E lá se foi ela. Estava feliz, afinal ia passar o Natal na
casa de conhecidos e em uma cidade que gostava de rever. Barcelona!
Toma o avião cheia de energia. Cidadã européia e já na
Europa, fascinada pelo fato de não ter de ficar na fila da emigração, nem para
sair de onde estava, e nem para chegar aonde ia.
Chega a Barcelona no horário previsto e lá está a sua
anfitriã. Uma nacional do seu país de origem, que pensa que mudou a essência
por ter se casado com um catalão. Sua aparência efetivamente mudou; os cabelos
já não são os mesmos, apesar de piores na aparência, tem corte moderno e
alongamento. O rosto está tratado, afinal na Europa pode-se ter acesso,
facilmente, aos grandes produtos reformadores da “cara”, acreditem se quiserem:
Lancome, Ester Lauder, Clarins, La Mer (o mais caro de todos) quase uma
operação plástica, e tantos outros. A Bolsa é a da Dona Karan, aliás, se fez
tudo para mostrar à visitante esta marca.
Cumprimentos e a visitante estranha não ver o marido da
visitada. Ele não estava no desembarque e as duas pegam um “ônibus”. Embora
isto seja uma coisa normal na Europa, do que não se tem de ter vergonha mesmo,
pensou que iria ser transportada de carro, etc. Etc., enfim, o que aconteceria
se o caso fosse contrário, fosse ela a visitada e eles os visitantes. Também
não entendia porque não podia pegar um taxi. Estava de mala pesada e isto seria
o mínimo que teria feito, até mesmo se estivesse sozinha.
O fato é que entraram no ônibus; ela muito sem jeito,
porque não está acostumada a andar de malas em ônibus. O certo é que seguiram
as duas conversando sobre coisas e pessoas “nacionais”, coisas sérias em alguns
momentos, banalidades em outros, aliás, só poderia ser assim mesmo, porque a
diferença cultural não permitiria que, mesmo as coisas sérias, que envolviam
apenas dramas familiares e possíveis soluções legais, passasse dali. A certa
altura a visitada diz que iam sair naquela parada. Ok! Puxando a mala, com a dificuldade
de estar com um casaco de frio imenso, o que sempre lhe tolhia os movimentos,
por mais que se esforce não vai se habituar a estas vestes, desceu do autocarro
numa praça. Não entendeu nada, mas seguia a anfitriã, que parou em frente à
loja do El Corte Inglês dizendo estar esperando alguém. Mais uma vez pensou a
visitante, “o marido”, vem nos pegar e me livrar desta incomoda mala. Qual o
que? Chegaram duas mulheres, uma irmã da anfitriã e uma amiga. O pior, todas
entraram na loja, inclusive, claro, ela, puxando a porra da mala.
A anfitriã queria comprar uma calça de marca. Aquelas jeans
que custam de 250€ para lá. Exigente, olhava muitas e não se definiu por
nenhuma, no que se passaram intermináveis duas ou 3 horas. Não se comprou nada
na loja. À altura já eram cinco ou seis da tarde, quando saíram loja e foram
andar pela rambla: pense aí! Passear pela La Rambla puxando uma mala! Todavia,
o que fazer? Nada: acompanhar aquelas três e pronto, de qualquer maneira o
sacrifício valia a pena, estava, novamente, em Barcelona, na La Rambla, e
tentava se recordar da primeira visita que fez à cidade, também quando estava
muito feliz ao lado de quem queria e realizando sonhos, saindo do metro na
Praça da Catalunya e alcançando a La Rambla.
Andaram pela La Rambla a olhar lojas, a fome apertando.
Passaram por muitos e muitos restaurantes, mas foram parar, achava ela, no pior
deles, mas uma bar-restaurante que estava na moda, servia uns tapas diferentes,
uma decoração para lá de exótica, enfim, um bar de Barcelona. Beberam cerveja,
aliás, “canas” ou “finos”, sabe lá ela, sabe é que bebeu muitas. Comeu algumas
coisas que elas pediam, e que na verdade, não faziam bem ao seu paladar, mas à
altura estava com fome e em minoria.
Começou a pensar se teria sido uma boa opção ter ido passar
o natal em Barcelona. Começava a duvidar e cada vez mais dava Graças a Deus de,
na última hora, ter mudado a passagem para antes do dia 31, pois tinha comprado
o bilhete para retorno no dia cinco, mas teve um estalo dias antes da viagem e
modificou a data da volta.
Uma das mulheres que estava com a visitante era uma
espanhola. Uma senhora, mas com muita energia. A outra era irmã da anfitriã e
andavam sempre as turras.
Um telefonema e a visitada diz que o marido está chegando.
Novamente a mala é puxada rambla a fora. Chega-se, de novo, ao ponto de
partida. A cidade ferve, hora de ponta, não ha lugar para estacionar, o homem
para distante e começa a acenar. As duas despendem-se das outras duas e correm
em direção ao carro, tudo é feito na pressa, parece que estão fugindo da
policia ou coisa parecida. O homem corre a abrir o bagageiro para colocar a
mala. Entram no carro e seguem. Para onde?
As ruas passam, avenidas bonitas, edifícios chiques, ruas
largas, ela olha tudo e começa a ver que estão se afastando do centro da
cidade. Onde é que eles moram? Estrada! Sim, pegaram uma estrada mesmo, ou
seja; não moravam eles no centro de Barcelona. E lá vão os três. Depois de
muito tempo, ao menos uma hora, começa ela a ver, de novo, indícios de uma cidade.
Ruas, lojas, frio da porra, sobe-se uma ladeirinha e o carro para. Pronto,
chegamos.
A rua tranqüila, tudo quieto e silencioso. Junto ao prédio,
ou melhor, no fundo dele, uma estação de trem. Pensou logo ela: to fudida, não
vou dormir, mas estava na Espanha, dizia para si mesmo, e tudo valia a pena,
inclusive porque ia tirar o seu bilhete de identidade espanhol.
Entraram no prédio e chegam ao último andar. Um bom
apartamento a esperava, bom mesmo, mas normal como outro qualquer. Deixam as
malas e voltam à rua. Ele leva as “chicas” para um bar, onde comem várias
tapas. Que tapas! Ele sabe comer e conhece tudo. Comeu de tudo, pão com tomate,
pimentos, jamón, muitos outros tipos de tapas. Beberam vinho e foram embora.
Pensava ela que ia para casa, mas ele para o carro em um restaurante e vão
jantar mesmo. Não se lembra o que comeu, porque já estava mesmo enfastiada de
tanto comer tapas. A anfitriã e ele, entretanto, se fartaram, comeram bem
direitinho.
Vai dormir, estava cansada.
Dia seguinte: A anfitriã e o anfitrião vão trabalhar. Ela
fica em casa, para seu desespero, trancada. Eles saíram e deixaram-na trancada.
Ela, que felizmente tinha levado livros, estuda. Lá pelas duas, três da tarde,
eles chegam e fazem um almoço rápido. Salada, carne passada rapidamente pela
frigideira e já esta, como ela aprendeu em bom espanhol a dizer. Comem,
descansam pouco, pois a anfitriã tinha de voltar á peluqueria, pois estava
cheia de trabalho, afinal era quase véspera do natal. Ele vai trabalhar de novo
e ela, mais uma vez, trancada em casa. O que será que está acontecendo? Pensava
ela. Por que eles me trancam em casa?
Mais tarde retornam e vão para a rua. Um frio de lascar.
Tudo iluminado e muitas pessoas entrando e saindo de lojas, velhos, meninos,
jovens, todos encapotados, mas na rua. Ela sempre acha engraçado este modo de
vida europeu. Todo mundo entocado o dia todo, mas à noite, todos vão para a
rua. Ali, naquele recanto da Catalunha, não era diferente, ainda mais em
véspera do natal. Todas as lojas conhecidas estão ali: Maximo Dutti, Zara,
Mango, Hits, e muitas outras.
Rodaram um pouco pelas ruas e depois foram para um
restaurante e comeram bem.
Casa. Dormida e no outro dia já era dia vinte e quatro,
portanto dia de preparativos natalinos. Havia de ser feita uma salada de frutas
e mais algumas outras coisas. Pela manha os dois saíram: ela fica em casa,
novamente, trancada. Remédio: limpar a casa. Fez cama do casal, limpou o
quarto, arrumou as roupas jogadas no chão e na cadeira, lavou o banheiro,
limpou a cozinha, tirou pó dos móveis. Começou a cortar as frutas para a salada
de frutas e os legumes para a salada fria. À noite viriam pessoas passar o
natal. A irmã, a mãe, amigos deles, enfim, ia ser uma festa de natal como
todas.
Chegaram e todos surpresos com a casa limpa, tudo arrumado.
Ele pergunta se ela é que tinha feito tudo, ela responde que sim e pede a ele
que, se ainda desse tempo, que a levasse na rua, porque ela não sabia que
aquelas pessoas viriam e queria comprar umas lembranças. Ele fez isto e saiu
com ela, que rapidamente “despachou-se”, este é o mais feio termo que já ouviu
para designar o término de uma ação.
Voltam a casa e já estão quase todos. Ele parece feliz, ela
nem tanto. Há muita comida e bebida. A banana e a maça da salada de frutas
escureceram: uma merda!Mas que jeito, todo mundo fala do que deveria ser feito,
mas já esta e o jeito é comer assim mesmo.
Música brasileira, muita, e todo mundo dança, canta, é
mesmo uma festa, e como todas as festas em que alguns membros de família se
reúnem há problemas, e esta não seria a exceção, aliás, com aqueles membros que
estavam presentes na casa da anfitriã, inclusive ela própria, a exceção seria a
“paz”.
Enfim, muito álcool e meia noite! Agora era o dia do
aniversário da anfitriã. Recebe parabéns e um presente do “marido”. O que
seria? Era um presente grande e muito bem embrulhado. Ela abre e exclama: “Uma
bolsa Dona Karan”. Os olhos brilhavam, faiscavam até, ela era poderosa, já
estava com duas bolsas Dona Karan. Ganha outros presentes, mas a bolsa da Dona
Karan era mesmo o supra-sumo e, de longe, o melhor, os outros já nem tinham
importância, dispensáveis até. Ele esta feliz porque ela gostou do presente.
Alguns olhares invejosos, que não intimidaram a anfitriã, que foi buscar a
outra Dona Karan para fazer comparações. As bolsas eram exatamente iguais no
estilo, diferiam na cor, mas que importa, era uma Dona Karan.
Todos foram dormir meio borrachos. No dia seguinte, ela
acorda cedo, mas não pode sair do quarto, eles estão dormindo e tem gente,
inclusive, na sala. Fica ali, no seu confinamento, até ver movimentação na
casa. Levanta, toma banho, ajuda na limpeza. O dia promete. Tomam o pequeno
almoço maravilhoso, muita comida do dia anterior.
Não saem neste dia, ficam em casa a beber e comer e a
receber gente. A música brasileira não para de tocar, pagode, arrocha que esta
na moda. Ela está a divertir-se, bebe muito, o vinho é realmente bom, ele não
tem pena quando a questão é comida e bebida, aliás, nem quando se trata de prenda
para a amada, veja a “Dona Karan”. Vai passando tempo e pessoas vão chegando,
afinal era o aniversário da dona da casa. Ela samba no seu jeito, chama
atenção, os amigos a cumprimentem, um deles, bem mal cheiroso dá em cima dela,
ela tira de letra, afasta-o delicadamente, afinal esta na casa dos outros, se
na sua fosse...
Ha um cheiro esquisito no ar, parece de cigarro, mas tem um
odor diferente do de cigarro. O que será? Alguns fumam na sala, são os filhos
do anfitrião. Entende o que é, não diz nada, acha apenas que não está no lugar
certo, mas é problema deles.
A noite vai se aprofundando e afundando as pessoas, que
mais uma vez se embriagam e, por força do álcool começam discussões
intermináveis, um bota fora de vida alheia que é constrangedor. A anfitriã,
claro, sempre se achando com toda a razão, sem ter mesmo nenhuma. Ela se
recolhe, realmente não estava bem, o estomago lhe doía, já estava toda inchada.
Bebera muito vinho, mas muito mesmo e o efeito estava ali.
Quando acorda, no outro dia, a casa já está mais calma, era
sábado ou domingo, não se lembra bem, e já havia muito mais coisa a fazer, pelo
menos em termos de beber e comer. Acordam. Vão ao mercado. Que mercado!
Encanta-se com a variedade de jamóns pendurados há uma secção imensa do mercado
somente para eles. Chouriços, queijos, vinhos!
Voltam a casa, largam as coisas e vão até a casa do amigo
do dia anterior. Mais vinho e mais jamón. O pata Negra é claro. Recebe uma rosa
vermelha, convite para dançar. O homem se esfrega nela, ela não gosta e fica
pedindo a Deus que eles se decidam a voltar para casa. Mainhã conversa
particularmente com o homem, vai até o quarto dele. O quarto e sala é lindo e
arrumado. Soube, depois, que o homem é gerente de um banco e namorava com a
sobrinha da mainhã, uma outra nacional que lá estava.
Domingo. Vão a Barcelona, Porto Olímpico. Comer é a palavra
de ordem. Eles gostam de marisco e anfitriã abusa do caro pede parrilada de
marisco,(camarão e lagosta grelhados)ta, e tudo o mais, tudo tem um defeito
sempre. A cara é de quem esta mesmo enfastiada com aquilo. Nada de errado com a
comida, gênero puro, tipo ser conhecedora do assunto. Uma verdadeira graça, se
não fosse ridículo. A visitante come pouco, não gosta de frutos do mar, mas não
dispensa o pulpo e nem as lulas. Muito vinho para dentro. Comem muito. Ela fica
a olhar para aquele homem, que é, decididamente, um homem bom e muito corajoso.
Voltam para casa. Já é dia 26 e ela vai embora 29. Dia 27
em casa trancada, dia 28 vai tirar a carteira e percebe o que ele diz ao
agente. Ela faz o doutorat em Lisboa. Tudo resolvido, entretanto, a carteira só
vai ficar pronta daqui a um mês. O endereço é dele e ela autoriza-o a pegar tal
carteira.
Não há mais nada a fazer a não ser esperar o dia de embora
e é o que acontece, com um pequeno detalhe: dentro de casa
Casa de meus avós na Galicia |
Mesmo assim, a viagem valeu à pena, e, acreditem: ela
voltou à Barcelona!
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