Quase três meses se foram e ela
parece ainda passear pelos Becos de
Veneza, se perdendo entre eles a todas as vezes que sai do hotel para ir
para qualquer lugar. Era até engraçado: a noite no quarto do Hotel Bela Veneza, onde ficou hospedada,
ficava fazendo, mentalmente, o caminho faria
dia seguinte: sairia do hotel viraria à esquerda, novamente à esquerda e
pegaria o caminho para a Praça São Marcos, simples assim. Qual o que!
No outro
dia, simplesmente, se
perdia, mas não se importava, não tinha compromissos
maiores e queria andar mesmo por Veneza, queria, entretanto, afastar-se do
borburinho dos turistas. Ponte dos
Suspiros, Praça São Marcos, Gôndolas, A Ponte Rialto, etc., não ela não queria
bem isto. Para chegar ao hotel, caso tomasse um dos vaporetos de qualquer
lugar, teria de passar por quase todos estes lugares, portanto, não queria isto, mas era inevitável, se se perdesse nos becos de Veneza, ia dar no grande canal, na
Praça São Marcos, enfim.
Um dia saiu andando margeando,
onde podia, o grande canal, e depois,
não sabe mesmo onde, entrou à esquerda,
deu numa rua imensa, larga, diferente das demais por onde tinha andando até
agora, quase todas becos que só comportavam, em alguns locais, uma pessoa indo
outra vindo. Nessa rua larga havia diversas casas lindas e muitos restaurantes,
diferentes dos restaurantes que margeiam o grande canal, parecia que aquele
espaço era frequentado, efetivamente,
pelos venezianos. Pequenos mercados, padarias, frutas vendidas nas calçadas.
Parou, comprou uvas e ameixas, continuava andando e chupando, ou melhor,
comendo as uvas, que eram verdes, doces e enormes.
Andou muito e viu um jardim à
direita, entrou nele e, atravessando-o
todo, foi, novamente, parar no grande canal, mas em uma parte em que a
laguna se abre completamente e você visualiza, de uma outra maneira, o centro de Veneza, que está
longe, ela vê e a silhueta da Igreja, do Campanário, algumas torres que
não identifica, nota que andou muito, eu
esta bem distante mesmo do centro, não sabe onde está, mas sabe que voltando pela
margem do canal, ou atravessando
novamente o jardim, vai chegar, outra vez, no centro. Não tem qualquer medo,
parece saber perfeitamente tudo.
Fica ali admirando tudo, anda
mais para frente, chega até um lugar que não pode mais andar para lugar nenhum, porque é só agua. Dá
na marina, há uma igreja do outro lado
e ela atravessa a ponte e chega na
Igreja, está praticamente sozinha, não vê qualquer pessoa por perto. Chega á Igreja e entra, como sempre,
reza e faz um pedido: ainda acredita no que sempre lhe disseram: “quando
se vai pela primeira vez em uma igreja se faz um pedido”. Ela sempre o faz, mas
como pede uma coisa diferente em cada uma que vai, e depois não se lembra a
quem e o que foi pedido, nunca soube se eles foram atendidos pelo santo certo.
Independentemente disto, de ver realizados os seus pedidos, continua pedindo.
A Igreja parece dourada, os raios
do sol fazem com que tudo por perto pareça dourado, até ela mesma, que tirando
uma foto parece estar muito bronzeada,
dourada mesmo, as árvores ajudam,
pois as folhas estão castanhas, quase
douradas também. Vai até a
ponta da marina, olha tudo, e tem de
voltar, porque por ali não há mais caminho de terra a percorrer. Atravessa uma
ponte e passa por um conjunto de casas, como se fosse um conjunto
habitacional. Prédios baixo, portas e janelas hermeticamente fechadas, pensa
para si “Nem com tamanho sol eles abrem
as janelas”, sempre observava isto em
Portugal, parece que a Europa toda é assim mesmo. Uma porta se abre, sai uma senhora pequenina, com vestes
escuras, uma andar cansado. Uma outra porta abre-se, agora é um casal de idosos
que sae dali e segue, de braços dados,
para a caminhada de final da tarde.
Há folhas no chão. No jardim há
flores e estátuas, ela segue sem muitas
preocupações, segue a trilha do caminho,
que não sabe onde vai dar, mas tem a
intuição de que sairá bem próximo ao
jardim em eu tinha entrado antes, e depois de uns quinze minutos, efetivamente, chega ao
tal jardim, de um outro lado, mas é o mesmo jardim.
Agora há muitas pessoas, crianças
brincam, velhos passeiam. Cachorros em
guias passeiam com os seus donos, alguns fazem cooper. Ela continua a sua caminhada olhando tudo,
observando, apenas isto. Não conversa com ninguém, pois, como sempre está só. Ela já não se incomoda tanto
de estar só, aliás, para fazer aquele caminho, daquela maneira, precisava estar só, pois com certeza
ninguém lhe acompanharia naquela caminhada sem destino.
Mas o dia vai se escondendo, o
sol reflete nas águas do canal, que
ganham vários tons, desde prata até o
amarelo, confundindo-se com o próprio raio de sol. Ela tira várias fotos, que
ficam lindas mesmo. É a Veneza encantada que vê, sente, aprecia.
Anda vagarosamente, vê casais
sentados nas muretas, sente inveja dos beijos ardentes, dos amassos, dos
agrados, dos olhares. Chora, queria estar ali de uma forma diferente, talvez
dando esses mesmos abraços, trocando as mesmas carícias, enfim, mas não é
possível, então continua sua caminhada
de volta ao hotel, por caminhos outros,
pensando tão somente em uma coisa: está a realizar um sonho de muito tempo, que é de conhecer Veneza, e,
de uma maneira ou de outra, amanhã vai ter a companhia de alguém ,com quem idealizou
fazer esta viagem enquanto no auge do
romance de ambos.
Continua caminhando, há muita
gente na rua e ela percebe que
está se aproximando do centro nevrálgico de
Veneza, ou seja, está perto, pertíssimo, do hotel, mas antes de chegar nele, uma
parada, para tomar um bom vinho, sozinha, em uma mesa qualquer de uma terraza
qualquer em Veneza. É o que faz.
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