Fica em Maputo. Hoje está dividido em muitos espaços, mas vou falar, especificamente, de um deles; daquele que guarda a documentação oficial produzida pelos portugueses.
Estou entusiasmada: nunca pensei que fosse chegar tão perto de tanta fonte primária. É bem verdade que o arquivo está instalado num lugar sem as menores condições de funcionamento. Não se tem cadeiras decentes, não se tem água, não há uma copiadora, enfim, não há nada nas dependências do galpão, onde as inúmeras caixas que guardam a história da colonização portuguesa e da própria história de Moçambique e de seu povo, com as suas várias etnias, estão depositadas precariamente.
Nem os funcionários, tampouco os pesquisadores que ali vão, encontram quaisquer condições mínimas de trabalho.
Se o investigador quer tirar uma cópia de algum documento, tem de esperar que um carro venha buscar as pastas e leve para o local onde esta a máquina copiadora, procedimento como qual se corre dois riscos: um deles, e o pior na verdade, é o extravio da própria fonte, porque tudo pode acontecer no caminho entre o arquivo e o local onde se encontra a máquina. Este é um grande, enorme risco para o conhecimento. O outro é para o pesquisador, que tendo trabalho de localizar o documento, marcá-lo, pedir a cópia, fica a mercê de, num mínimo movimento, até o balanço do veículo que leva as caixas, perder todo o seu minucioso trabalho, porque a marcação pode sair do lugar, e aí, trabalho perdido. Por outro lado, a pessoa que tira a cópia, para fazê-lo, desmarca a página, outro grande problema para o pesquisador, porque há o risco do funcionário tirar cópia de página diversa da que se quer. Enfim; tirar cópias de documentos no AHM é mesmo uma prova de paciência, quiçá, é aprender o que Cristo quis dizer quando fala em resignação.
Entretanto, com todas as dificuldades, que não param por aí, porque a cópia do documento é extremamente cara; até se entende o preço, mas o pobre do investigador é penalizado por tentar descobrir as fontes que podem esclarecer muitos pontos ainda obscuros na História da África, não se presta o AHM tão somente para o resgate da História de Moçambique, mas de muitos dos países que lhe fazem fronteira, a exemplo da África do Sul, em razão do Transval e do Rand, da cidade do Cabo, da Suazilândia, Zimbábwe, Tanzânia, Malawi, Zâmbia dentre outros, por isto mesmo é que o investigador deveria ter a sua vida facilitada em termos de cobrança das cópias que, de acordo com a tabela oficial, custa, cada uma, 7,50 meticais. Ou seja, quem precisar tirar 1.000 cópias pagara, aproximadamente, uns 7.500 meticais, equivalente à aproximadamente, no cambio oficial, U$193,00, moeda índice aqui em Maputo, o que é muito. A razão de o investigador tirar cópias dos documentos é o fato de não poder analisá-los, detidamente, no curto espaço de tempo que tem para olhar a documentação no arquivo.
Por outro lado, existem muitos mapas e fotografias em muitas pastas do arquivo, fotografias, por exemplo, que podem, através de si própria, demonstrar o modus vivendi dos povos. Quem trabalha com assimilados tem um manancial enorme de análise com estas fotografias. Mas o que acontece? Não há no prédio onde funciona o arquivo qualquer máquina que proporcione a digitalização do documento.
Na verdade, apesar da riqueza das fontes, o pesquisador se depara com as dificuldades que aqui são identificadas, e que não são só estas. Há também o problema das trocas de caixas: às vezes se procura um documento identificado nos catálogos com um número, quando se encontra a pasta correspondente a ele, não há nada parecido com a descrição do catalogo: estou falando isto porque me aconteceu por várias vezes isto. Como trabalho com a Justiça, para mim era importante encontrar os livros de registro de MILANDOS; para quem não sabe o que se trata, são questões entre os indígenas, que tem as mais variadas causas: família, roubo de animais, devoluções de lobolo, pagamento de lobolo, guarda de filhos, heranças, invasão de machambas, dentre tantos outros que aparecem nos relatórios dos órgãos responsáveis pela resolução deles. Alguns eram resolvidos pelos próprios régulos, cabos e chefes de povoação, mas outros eram submetidos aos administradores, até em casos que os querelantes não se conformavam com a decisão dos chefes. O que me interessava era o registro destes milandos que foram registrados pelos administradores, porque os resolvidos pelos régulos não foram documentados, por óbvio. Encontro eu uma indicação de livro de Registo de Milandos – ano 1922-1959. Fundo da Secretaria de Negócios Indígenas, Cx 11-2841 – C d 2, (registo não está errado, é assim mesmo que é a grafia em português de Portugal). O livro que me é apresentado com esta indicação é um que trata de CONCESSÕES DE TERRENOS A INDIGENAS. Bom valeu porque agora sei que existe um livro que trata disto, mas onde está o de registo de Milandos? O que foi feito dele?
Um outro indicativo: Registo de Milandos 11-2466 B m 4. Encontra-se o livro de nº 2467, 2468 e outros, mas este, que deveria estar na mesma pasta, especificamente este, não está dentro dela. Pergunto se algum investigador está com ele. Não, não há ninguém com ele, e me dizem que está extraviado. Pensem o problema para quem sai do Brasil, passa por Lisboa e segue para Moçambique, apenas e tão somente para encontrar estes dados. Estou ou não aprendendo o que é resignação?
Há outra indicação: desta feita encontrada no ficheiro relativo à Inhambane. –Relação Mensal de Milandos 1897-1899 8-38 M(2) C a 2. O funcionário do arquivo, que vendo a minha dificuldade, fica tão feliz quanto eu, afinal era especificamente uma fonte necessária para o trabalho a desenvolver, e vai buscar a pasta. Novamente uma surpresa para lá de desagradável: a pasta existe, mas não se trata de Milandos, quanto pior, da relação deles.
É um banho de água fria, mas não desanimo, pois a quantidade de caixas que vejo dentro do galpão improvisado em arquivo me dá a certeza que acharei tudo o que quero, e muito mais. O problema agora é o tempo, pois tenho tempo limitado para permanecer em Moçambique, que não concede vistos elásticos para muitos, além do custo de toda a estadia que, pasmem! Correm todos por minha própria conta. Tudo pelo conhecimento!
Bom, mas o que quero que fique bem claro é que, todos aqueles que querem fazer um trabalho sério e fundamentado a respeito da África lusófona tem, certamente, de: em Lisboa, pesquisar na Sociedade de Geografia, Arquivo Histórico do Ultramar, Biblioteca Nacional de Lisboa, Biblioteca do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, mas nada se compara ao Arquivo Histórico de Moçambique e acredito, das demais províncias. Sei que só entende este entusiasmo, apesar de todas as dificuldades descritas, são os amantes da história e de história.
O certo seria que todas as instituições que se interessam pelos estudos africanos se unissem para recuperar, modernizar este arquivo, que muito servirá para o conhecimento e resgate da história do povo africano no geral, e, no caso particular, dos de quem agora falo: dos povos de Moçambique.
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