Como alguns já sabem, fiz o curso de Direito na Universidade Federal da Bahia- UFBA e o curso de História na Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Claro que antes disto, como é óbvio, percorri todo o processo academico; no meu tempo, primário, (com quinto ano e admissão para o ginásio), ginásio, colegial. Até a quarta série de ginásio estudei em colégios administrados por freiras, à época considerados os melhores centros educacionais, principalmente para as mulheres; havia alguns que nem mesmo meninos eram admitidos, mas isto não vem ao caso agora, o certo é que eram tidos como bons, e eu na verdade não duvido disto. Estudei no São Raimundo, no Salette e na Medalha Milagrosa, nos dois primeiros, em regime de internato, no último como uma aluna externa.
As matérias estudadas, como em todos os bons colégios, eram: História, Geografia, Ciências, Matemática, Português, Educação Religiosa; depois de algum tempo apareceu uma nova matéria que era EMC, educação moral e cívica, que hoje, quando nela penso, me parece uma espécie de lavagem cerebral para jovens (à época). O país atravessava a sua crise (ditadura militar) e era necessário que os jovens aprendessem a respeitar o poder da maneira que ele foi estabelecido em 1964. Tínhamos de ter, em nós despertado, o sentido mais literal do que era o sentimento nacionalista e patriótico. Eu era mesmo muito jovem e não me lembro de muitas coisas, a não ser de ter descido, um dia, a ladeira da praça correndo com o meu pai desesperado, porque do pico da ladeira, soldados armados estavam atirando. Era a tal da revolução, como me diziam. Bom, mas isto também não vem ao caso no momento, mas agradeço de alguma maneira este período, porque nele, erradamente ou não, aprendi o que é ser brasileiro; não com tanto orgulho e amor como quando falamos em football, mas com o orgulho do nacionalismo que teria de ser incutido em cada um de nós. Deveríamos honrar a pátria e, como na letra do hino nacional, que embora não tenha sido escrito na época da ditadura, era como se fosse, defendê-la com unhas e dentes dos tiranos quer queriam implantar a anarquia neste grande e imenso florão da América. Ah, além destas materias eu ainda tinha uma muito especial, “prendas domésticas”, mais tarde “trabalhos manuais”: é mole ou quer mais?
Mas o que quero não é falar nem de Brasil, nem de ditadura, nem mesmo do que aqui aconteceu por força do regime, mas do programa dos cursos de história e geografia.
Até onde a minha memória alcança, quando estudávamos História, o que bem me lembro em se falando no continente africano, é do Egito, e não muita coisa. Estudei as cheias do Nilo, de como as enchentes deixavam as terras férteis que eram cultivadas. Lembro-me das pirâmides, do nome de alguns dos grandes faraós, Hamsés, Tutakamón, mas acho que foi só. Além disto, e ainda do que me recordo, aprendi que a África foi um grande fornecedor de escravos para o Brasil, a África como um todo; era como se ela fosse apenas um grande e imenso país, sem divisões, sem Estados; apenas a África, com os seus negros, com a sua selvageria, com os seus leões, elefantes, girafas, hipopótamos, rinocerontes, e os macacos, muitos, mas muito deles, e das mais variadas espécies, entretanto, na ficção, havia um em especial, ou melhor,uma, que ficou internacionalmente conhecida, a Chita, a macaca de Tarzan, que pasmem: era muito mais inteligente de que os negros que apareciam nos filmes do menino que cresceu na selva. Os imperialistas colonizadores preferiram uma macaca junto ao menino, de que colocar um ser humano "negro" ajudando um “branco” a sobreviver na selva. Certamente, e era mesmo o que era propagado, se o menino fosse encontrado pelos gentios africanos não sobreviveria, o seu fim teria sido uma panela. Aliás, era assim que os africanos,(negros) no contexto geral, eram caracterizados, lembro-me que em revistas de repercussão nacional, havia sempre uma "charge" com um caldeirão enorme, com nativos(negros) vestidos de tangas de palhas desfiadas, com um osso enfiado no cabelo, no nariz, um beiço enorme, com lanças nas mãos, a fogueira acesa e os brancos dentro, cozinhando. A antropofagia era vulgarizada para que “os brancos” tivessem todas as restrições aos negros e, por isso mesmo, encontrassem motivos suficientes para, se não exterminá-los, escravizá-los, domá-los.
Em geografia, também até onde alcança a memória, eu lembro que aprendia as capitais dos paises da Europa, não todos, é claro, os mais importantes.: Espanha-Madri; Portugal-Lisboa; França-Paris; Inglaterra-Londres; Itália-Roma; Alemanha Oriental-Berlim,Alemanha Ocidental-Bonn; Holanda-Amsterdã, Grecia-Atenas; Suiça-Berna; Suécia-Estocolmo, e por aí vai, alguns já não me lembro, aliás, o mapa europeu mudou tanto, os países se multiplicaram com a separação das repúblicas soviéticas, que tudo esta muito diferente do mapa anterior, aquele em que estudei, da África, ao que me lembro, tratávamos da pobreza, da seca, da fome, da savana,dos grandes desertos, falar do povo, nem pensar, etnias? O que era isto?
Todavia o que era da África? Que países existiam no continente africano, além do Egito com a sua capital Cairo em que ingleses se estabeleceram? Acho que falávamos dos árabes sim, mas quando eles entravam na estória ou na ficção, eram os homens que usavam roupas longas, com panos na cabeça, diferentes dos indianos que usavam turbantes e tinham o rio Gangis, que era o rio sagrado, andavam nos desertos com caravanas e camelos, e paravam em oásis, alguma alusão remota às invasões da Europa e alguns outros mínimos detalhes.Na ficção havia o Ali Babá e os 40, ou eram 50? ladrões. Evidente que estou mesmo sintetizando muito, pois não me lembro de tudo o que estudei no primário, ginásio e colegial, aliás, não to me lembrando de um passado mais remoto, imagine de coisas de 45, 50 anos atrás.
O fato é que quero dizer que nunca ouvi falar da Convenção de Berlim, nem mesmo quando, pasmem! fiz a lincenciatura em História, aliás, não me lembro de ter tido nenhuma matéria especifica sobre a História da África. Só ouvi falar da Convenção de Berlim quando, em 2005 passei a fazer o Mestrado em História da África na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Alguns podem pensar que é um exagero da minha parte, mas não é não, eu estou falando sério, e aí é que está o grande problema: é que, ainda hoje, não se ouve falar, em sala de aula, nos cursos de história, da Convenção de Berlim.
Por que falar da Convenção de Berlim? Porque este acontecimento modificou toda a história e geografia africanas, foi o marco de uma mudança radical na vida dos africanos e da Europa, que dividiu o continente africano entre eles, como se pudessem tornar-se donos da vida, da história, do patrimônio do outro, impunimente. A divisão estabelecida pela Convenção de Berlim não obedeceu a qualquer príncipio, seja ético, moral, geográfico, apenas foram atendidos os interesses econômicos das nações imperialistas. Nações africanas foram divididas, povos foram separados, tradições foram afetadas, exterminadas em alguns casos, tudo feito com base em nome de uma obra civilizacional, sem que os africanos participassem desta divisão. Bem verdade que as ocupações e os conflitos pela posse dos territórios já eram rotina, o que a Convenção fez, na realidade, foi ratificar o que já existia e tentar resolver os conflitos existentes, além de fixar critérios para a ocupação do litoral. Com a Convenção de Berlim consolidou-se na África as nações europeias civilizadoras, que tinham como a mais nobre das missões civilizar aqueles povos atrasados, selvagens, missão a que deram o nome de civilizacional, que consistia em um “ dever das raças superiores para com as raças inferiores” BOKOLO,2007:305).
Através dela eles transformariam africanos em fantoches, em párias, sem pátria, sem direitos, sem identidades, mas com muitas obrigações. Com a Convenção de Berlim, trataram a África como se ela fosse uma grande homogeneidade cultural (se éque assim se pode dizer, porque com certeza os colonizadores não achavam que nada que fosse de origem africana pudesse ser considerado como cultura), que poderia ser dividida sem que isto afetasse a vida dos seus nativos, que não tiveram respeitados os seus espaços, as suas línguas, as suas etnias, as suas culturas, enfim, desestruturaram as estruturas tradicionais estabelecerem sistemas outros, exógenos, que eram considerados politicamente corretos e civilizados (eugênicos), mas inadaptáveis aos costumes locais.
Maputo - Oceano Indico antiga Lourenço Marques |
A finalidade real da Convenção, entretanto, era a regularização do comércio na bacia do Congo e de outros rios, e fixação dos parametros de ocupação da África, que doravante tinham de ser cumpridos pelas nações envolvidas a fim de que estas pudessem continuar como “proprietárias” da África, porquanto a sanção, em caso de não observação das regras, poderia culminar com a perda da própria possessão.
Agora, exigia-se que o continente fosse efetivamente ocupado, já não se podia apenas colocar bandeiras marcando espaços, vender armas em troca de terras, criar feitorias, enviar reconhecedores de terrenos, missionários. A África tinha de ser ocupada ordenadamente, e não só, os nativos também deveriam ser trazidos para o mundo da civilização, afinal, antes da década de 80 os europeus “tinham começado a perceber ou a imaginar a importância da aposta africana e a pôr o dedo numa série de engrenagens cuja rotação haveria bruscamente de se acelerar nas duas últimas décadas do século XIX” (BOKOLO, 2007:300).
A Conferência iniciou-se em Novembro de 1884 dela participando (Alemanha, Bélgica, Espanha, Estados Unidos(vejam bem) França, Inglaterra, Paises Baixos, Portugal, Turquia, Itália, Imperio Otomano. Quem convocou esta reunião foi a a Alemanha (Bismark) e ela teve lugar em Berlim, entre 1884 e 1885.
Após a Conferência a corrida para África intensificou-se, apareceu o que passou a chamar-se zona de influência. Muitos tratados foram realizados, somente entre Portugal e Inglaterra foram firmados 30 deles, com a finalidade de delimitar áreas, fixar fronteiras. Acordos foram assinados com os chefes indígenas, porque a participação deles na ocupação pacifica dos territórios era fundamental. Muitos termos de vassalagem foram firmados entre Portugal e os chefes indígenas da África Portuguesa, em que sempre constava que os dois, o rei de Portugal e o chefe eram aliados no caso de ser necessário colocar algum intruso para fora do território. Isto entretanto, não impediu que um grande chefe indígena,o Gugunhana tivesse contatos com os ingleses, de quem recebia favores e que teve mesmo de ser vencido, preso, retirado de Moçambique.
Estação ferroviária de Maputo Moçambique - obra dos portugueses |
Pois é, um acontecimento de tamanha importância mundial, não poderia deixar de ser estudado nos cursos de história, não se pode, como eu, ouvir falar da Conferência de Berlim, apenas e tão somente quando se alcança uma pós-graduação em História da África. A importância do continente africano não pode ser esquecida desta maneira, mui principalmente por nós, brasileiros. É preciso um novo programa para os cursos de história, é necessário que a África seja introduzida na sala de aula desde o primário. Explicar a atual África, os seus conflitos intestinos, passa, também, pela explicação do que foi a colonização naquele continente, como os colonizadores dividiram os povos, desrespeitando culturas, etnias, histórias, vidas.
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