Estava
doida para ver o Sr. Garcia, Chamei-lhe algumas vezes, mas o desgraçado so
aparece quando quer mesmo. Fiz concentração, pedi ajuda aos espíritos de luz,
enfim, mas nada de nada. O miserável debochava de mim mesmo, porque tenho
certeza que ele estava vendo a minha aflição para entrar em contato com ele,
bem ali, juntinho de mim, e sem se fazer perceber, ria de mim.
Estudando,
como sempre, o período colonial na
Bahia, logo no seu inicio e exatamente num de extrema importância, que foi a
época da visitação do Santo Officio ao Brasil, o que ocorreu entre 1591 – 159,
deparei com um nome que me chamou muito a atenção: TOMACAUNA e eu queria muito
saber do senhor Garcia quem realmente foi o Sr. DOMINGOS FERNANDES NOBRE.
Dito
senhor era um mameluco nascido em
Pernambuco, filho de índia com um branco. Casou-se com uma branca, viveu muito
tempo entre os índios, e por isso mesmo, recebeu a alcunha de Tomacaúna, de
acordo com (VAINFAS.1995;76) era um homem corpulento, predador de índios e
homem de confiança de Fernão Cabral.[1]
Miserável
este Sr Garcia, queria tanto que ele me contasse sobre a vida deste mameluco. Queria que ele me dissesse como foi a expedição que o Governador Luiz de Brito
determinou ao sertão de Arabó, isto em 1576. Antes ele estivera em Porto
Seguro, 1572 e sob o pretexto de estar
procurando ouro, estava mesmo caçando índios.
O
homem era o todo poderoso e o preferido das autoridades quando o assunto era
escravizar índios, descer índios.
Na
Inquisição no ano de 1592 foi, voluntariamente, confessar e em sua confissão
disse ser filho de Joana (negra do gentio) e de Miguel Fernandes, branco e
pedreiro e o nome da sua esposa era Isabel Beliaga[2]
Na
sua confissão afirma que viveu durante 36 anos com os índios e sem rezar ou
confessar além de confessar muitas e muitas outras faltas:
a) pecou com o pecado da carne com duas moças
suas afilhadas;
b) Tingia-se com urucum como os
gentios;
c) Colocava penas na cabeça e dançava
com os gentios:
d) Cantava as musicas gentílicas na
língua gentílica;
e) Quando esteve no Arabó tinha duas
mulheres gentias;
f) Que se riscou da maneira gentia,
rasgando a carne levemente com um dente de bicho chamado paca:
g) Que fumava a erva santa;
h) Andava nú como os gentios;
i)
Que
teve sete mulheres em Ilheus;
j)
Que
deu armas aos gentios;
k) Que reverenciou, fingidamente, o
ídolo da abusão(Santidade)
l)
Que
adorou o dito papa da Santidade:
m) Que sempre comeu carne na Quaresma;
A
confissão deste homem me deixou cheia de curiosidade a respeito dele. Aliás
estava intrigada com este garanhão sertanista. Ao que parece, em cada lugar que
chegava, recebia dos gentios, mulheres gentias e ele aproveitava mesmo a
doação, sem qualquer pudor.
Queria saber do Sr a Torre qual era a
aparência deste garanhão nordestino. Bom, mas com a ausência total do Sr. da
Torre, continuei pesquisando sobre o TOMACAUNA e descobri mais coisas sobre ele:
O
homem era um garanhão nordestino. Aceitava que os indígenas lhe oferecesse as
suas filhas, confessou que teve, somente em uma aldeia, sete mulheres, que lhe
foram oferecidas. Queria saber do Sr., Garcia como era a aparência deste
garanhão nordestino.
Chamei
muito o Sr da Torre, mas parece que ele
não ia aparecer mesmo, de repente:
-Queres
mesmo saber quem é Tomacaina?
-Pôxa
Sr Garcia, eu achei que o senhor não estava a me ouvir. O Sr. aparece quando
quer, mas quando eu vos chamo, nada, que tipo de amizade é esta que o senhor
tem comigo? Que egoísmo é este?
-Bom se
vais fazer este discurso vou embora sem
dizer-te nada.
-Sou toda
ouvidos Senhor, toda ouvidos.
- O
Domingos Fernandes Nobre era um mameluco
[...]...“ os índios denominavam-no
sobrinho e o consideravam grande feiticeiro. Se os índios ameaçavam fugir para o litoral durante
a longa jornada, ele os intimidava por meio de sua magia. Assim sendo gozava o que havia de melhor em ambas as
sociedades, era respeitado como traficante de escravos e sertanista pelos
colonos: era honrado como um grande pajé pelos índios. Confessou à Inquisição
que “muitas vezes disse que não queria vir se do sertão pois nele tinha muitas
mulheres e comia carne nos dias defesos e fazia o mais que queria sem ninguém
lhe tomar conta” [3]
- Viver agradando a dois senhores deve ser difícil?
Mas penso que muita gente queria estar em seu lugar. Um homem que conseguia dar
conta de tantas mulheres devia ser muito másculo, muito forte. Como era ele
fisicamente.
- O que
queres com este homem? Por que tanto interesse. Queres ter alguma espúria
relação com ele?
Não pude
contar o riso, o senhor da Torre ficou zangado pelo meu interesse no Sr.
Domingos. – O que estás a dizer Senhor Garcia?, Meu interesse neste senhor é
apenas contar a sua história, as pessoas da minha época precisam saber da
existência dele, assim como da do senhor, ambos tiveram uma grande participação
na colonização e na dominação dos indígenas. Estas palavras acalmaram um pouco
o Senhor da Torre, não muito, porque ele era narcisista e não gostava de
dividir qualquer gloria(ele achava isto que capturar índios e fazê-los
trabalhar era glorioso) com ninguém, mas continuou a falar do garanhão
nordestino.
- Não vejo
nenhuma qualidade física no Domingos, um homem que tem muitas escarificações:
[...]“deixou-se escarificar nas coxas e nádegas com um dente de paca e
preencheu os ferimentos com pólvora negra para que as cicatrizes fossem
permanentes, estas listas eram a insígnia de um guerreiro que havia matado
muitos inimigos. Ele fumou o alucionogeno “erva santa” dos índios..”[4] Enfim,
não tinha qualquer atrativo, mas, mesmo assim,
casou-se com uma mulher branca: pobre coitada, pouco via o marido que
estava em constantes expedições para
descer índios e combate-los, contendo as suas investidas às fazendas.
-Rapaz!
Disse eu, o homem era todo tatuado, e os índios foram os primeiros tatoos brasileiros, kkkk
-O que
dizes? Não estou a entender-te.
-Deixa para
lá senhor Garcia, o senhor não entenderia se lhe explicasse
-Estas a me
chamar de parvo?
-De maneira
alguma, não seria louca a este ponto, mas fale-me mais deste senhor que
agradava tanto gregos e a troianos.
Diga-me porque um homem que prestava tanto bons serviços aos portugueses foi
denunciado na Inquisição?
- Ora o
homem podia prestar serviços, mas era um “mameluco” tinha de respeitar as leis portuguesas e as leis da Igreja,
desrespeitou todas as duas ao se meter com índios, a seguir os seus costumes, a
cometer heresias, além do mais era da total confiança do Fernão de Athaide, que
por sua vez era muito amigo do Teles Barreto, tanto que o Governador, em 1585, mandou retornar a expedição oficial comandada
por Alvaro Rodrigues, que fora ao encalço dos índios da abusão da Santidade e
deixasse de perseguir o Tomacúna..
-Senhor
Garcia, nunca passou pela vossa cabeça, que tudo isto que o Tomacauna fez e
faz é uma estratégia para convencer índios a se transferirem para
as aldeias?
- Todavia, não precisava viver com eles, ter tantas mulheres indígenas, abandonar a sua
família e se deliciar com as indiazinhas eu lhe eram oferecidas. Ele viveu
muito tempo com eles, seguia os seus costumes, e eu não entendo porque nunca
foi punido e era tão respeitado pelos portugueses.
- Ora
senhor Garcia, qualquer homem que tivesse a fama do Tomacauna seria respeitado
nesta colônia. O homem falava a língua
dos indígenas, tinha dialogo com eles, conhecia as trilhas para
encontra-los, descia índios e mais índios. O Senhor mesmo já utilizou os
serviços dele e de tantos outros para descer índios e os fazer de escravos e
expulsá-los das suas terras e vingar as invasões e os incêndios nas suas
terras.[5]
- Tens um
prazer e uma coragem enorme em irritar-me, mas gosto da vossa ousadia, nunca
nenhuma mulher falou ou fala comigo assim com falas, mas, fiques atenta, porque
posso perder a paciência. Mas diga-me lá, que lugar é estes em que estas agora?
Demorei para encontrar-te.
- O Senhor
não está a reconhecer este lugar?
Não, não
estou.
-Ora senhor
Garcia estou em cercanias de Itapoã? Não reconheces as tuas terras?
-Nunca isto
aqui foi Itapoã.
- Este
sítio agora chama-se Stela Maris, uma continuação das terras de Itapoa, fica
perto de Ipitanga, e seguindo adiante o Sr bem sabe onde vai dar; Abrantes,
Arembepe, Jacuíoe, e depois de alguns outros lugarejos em sua Tatuapara.
- Não vou
ligar para o que dizes, pois não reconheço estas terras tão cheia de casas
diferentes como Itapoa~ isto não é a minha fazenda.
Precisava
voltar a falar do Tomacaúna, a conversa estava bandeando para outro assunto e
eu não queria perder o foco.
- Senhor
Garcia, os portugueses sabendo que o Tomacauna era um depravado, porque nunca
fizeram nada contra ele?
-Já vos
disse, o homem era de uma importância muito grande para os colonos, e ninguém
estava preocupado com o que ele fazia com as indiazinhas, com as suas próprias
afilhadas, enfim, além de tudo tinha o Fernão Cabral por trás de si.
- É
realmente: quem dos portugueses poderia falar de Tomacaúna se faziam o
mesmo? Me arrependi imediatamente de ter
falado isto, pois o Sr Garcia tinha a fama dele também, lembrando que a filha
dele, a Isabel, era filha de uma índia, os outros filhos que teve também o
foram´.
Agora já
era tarde, o Senhor da Torre me fuzilava, começou a avançar, chegar mais perto
de mim, Eu tentava me controlar e não demonstrar medo, mas ele vinha mesmo
muito aborrecido.
Senhor Garcia
o senhor sabe que ele foi denunciado na Inquisição não sabe? Sabe que ele foi
julgado?
-Não quero
mais falar sobre este depravado mameluco e não permito que me compares a este
predador de índios. Dizendo isto o
Senhor da Torre virou-se de costa para mim e caminhou em direção ao mar, desaparecendo,
mais uma vez.
Fiquei ali
pensando na história de Tomacaúna com as índias, e vendo o quanto ainda deste
ranço de garanhão continua em nossos tempos, em que os homens
ainda pensam que as mulheres todas estão à disposição para satisfação dos seus
instintos sexuais. Ainda bem que, mesmo com toda este machismo, nos, mulheres,
também já temos a liberdade de escolher os nossos parceiros sexuais e dizer não aos mais atrevidos.
[1]
VAINFAS, Ronaldo Heresia dos Índios,
Catolicismo Rebeldia no Brasil Colonial,
São Paulo, Cia das Letras, 1995,
[2]
VAINFAS, Ronaldo(Org) Santo Oficio da Inquisição de Lisboa -Confissões da Bahia SP, Cia das Letras, 1997, pp. 346-358
[3]
HEMMING John. Ouro Vermelho – A
Conquista dos Índios Brasileiros. Tradução de Caros Eugênio Marcondes de Moura,
SP, USP, 2007, p 238.
[4]
Idem pg 238.
[5] “
a nova abusão a que se pôs o nome de santidade – afirmava o governador –“ foi a
causa de por esta terra haver muita alteração, fugindo para ela os mais índios,
assim forros como cativos, pondo fogo às fazendas”. Teles Barreto não
exagerara: os índios haviam incendiado a fazenda do Conde de Linhares, matando
colonos, a fazenda de Garcia d`Ávila, grande potentado da capitania e o
aldeamento jesuítico de Santo Antonio aonde !trataram mal os padres, pra citar
as revoltas mais afamadas ( VAINFAS 1995)
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