O galinheiro estava em alvoroço,
o galo do pedaço estava apático, já não procurava mais as galinhas, que se
insinuavam, enquanto ele fugia com evasivas idiotas. A uma ele dizia que tinha que fazer ronda,
defender o galinheiro de intrusos, a outra dizia que tinha que olhar os pintinhos
recém chegados, a uma outra que ele tinha de fazer entrevistas com os frangos
para saber quem poderia, no caso dele faltar, assumir o seu lugar, enfim,
desculpas esfarrapadas, que as frenéticas galinhas não aceitavam e cacarejavam
durante todo o dia, todas desesperadas e desconfiadas das saídas estratégicas
do galo, que desaparecia no decorrer do dia sem que ninguém o localizasse nas
proximidades.
O dono do galinheiro já estava
cansado de correr até ali para ver o que estava acontecendo, para ele, na sua
inocência galinsexual, havia algum invasor na área, e lá vinha ele com a sua
espingarda para espantar quem quer que fosse.
O negócio estava tão violento que
ele resolveu chamar o veterinário. Alguém, cientificamente, tinha de explicar
aquele alvoroço diário, que vinha acontecendo de uns meses para cá, inclusive
em relação à diminuição da produção de ovos e, consequentemente, de pintos.
O galo, exibido, quando o dono
chegava perto do galinheiro, começava a cantar, abrir as suas imponentes asas
coloridas e se punha a correr de um lado para outro circundando todo o galinheiro,
mostrado o seu serviço. Nestes momentos, as galinhas cacarejavam mais ainda,
diziam uma para outra que aquele filho da mãe não cumpria as suas obrigações
sexuais, de marido e ficava se mostrando para o patrão daquela maneira.
Galinhalda, a mais antiga das esposas, convocou uma reunião de urgência, falou com a mais fofoqueira delas, a
Galianete, a terceira ou quarta que chegou no galinheiro e tinha mania de
investigadora, pois questionava tudo, queria saber da vida de todos, e ainda
queria acompanhar o marido, quando este tinha alguma missão quase impossível
para resolver; faladeira e curiosa era a indicada para arregimentar as demais esposas. Galinhalda escolheu a data e, como estava
próxima do aniversário do galo, fez com que todas pensassem que que o assunto
seria a festa, que todos os anos era feita em homenagem ao “macho do poleiro”,
teve o cuidado, entretanto, de solicitar que elas comparecessem sem a família, porque se elas todas
resolvessem trazer a prole o negócio não
ia dar certo, a reunião ia falhar, o assunto não iria ser resolvido com as mães com os filhos embaixo das asas.
No dia designado a fila se formou
na porta da entrada do poleiro de Galinhalda, que de óculos “ray ban”, com lente
especial, recebia uma a uma catalogando os nomes, data de nascimento, data do casamento
oficial ou não, enfim, dados importantes, a critério dela, para que se chegasse
a uma conclusão técnica a respeito da abstinência do “galo”.
A primeira que chegou foi a Galinhária. Vinha se arrastando quase, já estava bem
velhinha. Quando jovem costumava ciscar no terreiro alheio, e foi
exatamente por isso que conheceu o Galdêncio, era este o nome do infeliz. Ela
deixou o seu terreiro e foi se abancar no dele. Para tê-la consigo ele brigou
com muita gente, com os pais, que ainda vivos, não se conformavam com escolha,
sabiam que teriam problemas futuros com o galinheiro de origem daquela galinha
loura, que na verdade não era loura, aquelas penas eram oxigenadas.
Como já era uma franga mais velha e experiente, já tinha rodado outros
galinheiros da região, não tinha uma boa fama, os frangos da redondeza
comentavam, já tinham pegado aquela franga, teve um que garantiu que a comida rendeu alguns pintinhos, que ela
dispensou, e cada um tomou o seu rumo.
Ela até sumiu por uns tempos também, mas voltou, e ele, com pena, deixou
que ela ficasse ali, com a condição de não tentar comer os franguinhos novos e nem
colocar caraminholas na cabeça das franguinhas; ela, como não tinha mais com
quem contar, se conformou e ali ficou, mas ainda se sentindo um pouco dona do
pedaço, tanto assim que foi logo a primeira a atender ao chamado. Na verdade as galinhas não gostavam dela, mas
por medo do macho, tratavam-na bem, mas, não tanto, pois sempre havia alguma piadinha mostrando-lhe o seu devido lugar.
Galinhária chegou e tomou acento
num dos lugares, aliás, lugares que foram marcados por Galinhalda, que gostava
de uma hierarquia, afinal, oficialmente, ela fora a primeira e fazia questão de
demonstrar o seu status, não que isto lhe trouxesse qualquer vantagem ou
atenção de Galdêncio, coisas de galinha mesmo, orgulho idiota de quem precisa
de títulos para querer demonstrar poder que não tem.
A segunda a chegar foi a Galinlina tinha ares de estrangeira, alta, loura mesmo, com
um corpo belo. Era elegante, chamava atenção de todos, os franguinhos ficavam
doidos a cada passada dela, olhavam-na disfarçadamente, caso contrário o pai
teria alguma reação violenta, porque ele era muito ciumento com as suas
galinhas, ninguém podia sequer, olhar, passar uma asa, uma pena, tudo
era motivo de briga violenta, expulsão do terreiro, enfim, coisa de macho traído,
galicorno. Ali as regras eram claras, se pé de galinha
não matava pinto, filho de galo não comia galinhas no mesmo terreiro, e a vida
ia seguindo assim, com todos observando o costume, que era passado de pais para
filhos há séculos, a regra era aceita e observada, os poucos que dela fugiram
foram expulsos e terminaram comidos, ou pelos humanos, ou por animais que
circulavam pelos arredores e que eram fascinados por carne de frango novo.
Galinlina teve alguns problemas
de adaptação no terreiro, porque ela também já pertencera a outro terreiro e
fora, sem qualquer cerimônia, conquistada por Galdêncio, que a trouxe para o
galinheiro já com um frango embaixo das asas. A estória durou pouco, tempo
suficiente, entretanto, para a
reprodução de uma franga e um frango,
que, um dia, se foram do galinheiro: uma
para o estrangeiro, o frango para sua cidade natal, mas a mãe ficou ali nas proximidades do galinheiro, até
que foi convidada a, novamente, fazer
parte do harém, o que aceitou de pronto, estava mesmo ficando velha e já
não podia disputar espaço com tanta
franga nova, agora ela já era chamada
de “gaveiranha” (galinha velha e piranha), o que não
recomendava bem para o Galdêncio, que assim tentou proteger a sua reputação.
E lá vai a fila andando, agora
quem dava as caras era Galianete, esta já se sabe das suas qualidades, foi a
responsável pela divulgação da convocação. Chegou, como sempre, chegando; não
dava para não perceber a sua chegada, tinha um riso lindo, um belo rosto, e um
bico ferino. Não reproduziu, e parece que isto lhe deixava irritada e diminuída
perante as demais esposas do Galdêncio.
Sofreu um pouco na mão dele, mas não se intimidou e, apesar de dar umas
escapadelas, pois se envolveu até mesmo com os parentes da Galinhalda, ficou
ali e, de vez em quando, num ato de generosidade do Galdêncio tinha a sua
chance.
A próxima, como sempre, vinha
cheia de orgulho, parecia ter o rei na barriga. Entrou no terreiro trazida por
Galdêncio com toda a pompa, vinha ainda de véu e grinalda, a aliança pendurada
no pescoço trazia pedras encrustadas. Galinice sonhou em ser um dia a dona
do pedaço, a preferida, a escolhida, qualquer coisa assim, mas terminou como
todas as demais, encostada, ou melhor, teve um final pior de que o das outras,
pois o Galdêncio comeu a sua grande e melhor amiga, é o que contam, e ainda a
trouxe para o seu terreiro, forçando uma situação insustentável e que deu
muitas cacarejagem, mas, enfim, tudo se aquietou. Tem um filho que lhe é de uma
fidelidade imensa o Franguei, que lhe devota uma profunda atenção e nutre um
grande desprezo pelo pai, mas ela não deixou a pose, mesmo perdendo o seu
status, que ela pensava ter, de primeira dama para a melhor amiga, que ela,
infelizmente, tinha de engolir no dia a dia do galinheiro. Chegou, olhou com
superioridade para as que já estavam nos seus lugares e muito a contra gosto
tomou o seu assento na cadeira de número quatro.
A quinta se aproximava, penas
castanhas anunciavam a sua chegada, era bonita, sempre o foi, estava mais
velha, mas nada que ofuscasse a beleza da sua juventude, que todos podiam notar
somente em olhá-la hoje. Estava com um
roupa curta, afinal ela ainda queria agradar ao Galdêncio, que gostava que ela
mostrasse as pernas, que eram, efetivamente, bonitas, hoje já apresentavam
alguns sinais dos tempos, gomos de celulite já começavam a macular o que
deveria ser imaculado sempre, mas elas ainda chamavam atenção. Falou com todos e se dirigiu para o seu lugar,
marcado com o número cinco. Ela não se incomodou com o número, sabia exatamente
da sua posição no ranque, o que não gostou foi exatamente de estar acomodada
junto da sua ex-amiga, não sabia qual poderia ser a sua reação, mas teve de se
conformar, regras são regras e Galimira sentou-se ali, todavia ficou sempre na defensiva.
Galinhalda olhava para todas, mas
ainda estava faltando gente. Perguntava-se, e, naturalmente, todas faziam a
mesma pergunta interiormente: Será que a Galinova não vem? Elas bem que souberam
do boato de que ela tinha abandonado o terreiro, e um dos pontos da pauta era
exatamente este, o fato do abandono do galinheiro por parte de Galinova, a
mais jovem delas, que teve autorização até para estudar a mente das demais, fez
até mesmo especialização. Dizem, as más línguas do galinheiro, que o título foi
comprado, que a monografia de final de curso foi feita por terceiro, mas o fato
é que ela tinha especialização em coisas da mente, mui principalmente, da mente
das “ galinhesposas galdêncio” e, de vez em quando, queria aplicar estes conhecimentos
nas demais consortes do seu consorte; o título da monografia: “Galinhas no
poleiro galdêncio – uma harmonia imposta”.
Aguardaram um pouco e, de
repente, aparece a Galinova, mas ela não estava só, vinha acompanhada do Galdêncio.
Todas se entreolharam, aquilo era mesmo uma traição sem precedentes, pois não e
que todas estavam ali para discutir qual o motivo da apatia sexual do Galdêncio
e ela vem exatamente com ele!!!!!. O que ela queria mostrar? Que ele só estava
comendo ela, que era ela, sozinha, a dona do pedaço? O alvoroço foi geral. Os cacarejos viraram
cacalavrões. Chamá-la de galinha
não adiantava, afinal ela era mesmo
uma, chamaram-na de galinranha, galinhuta,
galincana, galingraça ela não estava nem aí, desfilava de asas dadas com o Galdêncio
que, como sempre, mostrava o seu desdém, o seu cinismo o seu desprezo pelas
suas consortes. Todas perceberam que a reunião estava cancelada e que nada ia
mudar, entenderam perfeitamente o recado.
Quando cabisbaixas se dirigiam à
porta de saída, algo inesperado acontece: uma poeira ao longe começa a
aproximar-se rapidamente, muita zoada no galinheiro, todos abrindo espaço para
quem vinha ali levantando a poeira daquela maneira. Quando a distância estava menor, todos puderam
vislumbrar um frango lindo, coxas grossas, penas que começavam castanhas e
terminavam com tons vermelhos, e com algumas mechas pretas: a crista ereta,
demonstrava toda a sua juventude. Vinha correndo muito, dir-se-ia que quase
voava. Ofegava quando chegou junto a
todos. Aí o inesperado, o impossível, o inusitado: “Galdêncio! Soube que
estavam armando um complô contra você e, assim que soube, sai do terreiro e vim
te salvar, não vou deixar que matem o meu grande amor, vamos embora deste galinheiro
sujo, com tantas galinranhas que só querem se aproveitar de você; eu já tenho o
espaço reservado para nós lá no gaylinresorte, onde fomos o ano passado, você
lembra não é?”
Todas atônitas e incrédulas viram
Galdêncio soltar a asa de Galinova e tocar na crista do frango, num afago
digno de cenas de filme de amor, e, ato continuo, de asas dadas seguiram juntos
sob olhar de todos e todas, que, entre indignados e incrédulos, acompanharam os
dois até onde a vista pode alcançar, sem nenhuma palavra, sem nenhum
comentário. Naquele momento as palavras seriam demais, estava tudo explicado,
não havia qualquer dúvida do que estava
acontecendo, e o galinheiro ficou falado por muito tempo, as galintraídas não
arrumaram nenhum outro galo para lhes fazer delícias, foram
condenadas por todos, afinal: galinha que
se preza não perde galo para frango!!!!!!!!
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