domingo, 7 de fevereiro de 2021

O pozinho dourado - LINDLEY V

Vocês não vão acreditar no que aconteceu com o Lindley!  Passando pelo que estava passando na cadeia em razão de uma acusação de contrabando de pau brasil, que, efetivamente, não existiu, agora acharam que ele também tinha comprado, ilegalmente ouro a situação ficara mesmo complicada, imagine se isto fosse mesmo verdade, aí o inglês jamais sairia do Brasil.

Mas vejamos como começou esta estória do ouro

Por ocasião do apresamento o do navio, a Comissão encontrou um embrulho em cima da minha mesa de trabalho, contendo pequena quantidade de ouro em granetes, de mistura com areia côr de ouro, que fora trazido por um morador de Pôrto Seguro. Isso despertou-lhes forte curiosidade, e eu fui interrogado cerradamente a respeito do assunto. Não fiz segredo algum da fonte de onde obtivera a amostra, mas declarei ignorar o nome e a residência do indivíduo de quem a recebera, embora acreditasse que fosse de uma povoação distante. A Comissão declarou-se disposta a descobrir o homem insistiu em que eu empreendesse com ela uma viagem nesse propósito. Não levantei qualquer objeção (sabendo que seria inútil), mas certo de que nada lhes adiantaria se acaso encontrássemos o pobre diabo, o que, afortunadamente, não aconteceu. Era noite, o intérprete veio informar-me de que eu teria de acompanhar o desembargador e as demais pessoas, na manhã seguinte, devendo estar pronto antes das cinco horas. (LINDLEY: 39).[1]

Vejam bem o que o homem diz: “fui interrogado cerradamente a respeito do assunto”, o que se compreende mesmo. Os portugueses não podiam ouvir falar em ouro, pedras preciosas, qualquer coisa que tivesse muito valor, que eles ficavam doidinhos, e não iria ser diferente com este achado no navio do inglês.  Eles ficavam tão doidos que pareciam obnubilados. Imagine sair atrás de alguém que ninguém sabia quem era, nem onde morava ou podia ser localizado para que a pessoa dissesse onde tinha encontrado aquele “ouro”.

Bom o fato é que, obnubilados ou não, foram eles juntamente com o inglês, que como ele mesmo disse, não teve qualquer opção, pois de nada adiantaria se recusar a acompanhá-los para procurar o dito homem.

A ânsia era tanto que marcaram para cinco horas do amanhã. Observe-se a comitiva que ia nessa empreitada: “o desembargador” fazia parte dela. Explique-me o motivo do desembargador deixar as suas funções para ir atrás de um homem desconhecido que ofereceu   ouro em pó ao inglês. 

O estrangeiro, com certeza, sabia do insucesso dessa busca, mas ele não decidia nada, só tinha de obedecer, e assim, á hora marcada lá se vai LINDLEY juntamente com a comitiva.

Para ele, na verdade, aquilo funcionaria como um passeio, uma oportunidade de sair da cela onde ficava com a sua esposa, essa coitada, é que ficava mesmo dentro do quarto arranjado para o casal, depois que eles saíram da podridão dos porões da masmorra. Imaginem bem o padecimento dessa senhora, uma inglesa, que teve dinheiro suficiente para ela e o marido terem uma nau, na qual tinham os seus aposentos compatíveis com o status que tinham, possuindo empregados etc., etc., se vir agora dentro de quatro paredes, sem poder sair, com uma ventilação péssima, cercada de pessoas desconhecidas: não, essa não era uma boa vida para aquela senhora, que pasmem, até o momento não sei o nome, porque nunca vi nos escritos do inglês.

Lá se vão aqueles homens, que seguiram pela praia em direção ao sul, e Lindley relata: depois “de uma hora de marcha, voltamo-nos abruptamente parra o Oeste terra adentro, e subindo por uma íngreme encosta, em breve chegamos à capela de Nossa Senhora da Ajuda, que fica no alto” (IBDEM;39-40)

Tenho de concordar com o que Lindley diz sobre o que estava vendo dali daquele alto, penso que todos os visitantes que chegam até a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda em Porto Seguro, ainda hoje tem o mesmo deslumbramento. “A paisagem que daí se descortina é de fato grandiosa, abrangendo não só a região em torno, como também o oceano adjacente, ao qual os muros brancos da capela formam excelente balisa. “(IBDEM, IDEM;40)

Segue ele descrevendo aquele encantador lugar, que, como disse, ainda hoje impressiona qualquer dos visitantes, e fala especialmente da Santa que ele diz ser “especialmente invocada pelos navios e barcos pesqueiros das costas vizinhas em caso de perigo ou de ventos contrários. Sua fama estende-se até mesmo à cura de vários padecimentos, desde que invocada com a devida fé. O interior do edifício é decorado com desenhos grotescos de navios em apuros, quartos de enfermos etc., havendo legendas debaixo de cada um, relativas aos diferentes episódios que pretendem comemorar (IDEM).

Seguindo viagem, após, segundo ele, comerem biscoitos e beber a água do vigário da Igreja, eles passaram por diversas lavouras e engenhos, e até arrumaram um guia em um deles.  Me pergunto, um guia índio? Para que um guia? Se você não sabia mesmo o que estava procurando.

Observe-se bem o que Lindley fala, estamos no ano de 1802 e na região havia lavouras e engenhos, a terra parecia ao inglês muito boa, banhada por rios e se bem cultivado, segundo ele, ali daria espaço para grandes pradarias.

Entretanto passados esses espaços, eles seguiram por uma mata, que segundo o inglês só dava para a passagem de um cavalo por vez (IDEM pág. 40) assim mesmo cada cavalheiro tinha de se livrar das ramagens. Fizeram-nos esta marcha por quase duas horas, e depois desse tempo deram, outra vez com uma paisagem aberta, vislumbrando-se lavouras de mandioca, cana de açúcar e outras pequenas culturas.

A viagem continua entre morros altos e baixos, a comitiva segue sem grande sucesso, até encontrarem o engenho[2] e fazenda do Sr.  João Furtado, que era um senhor de 70 anos, solteiro que vivia com uma irmã solteirona.  Procurando saber da vida desse senhor, Lindley soube que ele era nascido ali mesmo na região, que teve uma vida de trabalho intensa, e que ele mesmo, com suas próprias mãos é que fez os móveis da casa. Também o senhor demonstrou muito conhecimento a respeito da fauna da região e o inglês, se estivesse em outra condição, teria ficado mais tempo naquele espaço, para aprender mais detalhes da terra.

Lindley descreve o funcionamento do engenho, conforme se observa na nota anterior, e faz comparações mentais com os engenhos dos quais ele tinha conhecimento nas Índias Ocidentais, para caracterizá-lo como primitivo.

Bom o fato é que ali apearam, ali dormiram, mas, apesar de ser bem tratado e dizer que ficou surpreso com as acomodações, não deixou de dizer que tiveram de comer no chão, onde colocou-se algumas esteiras, forradas com uma toalha. Havia louças suficientes para todos como também facas e garfos.

Lindely diz que dormiu bem em acomodações limas e em camas confortáveis, e que ao amanhecer viu muitos pássaros, ficando impressionado com o ““mutum” que disse ser vistoso, de um azul profundo, que se aproxima do negro, tendo a cabeça e os olhos de notável beleza IDEM pg.42)

Seguiram até Villa Verde, onde existia apenas uma aldeia de missionários, mas nada foi encontrado, e tiveram de regressar, como se diria “com a cara mexendo e os olhos rodando” kkkkk, Empreitada inútil. O tal dono do ouro jamais foi encontrado, somente a ambição, a ganância dos portugueses justificava aquela busca sem destino certo.

Todavia, a história de Lindley no cativeiro continua, e depois conto mais, após voltar no tempo e tomar um “caldo de cana” daqueles feitos naquelas geringonças primitivas espalhadas pelas ruas do nosso Nordeste, no meu caso, especificamente em Salvador da Bahia, ou, melhor ainda, tomar uma genuína cachaça brasileira com caju e sal. Que tal?



[1] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma Viagem ao Brasil, Londres 1805, tradução de Thomas Newland Neto, 1969, SP, Brasiliana, Vol. 143

[2] A palavra engenho é o termo português que caracteriza as terras que possuíam fábrica de açúcar. O que vemos aqui é muito simples, consistindo em três cilindros de pesada madeira, de dois pés de diâmetro por três de comprido, os quais giram horizontalmente, numa armação. A parte superior do cilindro central articula-se com uma viga que sobe pelo ar sendo nela fixadas peças transversais suficientemente baixas para nelas serem atrelados dois cavalos, que fazem mover o conjunto. Os cilindros laterais trabalham por meio de uma engrenagem que os liga ao central. Debaixo dessa máquina existe um cocho comprido inclinado, pronto a receber o caldo da cana comprimida pelos cilindros. Esse caldo é transportado para um caldeirão raso de seis pés de diâmetro, onde são escumadas todas as impurezas. Depois de esfriar noutra vasilha, adiciona-se-lhe um álcool de cinzas de madeira, deixa-se que a mistura assente por alguns dias e decanta-se o líquido puro levado então para uma caldeira para evaporar-se até formar o açúcar. O sedimento é destilado, produzindo forte aguardente. LINDLEY,1805:41)  

 

 

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