terça-feira, 7 de novembro de 2017

A casa da Torre

Saí de Arembepe e fui até praia do Forte, com o objetivo de visitar o Castelo Garcia D´Avila – Castelo da Torre. Já fiz isto outras vezes, no entanto, hoje estou indo com os meus olhos de ver, porque li muito sobre o clã, embora com leituras que trazem, apenas as glorias e conquistas desta família.
O fundador da casa da Torre chegou ao Brasil juntamente com Tomé de Sousa, o primeiro governador geral. Certamente não era um qualquer, tinha a sua origem, se não fidalga, bem próximo de quem a tinha, no caso o governador geral, que vinha com todos os poderes para nomeações para exercícios de cargos, doações de terras, afinal era o representante do rei nessas longínquas terras brasilienses.

Chego ao castelo que está em ruínas, dizem que o estão recuperando, mas a única coisa que vejo recuperada é a pequena igreja.  Sinto-me estranha ao adentrar às ruínas, parece-me que ouço pedidos de ajuda, gemidos, gritos, vozes alteradas. Ouço vozes de crianças, mulheres, homens que pedem clemência.
Me assusto, parece-me que estou num túnel o tempo, estou em um período distante do atual,  os calafrios  me deixam gelada, os pelos estão eriçados, vejo,  perplexa, um homem caminhando em minha direção.
Fixo meu olhar na figura que cada vez mais se aproxima, percebo que não é uma pessoa do nosso tempo, suas vestes, a barba, as armas, enfim, ninguém que estava por perto quando adentrei ao local estava assim trajado, e não poderia ser diferente, ninguém mais se vestia daquela maneira, parecia uma pessoa saída dos meus livros de história.
Olho para as pessoas que estão por perto, elas não parecem assustadas, continuam percorrendo as ruinas da casa da Torre como se nada estivesse acontecendo de diferente. A figura vem se chegando mais e mais, para diante de mim: quase tenho um ataque do coração quando com um português bem diferente e com as mãos para trás ouço: Que fazes aqui? Quem és?  Como adentrastes a esta casa? Susto após susto, congelada, não tenho como responder, até tento, mas a voz não sai e vejo as mãos do homem em minha direção, tento correr e não saio do lugar, tento gritar, mas nada, não sai som algum, as pessoas passam por detrás de mim, por trás do homem, e parecem não ver nada, vou dando de ré, até me encostar na parede de pedra, que ferve, pois o castelo em ruínas não tem teto e o sol  esquenta as pedras que chegam mesmo a queimar minhas costas. O homem continua a vim em minha direção.  Lembro-me então: É o Senhor Garcia D`Ávila, o homem mais rico da Bahia?  O Sr. Da casa da Torre?
“ Me conheces?”
Tomo as rédeas; parece que tenho uma iluminação divina e digo: Quem nesta terra Brasil não vos conhece senhor?  O Senhor dos sertões nordestinos, o criador de gado que alcançou terras longínquas, do curral de Itapoã às terras  dos quatro cantos do Brasil? O homem que criou um feudo por estas terras brazilis.
“Onde vives? Que fazes aqui? És muito diferente  das  mulheres e outras pessoas  que tem acesso à minha propriedade? És acaso filha de algum dos escravos? Não pareces, tens a pele clara, vestes-te de uma maneira muito diferente.
Senhor D´Avila: se eu explicasse o senhor não entenderia, mas conheço a si e a vossa família, posso contar a sua história e se tiver erros o senhor pode corrigir, tenhas a certeza que muito me ajudará.
O Sr. veio de Portugal em companhia de Tomé de Souza,  aliás, dizem as más línguas que o Sr é filho bastardo dele. É verdade?
Eu, filho Bastardo? Quem inventou uma história desta? Rapariga, queres a morte? Estas a brincar com fogo.
Não, longe de mim, mas o Sr sabe como são as futricas, pois o vulgo diz que o Sr é filho bastardo dele, e por isso mesmo é que veio junto com ele para estas terras, e que nunca se posicionou como filho porque, se assim fizesse, não poderia receber doações, sesmarias ou exercer cargos públicos, por ser isto proibido por lei. Os governadores não podiam colocar parentes em cargos e nem fazer doações de terras.
É isto mesmo a língua do povo é assim, apenas somos da mesma região do reino, uma terrinha perto de Póvoa do Varzim, chamada São Pedro de Rates, no norte de Portugal.
-Bom se o senhor está dizendo, devo acreditar, quem sou eu para duvidar das palavras do Senhor da Torre? Sim, mas como foi que o sr. Conseguiu vim para o Brasil com Tomé de Souza? E como conseguiu ficar tão rico e ter tantas terras?
-É facto: vim com Tomé de Souza como criado do governador[1], e aqui fui por ele nomeado, logo na chegada, como Feitor da cidade e Almoxarife da Alfândega.[2] Depois, com a chegada do gado vacum à Salvador, passei a cuidar do gado em 1551. Recebi de Tomé de Souza, da sesmaria que lhe cabia, 14 léguas de terra, que ia de Itapoa até o Rio Real. Conheces  estas terras?
Sim, conheço, aliás moro bem perto delas
-Como? Com autorização de quem moras nas minhas terras?
Começo outra vez a ficar com medo do homem, ficou possesso com esta resposta.
-Calma Sr. D´Avila, posso explicar. Mas como eu ia explicar isto, o homem estava enfurecido.
Tive um insight e perguntei sobre a sua mulher, onde ela estava neste momento>  Senhor, onde está a senhora Francisca Rodrigues? E como está a sua filha Isabel D´Avila?
O homem recua. - Como sabes os nomes da minha mulher e da minha filha.
- Ah Senhor, sei muita coisa a vosso respeito, não só de si, como de toda a vossa família.
-Famíia, que família, sou só eu aqui, só tenho a a minha mulher e filha, a que família te referes?
-A toda a sua descendência, seus netos, bisnetos, genros, enfim, conheço tudo.
-Se sabes de tudo isto, és uma bruxa, vou te mandar para a fogueira.
-Por favor Sr. Garcia, deixe-me falar, o senhor vai gostar do que vai ouvir.
O homem se acalma, olha para mim num misto de curiosidade e incerteza, e pede para acompanha-lo, convidando-me a entrar na  casa.
Sigo-o quieta, doida para que ele vá embora, para que desapareça, mas ele vai falando e me mostrando a casa. Eu não vejo nada do que ele me apresenta, mas sinto que ele tem um imenso orgulho de dizer como fez isto e aquilo, por que fez a capela? Como construiu aquilo ali, por que escolheu aquele lugar?
Ele tem toda razão, onde planejou a construção da casa forte, o fez estrategicamente, de onde ele estava podia avistar qualquer embarcação que se aproximasse, que navegasse seja em direção, a Salvador, seja em direção ao norte, mais ainda, o gado podia pastar a vontade, terras não faltavam, índios a aprisionar também não, o porto lá embaixo era seguro. Realmente o Sr D´Avila era um estrategista de primeira, um comerciante maior ainda, tudo contribuía para o seu sucesso.
A mulher com quem o Garcia D ávila teve uma filha era uma índia, a quem ele tirou da casa paterna para com ele conviver, dando-lhe o nome cristão de Francisca Rodrigues, ou seja, a sua filha Isabel era uma “mameluca”, filha de português com índio.
Bom, estava quase chegando a hora de ir embora, a tarde já ia finda, mas o homem parecia não querer se ausentar da casa, falava e falava, reclamava com um, ajeitava uma outra coisa, gritava a mulher, enfim, mostrava todo o seu poder.
Eu precisava sair, tentava me despedir, mas ele nada, agora estava interessado no que eu falava sobre a sua família, sobre as suas posses, enfim, estava entusiasmado ouvindo alguém falar das suas glorias e do seu poder, todavia eu tinha de ir embora, e foi exatamente o que aconteceu, porque os funcionários da fundação me pediram para retirar-me, não antes de eu prometer ao Sr. Garcia D Ávila que voltaria um outro dia para falar mais sobre ele e sua descendência.
Bem, como o deixei  interessado,  com a pulga trás da orelha e morrendo de curiosidade, deixo também vocês, esta história é longa, envolve muitos nomes e fatos históricos, é uma história viva, que passarei a contar por etapas. Aguardem..



[1] De acordo com os jesuítas, segundo Pedro Calmon, (1983: 23) “Criado de Tomé de Sousa, escreveram os jesuítas, ou seja pessoa de sua criação, que é ser como de sua família”
[2] CALMON, Pedro. História da Casa da Torre – Uma Dinastia de Pioneiros, 3ª, ed. Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1983, pg23.


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