As moças são levadas para a
França pelas madames, nome que dão às cafetinas que não só lhes aliciam, como,
também, na sua grande maioria as exploram. Fiquei horrorizada, embora tudo isto
seja quase, atualmente, uma normalidade, pois acontece em relação à totalidade
dos países africanos e da América Latina e do Sul.
Quando, no ano de 2010, estive em
Moçambique, por incrível que pareça, tive destas intuições que você tem só em
olhar para as pessoas. Viajava num voo da TAP que saiu do aeroporto da Portela
em Lisboa para Moçambique, muitas horas de voo. Logo no embarque notei a
presença de dois homens, ambos espanhóis. Um magro, baixo, com uma aparência
horrorosa, e, como estava bem na minha frente, com um cheiro de cigarro
insuportável. O outro, um homem bem grande, meio gordo, mas também com uma
aparência muito estranha. Por incrível que pareça, ao chegar em Moçambique,
apesar de ter perdido os homens de vista, em razão do desembarque da minha
bagagem, qual não foi a minha surpresa ao chegar ao hotel e encontrar os dois
hospedados no mesmo local.
Minhas suspeitas em relação
àqueles dois homens se confirmaram, eles passaram ali no hotel os quinze dias,
e nesses dias tive a minha intuição confirmada, pois eles estavam ali por uma
causa nada louvável, percebi eles estavam ali para aliciar jovens moçambicanas para leva-las
para Espanha, ou para qualquer outro
sitio na Europa.
Comecei a prestar muita atenção a
tudo o que acontecia em relação àqueles homens, e notei que muitas jovens eram
trazidas ao hotel, jovens meninas, muito jovens mesmo, talvez não menores,
porque isto tornaria mais complicada as suas saídas do país, mas, com certeza,
a grande maioria com 18 anos. As meninas
chegavam sempre acompanhadas de uma moça, bem ocidentalizada nas vestes, nos
cabelos, na maneira de estar, dir-se-ia que ela era a ligação entre aqueles
homens e aquelas meninas que seriam levadas para fora do país.
Algumas jovens pareciam,
efetivamente, muito felizes. Claro, elas estavam enganadas a respeito do futuro
que as esperavam na Europa. Saem elas cheias de sonhos, que acabarão logo na
chegada, quando os seus passaportes serão tomados pelos seus “proprietários”,
até que elas paguem todas as despesas com a viagem, hospedagem, etc, isto
quando elas conseguem, caso contrário ficaraõ podres: envelhecerão sem
amadurecer.
Fiquei atônita, inclusive, com a
cumplicidade do povo do hotel, quero dizer: os funcionários, que sabem
perfeitamente de tudo o que ali acontece, e não fazem nada, e nem duvido que
alguns até arrumem estas meninas mediante algum dinheiro. Interessante é que,
penso eu, depois de acertado alguns pontos, as moças já ficavam dentro do
hotel, naturalmente uma maneira de impressioná-las, afinal tem garotas que saem
de suas aldeias fora de Maputo diretamente para um hotel com bons quartos com
banheiro privativo e outras mordomias, tipo água quente, ar condicionado, café
da manhã, que apesar de não ser dos melhores, e não era mesmo, mas, com
certeza, para elas, um lugar invejável. O mais engraçado de tudo é que elas se
mostravam muito à vontade e pareciam, até, demonstrar uma certa superioridade.
Passados uns quinze dias os
homens sumiram e com eles as jovens. Nada mais claro portanto, e todas as
minhas suspeitas foram confirmadissímas.
Bom, mas não sei o que aconteceu
com estas moças, mas presenciei, ainda em Moçambique, muitas outras coisas; vi
inúmeras jovens entrando no hotel para dormir com hóspedes, infelizmente tive
de ficar no hotel, não tinha muita saída, e vi mesmo, ninguém me contou, jovens
e ai sim, menores, em ativo comércio sexual, com toda a conivência dos
funcionários do hotel, que recebiam dinheiro, inclusive, para deixar que estas
jovens entrassem nos quartos dos hóspedes.
As meninas chegavam sozinhas e, discretamente, como se hóspedes fossem,
dirigiam-se aos quartos onde os parceiros já estavam a esperar. As vezes mais de um em um mesmo quarto, aliás
os homens da África do Sul fazem isto regularmente, o que me foi dito pelo
taxista que tinha um ponto da frente do hotel e que, muitas vezes, segundo ele
mesmo, ia buscar estas jovens.
Também soube que nos bordéis da
baixa de Maputo, especialmente na Rua Araújo, infelizmente onde está localizado
um parte do Arquivo Histórico de Moçambique, há muitos bares e discotecas
suspeitas nessa rua, andei por ela para conhecer tudo e vi, em pleno dia, tais
bares funcionarem e muitas meninas por ali. Aliás, houve um episódio muito
interessante em relação a esta rua, pois eu, inocentemente, logo no dia que
cheguei em Maputo, deixei as malas no hotel, descansei um pouco e me pus em
marcha para procurar a tal rua do Arquivo. A rua tem um novo nome, mas eu que,
marinheira de primeira viagem em local desconhecido, sem saber olhar direito o
mapa que me deram no hotel, ao invés de descer a rua direto, fiz uma volta
danada e parei em uma das mais movimentadas avenidas e tive de pedir ajuda, o
que fiz exatamente em frente a uma loja em reforma, onde estavam um rapaz na
porta, quase na rua, e uma senhora ainda por sair. Me dirigi ao rapaz e
perguntei-lhe onde era a Rua Araújo. Vi o rosto dele meio surpreso e ele
contendo um riso disse-me que eu deveria continuar por aquela rua e, mais
adiante, virar à esquerda, descer até o jardim e, quando chegasse no edifício
mais alto de Maputo, que agora esqueci como eles chama e depois do jardim
dobrasse para a direita, etc. etc. Enquanto ele estava a explicar a senhora
saiu da loja, fechou a porta e o rapaz disse-lhe: Ela está procurando a Rua
Araújo. Vi a mesma reação no rosto da senhora, ela conteve o riso e virou-se
para mim perguntando: O que a senhora quer na Rua Araújo? A pergunta não me
surpreendeu porque quem é colonizado por português parece que herda a
curiosidade nata deles, e querem saber tudo, me acostumei a isto de tanto
responder as perguntas de tantos, principalmente os taxistas que me
transportavam em Lisboa, que queriam saber tudo: O que eu estava a fazer em
Lisboa? Onde eu trabalhava? De onde vinha? Uns mais ousados perguntavam se a
menina vivia sozinha, dentre outras coisas. Acostumada, pois, não estranhei a
pergunta, estranhei sim, o tom dela, mas respondi calmamente que eu queria ir
ao Arquivo Histórico de Moçambique e já complementei logo, sou brasileira, faço
o doutorado na Universidade de Lisboa e venho fazer uma pesquisa e o arquivo
fica nesta rua. Alivio imediato na cara dos dois, medido exatamente pela carona
que me ofereceram até a baixa de Maputo, onde me deixaram muito próximo à rua,
não antes de me explicarem que aquela rua era não muito aconselhável para uma
senhora andar, mui principalmente ao anoitecer e me explicaram que aquela era
uma rua famosa, há muito tempo, exatamente por ser um ponto de prostituição.
Fazer o que não é? Uma parte importante do arquivo estava ali e eu não podia
deixar de lá ir, como fui inúmeras vezes.
Bom, caso pessoal à parte e para
quebrar mesmo um pouco da brutalidade deste texto, sabemos perfeitamente que o
que acontece em Maputo com as garotas que se prostituem nos hotéis da cidade
com a conivência de tantos, que as
exploram da pior maneira possível não acontece somente lá, temos exemplos bem
próximos nas ruas do Recife,
principalmente na Boa Viagem, bem como em Salvador e em tantos outros Estados
do Brasil onde isto acontece cotidianamente e não só isto, também acontece
o tráfico de mulheres da mesma maneira que acontece nos países
africanos, aliás, a novela Salve Jorge bem explora esta atividade ilícita, tanto que nas zonas
de fronteiras do Brasil o policiamento
está sendo reforçado exatamente para proibir o tráfico de pessoas, ai
incluindo-se o tráfico para fornecimento de mão de obra escrava.
Mas voltando ao documentário
sobre o tráfico de mulheres entre Nigéria e França, fiquei estupefata com tudo
o que os repórteres conseguiam descobrir e mostrar. Ora se os repórteres
mostram isto, se conseguem descobrir tudo num jornalismo investigativo, porque as
autoridades responsáveis não tomam qualquer atitude? Por que não se faz nada, e
a máfia nigeriana continua agindo naquele país e não só ali, porque eles
mostraram, também, como esta máfia nigeriana uniu-se à máfia italiana, à qual
pagam uma percentagem para continuar esta exploração, que é praticada sem
qualquer subterfúgio, porque as mulheres trabalham, algumas delas claro, em
“furgões” adaptados para este ramo de negócio. É inacreditável: os furgões
ficam estacionados em plena via pública.
Na Nigéria, quando as meninas são
“compradas”, segundo a reportagem, aliás mostrada mesmo ao vivo e a cores, elas
passam por uma secção religiosa, onde prometem ao “djudju”, em um ritual vudu,
que obedecerão ao seu patrão, que pagarão a dívida que tem(terão) para com
eles, que a reportagem apurou orça em 50.000 euros, sob pena de morrerem ou
receberem os castigos das divindades. Ou seja, a religião de mãos dadas com o
crime.
Não bastasse essa dívida,
contraída somente pelo fato das meninas serem levadas para a França, se bem
entendi, elas ainda pagam pela comida, pela casa onde moram, por tudo enfim às
suas patroas, ou seja, a dívida só cresce e não há possibilidade delas fazerem
o que mais sonharam e queriam, que era ajudar a família na Nigéria, que não
sabem onde elas estão. Por outro lado, as nigerianas não podem sair da linha em
França, porque as suas famílias na Nigéria sofrerão as consequências de sua
desobediência.
É uma tristeza saber que o
tráfico de pessoas continua impune, apesar das inúmeras medidas tomadas por
inúmeras ONGS, pela Organização das Nações Unidas, e por tantas outros
organizações internacionais. O fato é eu o tráfico continua e as pessoas que
com ele enriquecem continuam impunes, ricas, milionárias até, vivendo sem serem
incomodadas porque contam com a impunidade e com a colaboração de agentes do
Estado, que deveriam coibir tais atos, mas que se corrompem e ajudam a
fomentá-lo cada dia mais.
O que posso fazer é denunciar,
fazer com que tantas pessoas que possam ter conhecimento disto bradem,
escrevam, denunciem. É o mínimo, mas alguém que ler isto, pode ter bem próximo
a si um desses casos e pode ajudar denunciando.
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