segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Garcia D`Ávila XX - Mais um Diogo


O final do ano chega e o senhor Garcia nada. O homem se aborreceu mesmo, parece que não gostou mesmo de eu estar voltada para a história de Caramuru e esquecido um pouco dele.  Eu queria falar sobre a fundação de Cachoeira na Bahia e saber dele como foi esta história, mas ele  resistia em falar disto. A situação piorou quando, no último encontro, eu fiz ele ver a importância de Diogo Alvares Correia, perguntando-lhe se algum dia ele, Garcia D`Ávila tinha recebido alguma carta do Rei como aconteceu com Caramuru, aliás, eu lhe fiz ver que o Rei pediu um favor ao Diogo.  Realmente para o Senhor da Torre, o narcisista de primeira, aquilo fora demais, quase uma humilhação.
Estava realmente aflita, pois sei que algumas pessoas gostariam de mais um texto este ano, e eu, pessoalmente, queria terminar  por completar  vinte episódios, mas o miserável do homem sumiu mesmo.
Paciência, dizia eu para mim mesmo.  Por que não escreve sobre outra coisa? O certo é que eu gostaria de continuar a escrever sobre Caramuru, para dar uma sequência mais lógica aos textos, mas já que não era possível, vou tentar escrever sobre qualquer  acontecimento, sem fazer ligações com o Senhor Garcia D’ Ávila, afinal de contas a história da Bahia é mais de que rica e eu não posso ficar limitada ao que diz um fantasma  com ares superiores e metido a besta.
Pensando nisto peguei o computador e comecei a pensar no ano de 1603. Eu sabia que o senhor Garcia já andava mesmo muito alquebrado, e talvez por isso, fantasma ou não, ele estava se recusando a aparecer. Não se queria mostrar velho  e cansado, talvez quisesse preservar a sua imagem viril, como se ele fosse eternamente jovem. Também eu sabia que a hora dele estava chegando.
Procurei nos livros quem era o governador da época: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, o homem não ia aparecer de maneira alguma, pois não é que o nome do governador era DIOGO BOTELHO. Se o Garcia aparecesse e eu falasse em algum Diogo ele jamais me perdoaria, pois ia associar o nome ao outro.
Diogo Botelho chegou ao Brasil em 1602, já chegou com uma fama de retadão. O homem duro, filho de uma nobreza portucalense, e como primeira missão: acabar com uma  indisciplina de indígenas e negros pelos lados do Ceará, Alagoas. Por este motivo, ao invés de vim para a Bahia, capital do  Brasil quedou-se em Pernambuco.
_ Gostas muito de Diogos!
Me assustei, tive a nítida impressão que ouvi  voz do Sr Garcia.
 Não dei muita atenção, porquanto o Sr Garcia, jamais chegaria até mim sem se materializar fisicamente (voz e violão). Todavia, ao rir do pensamento e da situação em si, senti um forte empurrão.
- Que diabo é isto?
- kkkkkk sou eu minha querida,  O Sr Da Torre, já esquecestes de mim assim tão fácil?
- Quem poderia esquecer do senhor?
-Diga-me lá. Qual o seu interesse agora por mais este Diogo?
-Ora Senhor Garcia, eu escrevo sobre a história da Bahia colonial, ou melhor sobre o Brasil, e se houve um governador, o oitavo deles, preciso falar sobre ele e o período do seu governo.
- Então já esqueceste do Caramuru?
-Claro que não, mas o senhor não quer falar mais dele, então tenho de estudar mais sobre ele nos livros, assim resolvi falar do Diogo. O que o senhor pode dizer sobre este senhor?
-  Não tenho muito a falar sobre ele não, afinal ele, ao invés de prestigiar a Bahia, ficou lá pelas bandas de Pernambuco, e se não fossemos nós, os homens de bem desta terra, não sei o que teria acontecido. 
- Ora senhor Garcia, o homem veio com ordens do Rei para conter a rebelião dos negros  então deve ter procurado o lugar mais próximo, de onde ele poderia comandar melhor a ação.
- Gostas de justificar erros não é?
- Não, não gosto, estou simplesmente explicando  o motivo dele ter ficado por lá.
- Então achas que ele não poderia fazer isto daqui? Pergunte-me se ele foi para alguma frente de batalha com aqueles negros, Claro que não, ele mandou o Pero Coelho de Sousa e, contrariando ordens do Rey, fez cativos os indígenas.
-Como é Senhor Garcia, o homem desobedeceu ordens Reais?
-Sim, tanto que o Rey determinou em carta que enviou que fizessem todos retornarem às suas aldeias, isto em 22 de setembro de 1605.
- É eu li esta carta, achei interessante como o Rey saudava o Diogo Botelho, ele o chamava de AMIGO.[1]
- Estas doida, então o Rey ia lá se dirigir a um subordinado tratando-o como AMIGO.
-Estou a falar sério Senhor Garcia, li duas ou três cartas do Rey para o Diogo, e em todas elas  a palavra amigo, estava sempre colocada após o nome do Diogo Botelho.
- Se o rei soubesse a realidade, como era o comportamento desse homem, certamente, não o trataria assim.
- Então diga-me qual o comportamento deste homem, que todos dizem muito honesto e enérgico.
- Honesto e enérgico? Enérgico talvez, mas honesto ele não é não.
- O que ele fez senhor Garcia, estas me deixando curiosíssima
- Devias saber, não vives a fuçar a vida das pessoas na sua madeira preta. Vai lá e procura, eu não vou dizer-te nada, não posso me comprometer.
- Como é senhor Garcia, o senhor não vai me dizer nada mesmo.
-Não, não vou, o homem é fidalgo, amigo do rei como tu mesmo dissestes, se ele sabe que ando a falar das falcatruas dele, não sei o que pode acontecer.
Fiquei realmente curiosa  e já que o  Senhor da Torre não ia me dizer, tinha mesmo de procurar, mas para isto era preciso que ele fosse embora.
-Olhe bem, não te vou dizer nada, mas procure saber por que foi ordenada uma devassa contra este seu novo Dioguinho, devassa esta que foi conduzida pelo Belchior do Amaral.
-O que? Então houve uma devassa. Oh senhor Garcia, diga-me lá  qual o motivo que levou a ser feita esta devassa?
-Vou embora, já falei demais, mas vá procurar saber e vais se surpreender  com este senhor. Ele é muito ambicioso, e certamente, por causa desta “ambição desmedida levantou suspeita sobre a sua honestidade[....]  suspeitas tão fortes que justificaram a abertura de uma devassa geral conduzida por Belchior Amaral em 1604.[2]
-O Senhor está brincando Senhor Garcia, todos falam da  austeridade, da rigidez do Diogo Botelho:
-Bolas!  Eu brincando!  Então no relatório do Belchior  ele informa ao Rei: “Vossa Majestade devia mandar outro governador àquele Estado.[3]
-O que foi apurado  Senhor Garcia me diga, me poupe o trabalho de pesquisar.
- De fato , “
as culpas do Diogo Botelho eram comprometedoras: venda de cargos e ofícios, apropriação dos salários dos oficiais, confisco ilegal de vinhos para vendê-los a preços extorsivos; apropriação da renda dos defuntos para a compra de escravos: compra de escravos a preços irrisórios. A isto se ajuntavam  outros tantos delitos, como a participação no negócio negreiro, pois ele pagava o que bem queria pelos escravos vindos de Angola, costume de aceitar presentes por parte dos moradores;; interferência nos despachos do ouvidor; além de permanecer em Pernambuco e não na Bahia, contrariando ordens régias”[4].
Danou-se, isto foi mesmo verdade.
-Claro que é verdade. O homem enganou a todos direitinho. E ainda dizem, não posso afirmar, ?ue ele pratica a sodomia.
-Póxa Senhor Garcia o Senhor é cruel, quem disse isto.
-É o que falam as más línguas.
Comecei a rir, pois o Senhor da Torre tinha razão mesmo, mas como eu ia dizer a ele que o Diogo Botelho foi denunciado à Inquisição, na segunda que ocorreu no Brasil, cujo Inquisidor era Dom Marcos Texeira, pelo seu pajem Fernão Roiz de Souza, que confessou ter cometido ambos o “pecado nefando da sodomia”, por inúmeras vezes ao longo de dez anos”[5].
O homem era, como se pode ver um retado, e há ainda muitas estórias sobre ele, estórias que contarei da próxima vez que o senhor da Torre aparecer, e esteja tão falante quanto hoje, embora tenha saído sem dar até logo.



[1] Documentos do tempo de Diogo Botelho relativos ao Ceará, 1912.
[2] ROMEIRO, Adriana, Corrupção e Poder no Brasil, Uma História, Séculos XVI a  XVIII, 2017,https//playgoogle.com?books/reader, acessado em 31/12/2018. .
[3] Idem
[4] Ibidem
[5] Ibidem, Idem

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