sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Conexão com o "Além"


Estava a trabalhar numa cidade do interior do Estado da Bahia. Uma cidade famosa e festiva, tanto pelas suas próprias festas, quanto pelos filhos que deu ao Brasil: Caetano Veloso, Maria Bethania, Mabel Veloso, Maria da Purificação de Lira e outros tantos.

Estava em substituição na Junta de Conciliação Julgamento de Santo Amaro da Purificação. Ainda existiam classistas nessa época e o meu secretario de audiência era um rapazinho tímido, calado, a quem eu chamava de “Dico”, hoje já nem sei se posso chamá-lo assim, afinal, é o atual Diretor Geral do TRT da 5ª. Região.

Bom, mas não é disso que quero falar. Quero falar de uma reclamação que foi ali ajuizada:

Quando peguei os autos e foi feito o pregão, no lugar do reclamante, que era um homem, entra uma senhora. Eu pergunto pelo reclamante, e o advogado me diz que ele faleceu e que a esposa estava requerendo a sua habilitação no processo.

Olho os autos e verifico de imediato a data do óbito do “de cujus” reclamante. A data era anterior ao ajuizamento da ação. Olho a data da procuração, que com o óbito não tinha mais qualquer validade, afinal, morto não tem procurador, e vejo que ela foi outorgada, há muito tempo atrás, ao causídico que acompanhava a senhora viúva.

Digo a ele que não posso fazer o que pede, pois não posso aceitar que a viúva seja a representante do espólio, porque na realidade, a ação não deveria ter sido ajuizada mais em nome do falecido, pois o ajuizamento se deu após a morte, portanto quem deveria figurar no pólo ativo da relação processual era o seu espólio, ou até mesmo os seus herdeiros, caso existissem.

O advogado não aceita o argumento. Digo-lhe que desista já indo de encontro á técnica, mas para facilitar tanto a vida da viúva, quanto a do próprio causídico e até mesmo a do Juiz e observar o princípio da celeridade: insisto na desistência, ou, simplesmente, um arquivamento, era só ele e a viúva levantarem da mesa. O doutor advogado se ofende e diz que quer continuar com a ação, porque ele tem entendimento diverso do da “Excelência”.

- Ah! o Senhor quer que a ação continue?

- Quero sim

- Então está bem: Recebi a defesa da parte contrária e, ato contínuo, dado que não havia qualquer documentação anexada, dispenso o interrogatório das partes, até porque não saberia como entrar em contato com o “de cujus”,e dou por encerrada a instrução.

- O advogado do “falecido” protesta. O seu protesto é tomado em ata

A Instrução foi encerrada e os autos vieram conclusos para julgamento.

Não vou copiar aqui toda a decisão, até porque não valeria à pena, tampouco me lembro de todo o texto, mas em toda ela fiz alusão ao “defunto” e da maneira que ele voltou à terra para ajuizar a ação trabalhista, falo de Alan Kardec, de espiritismo e chego, por fim, a dizer que a Justiça do Trabalho não estava aparelhada para receber mensagens do além, por isso mesmo julgava o processo extinto, sem julgamento de mérito, não aceitando que a viúva figurasse como parte, exatamente porque, quando do ajuizamento da ação o seu esposo já falecera, não podendo, pois, ser autor, ou réu, em qualquer processo, a não ser que a Justiça estivesse apta a lhe dar com os espíritos, o que não acontecia.

O que ficou evidente no processo é que o patrono do “de cujus”, apesar de estar de posse da procuração há muito tempo, por qualquer motivo, não ajuizou a ação. Quando soube do falecimento e, procurado pela esposa para saber do andamento da causa, mais que depressa deu entrada na ação, certamente contando que o Juízo não observaria as datas do atestado de óbito e da procuração. Ledo engano!

Para finalizar a decisão, e no momento em que devia eu condenar a parte em custas, encerrei com o seguinte: Deixo de condenar o reclamante em custas, porque ao que me consta, no céu, onde espero que o “de cujus” esteja, não há moeda corrente.

Pois não é que o “doutor advogado” ainda teve coragem de recorrer!

Soube que esta decisão, no momento do julgamento do recurso, foi motivo de muita gozação no Tribunal, tanto por parte de quem assistia ao julgamento, quanto dos julgadores, que, claro; confirmaram a sentença, como não poderia deixar de ser.

Como diria minha mãe: “ quem não ouve sossega, ouve coitado”!



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