segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Chãe e Tia Mary

Já tinha saído da Faculdade quando os conheci. A nossa apresentação foi feita na praia de Itapoã, na barraca do Sapo, Rua M ou K, não me lembro, para onde eu ia mais o meu filho aos sábados, enquanto o companheiro jogava bola em Piatã. Eu sempre sózinha mais o garoto, que bebia refrigerante e comia aqueles salgadinhos miseráveis a morrer, não sei como não tinha um troço. Ele também ficava sozinho, eu o olhava da barraca, onde sentava numa mesa e ficava, como sempre, estudando.
A barraca do Sapo era frequentadissima, algumas pessoas eu já conhecia de tanto lá ir, outras conhecia de alguns outros lugares, inclusive do meu ex-trabalho na Dow Química.
Havia de tudo, de puta de carteirinha, a Coronel da Policia Militar, passando por veterinária ébria, contadores medíocres, médicos, advogados, vendedores bem sucedidos.
Pela freqüência de advogados é que encontrei uma minha colega de faculdade de nome Ana, que um dia, estando na praia, me apresentou a um casal: seu irmão e a esposa. Tia Mary e Chãe.
Falávamo-nos de longe, eles tinham um grupo e sempre estavam junto com os membros dele, portanto, eu, que sempre estava sózinha, limitava-me ao cumprimento cordial, educado, nada mais que isso. Ficava olhando aquele grupo e me vinha muitas coisas na cabeça: um grupo tão grande, as mesmas pessoas sempre, umas coisas estranhas, olhares furtivos de uns para os outros. Achava que ali tinha coisas não muito normais, mas a vida era deles, e pouco me incomodava. O que me incomodava era quando aquele Coronel, General, sabe lá o que, feio como os mais feios, pequeno, baixo, mas tirado a gostoso, ficava me olhando, e no dia que teve a chance, por estar com um cliente que já tinha estado no meu escritório para resolver uma questão, e que lhe disse que eu era advogada; disse-me que queria, ao menos, carregar a minha pasta de trabalho. Nem como piada me soou interessante aquilo.
Bom o certo é que conheci os dois: Tia Mari e Chae. Depois deixei de ir ao Sapo e começamos a ir para outros lugares a exemplo de Arembepe. Tininho estava com uma namorada que tinha uma irmã que alugara uma casa lá, e nós começamos a ir. Depois, gostamos tanto, que resolvemos, os quatro, alugar uma casa, Eu, o companheiro, Tininho e a companheira da época.
Perto da casa que alugamos havia um bar, que tenho de fazer aqui um comentário: talvez tenha sido o melhor restaurante de Arembepe há tempos atrás, “CHAMAS” cujos donos: Dantas e Márcia, além de proprietários eram, respectivamente, cozinheira e barmen, mas tudo funcionava bem e era tudo muito do bom. Lembro-me dos grelhados e ainda dá água na boca.
Um dia encontrei o casal ali, Tia Mary e Chãe. Pronto: daí para frente nossas vidas passaram a estar ligadas, não sei se para sempre, mas ligadas. Estavam estavam ali, em Arembepe, segundo eles, há muito tempo. Já tinham passado por diversas casas, seja com Matilde, seja com outras pessoas, e agora estavam com uma casa na rua de detrás do Hotel de Aguiar.
Realmente, do encontro do Chamas para frente ficamos muito ligados. Estávamos sempre juntos, íamos ao Mar Aberto, ao Hotel de Aguiar, em outros botecos em Arembepe. Aprendi a gostar dos dois, mas gostar mesmo, ainda que não concordando com muitas coisas, mas quando a gente gosta é bem assim; para não perdermos as pessoas deixamos muitas coisas de lado.
Através deles conheci Matilda e muitas outras pessoas, embora de quem eu gosto mesmo é da Matilda. Depois descobri que eles conheciam a Malena, a mãe de Carniça. Eles sempre estiveram muito cercados de amigos, bem diferente de mim, que andava mesmo era com os meus familiares, Tininho e as mulheres, se bem que em Arembepe ele aquietou um pouco depois que conheceu a Elba Ramalho dele.
Passei no concurso de Juiz do Trabalho e, por incrível coincidência, tivemos um atrito com os vizinhos da nossa casa alugada, que fizeram um bar no fundo e a entrada era pelo corredor que dava acesso às duas casas, e, não satisfeitos, ainda colocaram uma placa exatamente na casa da frente, que era a nossa. Resultado, quase dá porrada feia. Neste dia fomos dormir no Hotel e não voltamos mais para a casa, a não ser para pegar as coisas. Daí alugamos uma bela casa na beira da praia, eu estava rica, ia ganhar como Juíza, e, portanto podia assumir aquele aluguel, e foi o que fiz. Só que a casa tinha a casa principal e a do caseiro, que a mulher iria alugar a outra pessoa. A experiência não deixou que eu concordasse com isto, e, resultado, resolvi alugar a casa de baixo também. Quando eu e o companheiro tínhamos decidido isto, já com tudo quase certo, Tia Mary e Chãe perguntaram se eles podiam alugar a casa de baixo.Pronto, aí é que ficamos mesmo ligadíssimos.
Estivemos ali durante muito tempo. Ali comprei terreno e comecei a fazer a minha casa em Arembepe. Eles participando de tudo. Vivemos em paz, a não ser quando a Matilda resolvia beber direitinho e, junto com Tia Mary, ficar na minha janela a cantar “e a fonte a cantar, chuá, chuá, e a água correr, chué, chué” e o companheiro a pedir-lhes para pararem porque eu estava cansada. Bons tempos! Ele ainda se preocupava comigo.
Tempo em que Tia Mary espalhou por Arembepe como era o café da manhã da minha casa. Fazia uma propaganda da porra e as pessoas me pediam para serem minhas convidadas para o breakfast.
Nessa casa tínhamos a sessão da tarde. Passávamos o dia quase todo na rua nos embriagando, mas, quando chegava lá pelas cinco da tarde, retornávamos a casa. Aí a gente colocava o disco do Gipsy King e fazíamos uma festa, minha mãe adorava ver-nos dançar e cantar Volare, nao nego não; era mesmo uma maravilha! A sessão da tarde também ficou muito conhecida e badalada. Éramos felizes àquela época. Os meninos nossos, meu e do meu companheiro, ficando homens. As filhas de tia Mary, uma já moça e a outra da mesma idade dos nossos filhos ali também. As irmãs e primas da Elba Ramalho de Tininho eram cobiçadas pelos nossos três filhos. Quantos acontecimentos bons e ruins, mas nada nos afastava. Lembro-me que um dia, estando alguns amigos da tia Mary na lateral da casa deles, que embora bem distante, ficava na frente da minha casa, eu disse: “o limite de vocês é este, daqui para lá é meu”.
Participamos nossas vidas, partilhamos problemas, mas ali, juntos, sem muito dizer às vezes, mas muito sentir em tantas outras.
Minha casa ficou pronta e nós mudamos e tivemos de entregar a casa da praia. Acho que Chãe mais a tia Mary ainda ficaram ali um pouco, não me lembro, mas logo depois eles compraram um terreno e começaram a fazer a casa deles. Nos finais de semana ficavam lá em casa. Minha mãe tinha um prazer enorme em recebê-los. Acreditem se quiserem: ela fazia a cama deles e ainda colocava perfume, pensem aí!
E assim foi a nossa vida até que a tia Mary se mudou para a sua própria casa, uma casa linda, que eu adorava. Ali ficou um centro de confraternização. Estava sempre cheia de amigos, fizemos natais ali, acabávamos as tardes ali, conhecíamos pessoas ali. Enfim, a casa de Tia Mary virou um espaço de lazer para todos nós.
Um dia, estava eu sentada na varanda da casa, e vi uma garrafa de Pepsi - cola pendurada numa árvore e fiz o comentário: aquela árvore deveria dar Pepsi - cola, mas era cheia, e ficava olhando a árvore sempre, coloquei o nome dela de árvore de coca-cola. Um dia, a louca da tia Mary, apenas e tão somente para me agradar, botou uma garrafa de coca-cola cheia pendurada na árvore. A garrafa caiu com o peso, mas o problema foi o que ela passou para que esta garrafa permanecesse ali, primeiro teve que escalar o muro da casa em frente onde a árvore estava; segundo amarrar a fruta, depois ficar de olho para que os moleques não arrancassem a fruta. Veja que porra! E depois ainda dizem que ela é normal.
No verão, íamos para Arembepe durante o mês inteiro. Quando eu estava de férias neste período, também, lá estava, e nós, eu, Tia Mary e Chãe, íamos para o Mar Aberto, parece que tínhamos hora marcada ali. Entravamos as 10:00 e saíamos, bem calibrados, pelas 7 ou mais da noite. Hoje jamais faríamos isto, os preços ficaram além das nossas posses. Nos finais de semana, sexta feira, era dia de reunião no Mar Aberto, a mesa era imensa, Itamar, a Bicuda, Lulu, Ivone, Demacu, Sossó que agora ta só no Só, Tininho e Marta, eu e o companheiro, e claro, os filhos quando estes estavam conosco. Era uma boa farra. Só-só a gastar o dinheiro que enchia a carteira e a demonstrar, sem qualquer pudor, que a carteira estava cheia mesmo e que quem era o cabeça do casal, ao menos em termos de dinheiro, era ela.
Nos dias em que estávamos, tão somente, eu e a tia Mary ficávamos na primeira mesa, quase sempre, aquela que fica no passeio debaixo na esplanada de acesso ao mar. Dalí víamos tudo, entrada e saída e todas as outras mesas, Ali era o meu ponto de observação para fazer a resenha da vida alheia. Tia Mary morria de rir, e eu também, porque idealizava as estórias mais mirabolantes para cada um. Se tinha um casal, eu já dizia que aquilo ali não era um casal casado, eram amantes, porque um marido não ia tratar a mulher daquela maneira: era deste tipo de comentário para frente. “Ah aquele que vem entrando ali é viado, olhe o andar dele”. “aquela outra é puta, olhe só”, e muitos outros.
Tia Mary dizia-me que tinha vergonha de ficar junto de mim, primeiro porque eu dizia liberdade aos outros na tampa da cara, segundo porque gozava a cara dos outros na tampa também, terceiro porque comentava coisas com ela, das pessoas que estavam na nossa frente, muito séria e ela tinha que se controlar, porque eu falava de maneira que ela pudesse ouvir mesmo. Era bom, bom demais!
Por causa de Gerson tive um atrito com os dois, quase afogo o “pau” de Chãe na pimenta, dei uma cacetada na mesa que o molheiro que estava nela derramou em cima dele, exatamente na área de concentração da continuação da espécie.
De outra feita briguei, não sei por que porra, com Tia Mary. Fui lá pedir desculpas. Era assim a nossa relação. O engraçado disto tudo é que só tínhamos este convívio em Arembepe, quase nunca nos víamos em Salvador.
Afasta-mo-nos um pouco depois que o companheiro adquiriu o barco, quero dizer “lancha” porque passamos a ir com menos frequência para Arembepe. Lulu vendeu a casa, Aguiar acabou o hotel, o Mar Aberto ficou fechado, pois os preços impedem a nossa freqüência na assiduidade de antes. Tia Mary e Chãe venderam a casa e só vão a Arembepe de passagem.
Não nos encontramos mais, não tenho mais com quem criar estórias, fico sozinha, como sempre. Bebo meu sorvetinho de cajá numa mesa solitária no Mar Aberto, algumas vezes sento-me na mesma nossa mesa de observação, que viu tanta alegria, tanta coisa boa, tantos momentos felizes, que se resumem hoje, somente, a esta declaração de amor que faço a vocês dois: Itamar e Marione.





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