segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Garcia D´Ávila XVI -Conversado sobre TOMACAÚNA - O garanhão do sertão.


Estava doida para ver o Sr. Garcia, Chamei-lhe algumas vezes, mas o desgraçado so aparece quando quer mesmo. Fiz concentração, pedi ajuda aos espíritos de luz, enfim, mas nada de nada. O miserável debochava de mim mesmo, porque tenho certeza que ele estava vendo a minha aflição para entrar em contato com ele, bem ali, juntinho de mim, e sem se fazer perceber, ria de mim.
Estudando, como sempre, o período  colonial na Bahia, logo no seu inicio e exatamente num de extrema importância, que foi a época da visitação do Santo Officio ao Brasil, o que ocorreu entre 1591 – 159, deparei com um nome que me chamou muito a atenção: TOMACAUNA e eu queria muito saber do senhor Garcia quem realmente foi o Sr. DOMINGOS FERNANDES NOBRE.
Dito senhor era um  mameluco nascido em Pernambuco, filho de índia com um branco. Casou-se com uma branca, viveu muito tempo entre os índios, e por isso mesmo, recebeu a alcunha de Tomacaúna, de acordo com (VAINFAS.1995;76) era um homem corpulento, predador de índios e homem  de confiança de Fernão  Cabral.[1]
Miserável este Sr Garcia, queria tanto que ele me contasse sobre a vida deste mameluco. Queria que ele me dissesse como foi a expedição que o Governador Luiz de Brito determinou ao sertão de Arabó, isto em 1576. Antes ele estivera em Porto Seguro, 1572  e sob o pretexto de estar procurando ouro, estava mesmo caçando índios.
O homem era o todo poderoso e o preferido das autoridades quando o assunto era escravizar índios, descer índios.
Na Inquisição no ano de 1592 foi, voluntariamente, confessar e em sua confissão disse ser filho de Joana (negra do gentio) e de Miguel Fernandes, branco e pedreiro e o nome da sua esposa era Isabel Beliaga[2]
Na sua confissão afirma que viveu durante 36 anos com os índios e sem rezar ou confessar além de confessar muitas e muitas outras faltas:
a)        pecou com o pecado da carne com duas moças suas afilhadas;
b)      Tingia-se com urucum como os gentios;
c)       Colocava penas na cabeça e dançava com os gentios:
d)      Cantava as musicas gentílicas na língua gentílica;
e)       Quando esteve no Arabó tinha duas mulheres gentias;
f)       Que se riscou da maneira gentia, rasgando a carne levemente com um dente de bicho chamado paca:
g)      Que fumava a erva santa;
h)      Andava nú como os gentios;
i)        Que teve sete mulheres em Ilheus;
j)        Que deu armas aos gentios;
k)      Que reverenciou, fingidamente, o ídolo  da abusão(Santidade)
l)        Que adorou o dito papa da Santidade:
m)    Que sempre comeu carne na Quaresma;
A confissão deste homem me deixou cheia de curiosidade a respeito dele. Aliás estava intrigada com este garanhão sertanista. Ao que parece, em cada lugar que chegava, recebia dos gentios, mulheres gentias e ele aproveitava mesmo a doação, sem qualquer pudor.
 Queria saber do Sr a Torre qual era a aparência deste garanhão nordestino. Bom, mas com a ausência total do Sr. da Torre, continuei  pesquisando sobre  o TOMACAUNA e descobri mais coisas sobre ele:
O homem era um garanhão nordestino. Aceitava que os indígenas lhe oferecesse as suas filhas, confessou que teve, somente em uma aldeia, sete mulheres, que lhe foram oferecidas. Queria saber do Sr., Garcia como era a aparência deste garanhão nordestino.
Chamei muito o  Sr da Torre, mas parece que ele não ia aparecer mesmo, de repente:
-Queres mesmo saber quem é Tomacaina?
-Pôxa Sr Garcia, eu achei que o senhor não estava a me ouvir. O Sr. aparece quando quer, mas quando eu vos chamo, nada, que tipo de amizade é esta que o senhor tem comigo?  Que egoísmo é este?
-Bom se vais fazer  este discurso vou embora sem dizer-te nada.
-Sou toda ouvidos Senhor, toda ouvidos.
- O Domingos Fernandes Nobre  era um mameluco
[...]...“ os índios denominavam-no sobrinho e o consideravam grande feiticeiro. Se os  índios ameaçavam fugir para o litoral durante a longa jornada, ele os intimidava por meio de sua magia. Assim sendo  gozava o que havia de melhor em ambas as sociedades, era respeitado como traficante de escravos e sertanista pelos colonos: era honrado como um grande pajé pelos índios. Confessou à Inquisição que “muitas vezes disse que não queria vir se do sertão pois nele tinha muitas mulheres e comia carne nos dias defesos e fazia o mais que queria sem ninguém lhe tomar conta” [3]
-  Viver agradando a dois senhores deve ser difícil? Mas penso que muita gente queria estar em seu lugar. Um homem que conseguia dar conta de tantas mulheres devia ser muito másculo, muito forte. Como era ele fisicamente.
- O que queres com este homem? Por que tanto interesse. Queres ter alguma espúria relação com ele?
Não pude contar o riso, o senhor da Torre ficou zangado pelo meu interesse no Sr. Domingos. – O que estás a dizer Senhor Garcia?, Meu interesse neste senhor é apenas contar a sua história, as pessoas da minha época precisam saber da existência dele, assim como da do senhor, ambos tiveram uma grande participação na colonização e na dominação dos indígenas. Estas palavras acalmaram um pouco o Senhor da Torre, não muito, porque ele era narcisista e não gostava de dividir qualquer gloria(ele achava isto que capturar índios e fazê-los trabalhar era glorioso) com ninguém, mas continuou a falar do garanhão nordestino.
- Não vejo nenhuma qualidade física no Domingos, um homem que tem muitas escarificações: [...]“deixou-se escarificar nas coxas e nádegas com um dente de paca e preencheu os ferimentos com pólvora negra para que as cicatrizes fossem permanentes, estas listas eram a insígnia de um guerreiro que havia matado muitos inimigos. Ele fumou o alucionogeno “erva santa” dos índios..”[4] Enfim, não tinha qualquer atrativo, mas, mesmo assim,  casou-se com uma mulher branca: pobre coitada, pouco via o marido que estava em constantes  expedições para descer índios e combate-los, contendo as suas investidas às fazendas.
-Rapaz! Disse eu, o homem era todo tatuado, e os índios foram os primeiros tatoos  brasileiros, kkkk
-O que dizes? Não estou a entender-te.
-Deixa para lá senhor Garcia, o senhor não entenderia se lhe explicasse
-Estas a me chamar de parvo?
-De maneira alguma, não seria louca a este ponto, mas fale-me mais deste senhor que agradava tanto  gregos e a troianos. Diga-me porque um homem que prestava tanto bons serviços aos portugueses foi denunciado na Inquisição?
- Ora o homem podia prestar serviços, mas era um “mameluco”  tinha de respeitar  as leis portuguesas e as leis da Igreja, desrespeitou todas as duas ao se meter com índios, a seguir os seus costumes, a cometer  heresias, além do mais era  da total confiança do Fernão de Athaide, que por sua vez era muito amigo do Teles Barreto, tanto que o Governador, em 1585,  mandou retornar a expedição oficial comandada por Alvaro Rodrigues, que fora ao encalço dos índios da abusão da Santidade e deixasse de perseguir o Tomacúna..
-Senhor Garcia, nunca passou pela vossa cabeça, que tudo isto que o Tomacauna fez e faz  é uma estratégia  para convencer índios a se transferirem para as aldeias?
- Todavia, não precisava viver com eles, ter tantas mulheres indígenas, abandonar a sua família e se deliciar com as indiazinhas eu lhe eram oferecidas. Ele viveu muito tempo com eles, seguia os seus costumes, e eu não entendo porque nunca foi punido e era tão respeitado pelos portugueses.
- Ora senhor Garcia, qualquer homem que tivesse a fama do Tomacauna seria respeitado nesta colônia. O homem falava a língua  dos indígenas, tinha dialogo com eles, conhecia as trilhas para encontra-los, descia índios e mais índios. O Senhor mesmo já utilizou os serviços dele e de tantos outros para descer índios e os fazer de escravos e expulsá-los das suas terras e vingar as invasões e os incêndios nas suas terras.[5]
- Tens um prazer e uma coragem enorme em irritar-me, mas gosto da vossa ousadia, nunca nenhuma mulher falou ou fala comigo assim com falas, mas, fiques atenta, porque posso perder a paciência. Mas diga-me lá, que lugar é estes em que estas agora? Demorei para encontrar-te.
- O Senhor não está a reconhecer este lugar?
Não, não estou.
-Ora senhor Garcia estou em cercanias de Itapoã? Não reconheces as tuas terras?
-Nunca isto aqui foi Itapoã.
- Este sítio agora chama-se Stela Maris, uma continuação das terras de Itapoa, fica perto de Ipitanga, e seguindo adiante o Sr bem sabe onde vai dar; Abrantes, Arembepe, Jacuíoe, e depois de alguns outros lugarejos em sua Tatuapara.
- Não vou ligar para o que dizes, pois não reconheço estas terras tão cheia de casas diferentes como Itapoa~ isto não é a minha fazenda.
Precisava voltar a falar do Tomacaúna, a conversa estava bandeando para outro assunto e eu não queria perder o foco.
- Senhor Garcia, os portugueses sabendo que o Tomacauna era um depravado, porque nunca fizeram nada contra ele?
-Já vos disse, o homem era de uma importância muito grande para os colonos, e ninguém estava preocupado com o que ele fazia com as indiazinhas, com as suas próprias afilhadas, enfim, além de tudo tinha o Fernão Cabral por trás de si.
- É realmente: quem dos portugueses poderia falar de Tomacaúna se faziam o mesmo?  Me arrependi imediatamente de ter falado isto, pois o Sr Garcia tinha a fama dele também, lembrando que a filha dele, a Isabel, era filha de uma índia, os outros filhos que teve também o foram´.
Agora já era tarde, o Senhor da Torre me fuzilava, começou a avançar, chegar mais perto de mim, Eu tentava me controlar e não demonstrar medo, mas ele vinha mesmo muito aborrecido.
Senhor Garcia o senhor sabe que ele foi denunciado na Inquisição não sabe? Sabe que ele foi julgado?
-Não quero mais falar sobre este depravado mameluco e não permito que me compares a este predador de índios. Dizendo isto  o Senhor da Torre virou-se de costa para mim e caminhou em direção ao mar, desaparecendo, mais uma vez.
Fiquei ali pensando na história de Tomacaúna com as índias, e vendo o quanto ainda deste ranço  de garanhão  continua em nossos tempos, em que os homens ainda pensam que as mulheres todas estão à disposição para satisfação dos seus instintos sexuais. Ainda bem que, mesmo com toda este machismo, nos, mulheres, também já temos a liberdade de escolher os nossos parceiros sexuais  e dizer não aos mais atrevidos.
























[1] VAINFAS, Ronaldo  Heresia dos Índios, Catolicismo  Rebeldia no Brasil Colonial, São Paulo, Cia das Letras, 1995,
[2] VAINFAS, Ronaldo(Org)  Santo Oficio da Inquisição de Lisboa -Confissões da Bahia  SP, Cia das Letras, 1997, pp. 346-358
[3] HEMMING John.  Ouro Vermelho – A Conquista dos Índios Brasileiros. Tradução de Caros Eugênio Marcondes de Moura, SP, USP, 2007, p 238.
[4] Idem pg 238.
[5] “ a nova abusão a que se pôs o nome de santidade – afirmava o governador –“ foi a causa de por esta terra haver muita alteração, fugindo para ela os mais índios, assim forros como cativos, pondo fogo às fazendas”. Teles Barreto não exagerara: os índios haviam incendiado a fazenda do Conde de Linhares, matando colonos, a fazenda de Garcia d`Ávila, grande potentado da capitania e o aldeamento jesuítico de Santo Antonio aonde !trataram mal os padres, pra citar as revoltas mais afamadas ( VAINFAS 1995)

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