quinta-feira, 20 de maio de 2010

Um lindo homem! Meu tio.

Não tenho problemas em contar estórias, mas de vez em quando tenho dúvidas se devo ou não escrevê-las, é que na nossa vida é entremeada de tantas outras, que fica difícil falar de uma sem falar da das pessoas que conosco interagiram.
Mas vou arriscar e vou contar coisas e citar nome de pessoas, nomes reais, personagens de fatos reais.
É o caso do meu tio Celestino. O meu tio Celestino, talvez tenha sido o homem mais bonito que eu já conheci, isto é; até os meus dezesseis anos. Ele morou conosco por algum tempo, aliás, na minha casa, todo mundo chegou e morou, os meus pais permitiam, era até engraçado. Pobres, fudidos, mas sempre tínhamos gente em casa, seja morando por um tempo, seja adotado ou estando ali de passagem.
Tio Celestino passou algum tempo conosco quando morávamos  na Imperatriz, o outro irmão do meu pai, de nome Afonso, viveu conosco algum tempo, quando morávamos no Garcia, dele não me lembro direito porque era muito nova. Era mais baixo que os dois outros e era feio, para o meu padrão de beleza. Tinha uma porra de um paletó marrom que devia andar sozinho, pois era usado por meu tio para tudo, de casamento, a batizado e missa aos domingos, tudo enfim.
A minha casa do Garcia tinha uma parte térrea, onde ficavam os quartos, acho que eram dois, um corredor, uma sala, daquelas que a gente nunca entra para não sujar, e que todos chamam de sala de visitas. E olhe que era mesmo, só visitas tinham o direito de ali chegar, sentar, comer, sujar a toalha da mesa, sem que a minha mãe dissesse porra nenhuma. Eu e a minha irmã, nem pensar, eu,quando muito ia para debaixo da mesa porque minha mãe sempre fez com que eu passasse "óleo de peroba", aquele do frasquinho de vidro que, salvo engano, tem um índio no rótulo, nos móveis rebuscados de lá de casa com uma escova de dente, o óleo ficava escorrendo, e tudo brilhando muito, este sempre foi um dos meus trabalhos, do Garcia à Camaçari, limpando os móveis da minha mãe. Graças a Deus que quebraram todos nas constantes mudanças: acho que, se assim não fosse, até hoje estaria limpando-os, pois, certamente eles estariam comigo, todos sabem que gosto das velharias e então...
Pois, mas quero falar é do meu Tio Celestino, o caçula dos irmãos de meu pai, que veio para o Brasil, como os outros dois, meu pai e tio Afonso, para fugir da guerra. Vieram os dois primeiros trazidos por minha madrinha, a Tia Palmyra, uma espanhola espanhola das aldeias, daquelas que nunca saiam de casa para nada, imagine que até para o meu batizado ela mandou uma representante, resultado, fiquei com duas madrinhas, ela e a Tia Amália, não sei se foi isto uma sorte ou azar, mas, o fato é que ganhava presente das duas.
Tio Celestino era um homem que se poderia considerar alto, estatura boa para homem. Era espanhol e, como os seus patrícios, não tinha bunda, quero dizer, a bunda era batida, meio para dentro, mas isto em nada tirava o seu glamour.  Era largo nos ombros e tinha, o que eu mais admirava, olhos, cabelos e bigode da mesma cor, tudo com uma cor que variava do mel e chegava ao ruivo, era uma coisa mesmo maravilhosa.  O nariz era grego, aliás, tanto ele quanto o meu pai tinham perfis "gregos", perfeitos. Tinha sardas nos ombros, sardas que, ás vezes estavam, também, quase da cor dos olhos, cabelos e bigode.
O bigodinho era fininho, tinha um ator que também usava um desses, penso que o Clark Gable, aliás, era moda na época. Estava ele sempre bem vestido, mesmo quando trabalhava de caixeiro na padaria, ali na Baixa de Sapateiros, quando esta Baixa era mesmo chique, estava bem arrumado, mas havia uma roupa que, em particular, eu adorava vê-lo vestido: Era um terno branco de linho. Era perfeito, nunca esqueci. O corte da calça era qualquer coisa, lhe assentava na bunda como uma luva.  Las Pantalones eram folgadas, somente na parte traseira é que ficava assentada na bunda. Na frente tinha duas preguinhas laterais, que criavam um volume dos dois lados. Ele vestia este terno com uma camisa de listrinhas bem fininhas, já não recordo a cor delas, e colocava um cinto marrom claro, que mais chegava para o terra, que combinava com os sapatos. Se você olhasse rápido confundia tudo, cabelo, olhos, bigode, cinto e sapato, tudo de uma cor só. Os olhos brilhavam, ele sorria com os olhos, olhos que deixaram muita gente doida, tenho quase certeza disto, lá em casa, aos domingos tinha muita visita feminina, que por acaso não eram para mim, Odete e minhas tias maternas que o digam.  Tinha um riso! Ou melhor, um sorriso de lado, safado, descarado, que aprendi a gostar desde cedo e adorava ver em meus namorados aquele mesmo riso. Tive uns dois que sorriam igual. Só muito depois descobri o significado e o poder daquele riso sacana.
Cresci com esta imagem do meu tio, ele não se casou no Brasil, viveu aqui durante muito tempo. Fui interna e apesar de tê-lo visto algumas vezes depois do internato, perdemos o contato e soube que ele teria voltado para a Espanha. Ele foi o único deles, dos três irmãos que voltou. Meu pai e Tio Afonso aqui faleceram na Bahia, ambos com a mesma doença e ambos na nossa casa, quando morávamos no Engenho Velho da Federação.
O tempo passou, eu me casei, descasei, formei em Direito, fiz concurso para Juiz e fui aprovada e, quando a fartura deixou, fui para a Espanha, não só queria conhecer a terra dos meus avós paternos, pois, parte da minha origem, como também rever o meu tio Celestino, vê-lo, saber dele, como ele estava, afinal ele era o mais novo, certamente estaria melhor que os dois outros que se foram.
Viajamos eu e o meu companheiro para Europa e, de Lisboa, pegamos um vôo para o Porto; de lá pegamos um taxi que nos deixou em Vigo, já na Galícia.  A família do meu pai era de uma aldeia chamada Tourón: Um caminho no caminho de Ponte Caldelas,  Pegamos um outro taxi, este já dirigido por um galego, e dissemos para onde queríamos ir. O motorista, um jovem e bonito espanhol que já tinha, também, morado no Brasil, perguntou-me quem íamos procurar ali. Disse-lhe o nome do meu Tio Celestino. O homem olhou-me pelo retrovisor e perguntou-me há quanto tempo eu não o via; respondi-lhe há muito tempo, mas que ele tinha voltado para a Espanha e agora eu vinha vê-lo, bem como conhecer o restante da minha família. O homem começou a fal ar de uma pessoa que ele conhecia com este nome, que tal qual ele, também era taxista. Contou-me que este senhor veio do Brasil e casou-se com uma rapariga que era sua sobrinha, mas que tinha falecido há mais ou menos uns 3 a 4 anos.
Gelei! Mas disse ao homem que não era possível, primeiro porque não tinha notícia de que meu tio fosse taxista, segundo, se fosse o meu tio, alguém teria avisado aos irmãos dele no Brasil, o que não tinha acontecido, portanto... Segui no firme propósito de ver o meu tio, mas confesso que já começava balançar com a historia do motorista do táxi, que realmente conhecia bem a região e a minha família, pois me falou que o Celestino que ele conhecia tinha uma irmã, a única que estava viva, de nome Josefa, que era casado com uma moça de nome Maria Elisa, por acaso também o nome da minha irmã mais velha e da minha avó paterna, e muitas outras coisas até o momento em que parou na porta da casa dos meus avós e, naquele momento, infelizmente, tive a certeza de que ele realmente estava falando do meu tio Celestino, que, depois soube, também falecera com a mesma doença dos irmãos.
Fiquei desanimada com a viagem, mas mesmo naquele momento, não pude deixar de lembrar do homem que conheci, lindo e elegante, e ficar com uma pontinha de inveja da minha prima que com ele casou e que, graças a Deus, eu não conheci.
Que Deus os guarde em paz   

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