quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Caramuru II - Garcia D' Ávila XVIII


Eu estava muito apreensiva em relação ao próximo encontro com o Sr. da Torre. Não podia sequer imaginar qual seria a sua reação quando me encontrasse outra vez depois do acidente do barco, aliás, nem sei mesmo se ele vai aparecer outra vez, o que seria uma pena, porque se isto acontecesse eu não saberia mais nada sobre o Caramuru e nem sobre outras coisas, fatos acontecidos na época.(1550-1609).
Estávamos exatamente na parte em que ele ia me dizer porque ele ganhou a alcunha de Caramuru. Eu estava tão incrédula de uma nova visita que resolvi fazer, eu mesmo, minha pesquisa e esquecer a contribuição do Sr. da Torre.
Entretanto o homem era imprevisível, e logo que comecei a fazer o texto com as       descobertas que fiz através dos muitos autores que escreveram sobre Caramuru, o homem apareceu:
- Quer dizer que você e o seu marido queriam me matar?
-O que é isto Sr. Garcia, quem poderia adivinhar que a outra lancha ia passar e fazer uma marola tão intensa? O Senhor viu que todo mundo se desequilibrou, mas o senhor estava muito próximo da lateral  e o resultado foi o que ocorreu.
-Se eu não fosse um exímio nadador, agora estava sendo comido por peixes.
- O Que é isto Senhor Garcia! O Sr é imortal
Acho que ele não entendeu bem o que eu disse, ou então fingiu que não entendeu. Não sei, este homem é dissimulado, e a gente não pode confiar muito nele.  Quanto pior, quando estava mesmo com cara de poucos amigos e sem esquecer o que tinha acontecido. Continuei falando que ele era imortal, que o seu nome até hoje era lembrado como um dos grandes e poderosos homens da Bahia Colonial, enfim, queria dar corda ao narcisismo do Sr. Garcia. Falei muito, falei do quão ele era importante, do quanto sua Tatuapara foi determinante nas tentativas de invasões, como ele construiu o seu grande latifúndio. Não falei em momento algum das derrotas, só queria encher a bola dele. Ele, olhando fixamente para mim, parecia entender o meu jogo, mas o narciso falou mais alto e ele começou a rir e a fazer questionamentos e argumentações.
-Não sei quem são estas pessoas de quem fala! Parece que falas comigo como seu eu já tivesse morrido.
Ri por dentro, mas fiquei caladinha, hoje eu não contrariava este homem de maneira alguma.  De que falávamos mesmo senhor Garcia no nosso último encontro.
- Não te recordas, andavas tão interessada no assunto.
Sorri, o homem era um jogador e deixei que ele pensasse que estava vencendo aquela partida.
- Sei lá Senhor Garcia, quando o senhor está por perto a variedade de assuntos é muito grande, o Senhor pode falar-me de tantas coisas relacionadas com a Salvador, com a governança, com a Igreja, usos e costumes da época, que não posso me fixar em um só assunto.
- É, conheço mesmo muita coisa desta terra
-Pois então, qualquer coisa que o senhor me fale é de uma importância extrema, assim, como não me lembro do que falávamos mesmo, o senhor pode falar o que quiser, eu fico aqui sentadinha à sua disposição e toda ouvidos.
- Quantos anos tens?
A pergunta me pegou desprevenida e falei: 65
O senhor Garcia deu uma bela risada. Estás de borla comigo? Tu es muito jovem para ter esta idade. Não tens nem mesmo 30.
Fiquei a olhar o homem meio incrédula. E comecei a perguntar-me: - Como será que ele me vê? Será que ele me vê mesmo assim tão nova?  Senhor Garcia, qual a cor da roupa que estou a vestir?
- Que pergunta é esta? Não sabes a roupa que vestes?
- Anda lá Senhor Garcia, diga-me qual a cor da minha roupa, quero apenas tirar uma dúvida.
- Estás com alguma problema na vista? Então não reconheces mais as cores,: Estas com um vestido  de cor azul, aliás, um vestido que deixa-te muito atraente, e nem sei como aquele homem que dizes que é o teu esposo deixa vestir-te assim.
- Ora senhor Garcia, as  vezes ele nem nota o que que visto e dizendo isto encaminhei-me para o espelho que ficava na sala e vi que estava de shorts e uma camiseta. Kkkkkk, ri mais ainda. e descobri que o Garcia D’ Ávila me via da maneira que ele queria me ver, com a roupa que ele queria e com as maneiras que ele queria, isto me deixou intrigada e fascinada ao mesmo tempo, tanto que  falei para mim mesmo: vou estudar o espiritismo para ver se descubro algo que possa me explicar isto.
Por que está a rir? Falei alguma bobagem?
- Claro que não, o senhor não fala bobagens Sr Garcia, o senhor é um homem sério, responsável, cheio de atividades e não teria como falar bobagens, mas o senhor ainda não me disse do que falávamos no nosso último encontro.
Claro que eu sabia que falávamos de Caramuru, mas eu queria mesmo era mexer com os brios do Senhor da Torre, e fiquei dando-lhe muita corda, mas eu tinha de dar um jeito de entrar no assunto que me interessava.
- Senhor Garcia, o Senhor sabe que estive em Viana do Castelo?
- Estivestes onde?
- Em Viana do Castelo Senhor Garcia, lá no Norte de Portugal. E sabe o que descobri lá?
-O que descobristes lá?
Uma estátua do Diogo Alvares Correia e de sua Mulher:  a Catarina Paraguaçu.
- Estás a brincar comigo? O que pensas e onde estás que inventas uma asneira desta. Então o Caramuru iria ter uma estatua em Viana do Castelo?  
- Sr da Torre, eu não costumo brincar, quanto pior com o senhor. Estou a falar sério, se quiseres posso vos mostrar uma gravura desta estátua.
-De onde tiraste isto?
- Ora senhor Garcia eu não estou a dizer que fui a Viana, eu vi a estátua, e se não tivesse ido poderia saber de tudo na minha madeira preta, como o senhor chama o meu computador.
-Es mesmo uma bruxa, não sei porque ainda procuro-te para conversar, o que devia fazer mesmo era entregar-te ao Visitador.
-Tenho certeza que nunca faria isto comigo. E fui pegar o computador: Será que ele vai conseguir ver a fotografia da estátua? Será que ele consegue ver isto? Muita modernidade para um homem do século XVI.
- Não, não quero ver nada, agora se esta estátua existe mesmo, existe a troco de que?
Senti logo a facada, o homem desdenhava da história, porque era por demais convencido.  Imagine o Caramuru, aquele  homem que vivia entre indígenas, casou-se com uma delas, teve vários filhos, tinha costumes indígenas, ia lá ter uma estátua em Viana: e ele não tinha nada, nenhuma homenagem, ele o rei do gado da época colonial, o desbravador de sertão, o homem dos currais, um homem bom da cidade: Hum, isto era mesmo demais para ele aguentar.
- Senhor Garcia, Caramuru, tal qual o senhor, foi um personagem muito importante na nossa história.  Poderíamos dizer que Caramuru foi responsável pelo surgimento de uma “raça” brasileira, um povoador. Aliás o senhor bem sabe como ele ajudou o Tomé de Souza e tantos outros que aqui estiveram antes dele.
-  Um português que se esqueceu dos seus costumes e virou um indígena, foi isso que ele foi.
-É Senhor Garcia, mas foi este português que recebeu uma carta do Rei Dom João III, carta do qual o senhor deveria ter conhecimento, porque nesta missiva o Rei apresentava Tome de Sousa ao Diogo Alvares e solicitava a sua ajuda em tudo o que fosse necessário.
O Senhor Garcia me olhou com muita raiva, e eu quis sacanear um pouquinho.
- O Senhor alguma vez recebeu uma carta diretamente do Rei?
Fuzilando-me ele respondeu que ele recebia ordens diretamente de Thomé de Sousa, não necessitando falar com o Rei, até porque o Thomé de Souza e os demais governadores em os representantes do Rei na colônia. Por outro lado, a esta altura, ele um homem poderoso, não recebia ordens de absolutamente ninguém,
- Sim senhor Garcia, mas a importância de Caramuru é mesmo enorme para a nossa história e o senhor não deveria desdenhar disto, afinal a sua filha casou-se com um neto dele, e o sangue  dele corre nas veias do seu neto. As filhas dele casaram com pessoas importantes a exemplo do Dias Adorno
- Não me lembro de ter visto esta carta e nem a sua entrega por Thomé de Sousa.
Ah Senhor Garcia, preste atenção ao que El Rey escreveu:
Diogo Alvares
Eu, El Rey vos envio muito saudar. Eu ora mando Thomè de Souza, fidalgo da minha casa a essa Bahia de Todos os Santos por capitão governador d’ella, e para na dita capitania e mais outras d’esse Estado do Brasil prover de justiça d’ella, e do mais que ao meu serviço cumprir e mando, que na dita Bahia faça uma povoação, e assente grande e outras coisas de meu serviço. E porque sou informado pela muita prática e experiência, que tendes d’essas terras , e da gente. E costumes d’ellas, e sabereis bem ajudar  e conciliar, vos mando, que o dito Thomé de Souza lá chegar, e sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que o dito Thomé de Souza lá chegar, vos vades para elle, e o ajudeis no que lhe deveis cumprir, e vos elle encarregar, porque fareis nisso muito serviço: e porque o cumprimento, e tempo de sua chegada a ela abastada de mantimentos da terra para provimento da gente, que com ele vai, escrevo sobre isso a Paulo Dias, vosso genro, procure por se haverem, e os vá buscar pelos portos d’essa capitania de Jorge Figueredo. Sendo necessária vossa companhia e ajuda, encomendo-vos que o ajudeis no que virdes que cumpre, que o fareis. Bartolomeu Fernandes a fez em Lisboa a 19 de novembro de 1548 – Rei
Subescrito – por El Rey a Diogo Álvares, cavaleiro da minha casa na Bahia de Todos os Santos.[1]
- Nunca ouvi falar dessa carta, e não lembro de ter visto o Thomé de Souza entregar qualquer documento ao Caramuru.
-Sem dúvida Senhor Garcia, o senhor não viu esta entrega porque a carta não foi trazida por Thomé de Sousa, ela chegou antes dele, trazida por um cavaleiro do Rei – Gramatão Telles, que aqui chegou em 1548, portanto, antes  do senhor e do Thomé de Souza, a carta era uma espécie de apresentação do Thomé de Sousa e a solicitação para que o Caramuru ajudasse em tudo o que necessário.
Senti que o senhor da Torre estava ficando muito aborrecido, ele não conseguia esconder a inveja, e eu resolvi parar por ali, pois ainda tinha muita coisa par falar sobre o Caramuru, e sei que ele não ia gostar nem um pouquinho.
Não precisei de fazer nada, para mudar o assunto e nem desagrada-lo, pois de repente ele desapareceu da minha frente, sem sequer dizer até logo. Como sempre, fiquei com a cara de boba e a espera que ele, no dia que quiser, retorne. Não tem jeito, o homem é voluntarioso e temos de ficar à sua disposição.
Me lembro, entretanto, de uma noticia que li em um jornal de Viana do Castelo, numa grande coincidência. Lá, neste momento, existe uma polemica a respeito da estátua de Caramuru e da sua índia Paraguacu, pois ela vai ser retirada do local onde se encontra há longos anos, para um outro local que está sendo construído para esta finalidade. Gostei desta coincidência!
 





[1] JABOATÃO, Frei Antonio de S. Maria. Catalago Genealogico das Principais famílias que procederam de Albuquerques e Cavalcantis em Pernambuco e Caramurus na Bahia. In Revista Trimensal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, Tomo LII, Parte I, pp7,8. Rio de Janeiro. Typographia, Lithographia e Encadernação a Vapor de Lacmmart,  de C, 1889.  A revista pode ser acessada em  .https://upload.wikmidia.org/wikpedia/Commons/5/5b/IGHB_revista_1889..

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