sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Um dia histórico

Hoje, 25.10.2011, é um dia histórico na minha vida, acreditem se quiserem, mas é mesmo. Aos 58 anos consegui cortar (modelar) uma calça e, pela primeira vez, também, sentei numa máquina de costura e costurei a lateral da calça.
Ninguém imagina o que é isto para mim: é uma superação de todas as minhas limitações em relação à costura. Não sou chegada a qualquer atividade manual, sempre me julguei uma incompetente neste particular. Sou daquelas que para pregar um botão acho melhor pagar a alguém. Quando estava casada e tinha de fazer isto para o meu marido, o problema estava criado, cheguei mesmo a chorar quando fui solicitada a fazer este trabalho de gigante.  Se a solicitação era feita na hora que o cara tava prestes a sair, a merda tava feita, porque eu acabava espetando o dedo e sujando a camisa de sangue. O homem, às vezes, sorria, mas outras vezes ficava puto, porque ele era, e é daqueles que, mesmo tendo mil e uma camisas disponíveis, resolve que tem de usar aquela determinada. Os nossos filhos são testemunhas disto. Quando eles usavam alguma camisa dele, ele dizia exatamente assim:
“poxa, mas logo hoje que eu ia vestir esta”.
Este jargão virou gozação lá em casa, até hoje eles brincam com esta estória.
Bom, só falei disto para que vocês percebam a minha falta de habilidade para as coisas da costura.
Vocês podem estar perguntando por que decidi agora fazer um curso de corte e costura. Lhes digo: quando a pessoa esta com problemas que não sabe como resolve-los; quando esta diante de uma encruzilhada, em que não sabe a saída e não consegue pensar em nada a não ser no problema, tem de arrumar uma alternativa, uma coisa completamente diferente. Foi o que fiz, decidi que ia desafiar a tesoura e o tecido.
Bom, mas não foi só isto que me levou à aula de corte costura, porque poderia ser qualquer outra coisa, culinária, pintura, etc.,
A escolha recaiu na costura, porque, no espaço onde faço Yoga – Alfazema Cultural - começou um curso de corte e costura. Aqui tenho de fazer um parêntesis para falar dos projetos da Claudia.
Claudia é uma italiana que é casada com um Mestre de Capoeira – Mestre Orelha – aqui em Arembepe. Uma mulher intelectualizada, mística, inteligente, bonita e com muitas habilidades. Um curriculum para lá de invejável, só para lhes dar uma idéia, ela fala quatro idiomas fluentemente: alemão, inglês, italiano e português, acho que deve dar alguma pincelada boa em francês, não estranharia; também não duvido que ela fale outros idiomas, dialetos. Já viajou muito e tem uma bagagem considerável. Vi o seu curriculum e fiquei entusiasmada com o fato dela ser “restauradora”. Já teve obras no Vaticano, salvo engano, inclusive tinha um ateliê montado naquele país. Nestas plagas ela realiza um grande trabalho,particularmente   em Arembepe. O seu centro cultural, que, salvo engano, não tem qualquer ajuda governamental realiza diversos projetos: seja em relação a crianças, seja em relação aos jovens, mulheres de todas as idades, inclusive a terceira, como é o meu caso. Fico entusiasmada com a dinâmica daquela mulher e fico me questionando com uma pessoa  vem parar aqui em Arembepe e consegue, em tão pouco tempo, tantas realizações, integrando  tantos em tantas coisas, ajudando a sociabilizar Arembepe, criando oportunidades, expectativas,  fazendo com que jovens criem gosto pela leitura, viajem com os contos que são contados ao vivo e com participação  de familiares sociabilizando a relação familiar. Enfim, fico entusiasmada e tenho que parabenizá-la por todas as iniciativas.  
Bom, mas voltemos ao curso.
Fui lá e me matriculei: incrédula, evidentemente, porque realmente não tenho qualquer compatibilidade com os trabalhos que dependam das mãos. Olhe que na escola de freiras tinha uma matéria que acho se chamava “prendas do lar”, em que eu tive de aprender a fazer bainhas, bordar, etc. Nada foi avante, e se não fosse a ajuda providencial da minha mãe, talvez ainda estivesse tentando sair da 2ª série de ginásio aos 58 anos.
No dia designado fui e vi as colegas e a professora, uma pessoa que eu já conhecia, mas que não sabia bem se era ela mesmo que daria o curso. Por falar nisto, esta senhora tem mãos divinas, faz cada coisa maravilhosa, vejam o trabalho dela, uma pequena amostra. Uma lutadora. O fato é que cheguei e vi as minhas colegas. Ganhamos um kit, e eu me vi de frente com uma tesoura afiadíssima, um pacote de muitas agulhas e alfinetes, uma tesoura (pequena), isto é; me disseram que aquilo era uma tesoura: até hoje to na dúvida, um lápis que é o 6-B, não esqueçam nunca disso, o lápis para a costura tem de ser este, outro não serve, e uma fita métrica, quanto a esta última, acreditem que é verdade, a minha intimidade não vai além do que tomar as minhas próprias medidas, que sempre acho erradas, pois fico puta quando a cintura esta quase do tamanho do peito e quadril e eu me vejo uma coisa sem forma, ou melhor, com a pior forma que uma mulher pode ter: quadrado! A altura já nem me aborreço mais, porque a fita mostra que to encolhendo, mas enfim isto esta sendo solucionando, a Yoga e o pilates estão me esticando e eu to voltando aos meus 1,67, já confirmados pelo Doutor Lim lá na acupuntura.
Instrumento ali, apresentações e eu achando tudo muito engraçado, realmente não via qualquer futuro naquela estória, mas precisava mesmo de algo para me agarrar, para me deixar de fazer pensar na Justiça Colonial em Moçambique e em todos os problemas que estão vindo me visitar e que, como visitas inconvenientes que são, querem se abancar para sempre na minha casa; estrategicamente, saio dela e abandono-os, ainda que momentaneamente, para que vejam mesmo que não são bem vindos.
Bolsa feita por Eliana
Calça feita por Eliana
Apresentações feitas e lá vamos nós para a coisa prática. Confesso que não entendia nada. A professora pega um molde de uma calça e manda que todos façam este molde. Confesso que não entendia porra nenhuma. Aquilo era mesmo um quebra cabeças. O molde primevo foi o de calça.  A professora explicava dali, daqui, e eu atenta, mas não entendia nada.
- “É muito importante achar o fio do tecido”
E eu olhava ela marcar no molde o fio, sem o tecido.
Porra, como se pode marcar o fio sem o tecido? Não conseguia entender, mas anotei.
“Tem de ter muita atenção ao gancho, as duas partes da calça, frente e fundo, tem de coincidir, não há possibilidade para sobra”.
Era grego, olhava aquilo como se estivessem falando para mim de física quântica.
O molde padrão trazido pela mestra tinha de ser copiado por todas. Eu não fiz o molde, porque não levei papel, e se tivesse levado também não faria, porque realmente não tava entendendo nada.  As outras se esforçavam e tentavam fazer o molde em jornais trazidos pela própria professora.
Achava tudo muito interessante e inusitado. A própria situação, para mim, era mesmo engraçada. Eu me perguntava, mesmo sabendo a resposta: Que porra você tá fazendo aqui? Tu não tá vendo que não vai conseguir nunca? Você não tem jeito para esta coisa mesmo mulher!
Todavia, mesmo com tantas perguntas e respostas prévias, eu não desisti na primeira aula, e fui vendo as pessoas muito felizes fazendo os seus moldes, tirando dúvidas, enfim, estava a ver a participação de pessoas até então desconhecidas que agora estavam ali juntas, rindo umas das outras, integrando-se, comunicando-se: tem mãe e filha, mulher de pastor, pessoas que já sabem costurar, mas precisam de técnica. Fico só olhando tudo, não faço anda.
Na segunda aula, novamente calças, desta vez já levei, entusiasticamente, papel metro branco, régua, borracha, caderno, mais lápis preto, fui toda equipada, pois comprei tudo na Le Biscuit, uma verdadeira profissional da costura.
Sigo para a aula e fico, mais uma vez, só olhando tudo. Vejo a professora fazer o molde de uma calça minha, é porque pedi a ela para fazer uma calça igual a uma que tenho, com um pano maravilhoso que trouxe de Moçambique, e ela usou a calça para mostrar como cortar aquele molde, que não era muito fácil, cheio de detalhes, etc, é a calça que aparece supra na foto..
Vi tudo isto, mas ainda não me familiarizava com as coisas: o tal do fio do tecido me deixava doidinha, aliás, continua me deixando.
- “Você tem de encontrar o fio, é muito importante,” e, mais uma vez, o fio era encontrado no papel.
Porra! Acho que nunca vou acertar este negócio de fio.
Aula acabada, volto para casa com toda aquela parafernália, que nem olho durante a semana, não deu, fiz mais umas 5 páginas do trabalho do doutorado e estava muito preocupada.
Terceira aula: vou decidida, hoje faço um molde de qualquer maneira. A professora traz um novo modelo de calça, e aí eu vou tirar o molde, na verdade não tirei molde nenhum, como tinha emprestado papel a americana, já viu que o meu curso é importante não é, tem americana, têm gaúchas, (a professora é uma delas) tem mestre, enfim, tem gente, vida; ela fez dois, um para ela outro para mim. A aula girou em torno daquilo e, mais uma vez, da minha calça, porque a professora queria saber a opinião de cada uma de nós a respeito do que faria com aquele pano tão cheio de detalhes, acreditem se quiserem: 9 pessoas deram sugestões diversas, fiquei mesmo entusiasmada, porque também tenho outro grande defeito quando se trata de visualizar o que pode ser feito, não consigo mesmo perceber o resultado.
Bom o fato é que trouxe o molde para casa e aí é que vem o “grand final” de hoje:
Estava em casa sozinha no sábado, uma chuva da porra e que faço eu? Pego um tecido que tenho guardado há uns 12 anos, é porque eu sou assim: compro coisas e vou guardando. O tecido dava para fazer um grande e belo vestido, mas eu decido que vou fazer a calça, acho que ele tem balanço suficiente para isto.
Pensem a novela: a mesa da sala é pequena, não dá para o pano ser devidamente estirado, o molde é maior do que o tampo da mesa.  Estico o pano e coloco o molde em cima, vejo que se fizer como pensava da primeira vez vou gastar muito pano, tenho de ver qual a melhor maneira, resolvo que corto um lado de cabeça para cima e o outro para baixo, assim faço (leia-se, um lado para cima e o outro para baixo, começando da perna). Primeiro a prego todo o molde no pano com alfinetes, fico olhando como achar a zorra do tal do fio, não percebo, mas, pela lógica da coisa, penso que é como coloco o pano. O coração está aos pulos, vou meter a tesoura. A miserável esta super amolada, vai pinicando o pano. Vou cortando e pensando, esta merda não vai prestar para nada, mas continuo, corto mais largo tudo, porque penso exatamente que depois levo para o curso e a professora acerta.  Corto primeiro a parte de trás, depois viro; tenho de dizer, que eu é que viro o tecido eu não me atrevo sequer a mexer. Meu braço bate na parede, fico sem jeito, não sei como trabalhar a tesoura naquela direção e naquele espaço, mas enfim, corto a parte de trás das calças, o fundo.
Levanto o pano e vejo que cortei mesmo, incerto bem verdade, mas o pano toma uma forma, dá para ver que aquilo poderá vir a ser uma calça.
Começo então outro processo: tenho de alinhavar tudo e lembro:
- “As pontas têm de coincidir”
Coloco as pontas juntas, estão mais ou menos coincidentes.
- “O gancho, primeiro de tudo olhem os ganchos; tem de estar no lugar certo, juntos, não pode sobrar nada”
Alinho os ganchos: diferença. Porra! Que saco! Penso em desistir.
Não, esta droga não é mais de que eu.
Começo então a fazer o alinhavo pelo gancho, isto é: do gancho para baixo. Primeiro tem que fazer as duas pernas, depois é que junta as duas partes, através do gancho.
O pano sobra, eu sabia que ia acontecer, mas não pensei que era tanto, tento alinhavar, acertar. Consigo.
Ah, agora a hora pior, como é que eu vou juntar estas duas partes?
Começa um exercício de geometria. Eu nunca fui boa nisto. Tem de ser tudo pelo avesso, viro para lá, viro para cá, e, incrível: consigo colocar a zorra certa! Alinhavo tudo e, de repente; não mais que de repente: esta ali, na minha frente, alinhavada, ou não, uma calça.
Confesso que fiquei para lá de feliz, sinceramente, e mais uma vez constatei, que tudo o que a gente quer e se determina a fazer, pode ser feito, a gente consegue mesmo.
 Muito satisfeita, fiquei aguardando o dia de levar a calça para a professora dar a opinião.
Cheguei com o material e disse: surpresa! E botei em cima da mesa a minha obra de arte. 
- “Você fez isto mesmo?”
Porra, ninguém acredita em mim! Mas a professora diz que eu trabalhei direito, que estou de parabéns, que eu consegui montar mesmo a calça.
Fico feliz, mas sei que tem defeitos, e quando ela pega me diz exatamente o que eu já sabia:
- “tem de acertar tudo, os lados não coincidem”.
Expliquei que sabia disto, mas o problema é que como não sabia manusear a tesoura, a maneira que achei de não inutilizar tudo foi cortar maior e depois acertar, ou cortando, ou com a costura.
- “Tudo bem, mas agora você vai ter de costurar e fazer uma costura limpa”
O que? “Eu costurar na máquina”?  Tá doida! Nunca peguei num negócio deste.
- “Não tem mistério nenhum: vamos lá”
Eu e ela nos dirigimos para a máquina
Pense aí! Controlar mão e pé. Porque é mesmo assim: o pano fica ali embaixo daquele dente por onde passam as linhas: linha de baixo e linha de cima e você controla a velocidade da costura no motor com o pé, um perfeito trabalho de coordenação motora.
Digo para mim mesmo: não vou conseguir esta porra, esta fora do meu controle.
Qual o que! Pois não é que consegui, sem alinhamento ou não, costurar as duas partes da calça. Gritei, gritei de novo! Pedi que tirassem fotos porque queria que minha mãe visse isto, ela, com certeza, não iria acreditar, aliás, pelo que conheço do que dizem de mim, ninguém vai acreditar. Minha mãe então, que sabe que a única experiência que tenho com máquina devo a ela mesma, sim porque eu e meu irmão Tininho é que tínhamos de enfiar a agulha de cima, e passar a linha da bobina para cima na velha Singer dela. A máquina de costura da minha mãe era de pedal, e de onde vi sair muitas calçolinhas de algodão branco com ligas nas pernas e cordão na cintura, que eu, por sinal, odiava, mas que tamparam por muito tempo as minhas vergonhas.
Pois é, estou mesmo feliz, e o dia 25 de outubro de 2011 vai ser considerado um dia histórico na minha vida, um marco que vai sempre me lembrar que qualquer pessoa pode superar os seus limites, sejam eles quais forem, pois nada é impossível para quem quer para quem se determina e quer alcançar um objetivo.
Quem sabe meu curriculum vai ser acrescido e vai lá constar uma nova profissão – costureira especializada em pantalonas - tenho certeza que vou agradar!

4 comentários:

  1. Querida, você feza síntese perfeitta da experiência, "superação". Aplique aos casos concretos, você sempre conseguiu, já conhece o caminho.
    Um grande abraço e SAUDADES! Élvia

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  2. Adorei o relato, Esmeralda, vc escreve de forma divertidíssima!
    E dá para ver qual o seu palavrão predileto!!!
    Vá em frente, que tem futuro! Se quiser cortar a cabeça e esquecer tudo o que já aprendeu até hoje, deixe as mãos intactas, para poder fazer trabalhos artísticos com tesoura e linha.
    Bjos e tudo de bom!!

    Lili.

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  3. Oi Mel, até que enfim achei seu blog. Adorei. Mais bacana ainda, é ver vc descrevendo suas peripécias nos rumos da costura. Bj

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