terça-feira, 26 de novembro de 2013

Desalento

Os dias passaram a ser muito previsíveis e normais, e ela não gostava nada disto. Gostava do movimento, da vida, das mudanças. Não queria mudanças radicais, aliás, nunca gostou delas, mas gostava das mudanças que iam acontecendo no dia a dia, no passar do tempo, no decorrer da vida. As mudanças realmente precisam existir, mas nada de radicalismos, de inversão do curso, de retomadas. Todavia, ela que gostava tanto de esperar o dia seguinte com novas  coisas,  com mínimas mudanças, mas que significavam tanto, agora estava tão somente esperando: esperando talvez o que não viesse.
Deixou de se cuidar, pelos menos na sua aparência externa, já não pintava os cabelos que demonstravam todo o seu passar de anos, agora sem grandes esperanças de um novo momento, um novo acontecimento, uma nova vida.  Os dias  eram divididos entre as leituras, que já não a satisfaziam mais, a televisão, as suas plantas, que, também  em solidariedade a si, já não se mostravam tão viçosas, como eram há algum tempo atrás.
Fora obrigada a cortar a goiabeira, podar as palhas do coqueiro, os galhos da pitangueira. O coqueiro, o mais solidário de todos, resolveu não mais produzir, os seus rebentos caem antes mesmo de se tornarem coquinhos. A pitangueira pegou uma doença, as folhas começaram a ficar pretas e os frutos secam antes mesmo de alcançar um tamanho ideal, não amadurecem, secam apenas, numa demonstração que a planta esta ressentida.
O jasmim, que fora plantado com tanta esperança de, não só perfumar o ambiente,  como, também, de resguardar a privacidade  do chuveirão, onde ela toma o seu delicioso banho sem  ser alcançada pelos olhos curiosos dos vizinhos, agora resolveu  secar, no emaranhado  dos seus  finos caules está se perdendo e perdendo a sua função.
Sim, tudo está triste na casa. A terra, apesar de receber a seiva todos os dias,  seca numa rapidez, mostrando toda a sua aridez, aridez que se confunde com a aridez  daquela que cuida dela. A grama, outrora verde, muito verdinha, aparece queimada aqui e ali,  montinhos de barro que parecem passados na peneira, se mostram em alguns  cantos, são as formigas querendo devorar o que ainda pode ser devorado. Os “venenos” colocados não são suficientes para matar as danadas, que, diferentemente dela, insistem em fazer os dias diferentes: a cada momento um deslocamento, um outro buraco aparece, mais uma  planta devorada, mas um caminho sendo  aberto por maravilhosas trilhadeiras.  Ela está atenta, mas sem a coragem de  mover-se para mudar o rumo de tudo isto, parecia que  queria, juntamente com o que  “deu vida”, desaparecer de uma vez por todas.  Era inútil malhar em ferro frio, as coisas estavam, ou melhor, saíram do seu controle, em todos os aspectos: finanças, emoção, amor,  tudo parecia  querer contrariar uma existência  que sempre foi  preenchida por lutas, vitórias, esperança, mudanças, realizações.
O que mais fazer? Parece que tudo está acabado. Até o colchão da cama  onde algum hóspede
dorme está contra sí, imagine que o derradeiro se queixou de dores na coluna causada por aquele inimigo, que sabia perfeitamente que se desse uma bela noite ao hóspede ele seria capaz de voltar.
Fica associando essas coisas e vê quão a sua vida tornou-se inútil. Não tem  expectativas, acabaram-se os sonhos, não consegue  mesmo nem sonhar, uma coisa que adorava fazer, porque uma grande parte dos seus sonhos de olhos abertos, aqueles que  eram possíveis, foram realizados.  Chora muito; tenta, com as lágrimas, afastar  o que  são pesadelos agora, os sonhos que sabe, não realizará mais, acabaram-se as ilusões, sua alma está em completa  amorfia. A vida nova de alguns, que vieram sem ser chamados, quer se meter na sua  violentamente, e ela está  vendo tudo acontecer sem  reação, a não ser a pior delas,  a que se reflete no seu próprio eu, que mais desgastado fá-la  mais dura, mais arredia, mais triste, mais solitária, mais descrente.
Muitas traições, muitas decepções, muitas separações, muitas distâncias e ela, que  gostava tanto de sorrir, de fazer alguém feliz, de ser feliz por isso mesmo, por poder fazer  o outro feliz, está  ali, sozinha diante dos seus livros com pó,  de vidros embaçados, de um ventilador que não ventila, de uma vida que se está indo embora com a sua dor, que ela não quer dividir com ninguém, pois se não pode dividir felicidade, também não vai  incomodar ninguém com a sua  desesperança,  a sua infelicidade, o seu não viver.
Entretanto, há uma tênue esperança de sobrevivência, e ela vai se agarrar a isto; e, quem sabe: mais uma vez possa florescer  e com ela as suas plantas, as suas árvores, os seus sonhos. Sabe que tem que se agarrar a esta esperança, e é o que tentará fazer,  e o que efetivamente fará, porque  sua capacidade de regeneração é incrível, ela sabe disto, mesmo quando o ser humano lhe magoa tanto numa vingança  miserável própria daqueles que não tem qualquer princípio ou nobreza de alma.
É! Pensava que já tinha passado tudo na vida, de bom e de ruim, mas depois dos últimos acontecimentos, aos quais não deu causa, só sofre as consequências, nota que apesar da monotonia de seus dias, do pouco movimento  que faz para mudar as suas coisas, outrem o faz por ela, da pior maneira possível, mas o faz, deixando, cada dia mais, marcas indeléveis, que  nenhum bálsamo pode curar, apenas a deixarão dependente dele, que pode não estar disponível quando ela, efetivamente, precisar.
Duas amigas - Reflorescimento

Ela é, apesar de tudo, grande e sabe perdoar, e o faz agora, em relação àqueles que tanto  a tem magoado, com ações, omissões, desrespeito, descaso. Sabe que um dia perceberão  o erro  que estão cometendo, talvez tarde para eles, que já não terão  mais tempo de, nem mesmo, aceitarem este perdão.

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