quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O escritório móvel

-“Cadê o celular?  Onde larguei? Temos de voltar para casa”.
O marido olhava a sua agonia, a sua aflição procurando na bolsa, que ele chama de “ escritório móvel”,  o celular.
Sorrindo, ironicamente, deixava que ela ficasse cada hora mais aflita: tira maquiagem, tira óculos de grau, tira chaves da casa, tira máquina fotografica, carteira de cédulas, documentos, enfim, o escritório movel  tá todo remexido, mudou-se passou para o banco do carro e nada de celular.
De repente o som do tema de Lara: ela arregala os olhos: O celular tocou! Tá qui, sente o bicho vibrar na sua mão. Se aborrece tanto que desliga o telefone.
Volta-se para o marido:  - “Você é um sacana; estava vendo o tempo todo que o celular estava na minha mão e nem para dizer nada”!
Ele quase sem fala de tanto rir, não diz nada, continua a dirigir o carro,  e a cantarolar o tema de Lara.
Ela está retada, liga para a mãe, diz que  o marido aprontou uma  daquelas e ela tá muito ruim, O marido continua sorrindo, nao diz nada, só não pode é olhar na sua direção, porque a vontade é somente de rir.
Outra ligação, agora quem será?
A filha. Ela diz a mesma coisa: seu pai tá me sacaneando mesmo,  fala alto, está visivelmente transtornada. A filha, do outro lado, pergunta o que aconteceu, é o que ele deduz, porque ela começa a falar que  ele deixou ela tirar tudo da bolsa “escritório móvel”  procurando o celular, caindo de saber que o aparelho estava em sua mãoe que ela não estava percebendo.
A filha do outro lado tem uma acesso de riso, ela se aborrece e desliga o telefone sem se despedir.
O telefone recomeça a tocar, mas ela nem olha, sabe que é a filha que retorna  a ligação.
A menina vendo que ela não ia atender liga para o pai.
- “Pái, o que você fez a mainha”
Ele diz:  - “ Nada, ela tá cada vez pior, não é que queria que eu voltasse para casa para apanhar o celular, que estava na mão dela, ainda bem que voce ligou, porque assim ela percebeu que o aparelho estava na mão.
Os dois se pipocam de rir outra vez.
Ela percebe que eles estão gozando com o acontecido.  Fecha  a cara e fica toda amuada. Pensa: - "Que porra que eu vim fazer aqui hoje, podia ter ficado em casa e nao tomava esta gozação, pior ainda, vou ter que aturar pessoas chatas em casa de desconhecidos, isto não vai terminar bem.”
Chegam na casa de uma pessoa conhecida do seu marido, ela não conhece a mulher que vai recepcioná-la à porta, mas tem uma grande curiosidade de conhecê-la, até porque quem lhe falou muito bem da pessoa foi a sua própria mãe. Todavia o caso do telefone ainda  provoca raiva e ela não consegue disfarçar direito.
Toma um susto, a pessoa é mesmo bem diferente e ela se apressa em dizer:  -  “Eu estava louca para lhe conhecer, sou filha de  Mariana, e ela fala muito bem de você, diz que uma das suas grandes virtudes é a sinceridade”
A anfitriã toma um susto, e ela percebe que os pelos dos braços da mulher  ficam eriçados. A mulher fica visivelmente emocionada com a pronúncia do nome da mãe dela. Decididamente o mundo é muito pequeno, pensa e verbaliza: -  “O babado ali é forte”, ambas sabem, ela e a anfitriã, a causa do comentário.
Fica melhor, a pessoa é simpatica e tem algo em comum; a África. Ambas, embora com objetivos diversos, estudam  aquele continente. Conversa um pouco com as mulheres, parece um clube da Luluzinha, ja não gosta disto, mas fica ali, o papo é  bom. Fala do amigo comum a ambas, e comenta a solidão daquela pessoa, e ouve a dona da casa dizer que  aquilo era uma opção de vida e que o amigo comum  esta levando a vida que sempre quis levar.
O dia vai passando, a comida é boa, variada, ela vai esquecendo a estoria do telefone, mas há alguém que não esquece e, de repente, vê o marido contando a todos o que acontecera.
Sorri, porque contado pelo marido com toda a mise-en-scène, incluindo os ruídos, é mesmo muito engraçado. Todos riem muito da estória e ele percebe, realmente, a sua própria infantilidade em se aborrecer com o acontecido; pensa que tá mesmo muito doida, muito preocupada com alguma coisa, porque não se explica tamanho desligamento. E se o telefone não tivesse tocado? Quando é que ela ia perceber  que o aparelho estava na sua mão? Realmente precisa ter mais concentração, atenção,não pode deixar que  as coisas lhe afetem tanto.
Ri, acha engraçado a estória  contada por quem tanto lhe quer  bem  e que faz com que um fato preocupante  torne-se, apenas, uma grande e interessante piada.
Há uma rede por perto, deita-se nela, deixa que todos se divirtam às suas custas. Dorme, tem esta extrema facilidade de dormir em qualquer lugar,  mesmo com a zoada de pessoas falando  junto a si, mas o tel está, por via das dúvidas, outra vez, na sua mão.  

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