Vocês não vão acreditar no que aconteceu com o Lindley! Passando pelo que estava passando na cadeia em razão de uma acusação de contrabando de pau brasil, que, efetivamente, não existiu, agora acharam que ele também tinha comprado, ilegalmente ouro a situação ficara mesmo complicada, imagine se isto fosse mesmo verdade, aí o inglês jamais sairia do Brasil.
Mas vejamos como começou
esta estória do ouro
Por ocasião do apresamento o do
navio, a Comissão encontrou um embrulho em cima da minha mesa de trabalho,
contendo pequena quantidade de ouro em granetes, de mistura com areia côr de
ouro, que fora trazido por um morador de Pôrto Seguro. Isso despertou-lhes
forte curiosidade, e eu fui interrogado cerradamente a respeito do assunto. Não
fiz segredo algum da fonte de onde obtivera a amostra, mas declarei ignorar o
nome e a residência do indivíduo de quem a recebera, embora acreditasse que
fosse de uma povoação distante. A Comissão declarou-se disposta a descobrir o
homem insistiu em que eu empreendesse com ela uma viagem nesse propósito. Não
levantei qualquer objeção (sabendo que seria inútil), mas certo de que nada
lhes adiantaria se acaso encontrássemos o pobre diabo, o que, afortunadamente,
não aconteceu. Era noite, o intérprete veio informar-me de que eu teria de
acompanhar o desembargador e as demais pessoas, na manhã seguinte, devendo
estar pronto antes das cinco horas. (LINDLEY: 39).[1]
Vejam bem o que o homem
diz: “fui interrogado cerradamente a respeito do assunto”, o que se compreende
mesmo. Os portugueses não podiam ouvir falar em ouro, pedras preciosas,
qualquer coisa que tivesse muito valor, que eles ficavam doidinhos, e não iria
ser diferente com este achado no navio do inglês. Eles ficavam tão doidos que pareciam obnubilados.
Imagine sair atrás de alguém que ninguém sabia quem era, nem onde morava ou
podia ser localizado para que a pessoa dissesse onde tinha encontrado aquele
“ouro”.
Bom o fato é que, obnubilados
ou não, foram eles juntamente com o inglês, que como ele mesmo disse, não teve
qualquer opção, pois de nada adiantaria se recusar a acompanhá-los para
procurar o dito homem.
A ânsia era tanto que
marcaram para cinco horas do amanhã. Observe-se a comitiva que ia nessa
empreitada: “o desembargador” fazia parte dela. Explique-me o motivo do
desembargador deixar as suas funções para ir atrás de um homem desconhecido que
ofereceu ouro em pó ao inglês.
O estrangeiro, com
certeza, sabia do insucesso dessa busca, mas ele não decidia nada, só tinha de
obedecer, e assim, á hora marcada lá se vai LINDLEY juntamente com a comitiva.
Para ele, na verdade,
aquilo funcionaria como um passeio, uma oportunidade de sair da cela onde
ficava com a sua esposa, essa coitada, é que ficava mesmo dentro do quarto arranjado
para o casal, depois que eles saíram da podridão dos porões da masmorra. Imaginem
bem o padecimento dessa senhora, uma inglesa, que teve dinheiro suficiente para
ela e o marido terem uma nau, na qual tinham os seus aposentos compatíveis com
o status que tinham, possuindo empregados etc., etc., se vir agora dentro de
quatro paredes, sem poder sair, com uma ventilação péssima, cercada de pessoas
desconhecidas: não, essa não era uma boa vida para aquela senhora, que pasmem,
até o momento não sei o nome, porque nunca vi nos escritos do inglês.
Lá se vão aqueles homens,
que seguiram pela praia em direção ao sul, e Lindley relata: depois “de uma
hora de marcha, voltamo-nos abruptamente parra o Oeste terra adentro, e subindo
por uma íngreme encosta, em breve chegamos à capela de Nossa Senhora da Ajuda,
que fica no alto” (IBDEM;39-40)
Segue ele descrevendo
aquele encantador lugar, que, como disse, ainda hoje impressiona qualquer dos
visitantes, e fala especialmente da Santa que ele diz ser “especialmente
invocada pelos navios e barcos pesqueiros das costas vizinhas em caso de perigo
ou de ventos contrários. Sua fama estende-se até mesmo à cura de vários
padecimentos, desde que invocada com a devida fé. O interior do edifício
é decorado com desenhos grotescos de navios em apuros, quartos de enfermos etc.,
havendo legendas debaixo de cada um, relativas aos diferentes episódios que
pretendem comemorar (IDEM).
Seguindo viagem, após,
segundo ele, comerem biscoitos e beber a água do vigário da Igreja, eles
passaram por diversas lavouras e engenhos, e até arrumaram um guia em um
deles. Me pergunto, um guia índio? Para
que um guia? Se você não sabia mesmo o que estava procurando.
Observe-se bem o que
Lindley fala, estamos no ano de 1802 e na região havia lavouras e engenhos, a
terra parecia ao inglês muito boa, banhada por rios e se bem cultivado, segundo
ele, ali daria espaço para grandes pradarias.
Entretanto passados esses
espaços, eles seguiram por uma mata, que segundo o inglês só dava para a
passagem de um cavalo por vez (IDEM pág. 40) assim mesmo cada cavalheiro tinha
de se livrar das ramagens. Fizeram-nos esta marcha por quase duas horas, e
depois desse tempo deram, outra vez com uma paisagem aberta, vislumbrando-se
lavouras de mandioca, cana de açúcar e outras pequenas culturas.
A viagem continua entre
morros altos e baixos, a comitiva segue sem grande sucesso, até encontrarem o
engenho[2] e fazenda do Sr. João Furtado, que era um senhor de 70 anos,
solteiro que vivia com uma irmã solteirona.
Procurando saber da vida desse senhor, Lindley soube que ele era nascido
ali mesmo na região, que teve uma vida de trabalho intensa, e que ele mesmo, com
suas próprias mãos é que fez os móveis da casa. Também o senhor demonstrou
muito conhecimento a respeito da fauna da região e o inglês, se estivesse em
outra condição, teria ficado mais tempo naquele espaço, para aprender mais
detalhes da terra.
Lindley descreve o
funcionamento do engenho, conforme se observa na nota anterior, e faz comparações
mentais com os engenhos dos quais ele tinha conhecimento nas Índias Ocidentais,
para caracterizá-lo como primitivo.
Bom o fato é que ali
apearam, ali dormiram, mas, apesar de ser bem tratado e dizer que ficou
surpreso com as acomodações, não deixou de dizer que tiveram de comer no chão,
onde colocou-se algumas esteiras, forradas com uma toalha. Havia louças
suficientes para todos como também facas e garfos.
Lindely diz que dormiu
bem em acomodações limas e em camas confortáveis, e que ao amanhecer viu muitos
pássaros, ficando impressionado com o ““mutum” que disse ser vistoso, de um
azul profundo, que se aproxima do negro, tendo a cabeça e os olhos de notável
beleza IDEM pg.42)
Seguiram até Villa Verde,
onde existia apenas uma aldeia de missionários, mas nada foi encontrado, e
tiveram de regressar, como se diria “com a cara mexendo e os olhos rodando” kkkkk,
Empreitada inútil. O tal dono do ouro jamais foi encontrado, somente a ambição,
a ganância dos portugueses justificava aquela busca sem destino certo.
Todavia, a história de
Lindley no cativeiro continua, e depois conto mais, após voltar no tempo e tomar
um “caldo de cana” daqueles feitos naquelas geringonças primitivas espalhadas
pelas ruas do nosso Nordeste, no meu caso, especificamente em Salvador da Bahia,
ou, melhor ainda, tomar uma genuína cachaça brasileira com caju e sal. Que tal?
[1] LINDLEY,
Thomas. Narrativa de uma Viagem ao Brasil, Londres 1805, tradução de Thomas Newland
Neto, 1969, SP, Brasiliana, Vol. 143
[2]
A palavra engenho é o termo português
que caracteriza as terras que possuíam fábrica de açúcar. O que vemos aqui é
muito simples, consistindo em três cilindros de pesada madeira, de dois pés de
diâmetro por três de comprido, os quais giram horizontalmente, numa armação. A
parte superior do cilindro central articula-se com uma viga que sobe pelo ar
sendo nela fixadas peças transversais suficientemente baixas para nelas serem
atrelados dois cavalos, que fazem mover o conjunto. Os cilindros laterais
trabalham por meio de uma engrenagem que os liga ao central. Debaixo dessa
máquina existe um cocho comprido inclinado, pronto a receber o caldo da cana
comprimida pelos cilindros. Esse caldo é transportado para um caldeirão raso de
seis pés de diâmetro, onde são escumadas todas as impurezas. Depois de esfriar
noutra vasilha, adiciona-se-lhe um álcool de cinzas de madeira, deixa-se que a
mistura assente por alguns dias e decanta-se o líquido puro levado então para
uma caldeira para evaporar-se até formar o açúcar. O sedimento é destilado,
produzindo forte aguardente. LINDLEY,1805:41)
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