Os dias passaram a ser muito
previsíveis e normais, e ela não gostava nada disto. Gostava do movimento, da
vida, das mudanças. Não queria mudanças radicais, aliás, nunca gostou delas,
mas gostava das mudanças que iam acontecendo no dia a dia, no passar do tempo,
no decorrer da vida. As mudanças realmente precisam existir, mas nada de
radicalismos, de inversão do curso, de retomadas. Todavia, ela que gostava
tanto de esperar o dia seguinte com novas
coisas, com mínimas mudanças, mas
que significavam tanto, agora estava tão somente esperando: esperando talvez o
que não viesse.
Deixou de se cuidar, pelos menos
na sua aparência externa, já não pintava os cabelos que demonstravam todo o seu
passar de anos, agora sem grandes esperanças de um novo momento, um novo
acontecimento, uma nova vida. Os
dias eram divididos entre as leituras,
que já não a satisfaziam mais, a televisão, as suas plantas, que, também em solidariedade a si, já não se mostravam
tão viçosas, como eram há algum tempo atrás.
Fora obrigada a cortar a
goiabeira, podar as palhas do coqueiro, os galhos da pitangueira. O coqueiro, o
mais solidário de todos, resolveu não mais produzir, os seus rebentos caem
antes mesmo de se tornarem coquinhos. A pitangueira pegou uma doença, as folhas
começaram a ficar pretas e os frutos secam antes mesmo de alcançar um tamanho
ideal, não amadurecem, secam apenas, numa demonstração que a planta esta
ressentida.
O jasmim, que fora plantado com
tanta esperança de, não só perfumar o ambiente,
como, também, de resguardar a privacidade do chuveirão, onde ela toma o seu delicioso
banho sem ser alcançada pelos olhos
curiosos dos vizinhos, agora resolveu
secar, no emaranhado dos
seus finos caules está se perdendo e
perdendo a sua função.
O que mais fazer? Parece que tudo
está acabado. Até o colchão da cama onde
algum hóspede
dorme está contra sí, imagine que o derradeiro se queixou de
dores na coluna causada por aquele inimigo, que sabia perfeitamente que se
desse uma bela noite ao hóspede ele seria capaz de voltar.
Fica associando essas coisas e vê
quão a sua vida tornou-se inútil. Não tem
expectativas, acabaram-se os sonhos, não consegue mesmo nem sonhar, uma coisa que adorava fazer,
porque uma grande parte dos seus sonhos de olhos abertos, aqueles que eram possíveis, foram realizados. Chora muito; tenta, com as lágrimas,
afastar o que são pesadelos agora, os sonhos que sabe, não
realizará mais, acabaram-se as ilusões, sua alma está em completa amorfia. A vida nova de alguns, que vieram sem
ser chamados, quer se meter na sua
violentamente, e ela está vendo
tudo acontecer sem reação, a não ser a
pior delas, a que se reflete no seu
próprio eu, que mais desgastado fá-la
mais dura, mais arredia, mais triste, mais solitária, mais descrente.
Muitas traições, muitas
decepções, muitas separações, muitas distâncias e ela, que gostava tanto de sorrir, de fazer alguém
feliz, de ser feliz por isso mesmo, por poder fazer o outro feliz, está ali, sozinha diante dos seus livros com
pó, de vidros embaçados, de um
ventilador que não ventila, de uma vida que se está indo embora com a sua dor,
que ela não quer dividir com ninguém, pois se não pode dividir felicidade, também
não vai incomodar ninguém com a sua desesperança, a sua infelicidade, o seu não viver.
É! Pensava que já tinha passado
tudo na vida, de bom e de ruim, mas depois dos últimos acontecimentos, aos
quais não deu causa, só sofre as consequências, nota que apesar da monotonia de seus dias, do pouco movimento que faz para mudar as suas coisas, outrem o
faz por ela, da pior maneira possível, mas o faz, deixando, cada dia mais,
marcas indeléveis, que nenhum bálsamo
pode curar, apenas a deixarão dependente dele, que pode não estar disponível quando ela, efetivamente, precisar.
Duas amigas - Reflorescimento |
Ela é, apesar de tudo, grande e sabe perdoar, e o faz agora, em relação àqueles que tanto a tem magoado, com ações, omissões, desrespeito, descaso. Sabe que um dia perceberão o erro que estão cometendo, talvez tarde para eles, que já não terão mais tempo de, nem mesmo, aceitarem este perdão.
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