele tirou da casa paterna para com ele
conviver, dando-lhe o nome cristão de Francisca Rodrigues, ou seja, a sua filha
Isabel era uma “mameluca”, filha de português com índio.
Bom, estava quase chegando a hora
de ir embora, a tarde já ia finda, mas o homem parecia não querer se ausentar
da casa, falava e falava, reclamava com um, ajeitava uma outra coisa, gritava a
mulher, enfim, mostrava todo o seu poder.
Eu precisava sair, tentava me
despedir, mas ele nada, agora estava interessado no que eu falava sobre a sua
família, sobre as suas posses, enfim, estava entusiasmado ouvindo alguém falar
das suas glorias e do seu poder, todavia eu tinha de ir embora, e foi
exatamente o que aconteceu, porque os funcionários da fundação me pediram para
retirar-me, não antes de eu prometer ao Sr. Garcia D Ávila que voltaria um
outro dia para falar mais sobre ele e sua descendência.
Bem, como o deixei interessado,
com a pulga trás da orelha e morrendo de curiosidade, deixo também
vocês, esta história é longa, envolve muitos nomes e fatos históricos, é uma
história viva, que passarei a contar por etapas. Aguardem..
[1] De
acordo com os jesuítas, segundo Pedro Calmon, (1983: 23) “Criado de Tomé de
Sousa, escreveram os jesuítas, ou seja pessoa de sua criação, que é ser como de
sua família”
[2]
CALMON, Pedro. História da Casa da Torre – Uma Dinastia de Pioneiros, 3ª, ed.
Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1983, pg23.
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